Agradeço as gentis reviews, ainda mais que obviamente as duas semanas anteriores foram preenchidas por algo que na verdade ficaria melhor como um capítulo só.

Já este aqui, nem estava previsto de existir originalmente, mas foi ganhando corpo e por fim vida próprios, e julgo que realmente não está de todo mau, propiciando a transição necessária para o próximo.

Espero que vocês gostem, e que estejam acompanhando também:

Kiannah ESTRELA SILENCIOSA (novidades sobre a continuação?)

Lady Liebe HOBBITS NO MACDONALDS; VIDAS E ESPÍRITOS POR TRÁS DOS BASTIDORES; A HORA DOS MAGOS (fazendo falta)

Lady Éowyn OS JARDINS DE ITHILIEN

Elfa Ju Bloom MÚSICA FUNEBRE; ROSAS ARMAS AMOR E SANGUE (novo capítulo extremamente estimulante)

Kika-Sama O ADEUS A ELESSAR; APRENDENDO (e aprontando)

Sadie Sil VIDAS & ESPÍRITOS; MACHAS VERMELHAS; AFETO ROUBADO, VERDADE REVELADA (sem comentários)

Nimrodel Lorellim CRÔNICAS ARAGORNIANAS (Extremamente bem escrito) - Em alguns pontos pareceu que, apesar da narrativa cuidadosa, ficaria na mesma velha história; mas ousadamente vem tomando rumos insuspeitos, dando espaço a personagens novos ou pouco explorados, ou ângulos geralmente ocultos do grande herói...vale à pena agüentar o suplício da espera a que nos submete a autora, que cada vez mais alia ao domínio da forma com o arroubo criativo do conteúdo. E é para Nimrodel que vai esse capítulo, já que foi quem mais perguntou o que teria acontecido com Cabelos Negros...

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A PAIXÃO DOS EDAIN

Capítulo XV - Os Filhos do Sol



"Pois foi uma grande batalha e nenhuma história contou um relato completo dela"

JRRTolkien


A CAVALGADA


O cavalo de Galadriel decidira seu próprio caminho ao afastar-se da Floresta Dourada a galope, a mulher em transe agarrada à sua crina.

Respirar era uma dor, e somente o ódio a fazia forçar-se a viver.

Somente o ódio permitia-lhe ter esperança, esperança de ter a sua vingança, e Mornfinniel agarrou-se a esse ódio para sobreviver, alimentando-o com toda a força de seu pensamento, construindo em seu coração a represália com que atingiria o inimigo.

O tempo que perdera fora tempo que ele ganhara. Sua derrota seria árdua e penosa, e certamente custaria a vida dela, mas era o único motivo pelo qual seu coração poderia seguir batendo: morrer vingando-se.

- Norolin! - exortava a montaria. Se Haldir a alcançasse...mas não, não pensaria nele agora. Nem em seus filhos, pois o destino dela era a morte, e o que restava de seu coração não suportaria a lembrança torturante daquela felicidade tão absoluta quanto condenada de que era forçado a abdicar.

A DEVASTAÇÃO


Os meses incontáveis haviam feito dela e do cavalo praticamente um só, percorrendo caminhos desconhecidos, escondendo-se dos inimigos de ambos os lados, procurando água e pasto que dividiu com o animal quando o pão de viagem acabou.

Para quê? Para quê, deuses cruéis? Aldeia após aldeia, cidade após cidade do Sul estavam devastadas. Os palácios de seu pai em chamas. Os adornos áureos da orgulhosa capital levados, as gemas incrustadas nas portentosas cúpulas de ouro arrancadas, e estas agora derretendo no calor do longo incêndio.

Aqui e ali corpos carbonizados de crianças e anciãos. Nenhum corpo de soldado. Nenhum corpo de mulher. O que acontecera? Demorara tanto assim? Seus dias de felicidade teriam custado a aniquilação de seu povo? A sina dos edain já não era suficientemente árdua, deveria ainda comportar toda essa abjeção? Que deus criaria o palco do mundo para nele desenrolar tal história ignóbil?

Ninguém respondia, era como se o mundo houvesse acabado e ela tivesse sido abandonada para trás, condenada a vagar sozinha na terra para sempre desolada, sem que a morte lhe dirigisse um gesto de piedade. Nem o alívio das lágrimas chegava aos seus olhos, ainda que pela fuligem e fumaça. Ela apenas prosseguia, sem esclarecimento e sem solução.

Nos oásis próximos à estrada, mais devastação: a morte viria pela sede, e enfim ela encontraria a paz derradeira, seguindo para o destino de seu povo. Seus olhos negros encararam o sol, e ela exortou a montaria em direção a ele.

Mas o corcel de Lórien conhecera a Senhora da Luz, e não se deixava guiar pelas sendas do delírio...

Cavalo e amazona mergulharam juntos na água. Ela descobriu o rosto, espantada, esforçando-se para não sorver toda a água que a cercava de uma só vez. Que lugar era aquele?

Sim, ela lembrava, já estivera ali, bem jovem, um pequeno oásis escondido. Caminhou pela pequena e preciosa fonte de água, distante de qualquer rota de seu povo. Seu pai a trouxera ali com o irmão, contando ao primogênito que ele fora concebido sob aquelas estrelas.

Subitamente dois vultos a fizeram sacar a espada. Dois meninos, o mais jovem pouco maior que seu filho, crianças morenas de seu povo, aparentemente sozinhas.

- De que casa são vocês? O que aconteceu? – perguntou.

- De que casa é você? E como foi que escapou? – redargüiu o mais velho, de no máximo treze anos, segurando na mão uma adaga em cujo cabo faiscava um grande rubi.

- É da Casa de Raor? Então sou sua prima, pode ter lembrança de quando eu era uma mocinha. Sou Darai da Casa de Raor, filha de Ravai e irmã de Daror.

- Irmã de Daror? A irmã de Daror está morta, morreu na emboscada do Norte!

Darai da Casa de Raor, que em Lothlórien fora chamada de Mornfinniel, embainhou sua espada e agachou-se à altura do menino, olhando-o com atenção:

- É Cassir, filho de meu primo Mailir? Devia ter cinco anos quando a grande caravana partiu, mas me conheceu com quinze anos, faça um esforço para me reconhecer.

O menino olhou-a com desconfiança, no entanto, sim, ela lhe lembrava alguém.

- Tem um tio de minha idade, Mahir, uma vez brigamos eu e ele e você riu, sentado na janela, e eu o joguei em cima do espinheiro, lembra?

- Sim – riu o menino – e meu tio quebrou seu nariz, e Daror bateu com a cabeça dele nas pilastras do palácio, dizendo que meu tio pagaria em ouro qualquer dano à beleza de sua irmã.

- Isso mesmo – Darai quase sorriu, por um segundo de volta às lembranças alegres de sua meninice. – Isso foi poucos meses antes da grande caravana seguir para o Norte. Sei que muitos não retornaram desta viagem. Conte-me primo, o que aconteceu com nosso povo e com a Casa de Raor desde então?

A Casa de Raor hoje é a Casa de Daror.

O CHAMADO DA TROMBETA


Até o tempo se aliara ao Inimigo; corria célere quando deveria demorar-se, arrastava-se quando o momento era de espera.

Darai precisava ter com os exércitos de seu povo quanto antes, mas para conseguir chegar até eles, necessitaria aguardar seu instrumento de aproximação. Um cavaleiro solitário seria emboscado antes de se aproximar dos soldados do sul, ou silenciado por uma flecha antes de soar sua corneta, ou pisoteado pelos olifantes antes de se identificar.

Depois do que o menino lhe contara, todas as suas piores impressões se confirmaram. Ah, mas não deixaria o fim de seu povo se consumar! Não mesmo! Não sobrevivera até agora para deixar a abominação triunfar. Precisava de seus homens agora, e eles precisavam dela; podiam perecer todos, mas pereceriam juntos, pela causa da verdade, e combatendo o inimigo certo

Por isso Darai esperou pelo pequeno olifante, e ele finalmente veio beber no oásis, e os meninos ajudaram-na a ganhar a confiança do animal, e quando finalmente ele estava pronto, os mais velhos insistiram em partir com ela.

Havia várias crianças no oásis. Os jovens tinham mais habilidade do que os velhos para escapar da espada dos orcs, e como estes não deixaram suprimento ou montaria onde destruíram, não se ocuparam demais daqueles sobreviventes, entregando de bom grado sua morte ao deserto e à fome.

Darai fez-se acompanhar somente por Cassir e Telener, mais velhos, confiando na generosidade do oásis para com os menores:

- Cuidem bem do Oásis da Casa de meu irmão; a ira de Daror será terrível se nenhuma passa for guardada para a estação sem frutos! Comportem-se bem. Jamais esqueçam de que são filhos do sol e do deserto, aconteça o que acontecer, honrem o seu povo!

O animal agradava-se da companhia dos humanos, mas também necessitava de água e pasto, e, principalmente, de seguir oculto, por caminhos que antes eram batidos a cavalo.

Darai permitiu-se lembrar por um instante; Haldir quase lhe comera o fígado por haver envolvido Orophin em uma estratégia temerária contra um destacamento de orcs, que diria agora, que avançava com dois rapazolas cheirando a leite da grande batalha de seu tempo sem estratégia alguma, armada apenas de desespero?

Entretanto, se chegassem ao seu povo, os meninos seriam testemunhas mais fidedignas do que uma mulher há muito perdida no estrangeiro, arauto de uma traição grande demais de se conceber. E ela precisava alavancar uma decisão imediata e mortal ao menos do chefe de Sua Casa - que era de fato a Casa governante - antes que o verdadeiro inimigo tivesse tempo de espoliar-lhes o último gesto de redenção e vingança.

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E contra toda possibilidade, o trio de Darai viu-se finalmente nos campos de Pelennor.

Não era uma boa hora, definitivamente não, mas ela não teria tido a menor chance de aproximar-se deles em Mordor, passando pelos orcs.

Assim foi que, somente em meio à batalha, os filhos do sol puderam escutar a trombeta de Harad soando insistente além dos exércitos que se defrontavam, e avistaram espantados o filhote de Olifante que não poderia estar lá.