O MAIS LONGO E MAIS QUERIDO DOS CAPÍTULOS, um dos primeiros a ser iniciado, embora nunca pareça estar totalmente pronto...mais uma vez buscando mesclar filme e livro, e um que eu torço sinceramente para que vocês gostem, pois nele está o cerne da paixão, na qual vamos embarcar após as indicações permanentes:

Sadie Sil VIDAS & ESPÍRITOS; MACHAS VERMELHAS; AFETO ROUBADO, VERDADE REVELADA

Nimrodel Lorellim CRÔNICAS ARAGORNIANAS

Kika-Sama O ADEUS A ELESSAR; APRENDENDO

Elfa Ju Bloom MÚSICA FUNEBRE; ROSAS ARMAS AMOR E SANGUE

Lady Éowyn OS JARDINS DE ITHILIEN

Kiannah ESTRELA SILENCIOSA

Lady Liebe

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A PAIXÃO DOS EDAIN

Capítulo XVI - Nos Salões de Minas Tirith


A CHEGADA DE HALDIR

Os olhos élficos de Haldir finalmente divisaram a cidade branca através da dor. Três dias de galope haviam alçado a agonia em sua cabeça a um novo patamar, após as semanas em que lentamente ela fora cedendo em Meduseld. Mas o golpe de acordar no Palácio Dourado para descobrir que havia sido deixado para trás, enquanto seus amigos corriam para a batalha, havia instilado no elfo tal energia que os criados do palácio de Rohan que assistiam sua recuperação não conseguiram demovê-lo da urgência de partir.

- As tropas já seguiram há dias, nobre senhor, a batalha já terá terminado quando chegar a Gondor.

As estrebarias de Edoras, outrora cheias, só puderam lhe prover com uma égua castanha, que também sofrera um ferimento dos orcs. Aparentemente estava mais recuperada do que ele, pensou Haldir, a cabeça como em um torquês. A cavalgada parecia ter tido um efeito benéfico sobre o animal, em oposição ao efeito que operara sobre seu cavaleiro.

Haldir constatou, contrariado em seu sangue de guerreiro, que realmente chegara tarde para a batalha ao divisar os campos de Pelennor. Mas em meio ao mal-estar provocado pela dor que piorava hora a hora, seu coração encontrou alegria por seus aliados, ao perceber que nas fogueiras ainda acesas eram de orcs os corpos que ardiam.

Embora a quantidade de cavalos mortos indicasse um grau de perda insustentável, os corpos de seus cavaleiros haviam sido recolhidos. Sobreviventes havia, e em condições de recolher os companheiros feridos e honrar os caídos em batalha. Ao longe, espirais de fumaça elevavam-se de Minas Tirith, mas a flâmula da árvore branca tremulava altiva em seus muros.

O mundo dos homens ainda não havia sucumbido, pensou Haldir, antes de desfalecer em frente aos portões da cidade.

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- Haldir, você não devia ter vindo, que insanidade! – falou Gandalf severo, ao encontrar o elfo entrando no palácio, amparado por Legolas e Gimli.

- Uma vez que Mandos aparentemente não julgou necessários meus serviços em seus Palácios, não me sinto com disposição de aguardar muito para prestá- los onde o forem – respondeu o arrogante Capitão.

- Pois sua impaciência ainda há de atrasar em muito a serventia deles, seu tolo.

O orgulhoso elfo segurou a respiração ante a reprimenda do venerável Maiar, mas a bondade contida nos olhos e no rosto do ancião lhe transmitia uma impressão de acolhimento quando Aragorn adentrou o saguão.

- Rei Elessar – disse o Capitão de Lórien, em reverência.

- Valoroso Haldir! – e novamente Haldir se viu abraçado por Aragorn. – Minha vida é dívida que jamais conseguirei lhe pagar, assim como nossa vitória no Abismo de Helm e agora em Pelennor, conseqüentemente.

- Meu serviço é disposição dos Senhores de Lórien, Rei Elessar. Se há dívida ou gratidão nas vitórias dos homens, não é para comigo.

- Entre os inimigos do Senhor do Escuro, a amizade aos companheiros mostrou- se tão valiosa quanto a fidelidade aos senhores. A dívida do Rei Elessar para com o Senhor Elrond de Valfenda e o Senhor Celeborn e a Senhora Galadriel de Lórien não diminui a dívida de Aragorn, filho de Aratorn, para com o Capitão da aliança entre homens e elfos. Haldir de Lórien, eu o considero como a um amigo, e entre amigos não há necessidade de títulos, chame-me simplesmente Elessar, ou Aragorn, se preferir.

A despeito de suas reservas para com a raça dos homens, Haldir não pode deixar de apreciar as palavras do Rei de Gondor, ditas com sentimento tão intenso. O arrebatamento dos edain rompia a represa em que Aragorn o contivera por longos anos, percebeu o Capitão de Lórien.

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A EMBAIXADA DE HARAD

"Comenta-se que havia transações antigamente entre Gondor e os reinos de Harad do extremo sul, embora nunca tenha existido amizade. Mas muito tempo se passou. Já faz muitas vidas de homem que um sulista passou, indo ou vindo, entre nós."

JRRTolkien

As admoestações de Gandalf não foram suficientes para separar os amigos sequiosos por partilhar os últimos acontecimentos. Haldir recusou-se a descansar, e após se recompor brevemente foi ter com os outros na sala do trono agora ocupada por Aragorn. Éomer logo juntou-se ao grupo, e todos passaram a descrever ao recém-chegado os principais pontos da batalha:

- O que me intriga, Aragorn, é a súbita mudança de lado dos haradrim, após o aparecimento do outro olifante – disse Eomér.

- Os covardes traiçoeiros mudaram de lado ao perceber quem venceria a batalha – precipitou-se Gimli.

- A batalha ainda estava muito longe de parecer vencida para eles à altura em que os homens de Harad começaram a se afastar do campo – respondeu Éomer.

- Sim, pois o rei ainda não havia se revelado então – acrescentou Gandalf.

- E após algum tempo suas cornetas começaram a soar, parecendo chamar os que haviam ficado, e mais deles se foram na direção oposta a que estávamos. Embora só um dos olifantes tenha sido dirigido com êxito para os limites do Pelennor; os haradrim tiveram que abandonar os animais que não podiam mais ser controlados – continuou Éomer – e não tenho certeza, mas acho que no final eles se voltaram contra as demais tropas de Sauron.

- De fato, voltaram-se contra os orcs de Sauron, e isso atraiu para eles os Nazgûl, mas seus arqueiros terminaram o trabalho dos de Gondor, ou ainda estaríamos sob a ameaça daquelas criaturas abomináveis – completou Gandalf. – A questão que intriga Éomer é a mesma que intriga a mim: que motivo poderia ter levado o povo de Harad a romper a aliança firmada com Sauron, no meio da batalha, sujeitando-se à sua ira?

- Que valor pode ter a palavra empenhada pelo povo selvagem do sul? Que honra têm aqueles que servem ao Senhor do Escuro? – desdenhou Gimli novamente.

- Aqueles que me chamaram Incannus, a quem conheci muitas vidas de homens atrás, prezavam a honra acima de todas as coisas, ainda que à sua maneira rude. E não se dispunham a servir senão seus próprios chefes; não se tornariam servos de Sauron, no máximo seus aliados. De qualquer forma, nem a honra devida a seus votos, nem o medo inspirado por seu aliado os impediu de se voltarem contra ele no coração da batalha. E não sou capaz de imaginar que fado terrível poderia ter inspirado uma reviravolta tão dramática.

- Realmente, Gandalf – manifestou-se Aragorn – não observei o desenrolar dos fatos que você menciona, mas alguma razão que não deve ter-lhes deixado outra escolha fez os haradrim tomarem essa atitude suicida, pois seu destino teria sido morrer nas mãos de qualquer dos lados que fosse vencedor. Entretanto, as tropas sobrenaturais que conclamei a lutar contra meus inimigos não reconheceram toda a gente de Harad como tal, embora o povo do deserto não pudesse esperar por isso.

Em meio à discussão suscitada pelo assunto, um dos guardas da cidade entrou na sala e fez uma profunda reverência ao novo capitão de Gondor, o rei retornado, herdeiro de Isildur, Aragorn-Elessar da Espada Restaurada, que trouxera a vitória quando a esperança já havia acabado.

- Senhor, uma embaixada de Harad veio aos vossos portões e solicita audiência.

Sem esconder a surpresa, Aragorn mandou que a embaixada fosse trazida à sua presença.

Sem esconder a contrariedade, o soldado retirou-se para cumprir a ordem.

- Tempos interessantes demais, cheios de novidades demais, algumas melhores que a melhor esperança, outras nem tanto – saiu o homem resmungando baixo.

- Senhores, parece que as respostas encaminharam-se para cá enquanto as perguntas eram feitas. – disse Aragorn posicionando-se em frente ao trono, mas ainda sem tomar assento nele: isso ele só faria após a libertação da Terra-média da opressão de seu Inimigo.

- Vou buscar alguns soldados para a proteção do rei. – disse Éomer.

- Estou protegido pelos melhores soldados de toda Terra Média, Éomer. Quem já enfrentou os piores servidores de Sauron, não há de temer os homens de Harad – respondeu Aragorn.

Os oficiais do Palácio, entretanto, trataram de dispor duas fileiras de homens ladeando o salão, da porta de entrada até a escadaria do trono, onde Legolas, Gimli e Gandalf postavam-se ao lado de Aragorn, com Éomer e Haldir mais atrás.

A embaixada a suscitar tanto cuidado consistia em apenas seis membros, de calças pretas largas e botas que pisavam pesadas, blusas vermelhas, coletes pretos e cinturões de ouro todos eles, e turbantes negros, com exceção da figura que vinha liderando à frente, e surpreendentemente era uma mulher, de longa trança negra.

- Mae Govannen, Rei de Gondor – disse a mulher em sindarin, fazendo uma reverência, acompanhada pelo homem que estava ao seu lado tão logo este recebeu seu punho fechado nas costas.

Aquela voz arrancou Haldir da névoa de dor em que se encontrava atrás de Éomer, apoiado numa pilastra, e o elfo avançou para junto de Gandalf, à direita de Aragorn, no momento em que Darai levantava o tronco. Seus olhos se encontraram por um momento, os dela surpresos, os de Haldir gelados. Ela respirou e dirigiu seu olhar e sua fala novamente ao Rei.

- Eu sou Darai, filha de Raor, irmã de Daror, príncipe entre os príncipes dos haradrim, Chefe entre os Chefes de nosso povo, e falo por ele.

- Mae Govannen, senhora. Gondor escuta o Chefe dos haradrim.

- Harad declara a quem quiser ouvir inimizade eterna a Sauron. Harad também declara que, de sua parte, considera encerrada sua inimizade para com Gondor. Em respeito ao Rei de Gondor, Harad oferece um pagamento em ouro para atravessar as terras de Gondor em direção ao Norte.

- Gondor vê com bons olhos a inimizade para com Sauron, mas a inimizade para com o aliado de ontem não alimenta a confiança de Gondor na amizade dos que até essa data eram nossos inimigos, e nem encontra-se à disposição para ser trocada nem por todo ouro de Harad – respondeu Aragorn.

- Os haradrim não pedem pela amizade de Gondor, nem por sua confiança. Os haradrim não pedem favores, e pagam com ouro tudo que não tomam pela força, porque essa é a lei de sua honra. Os soldados de Harad vão atravessar Gondor, e se for a escolha de Gondor que nossas tropas tenham de se enfrentar por isso, Harad lamenta, involuntariamente, prestar mais esse serviço ao Inimigo de todos os homens.

Muitos dos presentes seguravam o cabo da espada. Aqueles que desconheciam o sindarin não deixavam de perceber a arrogância da mensagem. Os olhos de Aragorn faiscaram, mas a mulher de Harad fora direto ao ponto: Sauron ainda não fora derrotado, e o Rei de Gondor não podia desviar sua atenção ou sua força do Inimigo agora.

- Realmente, Darai de Harad, que fala por Daror, nenhum de nós deve perder de vista quem é o verdadeiro inimigo de todos os povos livres da Terra- média – interveio Gandalf, buscando acalmar os ânimos. – Mas talvez seja mais fácil manter isso em mente, se nos for revelada a razão da súbita inimizade que se estabeleceu entre Sauron e Harad.

Darai voltou-se para o mago com um olhar carregado, mas avaliador. A tradição de Lórien falava de magos bons, apesar desse aqui trajar o mesmo branco que ela já vira antes.

Mas não lhe restava outra carta na manga que não a verdade, e se a verdade falhasse pela traição do mago, ela o carregaria para a morte consigo. Ademais, Haldir postava-se ao lado do ancião, como se lhe fosse próximo.

Oh Valar, Haldir estava lá! Haldir estava lá, perfurando-a com olhos de faca, e seus ouvidos escutariam diretamente de sua boca o que ela não desejaria que ele jamais soubesse.

Palavras vindas de sua comitiva reconduziram imediatamente a trilha dos pensamentos de Darai.

- Tark! – calem-se; ela falou, e então voltou-se novamente para o rei.

- Darai fala por Daror. Darai fala com o rei de Gondor.

- Então fale, senhora. – respondeu Aragorn, num tom perigoso.

Darai cruzou os braços em frente ao corpo, afastou as pernas e ergueu o queixo orgulhoso:

- Há alguns anos, Raor, Senhor entre os Senhores de Harad, foi convidado a encontrar uma embaixada dos Senhores de Gondor, na exata fronteira entre nossas terras. Havia a memória de lendas que falavam de antigas contendas entre Gondor e Harad. Mas havia também o conhecimento de que uma vez houve comércio entre esses povos, e embora isso tivesse sido há muitas vidas de homem, a memória de bons cavalos, vinho e trigo ainda estava presente em nossa tradição. Conforme a tradição também se portaram os emissários da embaixada, e então Raor reuniu um séqüito de grandes senhores de Harad para vir ter com os grandes senhores de Gondor. Ainda posso ver os palácios em cima dos olifantes em que a corte viajou por semanas, passando por cidades e aldeias das tribos de nosso povo, até o local do encontro.

- Somente o corpo de Raor retornou, apodrecido pela viagem, crivado de setas com a marca de Gondor, trazido pelos dois soldados de sua guarda que sobreviveram em mil. Toda a comitiva havia perecido. Daror reuniu suas tropas e cavalgou seus animais através do deserto, para só encontrar carcaças carbonizadas, sob a bandeira da árvore branca.

- Mas os Olifantes de Daror quebravam o gelo que se formara sobre os rios, e Daror não pôde atravessar a neve. Só nas lendas conhecemos o inverno branco, mas nunca nossas lendas falaram de um tal inverno de frio, vento, granizo e geada tão ao sul, como se uma força sobrenatural conjurasse os elementos para proteger Gondor contra a retaliação dos haradrim. Harad teve que retroceder, o que só fez aumentar sua fúria. E foi então que os emissários de Sauron vieram, e prometeram aos haradrim a sua vingança.

- Do que é feito com os soldados que retornaram com o corpo de Raor eu não sei, mas sei que outros sobreviveram à chacina, e que a história que teriam para contar em Harad seria diferente.

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A TRAIÇÃO DE SAURON

"Perguntava-se qual seria o nome do homem e de onde teria vindo, e se realmente tinha o coração mau, ou que mentiras ou ameaças o teriam conduzido na longa marcha desde seu lar, e se realmente não teria preferido ficar lá em paz."

JRRTolkien

Darai respirou fundo, olhou rapidamente para Haldir, e então voltou seus olhos para os olhos de Aragorn, e não os abandonou enquanto sua voz firme não terminou de contar:

- O doce beijo da morte não adoçou a boca das mulheres da grande comitiva dos Senhores de Harad. Eu sei porque estava lá, e vivi para desejar seu sabor. Pais, irmãos e maridos foram mortos sim, na nossa frente, mas não por homens que portavam os signos de Gondor, e sim por uma interminável horda de orcs. Eu lutei contra eles, mas por mais que os derrubasse, novos chegavam. Fomos desarmadas, e uma a uma as damas de Harad caíram prisioneiras. Pois a armadilha dos senhores do mal serviu-lhes a dois propósitos.

- Seguiu-se à nossa derrota uma jornada de tormentos, até os calabouços do mais profundo segredo. E então veio o mago branco.

A respiração de todos os presentes parecia suspensa, exceto a dos acompanhantes de Darai, e o mais velho deles disse palavras ásperas novamente. Igualmente áspera foi a resposta da mulher, embora os presentes não pudessem compreendê-la.

- Tark, Terair! Darai não responde a Terair, Darai responde a Daror, e aqui Terair responde a Darai, ou pode voltar a Daror, enquanto Darai cumpre sua missão.

Darai nem o olhara. Queria muito bem a Terair, que ensinara-lhe as artes da espada quando ela ainda era uma menina, e ele então já não mais um jovem. Certamente quando voltassem à presença de Daror pediria licença para surrá- la pela insolência, se voltassem. Mas pelo menos agora se calara.

Os homens de Gondor começavam a perceber que a gente de Harad não se portava com mais cortesia entre si do que para com os demais.

Darai não desprendera os olhos dos olhos do Rei, talvez porque temesse encontrar outros dos olhos que estavam ali, e vacilar:

- Saruman era como o chamavam.

As faces vermelhas da princesa de Harad se tornaram mais e mais vermelhas à medida em que a narrativa progredia, mas sua voz não fraquejava, e sua cabeça erguia-se cada vez mais altiva enquanto a história avançava.

Finalmente sua voz se calou, e seus olhos desviaram-se lentamente dos de Aragorn, passando pelos do mago, até chegarem aos do Capitão de Lórien, reluzente em sua armadura noldor; mas eles estavam fechados, uma expressão de horror em sua face.

"Não, não Mîleithel, meu filho! Tithen meleth, pequeno amado, filho querido!"

- Gondor sente muito, Senhora. – Disse Aragorn.

- Não sintam pena pelas mulheres de Harad! – cortou Darai, ríspida. – Havia outras mulheres quando chegamos, e outras ainda vieram – mas não tantas quantas as mulheres de Harad, pensou. – Mulheres louras dos campos de Rohan, e algumas que diziam ser de Gondor!

E seu olhar percorreu novamente os olhos do salão em desafio.

- Mais uma razão para lamentar, senhora, pois a ignomínia nos igualou a todos. – insistiu Aragorn ante os olhos de tempestade que voltaram a se não despregar dos seus.

- Entretanto, senhora – adiantou-se Gimli, num sindarin precário porém insolente – suas respostas trazem novas perguntas, a primeira delas sendo: como ocorre de a sua pessoa encontrar-se em frente ao trono de Gondor contando essa "história"?

O ódio que o mirou não afetou o anão que caminhara pelas sendas dos mortos. Mas nem naqueles olhos Gimli chegara a ver se formar um vazio tão absoluto quanto o que passou pelos da princesa de Harad.

- Mais de duas vezes a semente da abominação germinou no ventre fértil de Harad – respondeu finalmente Darai, resignada à inevitabilidade da pergunta – para lhe ser tomada logo após o nascimento pelos aprendizes do feiticeiro. Mas tal não aconteceu comigo, e fui considerada inservível, ao menos para aquele objetivo.

- Fui destinada à diversão da tropa, mestre anão, e bem desejaria ter podido voltar aos subterrâneos sem luz que antes amaldiçoara. Minha única esperança era a morte, e mesmo ela me abandonou, até que tive uma oportunidade de fugir e procurá-la no rio do lugar. Pode-se dizer que foi a correnteza do Isen que me trouxe até aqui.

- Ehr – Gimli pigarreou – peço desculpas por haver perguntado.

- Agradeço sua coragem, mestre anão, de expor claramente a dúvida que outros esconderam – retorquiu Darai. – Creio porém, que há de vos merecer maior crédito a palavra de um que não me conheceu no dia de hoje, e é testemunha de que, antes de me encontrar frente ao trono de Gondor contando essa "história", fui acolhida pela Senhora de Lórien, e a essa não se pode enganar.

Os olhos de Darai continuaram sobre o anão, mas os olhos dos demais membros da sociedade do anel presentes procuraram-se entre si, e depois lentamente voltaram-se para Haldir.

- É verdade, conheço esta dama. – Haldir respondeu a pergunta silenciosa que ecoava pelo salão - Chegou a Lórien após muitas tribulações, pois veio a nós como que saída de um pesadelo. Lá ficou sob a proteção da Senhora Galadriel, até partir com sua benção, acredito que a tempo de influir no rumo da batalha que vocês acabaram de travar – e o capitão da aliança dirigiu um cumprimento formal aos olhos negros que finalmente haviam-se voltado para sua pessoa, retribuído na mesma medida.

A Algaravia dos membros da embaixada de Harad recomeçou, e desta vez, por alguma razão, a voz de Darai vacilou em contê-la.

- Senhor de Gondor, só posso acrescentar agora que apenas atingi revelar a traição de Sauron ao meu povo e convencê-lo dela tarde demais: mas devemos contabilizar as perdas inerentes a ela na conta do Inimigo. Entrementes, precisamos ir até a fortaleza do mago branco ao Norte, e saber do destino das mães de Harad. Devo dizer a Daror que é com a aquiescência de Gondor que seguimos, sim ou não?

- Passamos por Isengard ao vir para cá, senhora irmã do rei. Estava sob as águas. Harad não deve seguir até lá com esperança de vida. – Falou Aragorn.

- Como já disse, neste caso a esperança de morte é mais alvissareira que a esperança de vida, Rei de Gondor. A ida ao Norte é a nossa decisão, qual é a vossa?

- A metade dos homens de Harad pode atravessar Gondor em linha reta para o norte, alertados de que qualquer ato de força será tomado a conta de traição à nossa boa vontade. Entretanto, para chegar a Isengard, seu povo precisará passar também por Rohan – e Aragorn apontou com a cabeça para Éomer.

Darai mirou o cavaleiro de Rohan que a olhava desconfiado, enquanto Aragorn se dirigia a ele no idioma dos rohirrim.

- Se Aragorn dá sua permissão para essa jornada por Gondor, Éomer dá sua permissão por Rohan – concordou por fim o novo Senhor da Terra dos Cavaleiros.

- Harad não se esquecerá da boa vontade dos homens do Norte – disse Darai fazendo uma última mesura antes de se retirar com as passadas pesadas dos impacientes haradrim.

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- Os homens não vão gostar da gente traiçoeira de Harad caminhando em suas terras – disse Éomer quando a embaixada deixou a sala.

- No entanto o risco que representam diminui no momento em que suas forças vão se dividir. Não sobrarão muitos haradrim além do Pelennor ameaçando- nos; podemos nos preocupar com outras questões agora – retrucou Aragorn.

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Metade da força de Harad pôs-se em marcha para o norte no amanhecer do dia seguinte. Dezenove outros haradrim tomaram as poucas montarias disponíveis e rumaram Sul, para verificar a extensão dos danos descritos por Darai e pelos meninos. O restante permaneceu acampado além do Pelennor, à espera do retorno de seus irmãos e da decisão de seu destino.