Ao longo deste trabalho, muitas foram as pessoas que me ajudaram: aconselhando, incentivando, comentando, inspirando, compreendendo ... algumas vezes até simplesmente deixando saber que ainda estavam ali.
Tanto lamento que as turbulências da vida estejam me impedindo, momentaneamente, de manter atualizada a correspondência que a amizade delas me proporcionou – sobre seus textos, mails e reviews, que entretanto CONTINUO LENDO e dos quais prometo prestar contas em breve - quanto me alegro ao ver que, apesar da quantidade de fics abandonadas pela internet ... textos belos, plots promissores ... personagens carismáticos ... orfãos de seus autores, a primavera parece estar florescendo também na página Tolkien do ffnet, em atualizações e textos novos.
Entretanto, hoje, conforme prometi há tantos e-mails trocados atrás, esse capítulo é dedicado a uma autora que mal está integrando essa lista ... mas que entretanto é dotada de tanto talento, que em uma breve sentença sintetizou aquilo que não sei se este capítulo inteiro será capaz de exprimir: a nostalgia que vai se apossando dos elfos por uma terra que talvez exista mais em suas almas, e que como eles permaneça, num mundo em que vão vendo tudo que amam cumprir seu ciclo finito, deixando-lhes apenas a solidão.
A autora é Kika-sama, e sua frase – resposta de Legolas Greenleaf, o Thranduilion, a um questionamento do jovem Estel sobre a benção que seria a imortalidade - introduz o último capítulo da Paixão dos Edain: Tempo de Adeus.
"Não penso assim amigo. Nós permanecemos os mesmos, mas com o tempo tudo vai perdendo o brilho, até que um dia partimos para as Terras Imortais, num exílio eterno, e para lá levamos apenas as lembranças daqueles que nos eram caros." – disse o elfo de forma triste, mas conformado com seu destino. ..." Kika Sama – Aprendendo – Capítulo 2: Festa de Aniversário.
A PAIXÃO DOS EDAIN – Parte Final
Capítulo XXIX - Randa Namarië
"Mas após a passagem de Galadriel, dentro de alguns anos Celeborn ficou cansado de seu reino e foi para Imladris morar com os filhos de Elrond."
JRRTolkien
OS ANOS EM IMLADRIS
Haldir esteve entre aqueles que acompanharam o Senhor Celeborn para Valfenda, pois existia em função de sua lealdade, e a devotara ao Seu Senhor.
Assim foi que, dos talans da Floresta Dourada, Mornfinniel e seus filhos viram-se instalados numa construção de pedra, das muitas abandonadas pelo povo que partia. Ricamente trabalhada - até mais do que as obras de Lórien, que buscavam mais conservar a simplicidade, integrando-se à natureza – mas fria e melancólica, parecia ao corpo de Darai, criado sob o sol do deserto.
Logo após a mudança para Imladris, entretanto, Mîleithel completou vinte anos. E os corações saudosos de tantas partidas, tanto do povo do lugar, quanto dos que vieram de Lórien acompanhando o Senhor Celeborn, festejaram-no como uma forma de esquecer o chamado do mar que ouviam cada dia mais alto.
- Meu tithen – abraçou-o Niéle.
- Tithen? Pensei que finalmente me livraria deste título! Olhe para mim e diga-me se continuo pequeno – riu o aniversariante, naquela disposição que fazia seu rosto sempre agradável de se olhar.
Sim, pensou Niéle, seu menino crescera em altura e força:
- Mas será sempre meu pequeno, meu bem-amado!
- Que assim seja – respondeu Mîleithel beijando-lhe as mãos e retendo-as junto ao peito – seu bem-amado então – completou voltando para Niéle os olhos escuros e brilhantes que herdara da mãe.
E tanto vinho e riso houve naquele dia, que Haldir nem conteve sua pequena flor morena, quando esta subiu na mesa e mostrou aos elfos a dança de Harad, ao ritmo das palmas e canções puxadas por seus irmãos.
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Curioso como a afinidade pode-se revelar mais forte do que o sangue – pensava Niéle – pois os anos de convivência haviam amoldado em Mîleithel todo o jeito de Haldir.
Era mais terno e sorridente do que o pai jamais fora, é verdade, mas falava com entonação e palavras tão semelhantes que poderia ser confundido com o elfo, se ocultasse a sua visagem.
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A esta última, seria injusto sequer chamar de feia, refletia Darai. No máximo, poder-se-ia dizer que fora uma versão menos feliz de seus próprios traços; o mais não seria difícil fazer acreditar proveniente de alguns tombos na infância, ou escaramuças da juventude, perfeitamente compreensíveis em Harad.
Sim – pensava – seu povo acreditaria nisso. E era másculo e de peito largo, índole viva e alegre, parente da Primeira Casa, saber-se-ia fazer amar por uma mulher do deserto, menos delicada que as elfas.
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Pouco tempo no tempo dos elfos – repetia Niéle em sua mente – pouco tempo no tempo dos elfos.
Muito tempo no tempo do coração – este lhe respondia ao escutar a voz de Haldir nas longas caminhadas com Mîleithel.
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As filhas desabrochavam no jardim de Haldir, e eram para ele como um tempo de primavera, no qual encontrava enlevo.
Entretanto, por mais que sua paixão pouco arrefecesse, e ainda partilhassem muitos e muitos momentos de felicidade em Imladris, lá outra ânsia ganhava corpo em Haldir, embora ambos procurassem afastar do pensamento a sombra do momento que viria.
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A PARTIDA
Mas alguns anos depois o tempo do adeus chegou, como tudo chega ao seu momento, quando o Senhor Celeborn anunciou que seguiria ao encontro de Galadriel e os gêmeos decidiram acompanhá-lo, tão logo se despedissem de sua irmã.
E Haldir sofreu, entendendo enfim a escolha de Arwen.
Mas Darai retrucou-lhe que preferia ser uma lembrança eterna em terras ermas, do que um sepulcro bem conservado na Terra Média.
- Outros navios partirão, minha senhora, não quero ainda afastar-me de ti, Cabelos Negros.
- E que faremos então? Voltar para sobreviver melancolicamente na outrora bela cidade da Luz, onde hoje já não há canto nem música, até que não haja nenhum navio para levar nossos filhos às Terras Imortais? Nossos filhos do seu povo são e serão pequenos demais para tanta provação ainda durante muito tempo. Não, Haldir, leve-os agora com Seu Senhor.
- Mas quem cuidará de ti, minha senhora, minha preciosa?
- O filho que mais lhe ama olhará por mim, e Narai me fará companhia, e a Casa de meu irmão olhará por todos nós.
- Vai voltar para o povo bárbaro? Com meus filhos?
- É meu povo, Haldir, e o povo deles também. Serão felizes lá, têm o sol no sangue, e o sangue da Primeira Casa nas veias.
E Haldir soube que o que ela dizia a respeito de seus filhos era verdade. Mîleithel e principalmente Morneirien preferiam a companhia de seus primos de Harad até mesmo à companhia dos filhos de Arwen e Aragorn. Onneneithel e Goldeirien, por sua vez, já bem menores que a irmã mais nova, padeciam já sob a nostalgia de Valinor, sob o chamado do mar, e só mais sofrimento os aguardaria numa Terra Média em que ficassem para ver cada membro de sua família partir.
Seus próprios irmãos haviam partido com a Senhora Galadriel, e o anseio da Terras Imortais germinara lenta mas firmemente no coração de Haldir ao longo de tantas ausências. E o conhecimento de que seus filhos edain e sua adorada esposa também se tornariam uma esmagadora ausência um dia era uma dor que compreendera que jamais poderia ver sanada na Terra Média
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E na última noite em que celebraram sua paixão, Haldir chorou e disse que a amava: amara sempre e sempre amaria.
E Darai lamentou por ouvir aquelas palavras. Lamentou por ouvi-las só agora, que aumentavam o fel da partida, quando poderiam ter adoçado os dias de permanência. Mas reconheceu na disposição arrogante do marido, que só naquele momento se rendera a tudo que ela fora para ele, o eco e o acerto de sua própria disposição
- Ame-me para sempre nas Terras Imortais, meu esposo. Mas não só a mim, por favor, pois dentro de poucos anos de sua vida o amor com que lhe retribuo morrerá comigo, e para você isso deve ser como se acontecesse no momento em que nos separamos.
E havia sinceridade em tudo que Darai dizia, mas seu orgulho jamais confessou que, por mais que a vida entre os elfos retardasse a passagem do tempo dos homens para ela, começara a sentir em seu corpo que esse viria a cobrar também dela o tributo que lhe era devido. E sua vaidade escolheu saber o esposo longe com uma lembrança também eternamente jovem e esplêndida de si, do que tê-lo ao seu lado com pena e horror de sua velhice.
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Os filhos choravam ao despedir-se dos pais nos Portos Cinzentos.
Como para consolar os rebentos louros que nunca mais veria, Darai então presenteou-os naquele instante com dois colares da arte de Harad há muito guardados, de marfim, ouro e rubis, dizendo-lhes que lembrassem quem eram, e que um dia escolhessem um noivo e uma noiva para dá-los, e então contassem a eles sobre os grandes animais e as pedras encarnadas do povo de sua mãe.
E ao terminar de dizer isso, entregou os filhos que ainda seriam crianças por muitos anos depois de sua morte aos cuidados de Niéle, que também só partiria agora.
E naquela hora a elfa não conseguiu esconder dos olhos negros o quanto ansiara por aquele momento.
Nesse instante todas as emoções existentes passaram pelos olhos de Darai, sob as vistas da dama eldar, até que se abraçaram.
Sabiam ambas que a filha dos homens estivera destinada a caminhar junto ao elfo por breves dias, enquanto a mulher de seu povo poderia acompanhá-lo para sempre aonde fosse; embora jamais pudesse oferecer-lhe a intensidade furiosa da paixão que presenciara nos olhos da outra.
E quando não mais avistaram os navios, Darai e seus filhos partiram em direção ao Harad, onde Daror os acolheria.
