O Protegido da Ordem da Fênix
Dor de cabeça foi a primeira coisa que Draco consegui perceber; o mundo parecia feito de dor e sons confusos. À medida que se esforçava para recuperar completamente a consciência, Draco podia perceber que os sons que ouvia eram vozes abafadas que não pareciam estar no mesmo cômodo. Um gosto amargo na boca que indicava que ele fora sedado e o cheiro podre do lugar o deixavam nauseado.
Enquanto a sensibilidade voltava ao corpo, ele percebeu que a dor não vinha só da cabeça, mas dos pulsos presos por argolas na parede de pedras frias; vinha do tornozelo torcido, dos hematomas no rosto e nos olhos, e das costelas quebradas.
Então a memória voltou. Dolorosa e cruel. Ele ia ser sacrificado.
Voldemort libertara seu pai de Azkaban menos de um mês depois de ele ter sido capturado, mas o preço fora a vida de Draco em um ritual de sangue. O garoto tentara fugir, mas o próprio Lucius liderara o grupo de comensais que o recapturara.
No ritual que pretendia executar, Voldemort queria um bruxo puro sangue da idade de Draco. Havia outros com essas características, é claro, mas Voldemort havia sido específico: queria Draco, nenhum outro serviria.
Draco sabia que não adiantava mais gritar ou pedir ajuda; um medo gelado entrou no seu coração. A lembrança de Narcisa caindo depois de receber da própria irmã a maldição fatal o atormentava. Sua mãe sempre o mimara e o protegera na medida do possível. Estranho! Até bem pouco tempo ele nunca percebera que ela o protegia
Lucius fora o seu ídolo. Um pai frio, exigente e distante, mas a quem Draco devotava uma adoração cega, e a quem tentava inutilmente agradar. Sempre havia uma falha; por mais que Draco se esforçasse, nunca os padrões de Lucius eram atingidos. Ele era punido com freqüência, e era Narcisa que cuidava dele depois. Se ela aprovava as ações do marido Draco nunca ficou sabendo, mas ela não aceitou a idéia de ter o filho morto, e tentou fazê-lo fugir.
Lucius e os Lestrange haviam alcançado os dois antes que saíssem da propriedade da família. Ao ver a mãe morta, Draco perdeu o controle e avançou contra o pai tentando esganá-lo. O que se seguira fora o espancamento do garoto por Lucius e mais alguns comensais que se juntaram a ele. Enquanto o arrastavam para o calabouço da mansão, alguém enfiara uma poção em sua boca, conseguindo que ele parasse de se debater e ficasse desacordado.
Draco não sabia há quanto tempo isso ocorrera, quanto tempo ficara desacordado, só sabia que agora estava preso nas masmorras escuras de sua casa.
As vozes estavam ficando mais nítidas, e era obvio que se aproximavam da porta.
-Parece que nosso belo loirinho enfim acordou! – O primeiro homem a entrar na sala virou o rosto de Draco para ele, deixando o jovem tonto com o cheiro de bebida que emanava de suas vestes. – Não tão belo agora, com seu precioso rostinho machucado.
Um outro comensal bastante alto e forte observava Draco do meio da sala, sem parecer se importar com a risada histérica do companheiro.
-Para mim ainda parece bastante aproveitável. Tem um corpo muito tentador. – Só então Draco tomou consciência de que estava descalço e seminu. – Acredito que Lucius não se importará de nos divertimos um pouco. Eu exijo ser o primeiro.
A raiva foi substituída pelo pânico. Draco sabia muito bem o tipo de diversão a que o comensal se referia. Nunca presenciara uma cena dessas, mas já os ouvira contar, às gargalhadas, de como se divertiam com seus prisioneiros.
-Tão bonitinho! Tem cara de ser ainda virgem. – O bruxo grandão se abaixara ao lado dele e passava a mão pelo corpo do garoto, que tentava recuar. – Vou adorar resolver esse seu problema, Draco.
-Deixe-o. – A ordem seca fora dada por um terceiro homem parado à porta. Draco reconheceu imediatamente a voz do professor de poções.
-O que foi, Severus? – perguntou o comensal alcoolizado. – Você quer o garotinho para você? Quer lhe dar uma última aula? Vai ter de esperar na fila. Eu também quero brincar.
-Ora ora, Snape! Resolveu se divertir um pouco. Grande novidade! Sempre ouvi dizer que você não gosta de se divertir nem com homens nem com mulheres. O garoto é tão interessante assim? Mas vá com calma, ele vai ser meu primeiro.
Nunca em sua vida Draco pudera sequer imaginar uma humilhação daquelas. A presença do professor piorava a situação, acrescentando mais essa traição às dores que ele já tinha. As risadas dos dois homens faziam seu estômago revirar.
-Já lhes ocorreu que o Lord pode querer o garoto intacto? – A voz de Snape nunca fora tão fria.
Os dois comensais pareceram hesitar. E depois, de forma relutante, concordaram em deixar Draco sozinho.
Snape esperou que os dois passassem por ele antes de fechar a porta sem tornar a olhar para Draco.
Quando foi deixado sozinho, Draco não agüentou mais a náusea causada pela situação. Seu estômago expeliu o pouco que havia nele, e o menino foi obrigado a se encolher contra a parede em busca de um lugar menos sujo.
Draco foi deixado ali por mais de dez horas. Ninguém apareceu para dar ao garoto qualquer tipo de alimento, ou mesmo um pouco de água. O frio do lugar estava deixando o corpo de Draco completamente entorpecido, e os ferimentos começavam a inflamar. O mundo foi de novo reduzido à dor e ao medo. Ele já estava meio inconsciente quando sentiu a porta da prisão abrir. Mesmo com a luz que vinha de fora, Draco não conseguia enxergar: o inchaço no olho esquerdo impedia que ele o abrisse, e as dores que sentia no olho direito indicavam que ali também algo estava errado.
O garoto permaneceu imóvel, sentindo alguém se aproximar. Uma fúria suicida tomou conta dele, e Draco se preparou para unhar, morder e chutar qualquer coisa que o tocasse. Ele podia ser derrotado, mas não seria sem ferir o máximo possível seu inimigo.
Mas ninguém o tocou. Sentiu o vulto de uma pessoa se abaixar ao seu lado.
-Draco, faça silêncio. – Era a voz do Professor Snape, mais baixa e com mais urgência do que em qualquer outra ocasião. – Eu vou soltar você e levá-lo para um lugar seguro. Contenha-se, garoto, eu sou sua única chance de sair daqui sem ser morto ou violentado.
Um feitiço murmurado e as correntes soltaram os pulso de Draco, que caiu de vez no chão. Draco sentiu uma capa o envolver; apesar da aspereza, o tecido tinha um cheiro bom e era quente.
Severus ergueu no colo o garoto que tremia ainda e o levou para fora. O jovem Malfoy se agitou e gemeu de dor ao sentir a luz incidir no olho direito. Ele se sentiu sendo colocado em cima de uma superfície dura, e uma venda protegeu seus olhos. Snape carregou-o mais um pouco até Draco ouvir uma voz, que ele tinha certeza que conhecia, mas não se lembrava de onde:
-Severus, está tudo pronto.
-Leve-o daqui, mas antes me estupore. Eles não podem saber que fui eu quem o soltou.
Draco foi passado aos braços do outro homem, ouviu o feitiço estuporante e o baque do corpo do professor no chão; só então desmaiou de vez.
Com um gemido baixo, Draco recuperou a consciência. Estava deitado em uma cama e, ao levar as mãos ao rosto, notou que seus olhos estavam vendados. Quando tentou tirar a venda, foi impedido por algum feitiço.
Ele estava vestido, limpo, e o cheiro podre que o incomodara no cativeiro desaparecera. Podia sentir o cheiro da roupa de cama limpa e de alguma poção nas gazes por baixo da venda. Seus pulsos também estavam enfaixados, bem como o tornozelo. Quando tentou se erguer, as costelas que haviam sido fraturadas estavam consertadas, mas ainda doíam um bocado, forçando-o a deitar-se novamente.
Alguns minutos depois, Draco ouviu alguém entrar no quarto e se aproximar da cama onde estava deitado.
-Draco? – A mesma voz que ele quase reconhecia. – Está acordado?
-Sim. – o garoto hesitou um pouco. – Onde eu estou?
-Em uma casa segura. O professor Snape virá assim que possível. Eu vou ajudar você a se sentar para que possa comer alguma coisa.
O estômago de Draco se manifestou ao ouvir falar em comida.
-Eu quero tirar as vendas.
-Ainda não. O curandeiro disse que você deve ficar com ela mais algum tempo, e depois deverá evitar luz por uns dias. Mas não ficaram seqüelas em seus olhos.
Outra pessoa entrou no quarto, trazendo um caldo, que despertou de vez o apetite de Draco.
-Obrigado, Gina. Pode deixar comigo agora.
Draco sentiu alguém se sentando na beirada da cama, próximo a ele, e não pôde conter um tremor.
-Calma, Draco. Eu vou dar a comida na sua boca. – A mesma voz de homem, firme e gentil. – Você está fraco, há três dias que nós o estamos alimentando apenas com poções de cura.
O caldo era delicioso, ou pelo menos assim parecia ao rapaz. Depois de comer e de estar novamente acomodado na cama, Draco precisava de informação.
-Eu estou aqui há três dias?
-Sim, eu o trouxe direto para cá, depois que o tirei da casa de seu pai.
Uma sombra passou pelo rosto de Draco.
-E o professor Snape?
-Ele ficou, para não levantar suspeita. Severus não podia deixar ninguém perceber que foi ele quem orquestrou sua fuga.
-Meu resgate. – A voz de Draco não era mais que um sussurro triste.
-Descanse agora, meu rapaz. Você precisa repor as forças. – Draco sentiu um leve toque reconfortante no seu ombro. – Você passou por muita coisa. Vou deixar você dormir um pouco.
-Antes eu.... – Draco retivera a mão que estava pousada no seu ombro e hesitava em continuar.
-Sim, Draco?
-Eu conheço sua voz. Mas... eu não lembro.
-Não lembra?
-Eu não lembro de onde.
-Me desculpe, Draco, eu deveria ter-me identificado. Eu sou Lupin. – Novamente Draco sentiu a suave pressão no seu ombro. – Agora descanse.
E Lupin saiu do quarto, deixando Draco sozinho com sua perplexidade.
Gritos. Uma mulher desesperada: "Deixe-o fora disso, Lucius". Uma luz verde e mais gritos. Mãos brutais que o seguravam e o surravam. Dor, medo e um fedor nauseante. E então uma mão firme o segurando.
-Draco, acorde! Acorde, garoto, é um pesadelo. – Lentamente a voz de Lupin penetrou na mente em pânico de Draco trazendo-o de volta a realidade. – Pronto. Pronto, criança. Foi só um sonho.
Draco tremia agarrado a Lupin, o corpo coberto de um suor gelado e a respiração ainda falha pelos soluços. Ele não gritara no pesadelo, apenas gemera e chorara desesperado.
-Calma. Vai ficar tudo bem. – A voz ao mesmo tempo serena e firme de Lupin teve o dom de acalmar Draco, que foi serenando até silenciar.
Mesmo assim, ele não largou Lupin, a quem se agarrara em pânico. O bruxo mais velho achava que Draco nem mesmo percebia que estava ainda agarrado a ele, e que ele o sustentava nos braços esperando, paciente, a crise acabar.
-Pronto, Draco. Já passou.
O garoto o soltou devagar, enquanto Remus o ajudava a deitar novamente.
-Parecia real. – A voz do garoto ainda estava trêmula, mas ele lutava para se recompor.
-Pesadelos sempre parecem reais, Draco.
Lupin se levantou da lateral da cama onde estivera sentado.
-Aonde vai? – O pânico transparecia na voz de Draco.
-Ao outro lado do quarto, pegar um copo de água para você – Lupin o tranqüilizou.
-Eu não quero voltar a dormir. Não quero sonhar novamente.
-Não vou deixar você dormir tão já. Tome, beba. – Lupin colocou o copo na mão de Draco e o ajudou a levá-lo até os lábios. – Vou levar você até uma poltrona e trocar a roupa de sua cama. Está molhada de suor, não lhe fará bem dormir nela assim.
Lupin carregou Draco até a poltrona como se não pesasse quase nada. Tirou o pijama do rapaz com cuidado e, depois de passar um pano úmido para tirar o suor, ajudou-o a vestir uma roupa limpa. Notando o embaraço do jovem Malfoy com a situação, Remus procurou falar de outras coisas:
-Enquanto você dormia, o professor Snape esteve aqui. Está muito preocupado, mas não pôde ficar. Severus volta amanhã de manhã, junto com Dumbledore. É muito arriscado ele permanecer aqui muito tempo
-Onde é "aqui", professor? – Draco resolvera tratar o ex-professor de forma respeitosa até se decidir o que pensar da nova situação.
-Nós estamos na casa de Arthur e Molly Weasley. – Lupin notou a expressão de surpresa e choque surgir no rosto de Draco, e se afastou para cuidar da roupa de cama. – Nós ficaremos aqui por pouco tempo, iremos em breve para um local mais seguro. É um local protegido pelo feitiço Fidelius: você não poderia entrar nele sem que o fiel do segredo falasse com você.
Draco ainda tentava assimilar que era hospede dos pais de Rony Weasley. Estava na casa que muitas vezes descrevera como chiqueiro, e devia sua saúde, ou até mesmo sua vida a eles agora.
Lupin sentou-se em um banquinho em frente a Draco com uma caixa contendo a poção para os olhos de Draco e faixas.
-Draco, eu já reduzi ao máximo a luz do quarto, agora vou tirar a venda dos seus olhos para trocar os curativos. Mantenha-os fechados, por favor. A luz ainda pode machucar você.
Era uma sensação estranha para Draco se entregar assim indefeso nas mãos de alguém, mas achou melhor não ofender a pessoa que estava cuidando dele.
-Ótimo. O esquerdo já está bom. Um pouco roxo, mas não precisa mais ficar tampado. Vou colocar a venda só no direito, assim essa agonia de não ver nada vai passar.
Draco sentiu, ainda sem abrir os olhos, a faixa sendo passada em sua cabeça, cobrindo dessa vez apenas o olho direito. Ouviu o feitiço para fixar a venda no lugar e sentiu que Lupin se erguia.
-Draco, abra os olhos bem devagar.
A primeira coisa que o garoto viu foi o rosto sério de Lupin fitando-o. Quando percebeu que o rapaz suportava bem a pouca luminosidade, Remus se afastou um pouco, e Draco pôde observá-lo direito.
Ainda era o mesmo professor de vestes rotas e ar gentil que lhe dera aulas no terceiro ano. O mesmo professor que ele desprezara e com quem fora grosseiro repetidas vezes. Vendo Lupin jogar os curativos velhos na lixeira e arrumar o material usado, a realidade desses fatos atingiu o jovem bruxo com mais força. Não dava para entender como o ex-professor podia se dar a tanto trabalho por ele.
-Venha, Draco. Vou ajudá-lo a voltar para a cama. Acredito que se eu o segurar você consiga ir andando. – Remus ajudou o garoto a ir até a cama e a deitar-se de novo. – Durma agora. Você precisa realmente descansar.
-Eu não quero sonhar, professor.
Novamente a mão solidária segurando o ombro de Draco e transmitindo tanto conforto quanto segurança.
-Eu sei que é assustador. O que você passou foi pior do que qualquer pesadelo. Mas eu estou aqui. Dessa vez,vou deixar a porta aberta; se você precisar, virei logo.
Remus se levantou, e já se encaminhava para a porta quando Draco perguntou:
-Por quê, professor?
-Por que o quê, Draco?
-Por que está cuidando assim de mim?
Remus hesitou um pouco, parecendo mais sério do que o normal.
–Qualquer resposta que eu lhe der você não vai entender ou mesmo acreditar. Quando você tiver condições de entender meus motivos, não vai mais precisar de uma explicação. – Um leve sorriso tocou o rosto do bruxo mais velho. – Apenas aceite. Por hora apenas aceite.
Lupin se retirou do quarto, deixando Draco pensando que o ex-professor era uma fonte inesgotável de perplexidades.
Draco estava entediado. "Como aquele lobisomem imprestável se atreve a me deixar sozinho?" Ele acordara cedo; pouco depois Lupin entrara trazendo uma bandeja com o café da manhã. Draco nem havia acabado de comer quando o curandeiro chegou.
Enquanto Lupin permaneceu no quarto, Draco se sentiu seguro. No entanto, no breve instante em que o outro bruxo se afastou, o rapaz se sentiu ameaçado até pelo velho curandeiro que terminava de colocar um curativo em seu olho.
-Pronto, meu rapaz. Amanhã esse curativo já poderá ser retirado, mas você deverá usar isso até segunda ordem. – O velho entregou ao rapaz um par de óculos escuros. – Eu virei vê-lo amanhã à noite.
-Onde está o professor Lupin?
O velho médico observou o rosto do paciente antes de responder e, notando a tensão do rapaz ao aceitar os óculos, franziu levemente o cenho, preocupado com o estado emocional de Draco.
-Ele já volta, meu jovem, aquiete-se.
Lupin mal retornou ao quarto e saiu novamente, desta vez acompanhando o médico e deixando Draco com ordens de descansar. Malfoy, no entanto, estava agitado demais para tornar a dormir. Queria detalhes do que aconteceria com ele de agora em diante, de como diabos seria sua vida.
Mas Remus saíra do quarto já fazia duas horas, e a pouca paciência de Draco se esgotara há muito. Não se atrevia a sair do quarto, não queria encontrar com nenhum Weasley na sua frente. A única pessoa que ele queria ver era Lupin, e não estava nem um pouco preocupado com a estranheza disso.
Ao ouvir o som da porta se abrindo, Draco se voltou para ela aliviado, e seu rosto foi uma sucessão de expressões, surpresa e desapontamento ao ver Dumbledore entrar, choque e vergonha ao ver Snape que seguia o diretor de Hogwarts e alívio ao ouvir a voz de Lupin, que falava com alguém no corredor. No entanto, quando Snape fechou a porta deixando Lupin de fora, Draco entrou em pânico. Sentiu os olhos de Dumbledore fixos nos seus por alguns instantes, e então o velho bruxo abriu a porta e foi buscar Lupin.
-Malfoy. – Snape o saudou com sua habitual voz de gelo.
-Professor. – Draco não conseguia olhá-lo nos olhos, mas mantinha a voz firme apesar de encolhido na cama.
-Draco. – Era Dumbledore que retornava seguido de um intrigado Lupin. O efeito foi imediato, o jovem Malfoy sentiu-se imediatamente protegido.
-Pois não, Diretor.
Ocultando um leve sorriso o velho mago trouxe a poltrona mais para perto da cama com um gesto de varinha.
-Como se sente, rapaz?
Draco deu os ombros como se dissesse que não sabia e nem se importava.
-Há algumas coisas das quais você precisa ser informado, meu jovem. Coisas que afetaram o seu futuro diretamente.
A tática direta de Dumbledore conseguira seu objetivo: manter Draco interessado.
-Infelizmente não pudemos impedir a morte de sua mãe. Tudo o que pudemos fazer foi dar a ela um enterro decente.
"Oh Merlim! Não fale dela, isso dói."
-Mas felizmente o professor Snape e sr Lupin conseguiram tirá-lo de lá antes que algo mais definitivo acontecesse a você. – O bruxo fez uma pausa. - Draco, Voldemort irá perseguir você agora. Ele não gosta de ser contrariado, e você o contrariou muito quando sobreviveu. – Dumbledore ignorou o estremecimento que percorreu o corpo de professor Snape e o olhar assustado de Draco ao ouvir o nome do bruxo das trevas. - Sabemos que não compartilha de muitas de nossas crenças, meu jovem, mas somos a melhor proteção com que você pode contar agora. Para protegê-lo, precisamos confiar em você.
Draco olhou para o professor Snape, que estava de pé na janela, e depois para Remus, que se encostara à porta com os braços cruzados ao peito.
-O que exatamente o senhor quer dizer professor?
Foi Snape quem respondeu:
-O Lord das Trevas irá caçar você, Malfoy. Vai precisar de aliados.
-Entendo.
-O primeiro que ele vai enviará será, provavelmente, seu pai....
-EU NÃO TENHO PAI! – Draco interrompeu Snape. Depois, se contendo a custo, continuou de forma mais controlada. – Lucius viria mesmo que o Lord não ordenasse nada. Eu o desobedeci e o ataquei. Agora ele quer realmente me matar.
-Sim. Infelizmente acredito que você tem razão, meu rapaz. – Dumbledore fitava o olho esquerdo do rapaz e parecia ler em sua mente toda a dor do mundo. – É por isso que queremos saber se podemos confiar em você. Quando as aulas começarem, o professor Snape vai poder protegê-lo dentro de Hogwarts. Mas até lá você precisa ficar em um lugar seguro. Os Weasley estão saindo daqui, ficarão em um lugar mais seguro até os mais novos poderem voltar para a escola. Pretendemos enviar você para esse mesmo esconderijo, mas lá você verá e ouvirá muitas coisas que, se chegarem aos ouvidos de Voldemort, poderão nos prejudicar.
Apesar da expressão suave do diretor, Draco estava se sentindo incomodado com os olhos dele fixos no seu, mas não conseguia desviar.
-O que vou propor a você é simples de entender, mas pode ser tornar muito difícil de cumprir no futuro. – Os olhos cintilantes do diretor ainda mantinham o olhar de Draco preso nele. – Nós lhe daremos proteção. Se em algum momento você quiser se juntar a nós nessa luta, será bem vindo, mas não lhe pedimos isso. O que queremos em troca é que você se comprometa a não revelar a ninguém, mas a absolutamente ninguém, nada do que vir ou ficar sabendo enquanto estiver no esconderijo. Nem os nomes das pessoas que você encontrar lá, nem nada que você nos vir fazendo.
-Eu tenho alguma opção?
-Claro, meu jovem. Posso entregar você para que o Ministério da Magia o proteja até o início das aulas. – Dumbledore não alterara em nada o tom calmo de sempre. – Legalmente, a irmã de sua mãe, Andrômaca Tonks, será sua guardiã. Mas a casa dela não será segura para você enquanto estiver sendo caçado por Voldemort. Ela concordou que eu me encarregasse de sua proteção, ou terá de pedir ajuda ao Ministério.
Draco olhou para Lupin, que parecia contrariado com a sugestão do Diretor de entregar Draco ao Ministério, mas que se mantinha calado. Depois para Snape, cujos olhos negros pareciam perfurar Draco. Apesar de todos os comentários cínicos que já fizera sobre o Diretor, o rapaz sabia que estaria mais seguro com ele do que nas mãos do Ministério da Magia.
-OK. Eu aceito. Nada do que eu ficar sabendo será comentado com quem quer que seja. – Draco fitou o professor Dumbledore, que parecia aguardar que ele concluísse. – Como pode ter certeza? Que garantia vocês têm de que eu não estou mentindo, ou de que não vou mudar de idéia?
-Ah, meu jovem, a vida não nos dá muitas certezas e garantias, no momento me basta o conhecimento de que você realmente não pretende faltar com a palavra dada. – Os olhos cintilantes de Dumbledore fitavam Draco de maneira quase travessa. – E isso eu sei.
Por um instante, que pareceu ao jovem bruxo conter toda uma vida, os olhos de Dumbledore ficaram presos no único olho são de Draco, e o rapaz pode entrever parte da força e do poder de Dumbledore. Sem que Draco percebesse, nascia ali uma amizade que duraria toda uma vida.
Lupin se afastou da porta parecendo aliviado. E o próprio Snape relaxou um pouco a postura.
-Virei no início da noite para ajudar Lupin a levar você ao quartel da Ordem. – Snape se dirigiu para a porta. Apesar de nitidamente aliviado com a decisão de Draco, ele parecia estar se corroendo por dentro com algum outro problema, e sua voz soava como se apenas parte de sua mente estivesse ali. – Descanse até o fim do dia.
Depois que os professores saíram, Draco ficou novamente sozinho, e novamente ele tinha muito no que pensar. Dumbledore lhe entregara uma varinha - a dele fora destruída por Lucius -, e Draco não se sentia mais tão vulnerável agora, mas ainda preferia quando Lupin estava por perto.
O lobisomem voltou algum tempo depois com o almoço de Draco.
-Molly já foi para o quartel-general com os meninos, só falta nós dois. Hoje à noite criaremos uma chave de portal para levar você.
-O senhor também vai? – Draco tentava aparentar indiferença, mas a idéia de ficar em uma casa com aliados hostis, ou na melhor hipótese desconfiados, não o deixava muito confortável. Queria muito que Lupin estivesse lá com ele.
-Vou. Iremos eu e o professor Snape com você. Ele deve voltar para Hogwarts e eu vou ficar lá. Pelo menos até a lua cheia.
-Quem está lá, professor?
-Por enquanto, os Weasley, Hermione e o verdadeiro Moody. – Lupin fez um gesto com a varinha e a bandeja vazia do almoço de Draco desapareceu. – Agora você precisa dormir e descansar.
-Não. Eu não quero dormir. – Havia uma nota de pânico na voz do rapaz.
-O que foi, Draco? Você sabe que precisa descansar.
-Eu não quero sonhar.
Remus se sentou na beirada da cama do rapaz e pôs a mão na testa dele.
-Draco, o que você passou foi horrível. Ninguém que não tenha estado na mesma situação pode avaliar. Nenhum de nós pode fazer nada para mudar o que aconteceu. O único que pode impedir que o que lhe feriu controle sua vida é você mesmo.
O medo e a tristeza nos olhos de Draco comoveram Lupin.
-Durma, Draco. Eu vou ficar aqui na poltrona. Tenho alguns livros para ler.
O rapaz se ajeitou na cama e fechou os olhos, ainda atento ao ruído suave das mudanças de página. "Por quê? Por que ele cuida de mim assim?".
Draco dormiu sem perceber que Remus abandonara a leitura para fitá-lo, preocupado.
