Capítulo III
"Ele será feito um de nós!"
Eram as palavras do Chefe.
E apenas o eco delas chegava aos ouvidos de Ralph. Pois não poderiam estar tão próximas. Tão óbvias. A realidade de seu significado não podia ser.
Sim, podia.
O impulso imediato foi se manifestar. Defender-se. Argumentar em favor da lógica. Tudo isso deslizou desde o peito de Ralph, atravessou a laringe. E morreu na garganta, formando um bolo seco. Esvaiu-se o impulso. Pois quem, antes, já havia tentado conscientizá-los? Simon? Depois, Porquinho?
Engoliu o nó. A coragem voltou pelo mesmo caminho que havia subido.
- Vou levar o prisioneiro.
Jack pensou por um segundo. E acrescentou.
- Amanhã, vamos caçar algo. Porco, outro bicho, não importa. Estejam aqui reunidos quando escurecer. Entenderam?
Todos assentiram debilmente. Ainda olhavam alternadamente de Ralph para o líder. Esforçavam-se por crer que o garoto louro, com sua concha, já os havia guiado. Esforçavam-se por esquecer disso. Em breve, dispersavam-se Castelo abaixo, para a floresta.
Ralph os seguiu com a vista cansada. Suas pálpebras pesavam.
Uma voz inexpressiva disse.
- Você vai levá-lo para onde?
Roger, junto com Jack, vinha em sua direção.
- Lá pro meu abrigo.
Uma pausa. Roger fitou o líder com indisfarçável surpresa.
- Quer que eu ajude?
O garoto ruivo voltou-se para o outro com um misto de curiosidade e espanto. Como se estivesse ofendido.
- Não vai precisar! Eu sei lidar com cativos!
Alcançavam-no, e Ralph levantou-se. Sozinho, sem esperar ordens. Não podia mais tolerá-las. Não podia mais confrontá-las. Não quando até mesmo respirar estava difícil.
Evitando encará-los, andou na frente. Mas Roger lhe apontou sua lança.
Jack adiantou-se. Avisou.
- Não se preocupe, ele não vai fugir. Nem conseguiria. Eu disse que não precisava ajudar!
Contrariado, Roger baixou a lança. Houve um breve lampejo de impaciência em seus olhos. Quase imperceptível.
Ralph prosseguiu. A qualquer momento, sabia, poderia desabar. Cair ali mesmo, de um cansaço absurdo que vinha de dentro para fora, de fora pra dentro. Uma vez mais, almejou o desmaio que lhe traria o alívio da inconsciência.
Era estranho o silêncio entre os três. Atrás de si, Ralph sentia uma tensão se expandindo. Não sabia a causa.
Nuvens carregadas ocultavam quase todo o céu. Além disso, deixavam poucas brechas por onde passassem raios solares. De modo que a tarde era quase noite. Uma rigorosa tempestade aproximava-se. Uns poucos pássaros que haviam retornado àquela região voavam baixo, um sinal claro de chuva.
Ralph sequer escutaria os trovões, por mais estrondosos que soassem. Um sono pesado como nunca tivera antes o aguardava. Tão agonizante era o pedido de seu corpo por descanso, que se apressava em alcançar a cabana do inimigo. Podia até ser que, lá chegando, Jack mudasse de idéia. Poderia matá-lo lá mesmo. Era bem possível que o fizesse, Ralph achava. Ou então, o entregaria nas mãos de Roger... Insistentes evidências lhe diziam assim.
Não iria mais escutá-las. Em breve, estaria dormindo.
Cambaleando, ele alcançou a pequena cabana que pertencia a Jack. A entrada era coberta por folhas já amareladas, caídas de árvores.
Não foi nem preciso ordem para entrar. Seus joelhos cediam. Jogou-se no chão e engatinhou pra dentro do abrigo, afastando as folhas. Não prestou atenção ao seu redor. Apenas, largou-se num canto, encolheu-se, e perdeu os sentidos.
Roger observava tudo com indiferença. Voltou-se para o Chefe.
- Então, qual o seu plano?
Jack apanhava uma casca de coco cheia d'água e entornava tudo garganta abaixo num só gole.
- Ele vai caçar com a gente. Acha que ele vai querer?
Roger o encarou intensamente. E respondeu.
- Não.
O garoto ruivo virou-lhe as costas. Sentou-se no chão, apoiando a coluna numa pedra cinzenta que usava como encosto. Precisava ignorar a pressão sobre si. Sabia que ainda era observado. O outro garoto estava insatisfeito com suas explicações. Queria outras.
Jack fechou os olhos. Ainda arfava de toda aquela correria. A perseguição, a caçada. A tarde se esvaía rapidamente. Não havia mais sol algum.
Esperava a respiração tomar um ritmo normal, quando sentiu um toque gelado sobre o sangue seco em seu rosto.
- Não importa se ele quer. Podemos fazê-lo querer. Eu posso.
A pele ruiva arrepiou-se sob os dedos longos de Roger.
Olhos azuis arregalaram-se, faiscando de desafio.
- Não vai precisar. Ele vai aceitar!
Roger sorriu amargamente.
- Fique com suas conclusões.
Puxou o líder novamente. Pelo rosto. Os dedos provaram o contraste da argila grosseira na pele macia e sardenta.
Jack mirava um arranhão fundo que se estendia do ombro até o braço do outro garoto. Buscou a ferida com a língua. Raspou-a com os dentes, como um roedor.
Roger arrepiou-se. Ardia. A boca do ruivo ia de cima pra baixo, de baixo pra cima, morna sobre o machucado aberto. A mão ossuda deslizou pela calça em farrapos de Roger, encontrando sua rigidez. Este gemeu enquanto era tocado onde mais precisava. Com naturalidade. Com facilidade, e sem receios. Ambos haviam descoberto o desejo na ilha, perdidos, e sua única preocupação era a urgência de saciá-lo. Não hesitavam quanto aos seus instintos.
Jack o satisfazia com carícias bruscas e dedos velozes. De modo rude, forçavam-se um contra o outro. Os dedos de Roger afundavam nas ondas ruivas emaranhadas, apertando ainda a cabeça do líder sobre seu ombro, para que continuasse a lamber com voracidade o arranhão. Jack lambia. E mordia.
Ambos arfavam. E não se viam. Nem mesmo uma breve troca de olhares era necessária. Qualquer comunicação era dispensável. A interação física era o que queriam. Era o que tinham. Assim, Roger era livre para simplesmente fechar os olhos e curtir individualmente seu prazer. E a vista de Jack podia vagar impacientemente pela caverna, pousando aqui e ali, enquanto suas mãos iam e vinham, arrancando gemidos altos do outro menino.
Em sua pouca idade, logo Roger alcançou o alívio. Recuperou o fôlego e procurou puxar Jack mais pra perto. Sem demora. Era sua vez de tocá-lo, de segurar e marcar o corpo pálido e ruivo. O corpo que estava colado ao seu, excitado como ele próprio estava antes.
Se tivesse se preocupado em buscar consentimento nos olhos azuis à sua frente, Roger se irritaria. Não iria encontrá-lo. Tampouco enxergaria o mesmo desejo que se mostrava tão óbvio no baixo ventre de Jack.
Mas ignorava tudo isso com prazer. E logo, começou a masturbar o garoto ruivo. Seu toque, ágil e agressivo, não parecia afagar. Um de seus braços envolvia o líder, praticamente prendendo-o no lugar.
A atenção de Jack dispersava-se, vaga, buscando um ponto fixo. Encontrou logo.
Mirava uma forma caída no chão, encolhida e inconsciente. Buscando calor nos farrapos que a envolviam. Respirando com dificuldade, ainda.
O Chefe acompanhou o subir e descer do peito. Escutou a inspiração ruidosa, problemática. Reparou na boca entreaberta, arroxeada de frio. Estudava a condição do garoto louro.
Ralph mexeu-se em seu canto. Sua expressão de sofrimento amainou-se. Como se o sono se tornasse mais leve.
Finalmente estava relaxando.
Roger não viu nada disso. Nem viu que Jack vira. Roger apenas continuava a mover os dedos, obstinadamente. Sua outra mão pressionou a nuca do garoto ruivo. Com força. Jack gemeu, e voltou a atenção para ele. Percebeu o brilho feroz nas pupilas dilatadas.
E ele próprio sentiu toda a ânsia por contato voltando. Cada célula em seu sangue borbulhou, consciente das mãos rudes que seguravam seu membro. Que o machucavam.
Jack Merridew jogou para trás a cabeça ruiva, e mexeu para frente os quadris estreitos, movendo-se com Roger. Queria logo o ápice. Era o que importava naquele contato sem intimidade. Era o que esperava. Sorriu um sorriso sádico que rivalizava com o de Roger. E alcançou o que desejava. Num êxtase silencioso. Não compartilhado.
Trêmulo ainda, ergueu-se. O afastamento lhe causou um frio breve. Depois, passou. E ele voltou-se para o garoto. Já podia.
Mas os olhos de Roger estavam sobre Ralph. Haviam estado desde o começo. Maliciosos e satisfeitos.
Jack Merridew não estava satisfeito.
- Vai ficar parado aí? Ou vem caçar comigo?
Sem pressa, Roger tirou os olhos do garoto louro.
Fingindo surpresa, respondeu ao líder.
- Você já quer ir?
Jack sustentou o olhar do garoto. Engoliu o susto. Manteve-se firme.
- Pode ir, se quiser. Vou mais tarde. Mas ainda não tive o bastante, Chefe.
Levantou-se, postou-se em frente ao garoto ruivo. E olhou de soslaio para Ralph. Por um breve instante. Rápido demais para ser acusado. Devagar o bastante pra que Jack percebesse.
- Então vá. Eu fico, e me viro sozinho, já que você não está disposto agora.
Jack Merridew já havia apanhado sua lança, afiada em ambos os lados. Jogou-a de volta no chão. Agarrou o braço do rapaz à sua frente, e trouxe-o para perto. Deitou-o sobre a terra, e o cobriu com seu próprio corpo.
- Ninguém disse que não quero mais. Só estou meio cansado, só isso!
Lá fora a tempestade desabava, e estava muito frio. Dentro do abrigo, havia um garoto que se esquentou rápido. O outro, continuou com frio.
E o último dormia um sono profundo demais para sentir calor, frio ou dois pares de olhos sobre si.
