Capítulo anterior...

Ela tece os dedos pelas barras de aço, seus olhos cinzentos se desfocando levemente...

"Cheiro de dor... de desespero... Essência do medo, alma de culpa... Loucura solidificada nas paredes desse lugar..."

Sirius observava a garota, seus olhos estreitos, confusos e intrigados...

"É... essa é Azkaban."


Flor de Lágrimas


Das chamas, teu berço


"Garota!"

Ela se vira bruscamente, assustada pelo tom nada amistoso do senhor que lhe dirigia.

"Quem é você?"

Ela cambaleia alguns passos pra trás, até se recuperar e encontrar coragem suficiente pra encarar o homem a sua frente.

"Eu não sei, senhor... Não me lembro...-"

"Não vem com esse papo pra mim também!!" - Ele lhe grita, agora assustando-a completamente. Ela encollhe o corpo num canto da parede, como um pequeno animal acuado por um predador natural.

Ele tenta se controlar ao ver a figura indefesa da garota, respira fundo, e pergunta num forçado tom gentil.

"De onde você veio?"

Ela toma alguns preciosos segundos antes de confiar suficientemente em sua voz pra responder-lhe.

"Eu também não sei, não senhor..."

Ele dá um passo pra frente, tomando forma de maior autoridade. Mas dessa vez ela não se encolhe. Permance imóvel, como se sua coragem viesse naquele instante. Sem se saber de onde e nem por que.

"Você não sabe quem é... Não sabe de onde veio..." - Ele volta a falar, numa forma sinistra. Sorriso cínico nos lábios, voz num tom desafiador. - "Então por que está aqui?"

Ela ergue a cabeça, encarando-o. Apesar da expressão e pose de coragem, seus olhos se contraem, genuinamente confusos.

"Por que?"

Ela olha pros lados, como se procurando a resposta escrita em alguma das paredes. Sua mente viaja no pouco que sustenta sua vida, em cada pequena cena em sua cabeça... Em cada mísero sentimento e pensamento que insiste em formar sua mente.

E mesmo sem saber de onde, ela encontra a resposta.

A garota volta a erguer a cabeça, com um sorriso nos lábios. Um sorriso vitorioso, como se acabasse de conseguir tudo o que precisava.

"Por que eu faço o que eu quero."


Remus Lupin tentava se equilibrar com a pilha de livros que segurava nos braços. Alastor Moddy havia lhe pedido pra que encontrasse os livros usados por Lily pouco antes de sua morte.

Magia Inconsciente.

Era sobre o que Lilian Evans Potter havia estudado nas brechas que a guerra lhe permitia. Remus também vira um pouco do assunto, mas sem tempo suficiente pra dedicar a atenção necessária a tão complexo poder.

Chegando a biblioteca da Antiga Mansão dos Black, ele deposita os livros sobre a mesa, e se preparava pra organiza-la quando houve um agudo grito.

"Me solta!!! Por favor, me tira daqui!!!"

Remus imediatamente reconhece a voz da garota, e corre em passos apressados até o sótão da casa. Seguia os gritos, que não cessavam.

Não pode acreditar em seus olhos quando viu Moddy olhando imóvel para a garota.

Presa. Dentro de uma cela localizada no subterrâneo da Mansão.

"Garota??? O que...??? Moddy, o que você fez????"

Aparentemente ela já estava esgotada de gritar.

Estava sentada no chão, os olhos opacos mirando vagamente as barras de ferro que a prendiam.

"Ela já sabe demais, não podemos deixa-la sair daqui agora."

Remus o mirou estupefato.

"E você vai mantê-la assim??? Presa desse jeito???"

"Se você não é capaz de fazer isso, por conta de uma pena idiota, eu tenho que fazer. E não tente tirá-la daí. Eu celei o feitiço, só eu posso abrir."

E se retirou com isso.

Lupin continuou olhando incrédulo para a saída, como se isso pudesse fazer o velho auror voltar e libertar a garota. Quando notou que era inútil, ele se voltou para a garota, cujo desde o instante em que chegara, murmurava coisas incompreensíveis.

Ele se sentou no imundo chão de pedra, colocando-se a mesma altura da garota.

"Aluado..."

Lupin se sentiu paralisar. Não se lembrava de ter dito a garota qual era o seu apelido, e não acreditava que Sirius o tivesse feito.

"Você me perdoa, Aluado...?"

Eu os entreguei...

Lupin fecha os olhos, numa tentativa frustrada de afastar os fantasmas em sua cabeça. Realidade e lembranças estavam se misturando de forma assustadora nos últimos tempos, e ele temia que sua sanidade estivesse por um fio.

"Eu não fiz nada..."

Você acreditaria em mim, Aluado?

No momento em que pusera os pés naquele lugar, sabia que jamais esqueceria aquela sensação.

Não importa o que eu te dissesse?

Por isso, a partir daquele doloroso dia, ele nunca mais se viu sem uma ou duas barras de chocolate consigo.

Se não fosse agora...

O cheiro de loucura, consequência da dor e da culpa marcou sua alma como se cada pedaço dessa essência tivesse infiltrado na pele de seu corpo.

Se antes do mundo virar de ponta cabeça...

E por maior que tivesse sido a sensação de liberdade ao sair daquele lugar, sabia que algo importante de seu ser pra sempre estava perdido.

Quando éramos nós, os quatro Marotos, donos do mundo...

Pra jamais ser recuperado.

Você acreditaria no que quer que eu te dissesse?

"O que você quer me contar, Sirius? O que há além de todos esses acontecimentos que eu ainda não sei?"

Quando o lobisomem fizera essa pergunta, o animago se calou. Os dois se encaravam através das grades, quando Remus conseguira uma licença pra visitar o assassino de seus amigos. Sirius não conseguira responder... Se mantivera calado, observando o único amigo que tivera a infelicidade de sair imune ao raio devastador que atingira em cheio os quatro garotos que se achavam invencíveis.

Quando ele finalmente achou que seria capaz de falar novamente, era tarde demais, e o amigo precisava ir.

'Seja feliz, Aluado... Siga em frente, em nome do que foram um dia os Marotos.'


Lupin mantinha a cabeça encostada na parede frente a 'jaula' em que se encontrava a garota. Já fazia algumas horas que ele se mantia ali, ao lado dela, certificando-se de que estivesse bem. Estar enjaulada não poderia ser considerado estar bem, mas não havia nada que ele pudesse fazer além disso.

Nunca havia nada que ele pudesse fazer 'além disso'. Ele não pode fazer nada além de sempre levar flores ao túmulo de Tiago e Lilian. Não pudera fazer nada além de se lamentar pelo destino decadente que Pedro escolhera pra si... E não pudera fazer nada além de segurar Harry para impedí-lo de ter o mesmo fim que Sirius...

Sirius...

"Droga, Almofadinhas!!! Você não tinha esse direito!!"

Expondo sua revolta, Remus bateu com força numa grade, fazendo o som de metal ecoar pelo lugar.

Ela acordou assustada.

Lupin se abaixou, se acalmando, e se aproximou dela, com o cuidado que não parecia pertencer a mesma pessoa que segundos atrás esmurrara um cabo de aço.

"Hey, garota... Você tá bem?"

Os olhos confusos dela lhe denunciavam que mais uma vez ela se esquecera dele. Mas mais uma vez, isso não importava.

"Tudo... bem..." - Ela olha para os lados... Observando o lugar no qual acordara, tentando juntar as peças incompatíveis que tinha dentro da cabeça.

"Eu fiz algo errado?"

Ele balança a cabeça, sempre sorrindo. "Não... Mas as vezes as pessoas acabam pagando pelo erro dos outros..."

Ela assente e volta a descansar a cabeça na grade, envolvendo os braços em torno do próprio corpo, num reação psicológica a proteção ao frio. Com um suspiro perdido, ela fala.

"Eu tive um sonho estranho... Tava caminhando... Mas eu não era um pessoa normal... E lá na frente tinha um animal, acho que era um cachorro... Ele veio na minha direção, pra me atacar... Aí a gente começou a brigar... E de repente a gente num tava mais brigando, estávamos brincando... Com patas... É... Eu tinha patas..." - Ela olha para as próprias mãos, como se certificando de que elas são normais.

"Garota..." - Lupin a chama, trêmulo. Em toda sua curiosidade, sua voz soava assustada - "Você já teve esse sonho antes?"

Ela ergue os cinzentos olhos, enquanto passa a mão pelos cabelos negros, pensando... - "Não... Acho que não, não me lembro de nenhuma outra vez..."

Lupin assente, observando-a atento. Só agora notava que nunca se dera ao trabalho de observar as feições dela. E o fez... Observou os olhos, os cabelos... Cada traço em seu rosto, cada gesto das mãos... Se lembrou de momentos, de coisas que ela fazia... De frases estranhas que dizia...

E quando seu cérebro deu uma pausa, com uma idéia na cabeça, seus olhos se arregalaram, e ele se levantou bruscamente, correndo porta a fora.

"Onde você vai??" - Ela grita, de dentro da cela.

"Pesquisar... " - ele responde num murmuro alto suficiente pra ela ouvir - "Sobre o seu sonho" - Ele completa antes de desaparecer pelas escadas.

E ela fica sozinha, observando a porta... Até tentar entender o que exatamente estava olhando.


Ele passeava inquieto pelo lugar, mexendo as mãos num tique nervoso que não sabia que tinha. Os dedos percorriam os longos fios de cabelos, como se assim pudesse clarear sua mente.

Mas não podia. Nada seria capaz de clarear sua mente, estando onde o ar cheirasse loucura, e os seres a sua volta gritassem tentando se livrar de seus próprios temores. Suas próprias culpas.

Mas Sirius Black não era culpado. E há algum tempo atrás, também não sabia o que era medo.

E agora... Agora temia a prisão que criara em torno de si mesmo.

"Desaparece... Vai embora..."

Ele implorava para as sombras que o tormentavam...

Eram sombras boas, memórias que... Por mais tristes que fossem, haviam um ponto de felicidade.

"Me deixem em paz..."

O mundo ainda não havia acabado, e ele não havia perdido tudo que tinha.

"Eu quero esquecer..."

Ele se sentou no chão imundo de sua cela em Azkaban, olhando sem vida pra imagem inexistente que se criara...

Ele era jovem, garoto, e livre com seus amigos...

Suas melhores memórias, de quando era feliz.

"De tudo... Eu quero esquecer de tudo..."


Lupin corria num desespero descontrolado, atravessando multidões sem notá-las.

A idéia que passara por sua cabeça era absurda, e quanto mais ele pensava, mais irreal se tornava.

Mas seus instintos eram fortes, e ele sempre confiara neles...

Acreditara em Sirius na Casa dos Gritos, quando seus instintos lhe disseram pra o fazer.

Não havia por que não confiar neles agora.

Era incrível como cada peça do quebra-cabeça estivesse disponível, bem a sua frente o tempo todo, e ele nunca as enxergara. Era forte, e impossível...

Mas era real.

Ele só precisava ter certeza.

Abrindo a porta com imensa força, jogou-se dentro da casa, gritando por ela. Mas ela não lhe respondia.

Foi quando viu a bola de cristal sobre a mesa.

Brilhante, ofuscante...

Hipnotizante.

Sentando-se, ele observou a neblina envolta dentro da frágil esfera, e estendeu as mãos, se concentrando.

"Eu preciso saber..." - Ele começou, tentando controlar a linha de voz - "Eu preciso que você me diga..." - fechou os olhos, temeroso - "Quem é o pai dela."

Diante dos olhos fechados de Lupin, a fumaça começou a se mover... Ganhando lentamente cor e nitidez. O ar da sala parecia demonstrar o que se passava na cabeça do lobisomem, centrando-se em um silêncio mortal, cada coisa parecendo mais imóvel do que o normal. Até mesmo o ar parecia ter se congelado, quieto e inquieto, esperando a resposta... E aos poucos, a bola de cristal formava sua imagem...

Deixando a mostra um rosto masculino, imperial e cansado.

Lupin abriu os olhos, e os fechou logo em seguida.

Estivera certo.

Abaixou a cabeça, apoiando-a nas mãos trêmulas, enquanto o rosto de seu falecido amigo lhe observava atentamente.


Continua...
Aqui está! Eu disse que esse capítulo sairia mais rápido! De todas as peças necessárias pra montar o quebra-cabeça dessa história, falta apenas uma. Que vem no capítulo seguinte. :)

Natalia- Heheh, eu me dediquei bastante a escrever esse capítulo, mas eu confesso que eu vivi um pouquinho também. Num podia? :P Teoria maluca? Jura? Será que é possível que você tenha chegado perto do que eu pensei? Por que a minha também é bastante doida XD Diz aí, agora eu fiquei curiosa!

Yasmine Lupin- Coloquei meus dedos pra funcionar :) Capítulo fresquinho, rapidinho! Muito obrigada pela review! Continue comentando!


Okay, ficamos por aqui... O próximo capítulo eu não sei quando vem... Ainda não comecei a escrever :P Mas vou tentar ser rápida também! Continuem mandando reviews, assim eu me lembro que tenho que terminar logo! XD Bjs, e muito obrigada!