Capítulo 1 - A Carta de Hogwarts
Ouvindo o rugido cada vez mais distante do trovão, ela envolveu-se ainda mais no cobertor quente.

Apurou a audição, e percebeu que a chuva havia começado : não era forte, felizmente, e um suspiro profundo e incontido saiu, levando consigo muitas das suas preocupações.

A chuva sempre tivera esse poder, nela... sempre a acalmara, mesmo quando bramia raivosa, fustigando árvores e arrastando tudo pelo que passava... mas a acalmava. Bom, devia lá ter seus motivos para isso.

Concentrou-se mais uma vez no trabalho que estava fazendo, e tentava entender porquê tinha sido selecionada para Hogwarts : afinal, era "especial"... e nada no mundo a tornaria "normal" novamente.

Seus avós haviam corrido toda a comunidade medibruxa tentando achar uma solução, e - para desespero dos puristas - até dos médicos trouxas... sem resultados.

Agora, Hogwarts dizia que tinha uma vaga para ela...Seus avós quase surtaram quando chegou a carta, ela percebeu no ar - e em suas vozes - um misto de perplexidade e alívio... afinal, ela

não era um aborto, mesmo tendo acontecido "aquilo" com ela, ela era alguém que Hogwarts se encarregaria de ensinar... mesmo sendo daquele jeito.

Bom, melhor isso que ficar por ali, sem fazer nada.

Ficou pensando divertida como eles fariam para fazer seus uniformes, uma vez que teria de tirar medidas, e até mesmo a maioria das coisas que precisaria para a escola estava no Beco Diagonal... ah, Beco Diagonal... sentia

saudades dos sorvetes de lá, era a coisa que mais se lembrava... o sabor do sorvete, sua cor profunda, vívida...

Achou que estava mais que na hora de ter uma conversa mais séria com sua avó, e imediatamente levantou-se e foi até a biblioteca, onde sabia que ela estaria a essa hora.

- Vovó ?

- Diga, querida...

- Como vamos fazer com o material de Hogwarts ?

- Deixe comigo, eu já tenho tudo planejado.

Como ela odiava aquela frase da avó... se ela tinha tudo planejado, como aquilo acontecera ? Aliás... como ela acontecera também era um mistério para uma casa onde planejamento era tudo, pensou rindo-se interiormente.

- OK, OK... então me explique no seu planejamento COMO a minha varinha vai me escolher, COMO as minhas roupas vão ficar do meu tamanho... vovó, acho que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, né ?

- O que você quis dizer com isso, Ella ? - o tom de voz de sua vó tinha subido um tom, sinal que ela estava começando a ficar nervosa.

- Vovó... não ir ao Beco Diagonal não é solução. Se alguém me amaldiçoou por lá, já amaldiçoou...

- Cale-se, menina maluca !!! Não quero ouvir essa palavra nunca mais, ouviu ? gritou sua avó, já quase histérica.

A

- Pois vai ouvir sim, e vai ouvir TUDO que eu quero dizer há tantos anos ! Fiz tudo que você queria, fui a todos os medibruxos que vocês souberam que existiam, até aqueles sanguessugas trouxas eu fui ! Mas tenho certeza de uma coisa, vovó : SE foi uma maldição que me fez isso, e se não me matou na época é porque não conseguiu, e também não conseguirá hoje. Não vou deixar

de ter uma varinha adequada só porque aconteceu aquilo uma vez comigo, me recuso a isso ! Estou cansada de me esconder de um futuro que talvez nunca aconteça,vovó !

- Você é uma criança, Ella, não imagina o que pode acontecer, não imagina o que aconteceu... não imagina...calou-se sua avó, pois engasgada com seu próprio choro, não conseguia mais falar... soltou um gemido baixo

e fundo, que doeu muito em Ella... sabia que tinha se excedido, mas também não aguentava mais ficar escondendo isso dentro de si, não agora que iria para Hogwarts...

O toque gentil no ombro a fez voltar-se automaticamente, e a voz gentil do avô foi como um banho de água fria em toda aquela fervura :

- Ela não nos pertence, Abigail... Ella agora tem sua vida...

- Mas somos a família dela, Gerard, somos os únicos a quem ela pode recorrer !

- Não é bem assim, Abigail, você sabe que não é bem assim... vamos,querida, vamos nos aprontar para buscar seu material escolar.