Anima Imperium

Enquanto caminhava a passos largos para sua masmorra Snape recordava-se de Florence McDuff : quieta, comedida, estudiosa...

- Posso me sentar aqui ?

- Por que aqui ?

Rubor na face. Silêncio. Ela não esperava isso, e mesmo desviando o olhar respondeu, num fio de voz :

- Aqui é silencioso.

- Contanto que continue assim, sente-se.

mas que aos poucos foi ficando respondona, sorridente, sarcástica

- Não consegue achar outro lugar para estudar, McDuff ?

- Sem ninguém me incomodar com perguntas "me empresta suas anotações ?você já fez a redação? Posso ler para ter uma idéia?", não.

- Humpf !

- Resmungou algo, Snape ? Mas está sorrindo, que eu estou vendo...não, não negue, eu estou vendo !

Abusada, brincalhona... próxima.

- Oi, Severus !

- Prefiro Snape.

- E eu prefiro Sev !

Sorriu para o nada ao lembrar-se do primeiro beijo roubado por ela : a risada cristalina que quase atraiu a bibliotecária para seu recanto quase secreto, o alarme estampado em seu rosto enquanto ela tentava parar de rir de seu embaraço - e seu rubor, e depois de sua palidez -e imediatamente de susto estampado em sua face quando ele agarrara firmemente seu pulso, puxando-a para si e dando-lhe um beijo de verdade : longo, invasivo, que demarcava como seu o território daquela boca cálida, e todo o ser atrás dela.

Florence lembrava-lhe algo muito querido, e muito distante de sua vida : pureza. Que ele destruíra.

- Sev, aqui não !

- Porque não ?

- Alguém pode chegar e nos ver ! Sev... não, Sev... Sev...

- Um Comensal da Morte ? Sev, por Merlin, o que você espera ganhar com isso ?

- Você é bastante inteligente para responder essa pergunta, Flo.

- Sev, esse ... ninguém não te dará o que ele mesmo não tem : o poder que ele insiste em leiloar entre seus seguidores é dado por esses mesmos seguidores ! Ele só traz tristeza e escravidão, nunca, nunca poder !

- Ele é a libertação do mundo bruxo, Flo ! Ele trará a pureza novamente a ele, ficaremos livres desses estúpidos trouxas, e suas aberrações que estão infestando nossa escola ! São escória !

- Sev, ele mesmo é uma dessas "aberrações", como ele mesmo diz ! Faça o que eu mando, e não faça o que eu faço, é um ditado trouxa que se aplica maravilhosamente bem a ele ! Sev, pense, é o que melhor você faz , por Merlin! Por mim, Sev...pense.

- Já pensei.

- Então acho que não temos mais nada o nos dizer.

- Flo, ao meu lado, ao lado do Lord, você terá poder e projeção ! Pense você nisso, menina tola !

- Eu já tenho tudo que quero com você a meu lado, Sev, mas não vou dividí-lo com alguém que quer tudo de você : seu tempo, sua devoção, sua alma !

- Ele me dará muito em troca. Terei todo o conhecimento, e poder sobre tudo, tudo !

- Mas ele pede demais, Sev... e não está prometendo nada que você não consiga sozinho.

- Você é infantil, Flo ! Como eu conseguiria todo esse poder sozinho ?

- E você é um imbecil, Sev ! Como VOCÊ não conseguiria ?

Sim, como tantas vezes, ela estava certa, e ele fora um imbecil completo. Acreditara que outrem poderia dar-lhe o poder que somente o conhecimento proporciona, e por vias escusas embrenhou-se em um caminho tortuoso,verdadeiramente uma floresta de artimanhas e enganos, donde só saiu a duras penas e a custa de pesados sacrifícios. Passo a passo, foi abandonando o que tinha de bom e verdadeiro : seu aprendizado solitário - paciente mas firme e consistente - , a mulher que o amava acima de tudo... estava cego pelo brilho do poder que o outro acenava, e que egoisticamente jamais deu a ninguém fora a si próprio. Se tivesse se demorado um pouco mais de tempo para se decidir a ser um Comensal da Morte, teria visto que aquela luz era transitória... falsa... e a única verdade era que a Marca Negra era realmente a luz negra de um poço sem fundo, tragando-o inexoravelmente a uma vida sem existência... uma vida sem alma.

- Venha comigo !

- Jamais, Snape !

- Ah...agora é Snape...

- Sim, meu Sev está morto... você não é nada, comparado com ele !

- Lindas palavras, Florence... mas belas palavras não constroem sólidos futuros. Venha comigo e eu te darei o mundo !

- O que eu quero você não pode mais me dar... não tem mais para me dar. Sai da minha frente, Snape !

- Pense bem, Florence... sabe o que está recusando ?

- Sei, Snape.

- Não, você não sabe, menina mimada ! Estou te oferecendo o esplendor de viver ao lado do Comensal da Morte predileto do Lord das Trevas, o que de melhor você poderia ter ?

- Prefiro ter a vida. Adeus, Snape. Não me procure mais.

Soubera que ela morrera estupidamente em um dos ataques dos Comensais, quase tinha enlouquecido então... achara o porto seguro oferecido por Dumblodore como agente duplo - que comparado ao Inferno que era sua alma era algo muito fácil de fazer - mas nunca, em momento algum soubera que ela tinha tido uma filha.E se ele bem sabia fazer contas, adivinhava que aquela menina iria para a Sonserina, casa de seu pai. Pai... soava estranhamente, mas soava bem. Pelo menos ela havia ficado distante o suficiente dele em seu período de loucura como seguidor de Voldemort. Que, felizmente, tinha sido morto por um bebê, que agora estava desaparecido. Pouco lhe importava Harry Potter e Voldemort, pouco lhe importava o mundo, ele tinha algo muito mais importante a descobrir.

Chegando enfim à masmorra, Severus Snape, Mestre de Poções e professor de Hogwarts iniciou a mais importante pesquisa de toda sua vida : descobrir o segredo, escondido desde tempos imemoriais, que acabava com a maldição da Escuridão Eterna, a Nox Totallis. Pelo seu próprio bem, de sua descendência e de sua alma. Isso se ainda tivesse uma.

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Anima Imperium quer dizer "O Poder da Alma", onde Anima é Alma e Imperium é poder, mas é também um trocadilho sobre a maldição Imperium; Voldemort quase apoderava-se da alma de seus comensais, sob falsas promessas de glória e poder, explorando fraquezas tão comuns entre os "trouxas" como entre os bruxos. Como vocês devem ter percebido somente neste capítulo, o tempo é entre a primeira desaparição de Voldemort e o início de Harry na escola de Hogwarts; sempre achei um período oculto em brumas, e gosto demais desse espaço que permite liberdade de ação em um mundo aparentemente livre de guerras. Mas nem por isso com menos ódio. Espero que se divirtam com esse capítulo, como eu me diverti ao escrevê-lo.