Blurry Arc – Fic I
Avisos:- um pouco de angst, um pouco de linguagem , shonen-ai, DUO POV neste daqui
Casais:-2+1
Spoilers:- Pequenos spoilers sobre os primeiros capítulos da série, e sobre o "Episode 0" do Duo.
Disclaimer:- Ontem, Duo e Heero vieram me fazer uma visita. Eles me trouxeram café na cama e um envelope onde dizia que eu havia adquirido os direitos autorais sobre ele e todos os outros G-Boys. Mas daí eu acordei. Sem café na cama e sem papéis...então...sim, por mais que eu queira, eu não sou dona dos Garotos Gundam e nem nada relacionado sobre a série. Isso aqui é um trabalho de ficção sem fins lucrativos (infelizmente T_T)
Quanto ao arco como
um todo:- O
'Blurry Arc' na verdade é um arco de fics composto de pelo menos 8, sendo que
esse numero ainda pode crescer. Cada fic tem começo e fim, mas devem ser lidos
um atrás do outro para formar um todo maior. Na verdade é como uma única fic
muti-parte, sem um gancho de continuidade muito forte entre uma e outra. Cada
fic é baseado em uma parte da letra da musica "Blurry" do grupo "Puddle of Mud"
e, é claro que se você ouvir a musica enquanto lê o fic, o clima fica completo
^_~
Quanto ao Fic I :- Inicialmente começaremos com shonen-ai,
e...bom, vamos trabalhando para chegar no yaoi eventualmente. Tenham paciência
sim? Isto aqui é um arc afinal de contas. Não tem graça se entregarmos tudo
logo na primeira fic. Por favor não desistam, os pacientes sabem que vamos
chegar lá. ^_~
Agradecimentos a Dee, por ser uma beta incrível, uma reviewner melhor ainda, e uma amiga com qualidades acima dessas duas coisa.
"Everthing is so blurry
and everyone is so fake..."
Nos dias de hoje parece que o mundo se dividiu entre duas partes diferentes: aqueles que fazem parte da guerra de um modo ativo, cooperando com ações que tem valor sejam elas militares, destrutivas ou o que mais você queira colocar no pacote, e o restante do universo, aqueles que nem sequer parecem ter o conhecimento breve de que a sua volta acontece algo muito além de seus mundinhos e suas realidades tão próximas do portão da escola e dos batedouros de suas casas de dois andares em bairros cheios de arvores. Fico feliz de poder dizer que faço parte do seleto primeiro grupo, ou seja, aqueles que estão tomando parte na coisa toda.
Minha felicidade, se é que posso chamar dessa forma, não se dá pelo fato de que eu sou um dos Pilotos Gundam. Na verdade, talvez esse seja um dos poucos pontos em que todos os cinco pilotos tem um tipo de aceitação mútua e muda, nós não comentamos sobre o fato, mas o sentimento esta lá de modo tão claro e fixo, que caso fosse visível talvez fosse possível cortá-lo com uma faca: nós sabemos que somos apenas peças-chaves de algo maior, e aceitamos o nosso papel.
Eu não posso dizer que isso me incomoda muito. Por que, como eu dizia desde o começo, tenho sorte de saber exatamente em que parte dos acontecimentos eu me encaixo e, na minha opinião isso é um milhão de vezes melhor do que fingir que o mundo a minha volta se resume ao meu bairro. Ou talvez seja a noção de que quem sabe, eu não vá me tornar mais um cadáver, resultado de uma explosão qualquer...talvez seja realmente essa breve esperança de um reconhecimento ...
Mas eu realmente não entendo por que acordei tão filosófico. Não me leve a mal, eu posso parecer um idiota sorridente a maior parte do tempo, mas há muito mais debaixo dessa máscara de alegria do que a maioria das pessoas pensa, ou se dá ao trabalho de tentar descobrir. Não ha nada de idiota em Duo Maxwell, pode contar com isso.
E caso você realmente conte, você se importaria de contar também aos outros pilotos?
Primeiras impressões são coisas em que eu aprendi a não confiar a muito tempo. Viver nas ruas te ensina uma coisa ou outra sobre confiança e julgamento de caráter, coisas que definitivamente não têm nada a ver com a aparência física. Espera-se que alguém treinado o suficiente para pilotar uma máquina do calibre de um Gundam saiba algo sobre essas pequenas regras tão básicas de sobrevivência.
Aparentemente não.
Meus companheiros, será que realmente posso chamá-los assim?, são, assim como eu, algo um tanto quanto fora do comum. Espera-se que pessoas que provavelmente passam pelo mesmo tipo de situação, apresentem alguma simpatia quanto a causa, certo?
Não, na verdade, não.
Talvez eu esteja exagerando um pouco, nem todos os outros pilotos são caras estranhos, e alguns deles até mostram alguma aceitação, e até , quem sabe, simpatia, para comigo.
Quatre é um deles. Na verdade, ele provavelmente não seria rude com você nem que você desse um tiro nele. Ou até dois. Talvez no terceiro tiro ele perdesse um pouco a calma, mas não tenho certeza absoluta disso. É como se educação e gentileza fossem seus mecanismos de defesa. Felizmente, educação pode ser traduzida como dois enormes ganchos em seu Gundam, o que faz dele um piloto extremamente competente. Chega a ser um pouco assustador o que aquele baixinho, loirinho e simpático passa a fazer depois que coloca aqueles óculos estranhos dele.
De qualquer forma, é da natureza dele ser genuinamente simpático com todos, ainda mais com aqueles para com quem ele sente alguma afinidade ou aqueles com quem ele sabe que terá de conviver sob as mesmas regras por algum tempo. Eu não tenho certeza em qual dos dois casos eu me encaixo, mas gosto de pensar que seja o primeiro. O fato é que nos damos bem. Tão bem quanto dois pilotos podem se dar, dadas as circunstâncias de nossos encontros.
Trowa, é alguém um pouco mais difícil de classificar. Ele não é tão bondoso quanto Quatre, e de forma alguma é tão aberto e receptivo. Na verdade, ele não é nem um pouco receptivo. Até que você o faça perder uma batalha, aí pode ser que ele toque um dueto com você, antes de simplesmente sumir do mapa novamente.
Pois é, quem disse que não existem certas fofocas paralelas entre rapazes?
Eu não tenho reclamações quanto a ele. Não posso dizer que temos o melhor dos relacionamentos, por que na verdade o pouco contato que dividimos não nos deixa classificar a coisa dessa forma. Ele tem os negócios dele, e eu tenho os meus. E caso precisemos trabalhar juntos, eu provavelmente iria falar o tempo todo, enquanto ele simplesmente vai ignorar. O fato dele deixar que eu faça minhas coisas de meu jeito já é o suficiente para que ele ganhe meu respeito.
Wufei é um caso totalmente à parte. Não há como dizer o que se passa pela cabeça daquele cara. A maior parte do tempo ele mantém esse olhar de reprovação e parecer constantemente irritado. Porém, você pode capturar uma expressão de surpresa ou até de leve aprovação no rosto dele, apenas fazendo comentários sobre suas visões sobre a guerra e situação da Terra e das colônias.
A verdade é que ele segue o seu próprio senso de justiça como se fosse um plano inescapável de vida, e se ele vai te aceitar ou não dentro desse restrito círculo de aquisições que podem ou não ajudá-lo a alcançar seu objetivo...bom, isso depende totalmente de como ele vê suas ações, palavras, e talvez até o modo de se vestir, por que aquele cara realmente não me engana. Ele tem olhos afiados como os de uma águia para tudo o que acontece à volta dele...ou talvez ele seja alguém que esta num constante estado de mau humor.
Heero, é alguém de quem eu não gostaria de falar. Dentre todos os pilotos ele é aquele que parece genuinamente me odiar. Minhas palavras o irritam, meu cabelo, meu jeito de andar, por todos os deuses eu acho que a minha respiração é algo que provavelmente põe a missão em risco na opinião dele.
E é obviamente, por esse exemplar raro de pessoa fria, calculista e que tem aversão por mim que meu coração resolveu pular uma batida. Sim, foi algo como atração a primeira vista. Amor? Não, nós não chegamos a esse ponto...pelo menos não a primeira vista de qualquer forma.
Mas quem pode me culpar? O homem é como uma barreira sólida de músculos que misturam a força do aço e a suavidade da seda em um só. Soa poético? Espere até você me ouvir falar de seus olhos. Ah, os olhos. Talvez aquelas duas piscinas de azul límpido, escuro e frio como o céu da noite é que sejam os grandes culpados pela minha atração quase instantânea, e levemos em consideração que eu estava atirando nele, sim?, e mais tarde os outros sentimentos que seguiram.
Hey, eu nunca falei que não estava apaixonado. Eu só falei que não foi à primeira vista.
Sim, de qualquer forma isso significa que cada um dos grunhidos monossilábicos de desaprovação que são direcionados a mim doem como uma faca sendo girada em uma ferimento aberto. Mas é algo com o qual você aprende a conviver.
Mas eu ainda tenho esperanças...esperança de que talvez, depois de uma missão conjunta ou algo do tipo, que nós, e eu me refiro a todos os pilotos, possamos desenvolver um tipo de relação que não fique estritamente ligada a missões e objetivos de guerra. Afinal, nós somos cinco indivíduos únicos. Temos algo em comum uns com os outros que mais ninguém compartilha, não é?
Gosto de pensar que sim.
Pensar tão sistematicamente sobre cada um de meus parceiros me faz parar para pensar um pouco também sobre mim mesmo. Afinal, do que eu tanto reclamo sobre as pessoas e suas noções erradas baseadas em primeiras impressões, quando eu sou o próprio causador disso?
Estar sorrindo o tempo todo e falar de maneira aparentemente descontrolada não faz de mim um idiota sem cérebro, da mesma forma que ter cabelo cumprido não faz de mim gay...apesar de isso ser verdade, mas eu acho que foi só um mal exemplo.
Eu sou um ótimo piloto, extremamente competente e tenho orgulho de afirmar isso. Só esse simples fato já não me qualifica como algo diferente de um estúpido incapacitado qualquer? Pois deveria.
Mas por que eu estou em um humor tão ruim afinal?
Solto um suspiro de resignação. Eu já deveria saber que ficar em uma escola de freiras não me faria nenhum bem. Ainda mais quando dita escola é extremamente parecida com uma escola que freqüentei, a única que freqüentei legitimamente em toda a vida, muito tempo atrás. Tudo isso, melhorado pelo fato de que estou dividindo um quarto com o objeto de minha afeição, o qual me despreza sem qualquer cerimônia.
Realmente os dias não tem sido bons nessa escola.
Acho que não vai demorar muito para que um ou outro pesadelo ou memória saia de seus respectivos baús. Eu só posso esperar que os bons doutores tenham a decência de esclarecer o mais rápido possível qual é realmente o tipo de missão que temos que executar nessa escola. Assim podemos cumprir nossas atividades e sair daqui logo, para em seguida sermos divididos em outros grupos, e quem sabe eu não tenho a sorte de ser pareado com Quatre? Afinal, até mesmo eu tenho certos limites para aturar olhares frios.
Eu desenvolvi essa longa linha de pensamento enquanto tranço meu cabelo. Realizo essa tarefa no banheiro, pois não quero ter de ouvir comentários sobre meu cabelo ser desnecessário e nada pratico. Tendo o cuidado de recolher todos os cabelos da pia, também para não deixar rastros do quão realmente longa foi a minha "atividade capilar", por um momento eu olho para meu reflexo no espelho e vejo um simples borrão através do embaçado causado pela fumaça do chuveiro.
Enquanto limpo a superfície com uma toalha, não posso evitar de pensar que quanto mais os dias passam, mais difícil vai ficando a tarefa de enxergar, tanto o passado, mas especialmente o futuro, como mais do que um borrão.
***
Eu tenho vontade de gritar, eu tenho vontade de arrancar meus cabelos, tenho vontade de socar um travesseiro até que ele exploda em uma nuvem de penas e, por puro senso de preservação de disfarce e amor ao meu cabelo, eu fico com a terceira opção, pouco me importando com o fato de que Heero pode entrar a qualquer momento no quarto e me encontrar coberto em penas, mas desejando para o melhor, que isso não aconteça.
Quando eu desejei saber qual era a missão que tínhamos de cumprir nessa escola, eu não sabia o que estava desejando.
Realmente não sabia.
A missão nessa escola em particular era uma de busca-e-destruição, o que muito resumidamente significa que a escola toda é um grande disfarce para uma base secreta da Oz. Sem grandes mistérios quanto a isso. E apesar de missões desse tipo não serem nem de longe as minhas favoritas, não posso dizer que elas já tenham que trazido algum problema antes.
Mas isso só dura até o ponto em que
eu tenho que destruir igrejas anexas a escolas, com grupos de crianças morando
junto a freiras, numa cena dolorosamente familiar.
Não sei se seria capaz de realizar essa missão sem colocar valores pessoais na coisa toda. Mas, ao mesmo tempo, eu não posso ignorar que dessa vez, juntamente comigo, estão o meu amigo de quarto, o Sr. Missão em pessoa, e o não tão amigo Sr. Justiça, que fica no quarto ao lado. E eu sei que eles particularmente não tem nada contra crianças e igrejas em geral, mas que não podem desobedecer regras diretas.
Percebo que já soquei todas as penas possíveis para fora do travesseiro, e que agora agarro a fronha vazia com tanta força entre os dedos que o tecido já esta cedendo em algumas partes.
Não posso fazer isso. Simplesmente não posso.
Decido tomar uma providência, por mais pequena que seja, para tentar proteger as crianças do local. Eu posso não ter conseguido salvar a todos uma vez no passado, mas esse não é realmente um erro que eu pretendo cometer duas vezes na mesma vida. Ninguém é tão sádico assim.
Antes de começar a maquinar minhas próximas ações quanto a esse assunto, tomo a sábia decisão de limpar todas as penas, que caem como uma nuvem branca sobre todo o quarto, o que inclui a cama e a escrivaninha de Heero, antes que alguém apareça e veja a bagunça toda.
E antes mesmo que eu possa me parabenizar pela minha rapidez na limpeza, o soldado perfeito retorna ao quarto. Depois de um olhar rápido por todo o cômodo, apesar de sua expressão esboçar um flash de algo que se parece com desconfiança, ele simplesmente caminha até seu laptop, e eu solto um suspiro que nem percebi que estava segurando até então.
Ele rapidamente passa pelos pontos principais da missão, e sem desviar o olhar para minha direção, já deitado em minha cama, ele anuncia em monólogo, 'A realização da missão vai ser depois de amanhã, logo pelas primeiras horas da manhã.'
Não é uma pergunta. Não é uma ordem. Não é algo que exija qualquer tipo de resposta da minha parte. Ainda bem. Por que o anuncio me dá calafrios, pela simples confirmação de quão realmente curto é meu tempo para tomar qualquer tipo de atitude. Eu simplesmente viro na cama, numa menção corporal de que estou pronto para dormir. Fim da discussão.
Heero faz algumas últimas anotações, fecha seu laptop e deita em sua própria cama, paralela a minha, do outro lado do quarto.
Eu espero até que sua respiração torne-se regular, para poder me virar. Mas antes que eu possa fazer isso, ele me surpreende.
'O que aconteceu com seu travesseiro?'
'Acho que foi destruído por um dos meninos, numa brincadeira que aconteceu a tarde no corredor'. Tecnicamente não é uma mentira. Houve realmente uma brincadeira no corredor a tarde. E meu travesseiro foi realmente destruído. O fato de que os dois fatos não estão interligados e que "um dos meninos" sou eu mesmo, é um mero detalhe.
Ele parece ficar satisfeito com a resposta, e sem mais delongas vira-se para o lado oposto.
Eu por minha vez me deito de bruços
com os braços atrás da cabeça. Não tenho nenhuma intenção de dormir hoje. O
travesseiro não vai me fazer falta nenhuma, afinal.
***
No dia seguinte eu me levantei antes de Heero. Na verdade eu me levantei antes de que qualquer outra alma na escola inteira. Trabalhos de reconhecimento exigem esse tipo de esforço da sua parte. E, como parte inicial do treinamento, eu consigo sair do quarto com sucesso sem acordar meu parceiro de crime no processo.
O trabalho de reconhecimento foi consideravelmente fácil. Afinal, grandes igrejas com escolas anexas não possuem realmente grandes segredos guardados, a não ser que elas sejam abrigos para gigantescas bases de Móbile Dolls da Oz em seus porões sem o conhecimento da maioria das pessoas que abrigam e visitam regularmente o local.
Entrar na igreja me causa um misto de alegria e desespero ao mesmo tempo. Alegria pelo reconhecimento imediato de quase todas as figuras, bancos, decorações, tudo tão típico de igrejas. Tudo tão igual. E desespero pela ciência de que, pela segunda vez, eu seria responsável pela destruição de tudo aquilo.
Esses dois sentimentos juntos me atingem com tamanha força que eu sou obrigado a me apoiar em um dos bancos, antes que meus joelhos me falhem. O som que eu provoco é semelhante ao de uma folha seca se soltando de sua árvore e descendo em queda livre rumo ao chão duro, e é coincidentemente a forma como me sinto, mas, por menor que tenha sido a evidência da minha presença no local, eu chamo a atenção de uma freira.
Eu nem sequer tinha notado a presença dela, acendendo velas em um dos cantos da igreja, e essa simples falha da minha parte me alerta para minha, bem, falta de alerta.
A freira se dirige a mim com um sorriso nos lábios, e mais uma vez eu sou assaltado pelos flashbacks como se fossem socos sucessivos no estômago, mas como eu já estava apoiado em um dos bancos, acho que minha reação passou despercebida, e eu consigo responder o sorriso da mulher com um dos meus.
'Não é comum os alunos visitarem a igreja a essa hora.' Ela diz enquanto se aproxima, o sorriso nunca saindo do lugar. 'Eu sou Tamis', ela se apresenta enquanto me estende sua mão.
'Eu acho que isso faz de mim um aluno um tanto diferente dos outros então'. Eu estendo minha própria mão, imitando o gesto, 'Eu sou Duo.'
Ela parece satisfeita de certa forma com a minha colocação. 'Pois bem Duo, o que traz um jovem como você assim tão cedo a igreja?', ela pergunta em um tom de casualidade, enquanto retorna a seu lugar próximo as velas, e faz um gesto com as mãos para que eu a acompanhe.
Eu obedeço, enquanto respondo num tom igualmente casual, 'Eu estava passando por aqui perto...'. Ela me olha pelo canto de um dos olhos, e eu me vejo obrigado a mudar minha resposta. 'Insônia', eu respondo pela segunda vez, coçando um dos meus olhos em ênfase, e ela me manda um segundo olhar desconfiado. Qual é o problema com freiras afinal?
'Curiosidade', eu finalmente respondo, dando de ombros, e de novo, tecnicamente, não se trata de uma mentira. Ela parece satisfeita com essa resposta e volta a olhar para o trabalho que tem em mãos.
'Se você está realmente curioso', ela continua em um tom tão suave que eu sinto o peso de uma noite não dormida cair inteirinho sobre meus ombros na iminência da vontade de dormir embalado por aquela voz, 'você deveria voltar mais tarde, para a missa do meio dia.' Ela termina, apagando o fósforo que segurava.
'Talvez eu venha'. Hey, eu sei reconhecer uma oportunidade quando ela se apresenta diante dos meus olhos.
'Eu ficarei esperando', ela diz com suas costas viradas para mim, enquanto caminha em direção aos cômodos anexos da igreja, e antes de finalmente sumir do meu plano de visão, ela se vira uma última vez, e com o sorriso amplificado diz, 'É um prazer conhecê-lo Duo.'
Nesse momento eu percebo que mesmo que eu não quisesse, ou não fosse obrigado a retornar para a missa do meio-dia por conta de meus objetivos, eu estaria naquela igreja, naqueles bancos, ao meio dia em ponto senão antes. Tudo por que, naquele momento em que sorriu pra mim, a freira Tamis limpou por um breve momento, o borrão do espelho do meu passado, deixando que eu desse uma espiada no que existe do outro lado.
E eu não sou o tipo de cara que se satisfaz com simples espiadelas.
Ao voltar ao meu dormitório, abro a porta fazendo o mínimo de barulho o possível, o que, para mim pode ser traduzido como o som da minha respiração. Fecho a porta cuidadosamente atrás de mim, e fico um tanto surpreso ao dar de cara com a cama de Heero já arrumada, lençóis esticados como se ninguém tivesse passado por ali em décadas.
Estranho. Ainda é muito cedo para ele ter levantado e partido para o café da manhã. Mais estranho ainda é o fato de que eu genuinamente me assusto quando o vejo apoiado no batente do banheiro, braços cruzados na frente do corpo, face numa expressão que eu não poderia descrever como mais nada além de nula.
'Onde você esteve?'
É uma pergunta simples. Até válida eu reconheço, considerando o tipo de relacionamento, será que posso realmente chamar assim?, que temos. Dois pilotos, dividindo a mesma missão. Mas de certa forma o tom dele me incomoda, e eu não me sinto no humor de responder. Ainda não devo nada a ele que não seja estritamente relacionado a missão.
'Por aí.' Eu respondo num tom vago, me dirigindo a minha mochila, fingindo estar procurando por um livro ou qualquer outra coisa.
A resposta obviamente não agrada a ele, o que não é realmente uma surpresa uma vez que basicamente todas as minhas ações parecem ter esse mesmo efeito sobre o Soldado Perfeito.
Ele olha fixamente para mim por alguns momentos, esperando por algum tipo de clarificação na minha afirmação anterior, e quando ele percebe que não vai tirar nada de mim, ele simplesmente diz, 'Amanhã, pela manhã.'
'Sabe de uma coisa, eu ainda não preciso que você me lembre dos dados das missões idênticas que recebemos. Ler ainda é uma das minhas capacidades, caso não tenha ficado claro.' Realmente, eu não tinha intenção de recorrer ao sarcasmo tão cedo, mas ele consegue me deixar irritado com essa facilidade. E ele nem parece estar tentando.
Ele se vira e fecha a porta para resumir suas atividades no banheiro, e antes que ele possa sair com novas perguntas para adicionar ao interrogatório, eu me retiro do quarto em disparada. Eu realmente não ando no humor para suportar esse tipo de coisa.
Eu tive a felicidade e infelicidade, gostar de alguém faz esse tipo de coisa com você, de encontrar Heero apenas cinco ou seis horas depois, no almoço. Dessa vez, ele estava junto com Wufei, ambos sentados em uma das mesas do canto da cafeteria e discutindo algo em tons baixos e poucas palavras. Eu já sabia do que se tratava a conversa e não pretendia ser estúpido o suficiente para me juntar a eles.
Além do mais, eu tinha outros planos.
A missa do meio dia estava tranqüila, contando com a presença de algumas poucas senhoras, alguns casais e um grupo grande de crianças todos sentados na primeira fileira de bancos. A frente das crianças, estava Tamis, sorriso firme como uma rocha em seus lábios e um ar de paciência que parecia positivamente brilhar a sua volta.
Eu me sentei no fundo, para não chamar atenção. Eu já mencionei o efeito que uma longa trança pode fazer nesse sentido, mesmo numa igreja? Pois é.
Esperei até o final para me dirigir a freira e seu bando de crianças. Seu sorriso se alargou de uma forma que eu não pensava ser possível, quando ela me viu.
'Duo, você realmente veio.', ela exclamou, e depois, dirigindo-se para sua pequena e curiosa platéia, continuou. 'Crianças, esse é Duo. Ele é um dos alunos da escola e veio nos fazer uma visita. Sejam educados e o cumprimentem'.
'Boa Tarde, Duo!' as crianças responderam em coro, e eu me vi refletido no rosto de pelo menos quatro delas. A mesma expressão de alegria constante, e um sentimento de contentamento por simplesmente respirar que as crianças parecem emanar por toda parte.
'Ola crianças', respondi com um sorriso genuíno de minha parte. Já fazia algum tempo que eu não me via na companhia de tantos diabinhos de uma única vez. A não ser que você conte Móbile Suits, é claro.
'Crianças, Duo vai se juntar a nós nas atividades da tarde. Não é bacana?', disse Tamis, e antes que eu pudesse contestar a afirmação, mandou mais um daqueles sorrisos em minha direção, um daqueles que é capaz de te fazer concordar caso ela dissesse que as atividades da tarde consistiam em procurar uma agulha em um palheiro do tamanho de uma colônia.
As crianças viraram seus rostinhos redondos em minha direção e eu não pude fazer nada alem de concordar com um sorriso de minha parte. 'Claro'. E nisso as crianças fizeram um pequeno escândalo, típico de crianças, que alargou o sorriso de Tamis em proporções ainda maiores.
Qual é o segredo das freiras afinal?
De qualquer forma, Duo Maxwell, Piloto de Gundam, corajoso e astuto, assumiu a difícil missão de ajudar no cuidado de uma pequena grande multidão de crianças durante o período de uma tarde.
Antes fossem Touros. Ou Leões. Ou Móbile Dolls. Pelo menos nenhum deles chora em tons capazes de te fazer desejar que você tivesse nascido surdo.
E apesar do eventual ataque de choro, eu me encontrei no final de uma tarde, e quase sete horas depois do planejado encontro na missa do meio dia, em um estado de relaxamento e contentamento pelo qual eu não havia estado nenhuma vez desde que chegara nessa escola, duas semanas atrás, ou talvez até mesmo antes disso.
Eu disse que precisava me retirar, afinal ainda era um aluno da escola, e precisava acordar no dia seguinte para freqüentar as aulas. Fiz questão de não mencionar atividades extra-curriculares, como a destruição total do local. E antes de me deixar partir, Tamis me ofereceu uma xícara de chá.
Aproveitei o momento para perguntar, casualmente, onde era o lugar em que as crianças eram mantidas, já que elas obviamente não eram alunas da escola. Esta escola era um lugar para filhos de políticos e outras pessoas influentes do governo. Obviamente nenhuma daquelas crianças se vestia ou parecia rechonchuda o suficiente para fazer parte desse grupo seleto de alunos.
'Tanto eu, quanto todas as crianças ficamos em quartos dentro da igreja. Existem alguns cômodos anexos na parte de dentro. Elas dividem os quartos em pequenos grupos, e eu divido o meu com alguns dos menores', ela respondeu enquanto tomava um pequeno gole de sua xícara de chá. 'Você é bastante observador Duo. Como notou que as crianças não são alunas da escola?'
'Eu não notei', respondi, mas com uma pequena manobra verbal transformei mais essa afirmação em uma "não-mentira", 'Eu perguntei por curiosidade, pois a maioria delas é realmente pequena demais para estudar em um colégio interno'. Não muito longe da verdade.
'Elas são todas órfãs', a freira respondeu, olhando intensamente para o liquido em sua xícara. 'Elas são trazidas para cá por pessoas que as encontram na rua. As vezes são simplesmente abandonadas na porta da igreja sem aviso prévio. Eu acolho a todas, e é realmente uma sorte que a igreja seja parte do colégio e que eles sejam tão benevolentes quanto as doações que são dirigidas a igreja'.
"Infelizmente é um dinheiro sujo com o sangue dos soldados das colônias", eu pensei comigo, mas achei melhor guardar esse pedaço de informação para mim mesmo. Eu já conhecia um numero mais do que suficiente de casos de sonhos esmagados pelo peso da realidade. Não havia necessidade de ser o agente catalisador de mais um, ou muitos, desses.
Terminei o meu chá, e me levantei com intenções de me retirar, agradecendo pela hospitalidade que me foi oferecida tão abertamente pela freira. Recolhi minha mochila do chão, aonde eu havia colocado, e mais uma vez agradeci, enquanto me dirigia para a porta dos cômodos anexos da igreja.
Antes que eu tivesse sucesso em minha saída, eu me encontrei rodeado por braços magros, porém firmes, rodeado em uma onda leve e hipnotizante de calor e conforto enquanto Tâmis me abraçava.
'Você é um bom garoto, Duo. Não deixe que nada, nem ninguém, lhe tire seus sonhos, por mais impossíveis que eles pareçam', ela falou, com aquele sorriso que agora me parecia familiar como se fosse o meu.
Eu provavelmente devo ter corado, por que ela deu uma risada leve, e concluiu. 'Você não precisa da aprovação de ninguém para saber o que é certo, querido. Consulte aquele que nunca lhe falhou antes.' Com isso e com um gesto leve em direção ao coração, ela virou e se foi, me deixando na porta, confuso como um pato em um ninho de lobos, e leve como se uma tonelada tivesse sido retirada de meus ombros de uma só vez.
Como ela conseguiu adivinhar? Como ela soube de tudo...das dúvidas...em um simples olhar? Se é que foi mesmo em um olhar. Acho que nunca saberei na verdade.
Só sei que diante dos acontecimentos, eu resolvi bater um papo breve com alguém com quem já não falava há muito tempo. Era hora para deixar algumas coisas claras.
Entrei na igreja, e me dirigi ao fundo. Ajoelhei-me em um dos bancos, e coloquei as duas mãos juntas, em um gesto claro de prece. Hábitos antigos são difíceis de controlar, eu acho.
'Hey', eu falei, olhando para cima, 'eu sei que você está me ouvindo. Você, entre todos os outros nunca deixaria de me escutar. Olha, eu sei que faz tempo...mas eu preciso te pedir um favor. É coisa simples, portanto não fique pensando que eu vou ficar te devendo, ou algo assim'.
Eu suspirei, buscando pelas palavras certas em minha cabeça.
'Você sabe que eu não acredito em Deuses, além do Deus da morte é claro mas...se existe alguém aí, alguém que está de olho em você também...nem que esse alguém seja também o Deus da Morte, por favor, faça com que ele olhe pelas pessoas desse lugar. Eles precisam da proteção, seja lá de onde ela venha.'
Eu terminei abrindo os olhos e separando minhas mãos. 'E sim, pode deixar que eu vou fazer a minha parte. Tudo o que eu peço é um backup tá ok?' E com uma última olhada para cima, eu suspirei, 'Obrigado Solo'
Segundos depois eu fui assaltado pela distinta impressão de estar sendo observado. Todos os meus instintos gritaram dentro de minha cabeça, mas eu não queria virar e me arriscar a ser descoberto pelo meu perseguidor. Melhor que ele não soubesse que eu sabia da presença dele.
Nisso eu ouvi o quase imperceptível, mas distinto, barulho de solas de borracha conectando com o piso de mármore da igreja. Não sei se ele fez isso de propósito ou não, mas o fato foi que eu fui tomado por uma onda de alivio e raiva, misturados em um só sentimento.
'Saia Heero.'
Eu não sei se ele realmente saiu de onde estava, por que eu não olhei para trás para verificar se minha ordem havia sido obedecida.
'O que você quer?', eu perguntei, e minha voz pareceu tingida com raiva até para meus próprios ouvidos, apesar de eu obviamente estar tentando manter algum semblante de controle.
'O que você esta fazendo?'
Ah, a velha tática de responder com uma pergunta. Eu não ia cair nessa.
'Eu não vejo por que o que eu faço no meu tempo livre possa ser do seu interesse'. Eu não pude ver nada, por que ainda estava com minhas costas viradas na direção oposta, mas posso jurar que ouvi um pequeno som de surpresa vindo da direção dele. Ou talvez minha mente tenha conjurado isso.
O silêncio dele disparou algum tipo de engrenagem em minha cabeça por que, de repente, tudo ficou claro como cristal.
'Você me seguiu, por que você achou que eu ia colocar a missão em risco'. Foi uma afirmação, não uma pergunta, e o silêncio dele foi toda a resposta de que eu precisava.
Eu me levantei do banco da igreja e me dirigi à porta, sem olhar para a direção dele, apesar de saber que aqueles olhos azuis me seguiram por todo o trajeto. Eu parei na porta, com as costas para ele. 'Amanhã. Pela manhã.', foi tudo o que eu disse antes de resumir meu passos até o quarto que dividíamos.
Eu entrei no cômodo e imediatamente me posicionei em minha cama, sem me dar ao trabalho de tirar o uniforme com o qual eu havia passado o dia inteiro.
Conte com Heero-Yuy-maldito-soldado-perfeito para acabar com um dia que tem tudo para ser, bem, perfeito. Mas eu não ia permitir, não dessa vez. As minhas ações durante o dia dentro da igreja junto com Tamis e as crianças, tinham me provido informações o suficiente para que eu montasse o plano perfeito em meu cérebro. Perfeito, como em um plano onde a destruição da igreja não seria necessária, uma vez que ela não era parte integrante do colégio, mas sim, um mero anexo. Tudo que era necessário da minha parte, era rapidez o suficiente para concluir o trabalho na escola e terminar a missão com sucesso, antes que a igreja pudesse se tornar um alvo junto a todo o resto.
Se meu segundo nome não fosse Maxwell, seria "Rapidez" com toda certeza.
Quando Heero voltou ao quarto, cerca de meia hora depois, eu já tinha bastante prática na arte de fingir o sono, mantendo minha respiração constante, e me mexendo um pouco em intervalos regulares. Tenho quase certeza de que ele ficou parado no meio do quarto, posicionado na frente da minha cama por pelo menos alguns longos minutos.
Algo no fundo da minha mente me diz que ele passou esses momentos olhando para minha figura dormente, o peso daquele olhar recaindo sobre mim como uma manta pesada de inverno, mas não posso afirmar com certeza.
Minutos depois ele havia deitado em sua própria cama, e pouco tempo depois estava dormindo.
Eu me virei novamente, numa posição que já estava se tornando familiar, com a cabeça apoiada em meus braços cruzados olhando para o teto. Eu tive muito com o que me ocupar durante a noite. Passei ela extremamente irritado com minha própria capacidade de perdoar Heero por tudo o que ele fez, pelo simples gesto de admissão da parte dele. E sim, eu sei que ele não admitiu realmente que havia me seguido, mas o silêncio dele significa mais do que muitas palavras, por mais que ele não seja realmente adepto a palavras a maior parte do tempo.
A manhã seguinte me encontrou como se eu tivesse dormido todas as horas que realmente necessitava, e pronto para executar minha missão com perfeição.
Heero, Wufei e eu deixamos o prédio da escola, carregando nossos poucos bens junto de nós em pequenas mochilas, em direção a floresta nas proximidades, onde os três Gundams estavam escondidos, e com velocidade e precisão, nos dirigimos ao nosso alvo.
O Ataque foi rápido e preciso, e em poucos minutos a maior parte da escola, e também da base subterrânea anexa, estavam em total estado de destruição, cercada por chamas. Surpreendentemente, quando pensávamos que nossa missão estava acabada e que poderíamos voltar agora para o hangar de Howard no ponto 13-75 do oceano pacífico como especificado no briefing da missão, alguns Móbile Dolls apareceram para tornar a tarefa interessante.
Recapitulando, alguns muitos Móbile Dolls. De onde essas coisas surgem tão rápido afinal?
Eu e Heero estávamos próximos um do outro lutando contra os, aparentemente, últimos Móbile Dolls do "lote". Eu abri meu canal de comunicação com ele para avisar que após acabarmos com os últimos que restavam podíamos começar a partida para o hangar, mas antes que eu pudesse dizer uma palavra sequer, eu me encontrei paralisado em puro terror.
Gundam Shenlong estava girando seu tridente no ar, em direção a igreja, em clara intenção de ataque ao alvo.
Meu grito de horror foi tão alto que eu acredito ter arrebentado alguns vidros no processo.
Antes que eu pudesse me recompor o suficiente para tomar qualquer atitude, uma lágrima de puro desespero escapou a prisão de meus olhos e o Gundam Wing estava na frente do Gundam de Wufei, levando o golpe no lugar do antigo prédio.
Ainda paralisado pela cena diante de mim, foram necessárias duas coisas para me retirar de meu transe. Um golpe de um dos Móbile Dolls ainda em movimentação nas minhas costas, e a voz de Wufei, no canal aberto entre os pilotos, gritando em tom de pura raiva e confusão, 'Está louco Yuy? O que você está fazendo?'
Enquanto eu saía de meu torpor e me livrava dos últimos pedaços de lata que insistiam em me perseguir com minha habilidade voltando a mim aos poucos, foi realmente uma boa hora para que aqueles Dolls já estivessem danificados, eu ouvi a voz calma e inalterada de Heero pelo mesmo canal utilizado por Wufei. 'Essa construção não faz parte dos alvos estipulados pela missão. Missão concluída. Retirada'
Heero então continuou com o procedimento de retirada. '05 , status?'
'Normal', respondeu Wufei, já em um tom controlado, e completamente diferente do que ele havia utilizado anteriormente.
'02, status?'
Eu demorei um pouco para responder, mas consegui tirar as palavras da minha boca, apesar da nuvem de surrealidade que insistia em rodar dentro da minha cabeça na velocidade da luz. 'N-Normal.' Eu gaguejei levemente, e minha voz pareceu alterada até em meus próprios ouvidos.
'Retirada', Heero concluiu, e com isso, os três pilotos deixaram a cena, e eu deixei parte do meu coração atrás, na igreja, e olhando para o prédio de uma certa distância, notando que ele parecia tão intocado quanto antes da batalha que havia acabado de tomar vida instantes atrás, soltei uma rajada de ar que não percebi que estava segurando, desde o momento do ataque do Shenlong.
'Obrigada Solo' eu murmurei em um momento de alívio completo, e depois disso me deixei ser levado para o hangar de Howard por pura experiência, tão presente em mim quanto minha própria pele, sem realmente prestar atenção em tudo o que acontecia a minha volta.
Foi ao chegar ao hangar, depois de pousar e colocar meu Gundam em uma posição ao lado dos de meus parceiros que eu percebi que meu canal de rádio diretamente para o canal de Heero ainda estava aberto, e que ele havia escutado tudo. O grito, o suspiro, o agradecimento...por mais sussurradas que fossem as minhas palavras, o que não foi o caso do grito de qualquer forma, nada escaparia a audição perfeita dele.
Eu me senti mal por alguns momentos por ter literalmente gritado no ouvido dele, e resolvi que era de bom grado, pedir desculpas pelo ocorrido.
O encontrei no quarto onde usualmente passava minhas noites, colocando sua mochila compacta na cama paralela a minha. Ele não se virou na minha direção quanto eu entrei no quarto, apesar de obviamente ter notado a minha presença.
'Me desculpe pelo grito', eu falei. Não havia muito mais o que ser dito, realmente.
'Hm'. Foi a resposta que eu recebi dele. Tão eloqüente como sempre.
Eu estava pronto para sair do quarto, mas ao invés disso eu me dirigi até cama que me acostumei a chamar de minha, nas não tão raras e não tão curtas estadias que faço no navio de Howard. Só tomei conhecimento do quanto meus joelhos e todo o resto do meu corpo estavam tensos, no exato momento em que meu corpo fez contato com o tecido do lençol na cama.
'E obrigada', eu falei simplesmente, sentindo que me faltavam palavras, mas que ao mesmo tempo, essa única palavra continha tudo aquilo que eu queria que ele soubesse nesse momento.
Para minha surpresa, ele pegou seu laptop e dirigiu-se para a porta do quarto. 'Durma um pouco. Agora você pode.'
E com isso ele apagou a luz do quarto, e saiu. Mas não sem antes murmurar um quase imperceptível, 'de nada', enquanto fechava a porta do cômodo.
Eu teria ficado ainda mais surpreso se não estivesse quase dormindo. No estado em que eu me encontrava, um delírio seria mais do que comum, então eu não iria descartar essa possibilidade ainda tão cedo.
Mas antes de cair no sono, um sorriso escapou junto de um suspiro por meus lábios. E naquele momento, dormi como não dormia fazia muitos dias, sem visões borradas de passado e futuro, sem sonhos nem pesadelos.
***
Fim do Fic – I
