Blurry Arc – Fic V
Avisos:- um pouco mais de angst, um pouco de linguagem , shonen-ai, Duo POV neste daqui
Casais:-1+2+1 (Yey \^_^/)
Spoilers:- nenhum
Disclaimer:- Ontem,Quatre e Trowa apareceram em minha casa segurando papéis. Eu pensei que fossem meus direitos autorais perdidos, mas eram ingressos pro circo. Ver Catherine acertar facas no Trowa foi divertido mas... por mais que eu queira, eu ainda não sou dona dos Garotos Gundam e nem nada relacionado sobre a série. Isso aqui é um trabalho de ficção sem fins lucrativos (infelizmente T_T)
Quanto ao arco como
um todo:- O 'Blurry Arc' na verdade é um arco de fics
composto de pelo menos 8, sendo que
esse numero ainda pode crescer. Cada fic tem começo e
fim, mas devem ser lidos um atrás do outro para formar um todo maior. Na
verdade é como uma única fic multi-parte,
sem um gancho de continuidade muito forte entre uma e outra. Cada fic é baseado em uma parte da letra da musica "Blurry" do grupo "Puddle of Mud" e, é claro que se você ouvir a musica enquanto lê o fic, o clima fica completo ^_~
Quanto ao Fic
V :- Essa fic é o fechamento oficial da
primeira fase do Arc, ou, como eu gosto de chamar, "minha primeira lata de
minhocas", ^_~. A partir daqui a história vai tomar um rumo um pouco diferente,
mas nada absolutamente fora dos padrões. Espero que esse fic
coloque alguns coraçõezinhos em paz, e só pra
constar, eu adoro cenas de chuva quase tanto quanto adoro toalhas *^.^*
***Agradecimentos a Lien Li por ser uma beta na velocidade da luz e pelos ótimos comentários***
*** Este capítulo é dedicado a minha grande amiga e Yaoi Hunter, Himiko. Por ter se dado ao trabalho de ler o fic (e gostar) mesmo sem apreciar 1x2, e simplesmente por ser uma das pessoas mais kawaiis que existe ^.^=***
" You could be my someone
You could be my scene..."
Quando ouvimos pessoas dizendo provérbios como "Nunca diga nunca", temos uma tendência a não levar esse tipo de comentário a sério. Afinal, provérbios tem essa maneira - como posso dizer? - toda mágica de transformar qualquer tipo de conselho, mesmo que válido, em uma coisa totalmente piegas e até mesmo um tanto idiota, em certas ocasiões.
Um tanto idiota. É exatamente dessa forma que me sinto no momento, vendo-me obrigado a engolir uma verdadeira corrente desses mesmos provérbios, que costumo considerar tão inúteis, como sendo coisas verdadeiras. O exemplo que ilustro com minha própria existência, não poderia ser pior.
Eu jamais pensei que um dia acharia ruim estar em uma das mansões dos Winner. E é exatamente aqui que o ridículo provérbio entra, como um chute no meio de meu estômago, pois é exatamente assim que me sinto , diante das circunstâncias atuais.
Meu gosto por essas casas vem de minha, talvez completamente ilógica e irracional, apreciação pelas "pequenas" coisas da vida. Tão pequenas quanto um teto, três refeições ao dia e uma cama embaixo de suas costas durante a noite, podem ser. Essas coisas, que são supostamente tão primárias e básicas a qualquer ser humano comum, ainda são consideradas por mim como uma descoberta recente. Eu tenho certeza de que ainda não pude aproveitá-las ao seu máximo potencial.
Não é preciso ser um grande gênio para perceber o quanto eu valorizo todos esses aspectos da vida, dos quais fui privado durante minha infância e só pude ter contato após tornar-me um piloto Gundam, e mesmo assim, com pouca freqüência. Basta apenas reparar na óbvia diferença de comportamento entre mim e Quatre, diante das mesmas coisas.
Ele certamente parece aproveitar muito bem as estadias em suas casas, mas para ele nada daquilo é novidade, enquanto que em meu caso.... é como se meu cérebro tivesse um alarme constante, sempre presente, lembrando-me para aproveitar o quanto posso, pois aquilo de forma alguma poderá durar por muito tempo.
Pensando um pouco, o papel de aristocratas serve como uma luva aos Winner's. Julgando pela quantidade de cômodos, móveis, criados e metros quadrados construídos de cada uma das casas da família nas quais tive a oportunidade de pousar meus olhos.
Quatre parece ser um caso típico de ovelha negra. Apesar de que essa comparação é, para dizer o mínimo, estranha. Como ele, entre todas as pessoas, poderia ser comparado a qualquer coisa negra? Por todos os diabos, até o Gundam dele já deveria ter sido repintado em tons de khaki. De qualquer forma, ele é o tipo de pessoa que, mesmo com todas as vantagens de uma vida de riqueza, deixou tudo, simplesmente para lutar pelo que ele acha justo e certo: pela paz nas colônias.
Nem mesmo Relena foi capaz de tomar uma atitude como essa. E eu, particularmente, não acho que ela possua coragem o suficiente. Mas não é meu papel colocar isso em questão.
Essa colocação de meu cérebro me atenta para o fato de que aqui me encontro, mais uma vez filosofando, e lembro-me que esse tipo de corrente de pensamento é um sinal claro de preocupação. E, consequentemente, irritação.
Eu me vi inesperadamente envolvido nesta, digamos, "situação" a pouquíssimo tempo.
Sim, faz pouco tempo que odeio as mansões Winner. Ou talvez seja apenas esta mansão em particular.
Já fazem quatro dias desde que Heero voltou da missão, que amaldiçoarei durante o resto de meus dias, na qual pensei que ele jamais retornaria. E em algum lugar dentro dessas noventa e seis horas de convivência, nos tornamos companheiros de quarto. Eu realmente não saberia apontar com exatidão o momento no qual os pertences de Heero - que podem ser traduzidos como um laptop e uma pequena mochila - tornaram-se objetos fixos no quarto que costumava identificar como sendo o meu.
Durante os três primeiros dias eu apenas deixava água e comida na cabeceira da cama ocupada por ele, ciente de que ele estava se alimentando com o braço esquerdo, que não estava ferido. Mas agora que suas forças já parecem suficientemente repostas, ele consegue se levantar, e eu deixo que ele faça suas próprias coisas.
A parte mais estranha desse "arranjo" é que nenhum dos outros pilotos parece ter notado o fato de que eu e Heero dividimos um único quarto, sendo que existem mais de cinco pela casa. Como disse, nem eu mesmo sei explicar como isso aconteceu.
A realidade é que passo a maior parte de meu dia simplesmente evitando o cômodo, e mais especificamente, a presença do Soldado Perfeito, da melhor maneira que consigo.
Tenho quase certeza de que ele jamais chegou a sentir aquele beijo, que lhe dei num momento de desespero... ou teria sido alívio? Eu sinto por não conseguir me lembrar dos detalhes agora, por mais que queira, e acredite, eu realmente gostaria de lembrar. De qualquer forma, a única possibilidade existente é que ele não tenha sentido o beijo, caso contrário, eu certamente não estaria vivo nesse exato momento para contar a história a mim mesmo.
Ao mesmo tempo, durante os dias nos quais eu lhe levava água e alimento, surpreendi, em mais de uma ocasião, aquele par de olhos azuis - uma cor que eu costumo classificar como pertencente a Heero e mais ninguém - fixados diretamente em mim. Olhando e buscando por alguma coisa. Era simplesmente enervante, a ponto de me preencher de um medo completamente irracional, de que ele fosse capaz de descobrir tudo a qualquer momento apenas olhando para mim.
O que explica a razão pela qual me encontro nesse exato momento na cozinha, cortando legumes sob uma tábua e colocando força o suficiente no movimento da faca para fazer pequenos pedaços dos pobres vegetais voarem por toda a extensão da pia. E do chão.[1]
Aliás, saiba que pilotos de Gundam também pilotam fogões. Com o perdão do trocadilho cretino. Temos de cozinhar para nós mesmos, uma vez que o grupo, de forma geral, não confia em alimentos vindos das mãos de desconhecidos, e barras de cereais não são exatamente as coisas mais gostosas do mundo. Não que as refeições que saem de nossas mãos sejam grande coisa, mas pelo menos tanto eu, quanto Trowa, podemos nos gabar um pouco de nossos dotes culinários. E é por isso que cozinhamos em sistema de rodízio. Quanto um come bem, todos comem. O mesmo vale para quando um de nós come mal.
O que me retira novamente do plano dos pensamentos, no qual tenho me visto com uma freqüência preocupante nos últimos dias, é a voz de Quatre, pronunciando meu nome. Pelo tom, posso dizer que ele provavelmente já esta me chamando faz algum tempo.
Realmente, tenho que começar a prestar mais atenção aos meus arredores durante estes meus lapsos de raciocínio intenso.
Avisto-o logo atrás de mim, junto ao balcão da larga cozinha, com uma certa quantidade de surpresa. Apesar da voz de Quatre ser comum em sua própria casa, lembro-me que ele havia saído em uma missão com Trowa, a cerca de duas semanas. Envergonho-me pelo fato de não conseguir dizer com precisão a quantos dias eles haviam retornado, tamanha a minha dedicação ao estado de Heero.
Quatre apenas sorri em minha direção. 'Duo', ele diz em seu tom de voz suave e amigável, 'o que os legumes fizeram para você estar cortando eles desse jeito?'. E eu tenho a decência de ficar vermelho ao ouvir esse comentário.
Viro-me completamente em sua direção para falar, olhando diretamente em seus olhos, e, pela primeira vez em muitos dias, eu realmente olho para ele, realmente enxergo-o. Só então notei que ele tinha uma tala em um dos braços.
'Quatre!', exclamei., tomado por uma preocupação imediata, e uma sensação mais do que repentina de culpa, por não ter notado o ferimento muito antes. Aquilo não podia ter simplesmente aparecido ali agora.
Ele apenas sorriu para mim, colocando a mão em meu ombro e tentando me acalmar, como se estivesse lidando com uma criança que perdeu seu cachorro no parque, como se eu não tivesse qualquer culpa em não ter notado seu estado muito antes do que naquele exato momento.
'Trowa e eu fomos atacados durante a missão de reconhecimento.' O árabe explicou. 'Foi um ataque consideravelmente fraco, mas fomos pegos completamente de surpresa. Mas não se preocupe Duo, não é nada sério, apenas um braço torcido, e nem sequer próximo ao estado de Heero. Ele está bem agora?'
Fiquei espantado por alguns longos momentos, com a capacidade que ele possui para fazer com que eu me sinta extremamente aliviado, e tremendamente culpado ao mesmo tempo.
Assenti vagarosamente com a cabeça em resposta a sua pergunta, e logo em seguida praticamente virei-o do avesso física e mentalmente em busca de outras possíveis injúrias e informações adicionais sobre a missão e o ataque sofrido por ele.
Após nossa conversa, permiti que partisse, sob a condição de que não se esforçasse e que deixasse todas as responsabilidades da casa em minhas mãos.
Antes de se retirar da cozinha porém, Quatre sorriu, e não pude deixar de pensar que de alguma forma, ele parecia mais feliz agora, ferido, do que antes de partir para a fatídica missão. Estaria eu enganado ou seu sorriso parecia mais amplo?
Não tive tempo o suficiente para contemplar esse acontecimento, porque naquela noite, assumi a responsabilidade de preparar o jantar para todos os pilotos. Fiz sopa, e pela primeira vez em dias, Heero deixou o quarto para juntar-se a mesa e comer com todos os outros. Silenciosamente como de costume.
Não pude deixar de notar que ele possuía olheiras, quase roxas em sua profundidade, debaixo dos olhos, um pouco vermelhos também. Aquilo supostamente não deveria estar lá, afinal, Heero não vinha fazendo muita coisa além de dormir, para recuperar as energias e poder curar-se mais rapidamente. Mas por outro lado, as olheiras poderiam ser resultado de excesso de sono, e evitei pensar mais a respeito.
Reparo ainda, que ele esta usando o braço ferido e enfaixado para levar a comida a boca, e que este treme levemente, mostrando uma certa fraqueza. Escolho ignorar também esse pensamento. Ultimamente minha imaginação tem vislumbrado coisas demais, e já foi provado em ocasiões anteriores o quanto isso pode ser prejudicial. Especialmente para meu estado de saúde. Para meu status como ser vivo, para ser mais especifico.
Naquela noite, após o jantar, limpei, sozinho, toda a cozinha. É uma tarefa desagradável, mas fui eu mesmo quem me ofereci para estar fazendo os serviços da casa. E naquele momento, qualquer atividade capaz de distrair minha super-ativa e emocionalmente não-tão-equilibrada psique, era mais do que bem-vinda.
Depois de terminar, dirigi-me pelo corredor aonde os quartos dos pilotos ficavam, um ao lado do outro, fazendo pequenas notas mentais ao passar na frente de cada um deles.
Wufei já não abandonava seu cômodo a dias, desde a chegada de Heero, para ser mais exato. Ele encarregou-se pessoalmente de analisar todos os dados, fitas de segurança, planta do prédio, e qualquer outra informação relativa a missão. Todos os outros concordaram em deixar que ele fosse o responsável por essa tarefa, e não acredito que teríamos conseguido pará-lo mesmo que isto fosse necessário. Portanto, deixávamos que ele trabalhasse, interrompendo periodicamente, apenas para trazer-lhe as refeições.
Ao lado do quarto de Chang, havia o quarto ocupado por Quatre, e surpreendi-me por avistar a porta do cômodo aberta.
Trowa estava lá, juntamente a meu amigo árabe. Ele estava auxiliando na troca da tala de seu parceiro de missão. Ambos pareciam estar concentrados no que faziam, e esboçavam pequenos sorrisos, quase imperceptíveis, enquanto olhavam para seus braços e mãos, unidos na tarefa comum.
De repente senti que estava invadindo um momento estranhamente íntimo, e mesmo um tanto quanto pessoal. Acelerei o ritmo de meus passos, querendo passar diante da porta despercebidamente, como se não houvesse notado nada a respeito da pequena troca de gestos acontecendo dentro do quarto. Creio que tive sucesso nisso.
Lembrei-me, por um instante breve, que até agora eu não havia trocado as bandagens de Heero, nem uma vez sequer. Tirei esse pensamento da cabeça com rapidez, genuinamente irritado com a facilidade com a qual minha cabeça ficava retornando para assuntos relacionados ao Soldado Perfeito e sua condição.
Substitui esse pensamento por outro, notando que realmente todos os pilotos haviam estado tão ocupados quanto eu mesmo, durante os últimos dias. Provavelmente por conta disso não tinham notado o fato de que eu agora possuía um companheiro de quarto, pelo qual jamais havia pedido.
Sem contar as vezes que meu coração implorou. Mas ninguém sabe disso. E nem precisa saber. Especialmente o objeto de minha afeição.
Eu já falei que ainda tenho amor a vida certo?
Sem parar de andar, voltei a minha linha de raciocínio inicial e acabei com uma pergunta interessante nas mãos: E quanto a mim? O que havia me distraído o suficiente? Me distraído ao ponto de impedir minha observação, para que não notasse sequer os ferimentos de um companheiro de batalha?
Ao entrar em meu cômodo, eu avistei a resposta diante de meus olhos, deitada sobre a cama.
Estranhamente, minha resposta, moveu-se de forma brusca, em uma velocidade que pude identificar como uma que se aproximava da adquirida em estados de surpresa, esta - muito provavelmente - causada pela minha chegada. Depois desse momento breve, ele simplesmente virou para o outro lado da cama, o lado oposto a mim, como se nada tivesse acontecido.
Suspirei em resignação, por hora, completamente exausto de tanto pensar e analisar, convencido de que seria melhor dormir.
Ultimamente, eu não vinha dormindo muito bem. Algo como uma sensação estranha de...algo que eu não conseguia tocar, mas que estava lá, esperando por mim, me assaltava todas as noites. Uma sensação daquelas, capazes de colocar todos os seus sentidos em estado de alerta em cerca de segundos.
Todas as noites eu passava pela familiar rotina de scanear todo o quarto com os olhos e afiar os ouvidos em busca de sons que pudessem indicar qualquer anormalidade. E como em todas elas, eu voltava a dormir, não completamente satisfeito, mas escolhendo ignorar o sentimento anormal, em prol do sono necessário.
*****
No dia seguinte, obtive uma manhã cheia, tomada pela tarefa de preparar o almoço para todos. Depois, toda a tarde foi ocupada pela tarefa de limpar a casa.
Claro que Quatre possuía serventes para fazer esse tipo de serviço. Mas eu seria um homem morto antes de deixar qualquer uma delas chegar sequer perto do corredor aonde ficavam localizados os quartos de todos os pilotos. Isso, ou elas também poderia ser consideradas mortas. Soldados prezam sua segurança e espaço, com uma intensidade incrível. Porque, em algumas ocasiões, pode ser tudo o que lhe resta.
Aquela tarde começou, estranhamente, com um temporal. A manhã havia sido ensolarada, mas o céu foi coberto por nuvens negras de uma forma tão repentina, que parecia até mesmo algum tipo de anúncio macabro vindo dos céus.
Claro que isso não tinha qualquer tipo de efeito sobre mim. Eu simplesmente adoro tempestades. Foi um gosto que desenvolvi após começar a observá-las de lugares secos, ao invés de sofrer diretamente com as conseqüências trazidas por elas. Sou fascinado pela quantidade absurda de energia liberada por relâmpagos e pela força com a qual a água por vezes leva tudo aquilo que bloqueia seu caminho.
No momento, aquela chuva parecia ter a propriedades suficientes para limpar a casa pelo lado de fora, e a minha alma por dentro. Talvez seja algo relacionado com o sentimento que apenas o cheiro de terra molhada, unido aos sons da água batendo no solo, é capaz de proporcionar.
Bloqueei minhas divagações a respeito da tempestade, e resolvi, ao invés disso, tirar vantagem do fato de que Heero havia ido para a sala de estar da casa, para limpar o quarto. O cômodo já estava ficando com um desagradável odor de lugar fechado, misturado com o cheiro do suor provocado pelos medicamentos, e eu sabia que em pouco tempo aquilo me levaria a um estado de náusea constante.
Decidi trocar tudo, desde os tapetes até os lençóis, e parti na tarefa de arrancar a roupa de cama dos colchões.
Congelei até a ponta de meu último fio de cabelo ao encontrar bandagens, diversos metros delas, todas ensopadas de sangue, embaixo do colchão da cama ocupada por Heero. Por um breve espaço de tempo, meu cérebro recusou-se a fazer a associação óbvia e fiquei segurando as faixas de gaze em minhas mãos, olhando-as em total estado de choque e incompreensão. Só em um momento seguinte fui capaz de reunir neurônios o suficiente para analisar o que possuía em mãos.
Ali haviam faixas em quantidade o suficiente para que pelo menos três trocas tivessem sido feitas. Qual era o sentido disso?
Completamente tomado por uma mistura de preocupação, em estado puro, e raiva, continuei a revirar as roupas de cama, sacudindo tudo diversas vezes. Até encontrar um objeto familiar dentro do travesseiro.
O caderno. O maldito caderno!
Minha memória deu um salto involuntário à noite anterior, no exato momento no qual eu havia entrado no quarto, e Heero havia tentado esconder alguma coisa de meus olhos. Virando em todos os ângulos possíveis a cena gravada em minha mente, em busca de outras pistas que pudessem me levar a outras possibilidades, conclui que só podia ter sido aquele caderno.
Que diabos estava acontecendo afinal? Ele tem escrito nesse caderno até causar a abertura de seus ferimentos? Não é possível que ele tenha tanto o que colocar no papel.
Parte de mim estava em estado de pura cólera, o cérebro concentrando-se ao máximo na tentativa de evitar que eu entrasse completamente em modo Shinigami. Mas a outra parte, que não estava preenchida pela raiva, sentia apenas...dor. Dor pelos ferimentos de Heero. Dor por ele não deixar que eu cuidasse deles. Dor, por não dividir comigo algo que lhe incomodava o suficiente para que ele tivesse que praticamente sangrar nas folhas de um estúpido caderno.
Sentindo uma segunda presença no quarto, virei-me para encontrar o Soldado Perfeito no batedor da porta. Sua mão estava paralisada sobre a maçaneta da porta, seus olhos parados sobre mim e o caderno, que eu segurava em minhas mãos com força o suficiente para partir o objeto em dois.
'O que significa isso Heero?', foram as únicas palavras que consegui reunir forças o suficiente para falar. Desespero, dor, dúvida, todos esses sentimentos estavam claramente presentes em meu tom de voz.
Ele apenas olhou para mim. Mas seu olhar continha alguma coisa... alguma coisa que me parecia vagamente familiar, mas que ao mesmo tempo eu não parecia ser capaz de ler.
Tomado por uma raiva que evoluía gradativamente para ódio, eu passei por ele, saindo do quarto, decidido a enterrar aquele caderno nas profundezas de qualquer lugar, preferencialmente do inferno, o mais distante do meu campo de visão o quanto fosse possível. Penso, por um momento infinitesimal, em comunicar minhas intenções em voz alta, mas ao invés disso, eu simplesmente me retiro.
Saí na chuva, correndo descontroladamente, sem sequer perceber em que momento eu havia deixado de simplesmente caminhar para fora da casa, e começado a correr como se minha vida dependesse daquilo.
Um passo em falso me levou ao chão, e eu conclui que naquele instante eu odiava tempestades. Direcionei xingamentos e palavrões, suficientes para amaldiçoar diversas gerações, às entidades responsáveis pelas chuvas.
Levantei-me, e no momento seguinte pude somente desejar que tivesse permanecido no chão. Pelo menos, apesar de molhado e coberto de lama, eu já estaria próximo o suficiente para recolher os fragmentos de minha face, que certamente havia se partido em um milhão de pedaços, caindo ao meus pés, em puro choque.
Recolhi o caderno que havia caído aberto no chão ao meu lado, olhando atentamente para as folhas, tentando me certificar de que não estava alucinando.
As páginas estavam cobertas por desenhos. Dezenas deles. Em todos, eu aparecia dormindo, em posições diferentes, com expressões levemente diferentes, mas sempre no mesmo estado de total desconhecimento da imensa observação que havia ocorrido para que aquele retrato fosse feito.
Não sei quanto tempo se passou enquanto eu observava aquelas folhas. Pelo que eu sei, o tempo pode até mesmo ter estacionado.
'Eu não consigo dormir.'
Essas quatro palavras foram as responsáveis por me retirar do estado de completo torpor. no qual aqueles desenhos me colocaram.
Virei-me para confirmar com os olhos, o que meus ouvidos e coração já haviam adiantado a meu cérebro. A confirmação era bem vinda, porque naquele exato momento, minha mente parecia estar coberta por um tipo de neblina, densa e branca, que impossibilitava que eu visse as coisas com clareza. a não ser que realmente olhasse atentamente para elas.
Avisto Heero na chuva, não muito longe do lugar aonde me encontro parado. O caderno continuava aberto em minhas mãos, completamente indefeso contra a fúria da água batendo em suas páginas. Mas eu não havia reparado nisso, porque, pela segunda vez essa noite, Heero possuía, em seu rosto, aquela expressão que eu não conseguia ler.
De repente, perdi completamente a capacidade de falar, aquela que, dentre todas as minhas habilidades ,eu pensei que seria a única que jamais viria a me abandonar. Ele pareceu captar meu estado, pois continuou.
'Não consigo dormir, porque desde a noite do acidente...da missão...algo me diz...' , ele parou, suspirando longamente antes de retomar, '...eu tenho a impressão de que dormi durante algo muito importante...'
Merda! Então ele realmente sabia. Olhei para o objeto que segurava, e notei que embaixo dele minhas mãos tremiam com uma intensidade que eu já não via em alguns dias.
Heero se aproximou então, e mais uma vez voltou a falar, em um tom mais baixo, como se aquelas palavras seguintes fossem destinadas a mim, e a mim apenas.
'Eu simplesmente não posso deixar que esse tipo de momento passe em branco novamente.'
Só então, as palavras realmente foram registradas em minha mente, e antes que eu pudesse questionar muito além, Heero aproximou-se ainda mais, e lentamente segurou uma de minhas mãos.
Ele a guiou aos seus lábios e beijou a superfície delicadamente. Sei que ele pôde sentir, tão claramente quanto eu, o exato momento em que o tremor cessou.
Então, sem nunca abandonar o contato com minha mão e antes que eu pudesse perceber a intenção de seus próximos movimentos, ele pousou sua outra mão em meu rosto, inclinou a cabeça levemente em minha direção e me beijou.
Estávamos ambos molhados, a água da chuva estava extremamente fria, e nossas roupas desagradavelmente coladas em nossos corpos, como um lembrete constante de nossa condição. Mas nenhum dos dois parecia se importar. Nos sentíamos quentes. Nossos lábios unindo-se gentilmente como se fossem apenas um. Nossas respirações mornas misturando-se.
Mesmo depois de afastarmos o rosto um do outro, permanecemos abraçados naquele mesmo local, durante o que pareceu ser uma verdadeira eternidade. Talvez o tempo tivesse realmente parado.
Não me lembro de muito mais sobre os fatos que aconteceram naquela noite. Não sei como fui parar em meu quarto, em minha cama quente e usando calças de pijama brancas, que nunca havia visto antes.
A única coisa que posso afirmar, com toda a certeza que meu coração é capaz de me provir, é que Heero dormiu naquela noite. Sei que ele deixou-se ser levado pelo contentamento inconsciente do sono, porque ouvi sua respiração, constante e suave próxima a meu ouvido, e tão semelhante a minha, enquanto dormimos protegidos um nos braços do outro.
***
FIM DA FIC V
[1] Desculpem , mas eu tinha que colocar isso. Qualquer
coincidência entre meu modo de cortar vegetais e o do Duo, não é uma mera
coincidência ^.^".
***Fiquem cientes ainda de que o próximo fic do Arc muito provavelmente vai fazer a classificação etária dele subir umas casinhas (talvez até para R, dependendo de meus planos), por conta de cenas de violência. Portanto, atentem para a classificação do fic quando estiverem procurando por ele ok? ^_~***
Como sempre, agradecendo aos novos reviewers e os de sempre também: Yuki, Bra_Briefs, Serenity Le Fay, Ti-chan e Hi-chan! Obrigada pela força pessoal, são voc6es que fazem esse fic andar rapidinho assim!^_~
Agradecimentos vão ainda para Yoru , que não me mandou review, mas que eu sei que está acompanhando esta fic também, e para todos que me parabenizaram pelo meu aniversário! Beijos a todos!
