Blurry Arc – Fic VII

Avisos:-  *mais angst*, um pouco de linguagem , yaoi, Duo POV neste daqui

Casais:-1+2+1, 3+4

Spoilers:- nenhum spoiler neste.

Disclaimer:- Ontem, Quatre me convidou para tomarmos chá em sua casa. Por acidente, acabei quebrando uma de suas xícaras favoritas, arruinando assim, todo o conjunto perfeito de louça. Quatre ficou muito irritado, e entrou em Zero Mode. Em seguida,possuído pelo sistema Zero, rasgou meus direitos autorais...T_T... por isso, por mais que eu queira, eu ainda não sou dona dos Garotos Gundam e nem nada relacionado sobre a série. Isso aqui é um trabalho de ficção sem fins lucrativos (infelizmente T_T)

Quanto ao arco como um todo:- O 'Blurry Arc' na verdade é um arco de fics composto de pelo menos 8, sendo que esse numero ainda pode crescer. Cada fic tem começo e fim, mas devem ser lidos um atrás do outro para formar um todo maior. Na verdade é como uma única fic multi-parte, sem um gancho de continuidade muito forte entre uma e outra. Cada fic é baseado em uma parte da letra da musica "Blurry" do grupo "Puddle of Mud" e, é claro que se você ouvir a musica enquanto lê o fic, o clima fica completo ^_~


Quanto ao Fic VII :- Eu escrevi essa fic ouvindo musica depressiva...o resultado deve estar mais ou menos claro no que vocês estarão lendo a seguir. E a propósito, eu acredito que tenha comentado antes o quanto me dói escrever o Duo sofrendo certo? Pois bem, no meu próximo fic desse arc, eu tenho que definitivamente parar com isso, por que eu também sofro T_T. Mas eu posso continuar...se as fábricas de lenço de papel continuarem me subornando...hehehe ^_~

***Agradecimentos a Lien Li por ser uma beta na velocidade da luz e pelos ótimos comentários***

"I wonder what you're doing

Imagine where you are..."

            Abri meus olhos, acordando com a presença de um pequeno fio de luz que entrava pela gigantesca porta recém aberta a minha frente. O pouco esforço requerido pelo ato de mover as pálpebras e levantar o pescoço para identificar quem havia chego no local, exigia muito de meu corpo, e causava um dor imensa.

            Meu cansaço fez com que eu esquecesse, por meros segundos de pura benção, exatamente aonde me encontrava. Mas, rapidamente, minha consciência preencheu-se novamente com os fatos que haviam levado a minha presença naquele local, como se eles estivessem acontecendo naquele instante, diante de meus olhos semi-cerrados.

            Alguma coisa naquela missão tinha dado horrivelmente errado.

            Supostamente teríamos de ter realizado a invasão com uma considerável facilidade, já que aquela base não era especialmente bem vigiada.

            Era o que havíamos pensado. E nosso excesso de confiança em nossas fontes provou-se nosso maior erro.

            Em poucos minutos, depois de nossa chegada, Quatre e eu enfrentávamos uma das maiores e mais duras batalhas contra Móbille Dolls de nossas vidas.

            Sandrock acabou sendo gravemente atingido, e aproveitei a deixa para tomar a dianteira da batalha, a fim de proteger meu companheiro de luta. Quatre protestou, mas eu o assegurei de que, no fim, tudo daria certo.

            Nunca antes desse dia, um erro havia sido tão doloroso.

            A falha não consistiu em salvar Quatre, obviamente. Me refiro a um descuido mínimo, cometido em uma das frentes, nas quais eu agia ao mesmo tempo, que resultou em minha captura, após uma longa luta, da qual Deathscythe saiu inteiro apenas por algum milagre.

            Agora, com os pés e mãos presos a uma estrutura estranha, que não conseguia enxergar devido a posição na qual havia sido preso, não me restavam energias, sequer para cogitar a possibilidade da existência de uma saída para a situação na qual me encontrava.

            Se antes eu sentia raiva e desgosto pela Oz, por conta dos inúmeros abusos causados por eles a milhões de pessoas, agora minha raiva havia crescido de forma incalculável. Acabar com eles, havia tornado-se uma questão pessoal.

            Se eu pudesse sobreviver, é claro.

Joguei este pensamento em um canto escuro de minha mente, antes que ele pudesse tornar-se ainda mais claro.

            A cada soco, tapa, chute, chicotada e golpe que eu recebia, meu ódio crescia mais e mais.

            O estado de meu corpo era a prova da extensão de minha raiva.

            Mas era um sentimento inútil, mais um entre tantos que sentia naquele momento. Entre eles: resignação, preocupação, angústia, e acima de todos, uma dor inexplicavelmente poderosa, a todo e qualquer momento no qual a lembrança de Heero me vinha a memória, por mais breve  que esta fosse.

            Eu tentei ser forte, manter a mente forte, mesmo que isto fosse tudo o que me restasse. No final, apenas ela poderia salvar meu corpo de toda a agressão sofrida.     

Em nenhum momento, durante as longas sessões de espancamento, pelas quais fui submetido, eu me permiti chorar.

Já bastava que eles tivessem levado minha dignidade, parte de minha sanidade e pedaços de minha pele. Eles não levariam meu orgulho.

E me agarrei a ele como se minha vida dependesse disso somente.

Mas agora, pensando em Heero... em seus lábios, seus braços, seus beijos, seus olhos... eu me encontrava a beira de lágrimas e também da total inconsciência.

Foi quando a luz fraca, vindo do corredor, retirou-me de meu torpor.

Atentei para a entrada de mais um soldado da Oz. E, se minha mente ainda não havia entrado em colapso, eu me lembrava de ter ouvido longas risadas vindas desse mesmo soldado, horas antes, em uma sessão particularmente dolorida de tortura.

Era o próprio. Reconheci-o pelo sorriso maligno e pelo bastão que ele segurava em uma de suas mãos. O objeto estava completamente coberto de sangue. Meu sangue.

O idiota falou alguma coisa que não consegui decifrar. Naquele momento, eu estava concentrado no fato que eu acabara de notar, que minha visão estava completamente em tons de cinza. A única cor que  conseguia distinguir, de todas as outras na cena a minha frente, era o vermelho de meu sangue que pingava da arma em sua mão.

Um movimento do soldado a minha frente porém, chamou minha atenção. Ele estava abrindo o zíper de sua calça lentamente, olhando-me com uma expressão que não deixava qualquer tipo de duvida sobre suas intenções.

Acho que desmaiei.

Tenho certeza que gritei com toda a força existente em meus pulmões.

Sei disso porque acordei, ainda aos gritos, e suando frio. Apenas para perceber que havia alguém com o corpo sobre o meu, segurando-me de maneira firme, mas suave, sobre a cama, sussurrando em meu ouvido.

'Está tudo bem. Está tudo certo agora. Acabou. Ninguém aqui vai machucar você...', dizia a voz suave, que identifiquei como sendo a voz de Heero.

A cor voltou repentinamente a meu campo de visão, e ao finalmente perceber meus reais arredores, parei de gritar.

Heero então afastou-se, dando-me espaço para que eu respirasse, e não pude conter um arrepio que passou por toda a extensão de meu corpo. Eu não queria respirar, eu queria a presença dele ali de volta, o mais próximo o possível de mim.

Mas Heero afastou-se por poucos segundos, retornando ao meu lado com uma pequena toalha úmida, colocando-a em minha testa, em um procedimento que estava tornando-se praticamente familiar.

Aquela era a sexta vez, em seis dias, que eu acordava em um estado de histeria.

A culpa era da maldita morfina. Durante os dois primeiros dias de minha recuperação, os outros pilotos tiveram de fazer uso do medicamento, porque eu não suportava qualquer tipo de contato físico, sem que isso me deixasse a beira da insanidade, por conta da dor causada.

Mas os efeitos colaterais eram igualmente dolorosos. E depois de passados os dois primeiros dias, implorei para que eles parassem, e sabendo exatamente pelo que eu vinha passando, meus companheiros assentiram, sem que houvesse discussão sobre o assunto.

Quatro dias depois, eu ainda sentia muita dor, mas era capaz de controlá-la com analgésicos menos poderosos do que a morfina.

Os sonhos porém, ainda não haviam cessado. E apesar dos ferimentos, em todo meu corpo, estarem cicatrizando, a ferida em meu coração parecia aumentar a cada dia.

Cada alucinação, cada memória remoída, trazia de volta consigo todos os momentos de sofrimento, em uma única onda de dor capaz de rasgar minha alma ao meio.

O fato de Heero não se aproximar de mim, caia como a última e gigantesca pedra no topo de toda minha dor, esmagando os restos do pouco que havia sobrado de mim.

Claro, ele estava sempre ao meu lado, constantemente cuidando e limpando meus ferimentos, me alimentando e me retirando, sempre delicadamente, da escuridão trazida pelos pesadelos. Mas ele não me tocava, a não ser que a tarefa exigisse tal ato.

Eu sabia que ele estava, e estaria ali para mim, o tempo todo. Mas eu precisava ter certeza, precisava de algo que me ancorasse ao chão, que me assegurasse que aquilo era a realidade e que o resto não passavam de simples memórias. Passado.

Um mero toque bastaria. Um encontro de mãos, dedos em meu cabelo. Mas Heero não se aproximava além do necessário.

Além disso, ele tinha uma expressão estranha, presente a todo momento em seu rosto. Uma mistura de incerteza, dor e angústia. Como se ele estivesse constantemente a beira de... uma explosão.

Naquele momento, interrompendo minha linha de raciocínio, ele trocou a toalha que utilizava para passar em meu rosto. Eu peguei sua mão entre minhas duas e olhei diretamente para ele, colocando todas as minhas dúvidas em meus olhos para que ele visse.

A expressão indecifrável na face de Heero intensificou-se e senti que alguma coisa estava prestes a ceder. Como uma corda fina e frágil segurando algo absurdamente pesado. Estava tudo naquelas órbitas azuis inconfundíveis.

Nesse instante, Quatre entrou no quarto e Heero aproveitou-se de minha surpresa para virar-se, na direção da vasilha com a água das toalhas, e desviar de meu olhar.

Quatre caminhou lentamente até a lateral de meu leito. Ele possuía um de seus braços em uma tala e um sorriso triste em seu rosto. Essa era a primeira vez que eu via Quatre desde que havia chegado na casa que os pilotos ocupavam no momento. Foi com alegria que notei que ele não possuía qualquer ferimento, além do braço paralisado, e senti uma enorme necessidade de abraçá-lo, para que eu tivesse a plena certeza de que tudo estava certo com ele.

'Como você está se sentindo hoje, Duo?', ele perguntou, interrompendo meus pensamentos. Não pude deixar de notar que sua voz estava rouca e fraca. Na verdade, sua aparência como um todo era frágil, e ele me parecia também um pouco pálido.

'Eu me sinto ótimo', respondi com meu usual bom humor, mas o efeito da frase foi diminuído pela rispidez de minha própria voz, fraca por conta dos gritos. Eu tinha esperanças de que pudesse elevar o espírito de meu companheiro. Tinha a certeza de que, de certa forma, Quatre sentia-se culpado pelo acidente como um todo.

Era completamente típico dele, pensar uma idiotice como essa.

Sua expressão não mudou muito, mas depois de uma inspeção, feita com os olhos, por todo meu corpo, ele parecia levemente menos preocupado.

Quatre sentou-se em uma cadeira próxima e pegou em uma de minhas mãos, e o calor que ele transmitia era tão agradável que meus olhos quase lacrimejaram em reconhecimento do contato humano, do qual eu parecia necessitar tanto quanto ar ou medicamentos.

Ficamos nessa posição, apenas olhando um para o outro e com nossas mãos unidas, por muito tempo. Heero ainda estava de costas para nós, enquanto molhava e torcia as toalhas sobre a pequena bacia com água sobre a cômoda, do outro lado do quarto.

Quatre então, começou a falar. 'Duo nós... durante o tempo, quer dizer... desde sua chegada... nós temos investigado e...'. Ele parecia extremamente desconfortável.

'Não se sinta mal Quatre', eu assegurei-o com um pequeno aperto em sua mão. 'Eu posso perfeitamente tocar no assunto...'

'Mas Duo...', ele protestou levemente, parando ao ver a expressão determinada em meu rosto. O jovem árabe me conhecia o suficiente para saber que agora ele teria de ir adiante,com seja lá o que houvesse sido começado.

'Você tem certeza?', ele perguntou hesitante. Havia uma certa angustia em seus olhos, clara como o dia.

'Mas é óbvio', respondi, sorrindo levemente na tentativa de diminuir o desconforto de meu amigo. 'O que você quer saber, Qat?'

Ele deu um longo suspiro, fechando seus olhos, para em seguida continuar. 'O que... você se lembra sobre... sobre o tempo que passou na prisão da Oz?', ele finalmente falou, e eu podia ver que fazer aquela pergunta lhe custava muito.

'Bem...', parei para pensar por alguns segundos. 'Me lembro de ter sido levado para uma sala, onde três soldados me amarraram em um local... uma estrutura de ferro se não me engano...mas eu não cheguei a ver exatamente aonde fui preso. Isso foi depois de eu ter sido espancado, logo após a captura...'

Quatre pôs a mão sobre a boca, tentando conter seu choque diante de minha aparente calma na descrição dos fatos. Eu não me sentia emocionado ou tocado pelo que estava narrando. Era passado, coisas sobre as quais eu não possuía qualquer tipo de poder de mudança.  Fatos. Apenas isso.

'Depois...', continuei, ' ainda recebi mais quatro ou cinco visitas individuais de cada um, até que um deles.... o último que havia me batido.... retornou e...'

Parei subitamente.

Nesse momento percebi que havia um enorme espaço não preenchido por memórias de qualquer tipo.

Continuei falando, automaticamente, as palavras deixando minha boca completamente fora de meu controle. 'Depois disso, ele abriu o zíper das calças e ....'

Lá estava. Havia um branco enorme... algo como uma gigantesca mancha negra que cobria parte de minha mente. Um enorme pulo do momento em que o soldado havia entrado na sala aonde eu me encontrava, até o momento em que eu acordara já nos braços de Heero.

O que havia acontecido afinal? O que haviam feito comigo? Até onde haviam chegado?

Meu corpo não possuía respostas para minhas perguntas. Os ferimentos estavam por toda a parte, e nenhum deles tinha como me dizer exatamente quais limites haviam sido ultrapassados.

Repentinamente, minha visão começou a ficar cinza novamente, os tons das cores perdendo-se em uma imensidão nula, e os cantos dos olhos tornavam-se lentamente escuros, fechando-se em si.

Eu ouvia a voz de Quatre chamando por meu nome, como se estivesse a uma grande distância, e eu não conseguia responder. Minha voz recusava-se a obedecer meus comandos, assim como todo o restante do corpo.

A última coisa que ouvi, foi um soluço aterrorizado de Quatre, e o som da pequena bacia de água caindo no chão, do outro lado do quarto.

Acordei no que parecia muitas horas depois, abrindo meus olhos na escuridão quase completa do quarto. Apenas um pequeno abajur projetava luz sobre o cômodo, iluminando suavemente a face da pessoa sentada na cadeira ao lado da cama. Eu espera encontrar a figura familiar de Heero, mas não era ele que estava a meu lado, e sim, Trowa.

Ele segurava minhas duas mãos entre as suas, em um gesto muito semelhante ao que Quatre havia feito na última vez que eu havia visto-o, antes de perder minha consciência.

Trowa possuía uma expressão de completa calma, e ao mesmo tempo, emanava uma aura tão pacífica e cheia de força, que senti-me imediatamente confortável diante de sua presença, apesar de ainda sentir-me completamente confuso e dolorido em algumas partes.

Ao notar que eu não estava inconsciente, ele olhou para mim, procurando por alguma coisa em meus olhos, que ele pareceu encontrar, porque em seguida retirou de minha testa uma pequena toalha, da qual eu sequer havia notado a presença, e falou com uma segunda pessoa presente no quarto, 'ele acordou'.

Notei naquele momento que ele falava com Wufei. Este, estava do outro lado da cama, tratando de uma ferida do lado esquerdo de meu estômago. Eu não havia notado sua presença até então, estando ainda parcialmente desacordado, e provavelmente sedado, porque eu podia sentir uma crescente dormência em algumas partes de meu corpo, enquanto a dor gradualmente diminuía.

Fiquei em silêncio e Trowa aproveitou o momento para levantar-se e auxiliar Wufei na colocação de um grande pedaço de gaze em cima de um dos cortes, que provavelmente havia aberto durante um de meus ataques de histeria durante o sono. Em seguida, eles terminaram, abaixando minha camiseta branca sobre minha barriga, e puxando os cobertores sobre mim.

Aparentemente satisfeito com o resultado do trabalho, ele voltou a sentar-se ao meu lado enquanto o outro piloto saiu do quarto, levando consigo o kit de primeiros socorros e as bandagens trocadas. Trowa voltou a envolver minhas duas mãos nas suas.

'Como você está se sentindo Duo?', ele perguntou, sua voz baixa e suave.

Abri minha boca lentamente, fechando-a em seguida. Eu não sabia como responder. A verdade era que eu não sabia como estava me sentindo realmente. Tantos sentimentos envolviam-me ao mesmo tempo, e de uma forma tão confusa, que não permitiam que eu identificasse cada um deles.

'Estou bem', respondi, mentindo mais para mim mesmo, do que para meu companheiro.

Ele me olhou novamente, praticamente inspecionando, com aqueles grandes olhos verdes avaliadores que ele possui.

'É claro que está', ele respondeu, e então aproximou a cadeira um pouco mais do canto da cama, tentando estabelecer uma distância menor entre nós dois.

'Duo', meu nome deixou seus lábios quase como um sussurro, 'eu... sinto muito por não ter podido fazer isso antes... mas...'

Aquilo era completamente estranho para mim. Eu sentia como se minha mente já estivesse acordada o suficiente para processar os fatos que aconteciam a minha volta, mas ao ver meu amigo calculando as palavras que estava prestes a dizer, eu não podia evitar de sentir uma certa confusão.

O que possivelmente Trowa teria a me dizer, que era tão importante assim?

Ele suspirou longamente. 'Eu não cheguei a agradecê-lo ', ele concluiu.

Agora eu estava realmente confuso.

Então Trowa sorriu. Era um sorriso triste e cheio de pesar, como se aquela felicidade que ele expressava tivesse sido justificada por um fato igualmente doloroso. 'Eu queria te agradecer por ter trazido ele de volta', ele falou, aproximando-se um pouco mais. 'Obrigado por trazê-lo de volta pra mim'

Só naquele momento minha mente clareou-se por um instante, e finalmente compreendi sobre o que estávamos falando. Senti uma quentura acumular-se em minhas bochechas, um sorriso ameaçando escapar meu lábios, mas acho que Trowa não chegou a vê-lo, porque suas palavras foram acompanhadas por um suave abraço, ao qual respondi automaticamente, colocando meu braços sobre as costas largas e fortes de meu amigo.

'Obrigado', ele repetiu, suspirando longamente, e aquele instante fez com que eu notasse, mais uma vez, exatamente o quanto eu sentia a falta e a necessidade do contato humano. E apesar da presença de Trowa ser extremamente reconfortante, faltava alguma coisa...

Faltava... calor. Um calor que eu sabia que era destinado a mim... e a mim apenas.

Meus olhos haviam fechado inconscientemente enquanto eu retornava o abraço, e estes abriram-se repentinamente passando por todo o quarto em busca da silhueta de Heero. Eu sabia que ele não deixaria de estar a meu lado...

Mas ele não estava ali.

A constatação trouxe um leve estremecer a todo meu corpo, e não pude conter um leve som de surpresa misturado a uma pequena dose de desespero. Trowa imediatamente soltou-me, virando-se para olhar diretamente para mim, a procura de sinais de dor ou desconforto.

'O que foi Duo?', ele perguntou, preocupação clara em sua voz.

'Onde está Heero?' perguntei, ignorando sua questão inicial.

Ele pareceu chocado com minha indagação, e abriu sua boca sem que nada saísse dela.

'Barton, deixe que eu fale com ele', ecoou a voz de Wufei vinda da porta do quarto, surpreendendo a nós dois.

Trowa deu uma última olhada em minha direção, antes de deixar o quarto, ao mesmo tempo em que Wufei aproximava-se de minha cama, tomando o lugar ocupado por ele minutos atrás.

Ele simplesmente sentou-se a meu lado, sem dizer uma única palavra. Se um de nós era capaz de ver a completa e irrefutável verdade através de qualquer um de meus comentários, esse alguém sem sombra de dúvidas era Wufei. Ele não precisava me perguntar como eu me sentia. Ele sabia.

'Aonde está Heero?', repeti, tentando não abrir uma brecha para que o assunto fosse esquecido ou ignorado.

Meu companheiro fechou seus olhos por poucos segundos, e soltou um longo suspiro, para só então falar. 'Heero saiu'

'O quê?', perguntei estupidamente. O que significava tudo isso? Por que Heero não estava a meu lado?

Notei que ele provavelmente esperava por minha pergunta, porque respondeu com calma e controle, ao mesmo tempo em que olhava para minhas mãos, agarradas no cobertor, como se isso fosse capaz - de alguma forma - me manter em segurança. Ou talvez fazer com que a imagem de Heero conjurasse-se a minha frente. 'Heero precisava fazer algo muito importante, Duo...'

'Como assim? O que...?', "...poderia ser importante o suficiente para que ele me deixasse? Para que me deixasse aqui, sozinho?", minha mente completou, mas minha boca recusou-se a dizer, mantendo-se apenas aberta em estado de choque.

Um milhão de questões giravam incontrolavelmente em minha cabeça, a maioria delas em torno do fato de que, naquele momento, eu não possuía ninguém ao meu lado. Eu estava sozinho. E comecei a sentir que o cinza dava sinais de lentamente voltar a minha visão.

Uma lágrima escapou da prisão de meus olhos, sem que eu pudesse ter tempo ou forças para contê-la.

Foi quando senti a mão de Wufei pousar delicadamente em minha face, fazendo com eu virasse meu rosto em sua direção.

Seus olhos tinham um brilho, capaz de jogar para longe o cinza que ameaça os meus, e olhando diretamente para ele, mesmo que nenhuma palavra tivesse sido dita, eu sabia com toda a certeza de meu coração e alma, que não havia nada além de sinceridade e confiança naqueles olhos.

'Duo', ele falou suavemente, enquanto limpava a lágrima desobediente com um de seus dedos, sem nunca retirar a mão de meu rosto, 'não se esqueça que todos nós estamos aqui para você', ele falou, e sua expressão possuía uma honestidade pura e completa, como eu jamais havia visto estampada em um rosto antes em toda minha vida, 'Sempre.'

Dei um pequeno sorriso fraco, para que ele soubesse que eu havia escutado. Mais do que isso. Eu havia sentido suas palavras, como se essas agora fizesse parte de mim.

Fui tomado por um sentimento de felicidade que me carregou suavemente para um estado de  inconsciência, a rigidez de meu corpo desaparecendo, enquanto a mão de meu amigo retirava-se.

A última coisa que escutei, antes de apagar por completo, foi a voz de Wufei, dizendo, 'Em breve, você vai entender.'

Não sei exatamente durante quanto tempo permaneci desacordado, mas provavelmente haviam passado-se muitas horas, porque agora toda a casa estava completamente silenciosa e banhada em uma escuridão completa.

Abri meus olhos, notando que não havia diferença entre mantê-los abertos ou fechados, pois a escuridão era total em ambos os casos. Resolvi recorrer a meus outros sentidos, concentrando-me então, unicamente, na tarefa de ouvir meus arredores, buscando por algum som, qualquer um, que fosse capaz de me dar pistas sobre o que acontecia no mundo do lado de fora das paredes do quarto, no qual encontrava-me confinado, ou talvez um som que identificasse uma presença qualquer próxima a mim.

A casa estava completamente silenciosa, mas havia um pequeno ruído, quase imperceptível, talvez mesmo imaginário, que quebrava a inexistência de barulhos. Concentrei-me nesse único ruído, nessa pequena fagulha de som. E conclui que ele vinha da sala.

Estiquei meu braço procurando pelo abajur, que eu sabia que existia sobre a cômoda a meu lado, e acendi a lâmpada, deixando que a luz fraca invadisse o quarto, e então aguardando até que meus olhos ajustassem-se ao novo plano de visão.

Com muito cuidado e alguma dificuldade, contive pequenos sons de dor e desconforto, ao levantar-me da cama de forma extremamente lenta, imediatamente levando uma de minhas mãos ao ferimento que havia sido reaberto, e tratado por Wufei, algumas horas antes.

Mantive-me em pé ao lado da cama, apoiando-me sobre a cabeceira durante alguns minutos, tentando recobrar meu equilíbrio e algum resquício de força em minhas pernas. Quando finalmente senti que seria capaz de me arrastar pela casa, sem cambalear como um recém-nascido, e sem soltar gritos agoniados de dor, comecei a mover-me para fora do quarto.

Felizmente, essa casa era uma residência térrea. Por mais vergonhoso – e nocivo a meu ego – que fosse admitir, eu tinha de enfrentar o fato de que jamais teria a capacidade de descer ou subir escadas, no estado no qual me encontrava.

,Movi-me mais do que lentamente em direção a sala, apoiando-me o tempo todo, com uma de minhas mãos, sobre as paredes do corredor que levava ao cômodo, enquanto a outra ainda segurava o corte em meu estômago, e fazendo pequenas paradas para recobrar o ritmo de minha respiração.

Cheguei ao final do corredor, finalmente descobrindo a origem do som que eu havia escutado no quarto.

A televisão da sala estava ligada, e reconheci a silhueta de Heero, que encontrava-se sentado em frente a ela, muito próximo, de costas para o lugar aonde eu estava. O vídeo que passava no aparelho não tinha som, mas um ruído constante, proveniente do próprio funcionamento do vídeo, que ecoava pela sala.

Aquele som foi quebrado pelo som de um soluço, fazendo com que eu atentasse para o fato de que a figura de Heero tremia levemente.

Foi quando finalmente percebi o que ele assistia.

Na tela da tv havia uma imagem de uma sala pequena e mal iluminada, filmada de um ângulo superior e transversal. No meio da sala estava eu. Minha cabeça estava jogada para frente, e meu corpo em um estado chocante de abuso. Eu parecia um cadáver, e tive de fazer uso de cada pingo restante do instinto de soldado, que ainda existia em mim, para conter o grito que ameaça escapar minha garganta ao ver minha própria imagem daquela maneira.

O vídeo continuou a passar, e na tela, a sala filmada iluminou-se levemente por um pequeno fio de luz que entrou por uma fresta da porta, sendo acompanhada em seguida por um soldado da Oz. Aquele mesmo soldado, o único cuja imagem havia ficado praticamente queimada em minha mente, como a personificação de um pesadelo.

Pude ver ele se aproximar de mim, e tive de intensificar ainda mais meus esforços para manter-me em silêncio, porque eu podia sentir o cinza voltando com força total ao espaço de meus olhos, ao mesmo tempo em que pude ouvir outro soluço, mais profundo e angustiado, vindo da direção de Heero, no meio da sala.

Revi o momento em que o soldado abriu o zíper de suas calças, e a cena repetia-se em minha mente como se estivesse acontecendo naquele exato instante. Eu podia sentir a mancha negra, que habitava  minha consciência, começar a levemente tomar meu corpo como um todo, afundando-me em um espaço repleto de dúvida e medo.

Foi quando a figura de Heero apareceu no vídeo, entrando na sala sem que eu sequer tivesse me movido para assimilar sua presença.

E em seguida ele disparou um tiro certeiro,  no peito do soldado, que caiu morto um segundo depois.

A visão do sangue do soldado esparramando pelo chão, envolta de seu corpo inerte, fez com que o cinza de minha visão se retraísse por completo, ao mesmo tempo em que toda a energia restante, que meu corpo ainda possuía, me deixou, fazendo com que eu caísse de joelhos no corredor. Minhas pernas perdendo por completo a capacidade de manter-me em pé.

Uma nuvem negra dissipou-se repentinamente em minha mente.

No vídeo, pude ver Heero imediatamente soltando-me da estrutura na qual me encontrava preso, colocando todo o peso de meu corpo sobre o seu e apoiando-me sobre si. Fora da tv, o Heero real surgiu a meu lado um momento depois de meus joelhos tocarem o chão.

Ele colocou todo meu peso sobre si, segurando-me como se eu fosse o último fio, responsável por manter sua própria vida. Voltei repentinamente a vida, e abracei-o de volta, com força suficiente para machucar, e sentia que, apesar da dor que ecoava por todas as partes de meu corpo, eu não queria largá-lo. Eu não queria perder aquele contato naquele momento, por nenhum outro sentimento no mundo todo.

Heero afastou-se um pouco para olhar em meus olhos, e pude ver que seu rosto estava molhado, e coberto por rastros de choro. Seus olhos encontravam-se cheios d'água, enquanto algumas lágrimas frescas ainda escorriam por sua face.

Fui tomado pelo choque.

Eu jamais havia visto Heero chorar e a visão fez com que alguma coisa despertasse em meu coração, invadindo todo meu corpo em uma onda quente e arrebatadora.

Abraçamo-nos longamente, ambos ajoelhados no meio do corredor, chorando nos braços um do outro.

Quando finalmente nos separamos, segurei o rosto de Heero com minhas mãos, levantando sua face molhada em minha direção e beijando as lágrimas gentilmente, assegurando-o de minha presença ao seu lado, ao mesmo tempo em que me certificava da realidade daquele momento.

'Por que você partiu?', perguntei, passando meu rosto levemente pelo seu, tentando transferir parte de seu infinito calor e força para meu próprio corpo esgotado.

'Eu voltei a base', ele respondeu, afastando seu rosto do meu, e pegando minhas duas mãos para segurá-las entre as suas.

Ele olhou diretamente em meus olhos. 'Eu precisava saber. Por você... eu precisava saber. Eu não podia suportar a idéia de que eu não tivesse sido capaz de deter...'. Coloquei um de meus dedos sobre seus lábios, prevenindo-os de pronunciar as palavras dolorosas.

Heero fechou os olhos e abaixou sua cabeça. Em seguida levantou-a, e novas lágrimas haviam surgido em suas pálpebras. 'Me perdoe, por favor. Me perdoe Duo. Eu tentei ser forte, por nós dois. Eu prometi que não choraria...que por você eu seria forte... por você.... mas....'

Abracei-o novamente, sem deixar que ele terminasse. Não havia o que perdoar. Nunca existira nada entre nós, que eu precisasse desculpar .

Deixei que suas lágrimas caíssem sobre meus ombros, quentes, dolorosas e com sentimentos que ambos dividíamos. Não contive minhas próprias lágrimas de dor, de alegria.... de amor.

Naquela noite, a água salgada que caiu dos olhos de Heero, lavou nossas almas.

***
Fim da Fic VII

Esta cada vez mais difícil escrever "Blurry"...ai, ai...*suspiro* em comparação aos outros fics, ela é infinitamente mais exigente...daonde surgiu essa estúpida idéia de fazer um fic cheio de sentimentos afinal? ^_^"

....pelo menos ela me vale a pena. ^_^=  

Ah sim, e só pra avisar, idéias surgiram e o lemon de "Blurry" foi jogado um capítulo pra frente. Quero incluir algumas coisas no enredo e essa foi a forma que encontrei. Tenham paciência sim? Eu já pus um montão de limes em "Toxic" pra ninguém nem reclamar...hehehe

Os agradecimentos clássicos vão para os reviewers: Nana, Daphne, Bra, Goddes, Hi-chan, K-chan e Yoru! Se vocês fossem um sabor de sorvete, com certeza seria chocolate. Isso não faz nenhum sentido certo? Eu sei, mas estou com sono...e pra mim, isso é elogio ^_^"  hehehe