E aqui estão o IV e V capítulos! Espero que tenham gostado do final da história. Gostaria de dedicar este capítulo em especial à Izanami Inoue, a maior fan de Kenyako que eu conheço e que me deu um grande incentivo na escrita. Obrigada! Agradeço também a todas as pessoas que me enviaram reviews e a todas as outras que leram a fic e gostaram. E não vos faço perder mais tempo… boa leitura!
IV
Os Escolhidos continuavam parados na gruta, silenciosos e com medo de falar. A fome, o frio e o cansaço tinham tomado conta deles, mas era sobretudo a tristeza que sentiam que não os deixava ter qualquer tipo de reacção.
Taichi já não chorava. Sentara-se no chão e fechara os olhos, como se estivesse a rezar em silêncio. Yamato continuava na mesma, inexpressivo, os olhos azuis apagados mas secos. A dor que sentia era tão forte que ele nem conseguia exprimi-la através de lágrimas.
Koushiro e Sora haviam concluído que o melhor era deixá-los sozinhos. De qualquer maneira, eles não sabiam o que dizer para os confortar. Eles próprios ainda não tinham tido tempo para assimilar o que se passava.
Hikari, Takeru e Miyako... desaparecidos na tempestade...
Joe colocou a mão no ombro de Iori, com a intenção de o animar, mas na verdade foi este quem lhe lançou um olhar de incentivo. Mimi brincava com o cabelo ondulado, e sorria vagamente, como se estivesse noutro planeta.
Nesse momento, Sora avistou Gabumon. Ele permanecia no fundo da gruta, cabisbaixo, e ela ficou preocupada com ele. Não, não ia deixar que ele se sentisse culpado – elasabia que era ele a única esperança que tinham para chegar o mais depressa possível a um lugar seguro.
- Gabumon? – sussurrou, aproximando-se.
Ele olhou-a, com os olhos cheios de lágrimas, e secou-os rapidamente.
- Sora... – disfarçou.
- Não fiques assim, por favor – pediu ela. – Não foi culpa tua.
Ele fungou.
- Claro que foi.
- Não é verdade. Fizeste tudo o que podias. Salvaste-nos do Imperador. Não podias prever que o Devimon ia aparecer e atacar-nos...
Ela calou-se, relembrando tudo o que tinha acontecido.
- Eu podia ter impedido isto – sussurrou Gabumon. - Se eu tivesse sido mais cuidadoso...
Baixou o focinho e começou a soluçar silenciosamente.
- Ouve, eu sei como te sentes – disse ela. – Mas Gabumon, não podes desistir.
- Como? – inquiriu ele. - De que forma vão o Gennai e os outros olhar para mim? Eu falhei a missão. Eles confiaram em mim e eu desiludi-os. E também desiludi o Yamato - e agora ele odeia-me.
Ela fez-lhe uma festa na cabeça e sorriu.
- Vá lá – disse. – És o seu parceiro. Ele gosta muito de ti. Mas ele agora está muito perturbado com esta situação, tens de entender. O que não significa que te culpe da situação, ele nunca faria isso. Confia em mim.
- Tens a certeza?
- É claro.
Ele sorriu-lhe, mais aliviado. Então, Sora olhou em volta e viu Koushiro, que estava mesmo por trás dela.
- Acho que talvez devêssemos sair daqui – propôs este. – Devíamos por o Iori e vocês a salvo. E Taichi e Yamato precisam de descansar.
A jovem concordou.
- A que distância estamos do esconderijo que falaste? – quis saber.
O digimon simplesmente apontou para uma rocha recortada no outro extremo da gruta. Eles observaram-na, sem entender nada, e então Gabumon levantou-se, caminhou até ela e colocou a sua pata no seu centro.
Uma luz brilhante rodeou-o, e imediatamente uma porta abriu-se e mostrou umas escadas que subiam.
- É aqui – informou.
Os restantes aproximaram-se, incluindo mesmo Taichi e Yamato.
- Hum... subimos? – sugeriu Mimi.
Não houve objecções. Subiram os degraus devagar e chegaram a uma porta que Gabumon voltou a abrir da mesma maneira da anterior. Do outro lado, uma sala branca e luminosa dividia-se em vários corredores, onde se movimentavam vários digimons apressados.
Os 8 Eleitos entraram então, pela primeira vez, na base da Resistência.
Entretanto, Takeru, Hikari e Miyako aproximavam-se cada vez mais do palácio. Nenhum deles fazia a menor ideia de como lá entrar sem serem descobertos, mas algo dentro deles lhes dizia para continuar.
Subiram o monte em silêncio, por um caminho alternativo, escondido por uma série de arbustos densos, que os separavam da estrada principal. Ali podiam ver-se vários digimons controlados pelo mal, carregando grandes quantidades de pedras preciosas anormalmente grandes.
A nova forma de controlo era bastante mais terrível do que as anteriormente usadas – desta vez, os digimons mantinham a aparência normal, adquirindo apenas um brilho estranho e maldoso nos olhos.
Hikari estacou, quando viu um pequeno conjunto de Salamons em fila para a montanha. Através do arbusto, ela fitou o mais pequeno, cujos olhos brilharam durante uns segundos na sua direcção.
Ela sentiu que o coração parou de bater.
Uma pancada no ombro trouxe-a de volta à realidade.
- Não pares – murmurou Takeru tão baixo que mal se ouvia. – Estamos quase lá.
Ela acenou com a cabeça e seguiu-o, sentindo Miyako mesmo atrás de si.
Subitamente, pararam. Uma enorme pedra figurava no seu caminho. Eles espreitaram por cima dela com todo o cuidado, e viram um enorme portão – a entrada do Palácio Negro – por onde entravam filas e mais filas de digimons carregados, trabalhando arduamente.
- Isto deve ser a porta principal! – constatou Miyako. – Não podemos continuar por aqui.
- Talvez exista outra entrada – sugeriu Takeru olhando em volta. – O problema é... onde.
Os três olharam em volta e de repente Hikari deu um salto.
- Olhem! – exclamou, apontando para cima.
Alguns metros à esquerda deles, numa encosta pouco inclinada, uma pequena conduta de ventilação apresentava-se convidativa.
- Vocês acham que...
Takeru não pôde acabar a frase, pois já as raparigas trepavam agilmente pela encosta. Miyako foi a primeira a atingir o pequeno túnel, e Hikari logo a seguir. Elas voltaram-se para trás e viram Takeru, que as imitava, fazer aquela expressão de "vocês são loucas!". No entanto, compreendeu que era a melhor solução e, num ápice, alcançou-as.
Hikari enfiou a cabeça na abertura.
- Não vejo nada! – queixou-se.
Miyako e Takeru olharam-se, apreensivos, e de repente ela teve uma ideia – abriu a mochila e retirou de lá de dentro uma pequena lanterna, que ofereceu à amiga. Esta acendeu-a e o caminho iluminou-se.
- Sorte que as pilhas ainda funcionam aqui!
- Sorte que a Miyako é prevenida – resmungou Takeru. - Vamos a isto – declarou, e gatinhou para dentro da conduta.
Os outros estavam absolutamente maravilhados com aquele cenário fantástico. Os problemas pareciam varrer-se-lhes da memória.
Mas então esse encanto foi quebrado por dois gritos súbitos.
- MIMI!
- PALMON!
As duas companheiras abraçaram-se, radiantes por estarem juntas de novo.
- Oh Mimi, que bom ver-te outra vez! – exclamou a digimon-planta, com lágrimas nos olhos.
- Palmon, pensei que nunca mais íamos chegar aqui. Se soubesses o que aconteceu...
Calou-se de repente, percebendo que tinha falado demais.
- O que foi? – quis saber Palmon, olhando curiosa para o grupo.
Gabumon recuou um passo, hesitante, mas Sora empurrou-o para a frente.
- Onde estão o Gennai e os outros? – perguntou então ela. – Queríamos vê-los.
- Hum... sim, está bem, venham comigo – disse Palmon, um pouco desconfiada.
Eles atravessaram vários corredores e finalmente uma porta abriu-se e entraram numa enorme divisão, repleta de material tecnológico extraordinariamente avançado. Ao fundo, os digimons corriam para eles. O reencontro foi emocionante e festivo, mas de repente alguém surgiu perante eles.
- Sejam bem-vindos à Sala de Controlo.
Os Eleitos olharam estupefactos. Um rapaz de cerca de 10 anos apresentava-se na sua frente, vestindo uma túnica castanha e usando o cabelo, também castanho, completamente entrançado.
- Quem és tu? – inquiriu Koushiro, confuso.
- Sou o Gennai.
- Huh?!
Eles olharam para a criança que tinham na frente, que não se parecia nada com o velhote simpático do costume, ou mesmo com o adulto bonitão da última vez. Ficaram bastante impressionados, mas não fizeram mais comentários.
- Estão todos bem? – indagou este calmamente. – Fizeste um bom trabalho, Gabumon, tudo correu conforme o previsto.
O digimon olhou para ele com coragem.
- Não – corrigiu, com voz fraca. – Algo correu mal. O Takeru, a Miyako e a Hikari…
- Estão precisamente onde deviam estar – interrompeu Gennai.
- Como?
- Esses três têm uma missão especial e tiveram de se separar momentaneamente do grupo – explicou o digi-humano.
Oito rostos incrédulos olharam em choque para ele.
- Mas então… Devimon, o ataque…
- Tudo informaticamente programado. O que viram não era real, mas no entanto, teria que parecer um acidente, ou vocês iriam imediatamente atrás deles. Desculpem se vos preocupei, mas tinha de ser assim.
Gabumon parecia que ia desmaiar a qualquer momento.
- Isso quer dizer que a minha irmã está bem?! – exclamou Taichi subitamente alegre de novo.
- Está óptima, Taichi. Os três encontram-se neste momento a caminho do Palácio Negro.
A sua expressão alegre desapareceu.
- No Palácio Negro??? Temos de ir salvá-los já!
Gennai riu-se.
- Estás a ver? Preocupas-te demasiado com a Hikari. Neste momento ela e os outros estão a numa missão que só eles têm capacidade para cumprir. Não há nada que possas fazer para os ajudar.
- E que missão é essa, pode saber-se? – perguntou Yamato, ligeiramente zangado.
- Por enquanto, não – respondeu Gennai misteriosamente. – Tudo o que podem fazer por agora é comer, descansar e recuperar forças. Aqui estarão em segurança e a vossa presença fará com que a moral dos membros da resistência suba… que é algo que nós precisamos. Agora, se não se importam…
Uma luz envolveu-o e ele teletransportou-se.
Taichi praguejou contra ele mas não fez nada. Agora teria de fazer a coisa que mais lhe custava na vida… esperar!
Takeru espreitou para o exterior da conduta.
- Vês alguma coisa? Onde estamos? – perguntou Hikari atrás dele, tentando chegar-se à frente.
- Pára quieta, Hikari, estou a ver se consigo!
- Bem, mas pelos vistos não estás a conseguir – replicou ela com mau-humor.
- Oh, parem com isso, vocês os dois – ralhou Miyako. – Takeru, dá para perceber onde estamos?
- Parece uma espécie de hangar – informou ele. – Chegam vagões cheios de pedras preciosas e depois são encaminhados para outros sítios.
- Há alguma saída?
- Sim, um corredor secundário ali ao fundo. Está escondido por uns caixotes enormes, mas há RedVegiemons por todo o lado.
- Vamos para lá – decidiu Hikari.
- Hey, tem lá calma! – disse Takeru. – Há montes de guardas e podemos ser…
PUM! Antes que os amigos pudessem impedi-la, Hikari empurrou a tampa da conduta e pulou para o exterior. Escondeu-se atrás de um vagão vazio e deixou-se estar. Os RedVegiemons, surpreendidos pelo barulho, olharam na direcção dela mas voltaram logo ao trabalho.
- Ninguém disse que os RedVegiemons eram seres inteligentes – disse ela a Takeru e a Miyako quando eles a alcançaram. Takeru estava simplesmente furioso.
Eles empurraram o vagão ao longo do hangar e conseguiram chegar ao corredor sem que os guardas os descobrissem. Entraram no corredor e correram até estarem bem longe e o caminho se dividir em dois sentidos.
- Tu estás maluca??? – explodiu Takeru por fim. – O que foi aquilo ali atrás? Podiam ter-nos apanhado logo!
- Mas não apanharam, pois não? Ah, Takeru, pára de ser chato!
- E tu pára de ser parva! Pareces mesmo… – calou-se de repente.
- Ai é? Pareço mesmo quem?! – gritou ela com uma expressão de desafio.
- Bem, o Taichi – respondeu Takeru asperamente.
Ela bufou.
- "ptimo – disse. – Que um de nós se pareça.
E virou-lhe as costas, seguindo pelo caminho da direita.
- Espera! Onde pensas que vais? – gritou-lhe Miyako, enquanto ela se afastava.
- Não vês que sou demasiado parva para seguir convosco? – ironizou ela, sem olhar para trás. – Vão bem melhor sem mim e eu bem melhor sem vocês. – E desapareceu numa curva.
Os outros dois ficaram perplexos durante uns segundos.
- Vamos atrás dela? – hesitou Miyako olhando para Takeru.
- Não – respondeu ele. – A menina Hikari já é suficientemente crescidinha para lidar com as consequências das suas asneiras.
Miyako concordou e os dois seguiram pela esquerda.
Alguns minutos depois, chegaram a uma pequena sala redonda rodeada de monitores e com um enorme trono no centro.
- É uma espécie de sala de controlo! – sussurrou Miyako, num misto de medo e entusiasmo.
- Espera, vem aí alguém!
De facto, ouviam-se vozes e passos cada vez mais próximos. Uma outra porta abriu-se e um pequeno digimon redondo entrou a voar, à frente de rapaz com aspecto altivo e orgulhoso. O Imperador Digimon. Ken Ichijouji.
- Dizes-me então que tudo corre como eu ordenei – falou o Imperador.
- Sim, mestre – confirmou o digimon com uma vozinha trémula. – As jóias continuam a chegar do Sul e em breve tudo estará pronto para a cerimónia.
- Não me estás a entender, DemiDevimon – prosseguiu ele com crueldade na voz. Takeru sentiu uma onda de raiva. – Refiro-me àquele outro assunto de que te falei.
DemiDevimon soltou uma gargalhadinha maldosa.
- Não vos preocupeis. Aquele idiota do Gennai fez exactamente o que pretendíamos. Mandou-a cair direitinha na nossa armadilha.
- Ainda bem – congratulou-se ele. – Mas pretendo que as coisas se dêem rapidamente. Afinal, o que é um Imperador sem uma Imperatriz?
Aquilo fez com que Takeru entendesse tudo
- Não! – exclamou, suficientemente alto para que os dois vilões ouvissem.
- Quem está aí? – gritou o Imperador.
Os dois Escolhidos tentaram fugir mas imediatamente dois RedVegiemons surgiram atrás deles e empurraram-nos para os pés do Imperador Digimon.
- Vocês! – exclamou este.
- Ken – gritou Miyako. – Oh, Ken, o que te aconteceu, porque fizeste isto, tu não…
- SILÊNCIO – berrou ele. – DemiDevimon, exijo uma explicação!
O servo tinha uma expressão de absoluto pânico.
- Mestre, eu… não sei… foram… os RedVegiemons, é isso! Eles são os guardas, eles deveriam guardar todas as entradas e…
- Já percebi, DemiDevimon – interrompeu o Imperador. – Houve uma falha na segurança e os intrusos entraram no palácio. Por esta passa, mas assegura-te que isto jamais volta a acontecer!
- Sim, mestre. Com certeza, Mestre.
- E agora vou encarregar-me de vocês os dois.
- Ken, vá lá, tu tens de me ouvir, isto não és tu, nós somos teus amigos, viemos ajudar-te! – tentou Takeru.
- DemiDevimon, livra-te deste.
- Com todo o prazer, Mestre, na verdade até temos umas velhas contas a ajustar…
- Não, Ken, estás possuído, Ken, não, por favor, TU TENS DE ME OUVIR!
Mas era inútil. Os dois guardas algemaram-no e arrastaram-no para fora da sala, seguidos por DemiDevimon.
A porta fechou-se e o Imperador ficou frente a frente com Miyako. Deu uns passos em redor dela e depois desatou a rir à gargalhada.
- Crianças estúpidas! – exclamou com o sarcasmo imbutido na voz. - Pensaram realmente que seriam capazes de se infiltrar na minha sede e impedir-me de realizar os meus propósitos?! São mais tolas do que eu pensava!
- Sou eu, Ken – começou Miyako, tentando conter as lágrimas.
- NÃO ME CHAMES ISSO! – berrou ele com todas as suas forças. – O Ken Ichijouji morreu! Eu sou o Imperador Digimon, governante por direito do Mundo Digital!
- Não és nada disso! – gritou Miyako. – Tu nunca controlarás todo o Mundo Digital!!!
Ele riu-se novamente.
- Referes-te à resistência?! Não faças essa cara. Sei perfeitamente o que é. Quantos são. Onde se escondem. De facto, o único motivo porque ainda não acabei com eles é porque são tão insignificantes que não vou mandar um esquadrão do meu exército perder tempo a fazer joguinhos das escondidas.
- Estás a mentir – replicou Miyako. – Sabes muito bem que não tens poder suficiente para dominar a Natureza e que não queres arriscar uma guerra que sabes que vais perder!
- Eu domino tudo! – corrigiu o Imperador. – O meu poder é absoluto e ilimitado! Poderás testemunhar isso amanhã, quando os dois lados da Escuridão se unirem através do casamento e as Trevas encherem este Mundo!
- Lamento desapontar-te – soprou Miyako nervosa. – Mas a Hikari representa a Luz. Ela nunca passará para o lado do Mal e sobretudo nunca casará contigo!
- Tens assim tanto a certeza? – perguntou o imperador, apontando para os ecrãs onde a figura de Hikari apareceu, contorcendo-se no chão como se estivesse a ser controlada por uma força invisível. Miyako gritou. – A Escuridão tem estado a entrar no corpo dela desde que ela chegou ao Mundo Digital. Na verdade, há anos que ela tem vindo a resistir às suas investidas. A negar o óbvio. Nunca ouviste dizer, Miyako, que a Luz e a Escuridão são duas faces da mesma moeda?
- Mas a Hikari nunca cedeu! Ela nunca permitirá...
- Ela está sozinha, Miyako! Sem o irmão ou os amigos para a protegerem! Não notaste que o seu comportamento tem mudado? Ela foi atraída até aqui pela escuridão, e agora vai cumprir o seu destino, que é juntar-se a mim, e juntos governarmos este mundo com o Poder das Trevas!
Miyako levou as mãos à cara e começou a chorar.
- Toca a andar, vá! – gritava DemiDevimon, enquanto os dos RedVegiemons empurravam Takeru pelas galerias do Palácio Negro.
Ele avançava lentamente, aguentando as chibatadas que os digimons lhe infligiam nas pernas. A dor era sobreposta por apenas um pensamento: salvar Hikari.
- O que me vais fazer? – perguntou a DemiDevimon, tentando ganhar tempo.
- Entregar-te a um digimon que sabe exactamente como tratar insolentes como tu – respondeu este, enquanto os outros dois se riam.
- Hum – fez Takeru tentando provocá-lo. – Estou a ver. Afinal é muito mais fácil entregar-me a outro do que tratar de mim pessoalmente.
- CALA-TE! – ordenou o inimigo, com algum embaraço.
- O que se passa, DemiDevimon? Amoleceste nestes últimos tempos? Ou será que eu estou apenas um bocado grandinho demais para teres coragem de te meteres comigo outra vez?
Foi a gota de água para o digimon. Com uma rapidez impressionante, saltou para cima de Takeru e fez-lhe um corte na face que o deixou a sangrar. A dor era intensa, mas o rapaz não lhe ia dar a satisfação de o ver fraquejar.
- Bem me parecia – continuou friamente. – Afinal é possível ser-se muito mais cobarde do que tu eras. Parabéns, conseguiste superar as minhas expectativas.
Sorriu ao ver a cara de DemiDevimon contorcer-se de raiva, mas esses sentimentos duraram apenas uns breves segundos, quando o corredor terminou e uma enorme porta de ferro surgiu na sua frente. DemiDevimon carregou num botão e ela se abriu. Os RedVegiemons soltaram-no e fizeram-no entrar.
- Oh, como eu esperei por este momento! – exclamou o vilão com uma expressão de enorme gozo. – Finalmente vais ter a morte horrível que tu e todos os teus amigos sempre mereceram. Descansa em Paz, Takeru.
E a porta fechou-se.
Ele nem teve tempo para assimilar o horror daquelas palavras, pois virou-se e viu diante de si um enorme digimon andróide com os olhos vermelhos.
- Andromon – murmurou, tendo logo a seguir de se baixar para impedir que o seu ataque o atingisse.
- Matar, matar, matar – soava a voz dele por todo o espaço.
Subitamente, Takeru apercebeu-se de que ele não estava a pensar mas apenas a repetir aquilo que lhe tinham ordenado. Que o matasse. Ele escapuliu-se mais uma vez e pensou durante quanto tempo poderia aguentar aquilo… ele era apenas um humano, era impossível ele enfrentar sozinho um digimon de nível Perfeito, e ainda por cima controlado pela escuridão. Ia morrer, não podia impedi-lo.
Não. Não podia desistir. O que seria dos seus pais, do seu irmão, dos seus amigos, se ele desaparecesse? O que seria do Mundo Digital? E de Hikari? A imagem dela estava bem presente no seu espírito quando Andromon pegou nele e o ergueu no ar.
- Andromon – disse, ofegando. – Andromon, sou eu, o Takeru. Sou teu amigo.
- Matar, matar, matar – repetiu o digimon.
- Não me queres matar. Somos amigos. A Hikari está em perigo, eu tenho de ir salvá-la – ele nem sabia muito bem porque continuava a insistir.
- Matar, matar…
- Por favor, Andromon – implorou ele com lágrimas nos olhos. – Tens de me ajudar. Tenho de salvar a Hikari.
- Hikari…
Uma luz dourada saiu do seu D-3 e brilhou em direcção ao coração de Andromon. Toda aquela luz o envolveu e quando por fim se dissipou, os seus olhos não estavam mais vermelhos. Ele poisou Takeru de novo no chão.
- Obrigado – agradeceu o digimon.
Takeru sorriu. Tinha-se esquecido. A Luz dos digivices era capaz de vencer a Escuridão no interior do coração de um digimon.
- Consegues tirar-me daqui? – perguntou-lhe.
O digimon acenou com a cebeça e aproximou-se de uma outra porta no outro extremo da sala. Com um simples pontapé deitou-a abaixo e do outro lado surgiram uma série de Vegiemons que começaram a atacá-los.
- Vai, depressa – disse Andromon. – Eu trato deles.
Takeru entendeu e começou a correr o mais rapidamente que as pernas lhe permitiam. Olhou para o seu D-3 e viu um ponto cor-de-rosa pálido a piscar no ecrã, não muito longe dali. Ele seguiu o mapa que o dispositivo apresentava e chegou a uma porta onde se erguiam umas escadas em caracol. Ele começou a subi-las a alta velocidade, mas elas pareciam intermináveis e a sua cabeça começava a andar à roda. Mas não vacilou. Finalmente, as escadas terminaram e ele viu-a, enrolada no chão na posição fetal, tremendo violentamente.
- Hikari!
Ele precipitou-se para ela e virou-a para si. Os seus olhos estavam baços mas ela conseguiu reconhecê-lo.
- Takeru…
- Estou aqui agora, está tudo bem.
- Não, eles vão levar-me, eu não… consigo evitar…
- Tens que ser forte – disse ele. – Não desistas, não os deixes vencer.
- É muito poderoso… eu… perdoa-me…
- Hikari, vá lá – ele sentiu que se desfazia em lágrimas. – Vá lá, não me deixes, preciso de ti, preciso de te… dizer uma coisa…
- Queres dizer-me que… sou parva?... – sussurrou ela.
- Não, claro que não, que ideia idiota, Hikari, é que eu… eu…
- Tu és… muito claro?
- Oh, cala-te lá, é que eu… bem, eu… ah!, eu gosto de ti, pronto, já disse.
- Tu… o quê?
- Eu gosto de ti. Por favor, sê forte agora. Eu amo-te.
Parecia bastante mais fácil de dizer agora que tinha confessado. Ela olhou-o nos olhos e sorriu.
- Eu sei.
Ele não soube muito bem como e porquê, mas num segundo eles estavam a beijar-se. E então foi como que de uma só vez as trevas abandonassem o corpo dela, e Hikari restabelecesse as forças e voltasse ao normal.
Eles separaram-se e ficaram a olhar um para o outro num silêncio que, todavia, dizia tudo.
- NÃO!!!!!!
O grito do Imperador Digimon encheu a sala e ele atirou-se para o chão.
- Ken! – exclamou Miyako, correndo para ele, mas detendo-se.
- Não! Não pode ser! Isto não devia ser assim!!!
- Eu avisei-te – disse ela lentamente, tentando não o enfurecer. – A Hikari nunca passaria para o lado do Mal.
- O que vou fazer agora?! Todos os meus planos, todos os meus projectos… está tudo perdido!!! E tudo por vossa causa!!! MALDITAS SEJAM, CRIANÇAS ESCOLHIDAS!!!
- Tens de compreender uma coisa, "Imperador" – prosseguiu Miyako com toda a calma. – Tu nunca vais conseguir vencer-nos. Porque nós somos mais fortes – e essa força provém da nossa união, da nossa amizade… e do nosso amor.
Ele ofegava no chão. Miyako ajoelhou-se junto dele e tirou-lhe os óculos, deixando ao descoberto um par de olhos escuros, repletos de lágrimas.
- E tu sabes isso, Ken, porque tu és um de nós. – Ela sorriu e acrescentou: - E sobretudo porque és aquele que eu amo. E eu amo-te, Ken Ichijouji.
E ela fez o que há muito tempo tinha vontade de fazer: beijou-o. E, tal como tinha acontecido com Takeru e Hikari, a Escuridão começou a esvair-se do corpo do Imperador Digimon, que foi envolvido por uma luz brilhante e voltou de novo a ser apenas Ken.
Ele olhou para Miyako atónito e nesse momento foram envolvidos por duas colunas de luz brilhante lilás e branca, que os elevaram no céu. Olharam em volta e viram Hikari e Takeru, que flutuavam nas suas colunas rosa e dourada, respectivamente. Eles formaram um círculo, deram as mãos e nesse momento a figura de Azulongmon surgiu majestosa no meio deles.
- Muito bem, Crianças Escolhidas. Mais uma vez, cumpriram a vossa missão. E, enquanto puderem, devem continuar a lutar para preservar as vossas maiores virtudes: a Esperança... – voltou-se para Takeru.
- ...a Luz... – voltou-se para Hikari.
- ... a Bondade... – voltou-se para Ken.
- Mas, especialmente, a mais importante de todas – ele olhou para Miyako. – A Paz.
Ela abriu a boca, assombrada, enquanto ele lhe colocava uma placa branca com um símbolo ao pescoço. Não podia ser, ela não merecia.
- Sê fiel a ti mesma e aos teus amigos – declarou Azulongmon – e sem dúvida que serás digna de tamanha responsabilidade.
- Como sabia o que eu estava a pensar?! – perguntou Miyako sem conseguir acreditar.
- Oh – disse ele. – Apenas truques de um velho digimon. Até sempre, Escolhidos.
E desapareceu no ar.
