CAPÍTULO 3 – A Ex-Esposa

Harry entrou com cuidado na sala de Sirius Black, fechando a porta atrás de si. Ele olhou o velho padrinho nos olhos e sentou-se de frente à mesa dele.

Sirius tornara-se um membro do Conselho de Decisão do Ministério graças ao afilhado e a Dumbledore, é claro. No sétimo ano de Harry em Hogwarts, Rabicho veio procurá-lo e revelou o esconderijo de seu mestre, como forma de pagar sua dívida bruxa adquirida quando Harry o deixou viver em seu terceiro ano. Graças a isso, o partido das trevas foi derrotado. Porém, quando Voldemort soube da traição de Rabicho, o colocou sob a Maldição Imperius e o fez matar Lupin com sua mão de prata.

Naquela ocasião, Harry teria disparado seu primeiro Avada Kevadra, não fosse pelo fato, bem lembrado por Dumbledore, que Rabicho seria necessário vivo para que Sirius fosse julgado e absolvido. Dumbledore tombou na luta final contra Voldemort, pois estava velho e cansado, tendo depositado grande parte de sua esperança e poder no então jovem Harry.

Quando Harry abateu Voldemort e tudo terminou, Rabicho confessou toda a história diante do Tribunal, absolvendo Sirius, e foi mandado para Azkaban. Como recompensa por seus injustos anos em reclusão, Mundungus Fletcher nomeou Sirius para o Conselho de Decisão, em que ele passou a atuar juntamente com outros bruxos de renome, como Arabella Figg e Severo Snape. Com a aposentadoria de Fletcher, eles haviam de decidir quem seria o futuro Ministro da Magia.

- Harry, como você sabe, vamos definir o nome do novo Ministro. – Sirius começou. – Seria um grande sonho particular meu ver meu afilhado como Ministro. Mas é meu dever pensar por todo o Reino Unido e também aceitar as decisões do Conselho e a vontade do velho Fletcher.

Harry estava atônito. Onde Sirius queria chegar? Ele olhou para o padrinho, apreensivo, indicando que prosseguisse.

- Sei das suas expectativas, Harry. – ele suspirou. – Mas, infelizmente, você não será o Ministro. Estamos trazendo uma pessoa de outro país...

- Não acredito! Sirius, como você pôde? – vociferou Harry, indignado.

- Eu sou seu padrinho, mas não posso te dar privilégios no trabalho! Isso é um assunto muito sério!

- O que quer dizer? Que eu não tenho competência? Que eu não mereço?

- Não é nada disso, Harry. Apenas me escute...

- Sinceramente, quem merece mais esse cargo do que eu? Quem derrotou Voldemort afinal? Que restabeleceu a paz na comunidade mágica há vinte anos?

- Você, Harry. Mas não você sozinho. – lembrou-lhe Sirius.

- Claro, está certo... Mas tudo o que eu fiz desde então foi dedicar minha maldita vida ao Ministério. Lembra de quem foi essa idéia? Lembra que os meus sonhos não contaram na época?

Desde o quinto ano em Hogwarts, Harry decidira cursar o Centro de Formação de Aurors. Mas, no sétimo ano, Sirius e Dumbledore o persuadiram para que optasse por uma carreira mais administrativa. Era preciso garantir o futuro do Ministério e mantê-lo sempre em mãos de bons bruxos. Em toda sua carreira, Harry estava, então, sendo preparado para ser Ministro.

- Não acho que tenha sido um total engano. Veja você o quanto já contribuiu, quantos projetos....

- O que eu vou fazer com todos esses anos da minha vida? Vai me devolvê-los? – Harry interrompeu-o, magoado.

- Não disse que você nunca seria Ministro. Disse que você não o será nesse momento. – Sirius disse com compaixão.

- Aposto que o novo Ministro não será bom o bastante. – Harry em um tom irônico.

- Você não sabe o que diz. A pessoa que virá é muito competente e merece esse cargo tanto quanto você. Harry, eu não estou te reconhecendo, sabia? Você está sendo infantil e invejoso!

E estava mesmo. Harry há muito se acomodara com a idéia de ser quem era e não precisar se esforçar tanto para obter reconhecimento. Ele simplesmente não estava suportando a frustração de estar perdendo seu almejado cargo para outra pessoa.

- Mas, Sirius, só me diga: por quê? Eu já tinha planos para fecharmos o cerco contra Draco Malfoy, aumentar o número de aurors, reforçar a segurança de Azkaban e tornar as leis e julgamentos mais rigorosos e ...

- Por isso, Harry. Você ainda pensa como um auror. Foi uma vontade de Fletcher na verdade. E ele está certo. Não estamos em uma guerra. Ainda. Queremos uma estratégia diferente. Ao invés de apenas caçarmos e punirmos os partidários de Malfoy, queremos evitar que mais bruxos se aliem a ele.

Harry ficou pensativo. Esse tipo de atividade preventiva nunca tinha lhe ocorrido.

- Por exemplo, você sabia que grande parte dos comparsas dele são, na verdade, mulheres? Por que as bruxas estão se aliando a ele? O que as elas estão procurando nas trevas? O que elas querem? Do que as bruxas gostam?

- Eu... não sei...

- Pois é, eu também não sei. – confessou Sirius, do alto de sua experiência com as mulheres. – Mas é uma das coisas que precisamos aprender, porque teremos de lidar com elas o tempo todo nesse projeto.

Harry engoliu em seco. Ele nunca entendera muito bem as mulheres e o fato de Sirius confessar o mesmo não era nada animador. Ele acreditava que elas simplesmente se multiplicavam na época dos bailes de Hogwarts, e depois minguavam novamente. Ele também não podia ter muito orgulho de suas relações ao longo de sua vida.

Harry não conviveu com sua mãe. A falecida tia Petúnia não tinha lhe ensinado nada sobre as mulheres. Hermione era tão próxima dele e de Rony que eles mal lembravam que ela era uma menina até que seus hormônios começassem a despertar. Ele convidava as garotas para os bailes pelo evento em si, sem nunca se preocupar muito com o que elas realmente estavam sentindo.

Então, veio a primeira namorada: Cho Chang. Harry e ela tinham muitas coisas em comum, incluindo o Quadribol, é claro. Mas, apesar de eles passarem muito tempo juntos, ela, às vezes, tinha umas crises que ele não entendia bem. Quando Cho se foi, e Harry se aproximou de Gina, ela parecia sempre tão satisfeita com ele que ele não teve com o que se preocupar. Foi uma relativa surpresa quando o entusiasmo dela na relação caiu, depois de alguns anos de casamento. Gina simplesmente deixara de amá-lo? Ele não sabia ao certo. Ela nunca gritara dentro do coração dela, mas ele lhe tinha um grande carinho.

Brenda. Harry nem ao menos conhecia a filha direito. Ele a via poucas vezes, de anos em anos, desde que ela era apenas uma garotinha. E então, havia todas as mulheres com quem ele já havia saído ou desejava sair. E suas colegas de trabalho, é claro. Mas o que Harry realmente sabia sobre os sentimentos delas? O que ele realmente sabia sobre as bruxas, seus conflitos e seus desejos, suas aspirações e emoções? Quase nada.

- Sirius, quem será o novo Ministro? – Harry quis saber, desconsolado, pois, afinal, teria muito o que aprender com ele.

- Amanhã você saberá. Tire o dia de folga hoje. Sei o quanto esta conversa foi dura para você. A partir de amanhã, teremos muito trabalho. Vá descansar.

Como o tom de Sirius era absolutamente categórico, e Harry estava realmente precisando descansar, ele consentiu com a cabeça e se retirou da sala, cabisbaixo.

Ele desceu silenciosamente de volta ao décimo quarto andar e entrou em sua sala. Sarah e Sandra haviam decorado o ambiente com frases do tipo "Parabéns, novo Ministro!", e se entreolharam, intrigadas, quando Harry chegou desanimado.

- Não foi dessa vez, senhoras. – ele disse com pesar.

- Como assim? Quer dizer que não vamos para o vigésimo andar? – disseram as duas ao mesmo tempo.

- Não.

As duas bruxas realizaram feitiços para remover a decoração e encararam Harry, comovidas.

- Ouçam, eu vou para casa. Amanhã seremos todos apresentados ao novo Ministro. Desempacotem tudo. Vou usar essa sala ainda por um bom tempo, creio. Vejo vocês amanhã.

Dizendo isso sem emoção, ele saiu da sala e zarpou pelo corredor e escadas abaixo, deixando bruxos e bruxas a olharem para ele com pena.

Como ainda era cedo para o encontro com Rony, Harry planejara ir até sua casa para se acalmar e refrescar suas idéias. Afinal, a partir de amanhã, teria um novo chefe e teria de lidar com isso, aceitar e se submeter a ele. Ele tinha esperança de se manter influente como fora na gestão de Fletcher e conseguir emplacar alguns de seus projetos para a Comunidade Mágica.

Mas, ao sair do prédio, duas corujas vieram de encontro a ele, quase derrubando-o no chão. Ele ajeitou os óculos e pegou os pergaminhos das duas aves, dispensando-as.

O primeiro veio tornar seu dia um pouco mais amargo. Era de Rony.

"Harry,

Lamento, mas recebi uma demanda urgente no serviço e não posso ir ao Caldeirão Furado hoje. Estarei te esperando lá amanhã, no mesmo horário.

Abraços,

Rony."

Era o que faltava. Depois da maior frustração de sua carreira, ele não teria ninguém com quem pudesse conversar. Nem poderia se consolar lembrando os tempos de sua juventude com o velho amigo. Acreditando que nada mais poderia dar errado naquele dia, Harry abriu o outro pergaminho, que continha ainda outro dentro de si envolto por um bonito laço vermelho.

"Harry,

Fiquei bastante magoada por você não ter vindo ao meu casamento, no sábado. Brenda também esperava te ver lá. Para que não haja desavenças entre nós, estou assumindo que a coruja que enviei não chegou por causa do inverno. Amanhã, viajarei em lua-de-mel e hoje será a nossa festa de despedida. Ela será como uma extensão do casamento.

Espero que esta coruja chegue e que você apareça por aqui essa tarde. Brenda sente saudades e espera vê-lo dessa vez. Segue o convite para a festa.

Carinhosamente,

Virgínia W. Wood"

Harry teve que se encostar na parede do prédio. Ele estava quase desmaiando, tamanho o choque que levara. As palavras da carta de Gina pareciam sair voando e invadir sua mente, bombardeando-a de pensamentos. Gina casando-se de novo? O sobrenome dela agora é ... Wood??

Certamente, o inverno vinha sendo rigoroso e havia nevado bastante na semana anterior. Harry odiava quando isso acontecia: perdera uma correspondência, talvez uma das mais importantes que ele deveria ter recebido. Agora, ele tinha em mãos apenas um certificado, uma confirmação e não havia mais nada que ele pudesse fazer para reverter o que já estava consumado. Gina se casara de novo. Ela, provavelmente, seria mais feliz com seu novo marido do que havia sido com ele. E quanto a Brenda? Adotaria o novo marido de Gina como seu novo pai? Será que ele também deixara de receber correspondências da filha? Será que ela o reconheceria quando o visse? O que ele tinha feito com a vida dele... tão dedicada ao trabalho que excluiu sua própria filha dela...

Harry foi tomado por uma súbita curiosidade de confirmar suas suspeitas. Ele abriu o convite para a festa de Gina e lá estava o nome dele: "Olívio Wood", o respeitado juiz de Quadribol e cobiçado solteirão de York.

Harry suspirou. Não havia mais nada que pudesse ser feito, exceto recuperar, talvez, o coração da filha. Como estava com muita pressa, ele andou até o final da quadra, onde os feitiços anti-aparatação do Ministério já não funcionavam e desaparatou.

Harry aparatou em frente ao seu prédio. Ele cumprimentou Beggy com o olhar e subiu, apressado. Tomou uma ducha rápida e logo estava vestido elegantemente para uma festa. Ele olhou, ressentido, o convite novamente para checar o endereço: sua casa, ou melhor, a casa de Gina, em Manchester.

Ele jogou pó de Flu na lareira e disse o E.L., o Endereçamento de Lareiras, da casa em Manchester, que há algum tempo ele não visitava. Seu estômago nauseava enquanto ele girava pela rede.

****

Ele desceu em uma bonita e imponente lareira, em uma sala ampla e bem decorada, atraindo a atenção de muitos convidados e, principalmente, das convidadas.

A casa em muito havia sido modificada desde a última vez que ele estivera ali. Os móveis clássicos e luxuosos tão estimados por Gina quando eles eram casados deram lugar a estufados mais modernos, com muitas almofadas, e painéis decoravam as janelas, ao invés das antigas cortinas. Tão despojada estava a sala que Harry teve a impressão de que ela não seria mais usada como uma residência permanente.

Ouvindo muitos respeitosos "Boa tarde, Sr. Potter" masculinos e animados "Olá, Harry!" femininos, ele se desvencilhava com meios sorrisos e olhares significativos. De um encontrão de frente, um sorriso largo e um firme aperto de mão, não conseguiu desviar.

- Harry Potter! É uma honra revê-lo depois de tantos anos... Deixe me apresentar minha família! Ah, uma foto, sim? – as palavras do bruxo de cabelos castanhos foram seguidas por um flash próximo que trouxe estrelas aos olhos de Harry.

Depois da foto, Harry não precisava mais perguntar de quem se tratava. Colin Creevey, na certa.

- Essa é Anne. – disse ele, puxando uma bruxa tímida e apresentando-a a Harry. – E estes são meus cinco filhos. – indicou sua ninhada, que corria pela sala. - E você, Harry, como tem andado?

- Estou bem, Colin. Bonita família. Agora, se me permite, eu preciso procurar a noiva.

- Mas...

- Até logo, Colin! – Harry já acenando de longe.

As bruxas juntavam-se em grupinhos e cochichavam ao que Harry passava por ela. Ele arrancava comentários de bruxas de todas as idades, o que o incomodava um pouco. Havia algumas bem bonitas dentre elas, mas Harry só estava pensando em duas mulheres no momento.

Ele alcançou o quintal ao fundo da casa e o jardim à beira da piscina. Um tempo feliz da vida dele havia se passado ali, naquele quintal, e ele não se dera conta disso. Os momentos íntimos e voluptuosos de recém casados, Brenda aprendendo a andar, os três caindo na piscina, Harry voando baixo em sua vassoura com as duas, quase caindo por desequilíbrio...

Mas agora o local estava ornamentado com muitas e muitas flores, brancas e vermelhas, e a piscina era apenas parte da decoração. Todos bebiam e conversavam animados e lá estava ela. Com um vestido branco, mas que, provavelmente, não fora o do seu casamento no sábado anterior, e rodeada de bruxos e bruxas. Suas vestes brancas, mas nada cândidas, e seus cabelos vermelhos presos em um bonito penteado fariam Harry pensar que ela era parte das flores, não fosse pelo fato de que a imensa beleza daquela bruxa, que um dia havia sido dele, em muito superava as agora sem graça flores decorativas.

Assim que o viu, Gina gentilmente afastou a pequena multidão que a cercava. Harry andou em direção a ela, seu coração batendo forte e ela respirava fundo enquanto ele se aproximava.

- Os anos a trataram bem, Gina. Você está linda.

A ruiva corou. Ela realmente não aparentava ter passado dos trinta há muito tempo e ainda era tão encantadora quanto em sua juventude. E ele realmente ainda sabia como tratá-la. Mas ela retribuiu com um simples sorriso.

- Obrigada, Harry. Você continua gentil, como sempre.

- Gina, a coruja... ela realmente não chegou. Eu não fazia idéia de que você se casaria tão cedo...

- Tão cedo? Mas já estamos separados há mais de dez anos! Não acha que eu mereço outra chance na vida?

- Claro, claro. Desculpe, eu não quis dizer isso. É só que... Eu acho que tinha esperança. Que um dia acordaria em uma manhã clara nessa casa branca e descobriria que tive apenas um sonho ruim. Eu ainda seria jovem e Brenda pequena. Você estaria ao meu lado e eu não me dedicaria tanto ao trabalho. – disse Harry com tristeza, em voz baixa para que os outros não o ouvissem.

- Não, você não tinha, Harry. Essa esperança e toda essa realidade só bateram a sua porta quando você recebeu minha coruja provavelmente. Somos agora a conseqüência de nossos atos, nada mais. - ela continuava com o dom de adivinhar seus sentimentos, como quando eram casados.

Harry abaixou a cabeça. Ele a perdera, definitivamente. Mesmo se soubesse de tudo antes do casamento dela, pouco teria adiantado. Ele a perdera. Harry não seria Ministro da Magia, tampouco tinha uma família. Sua vida não era tão diferente de quando era apenas um garoto, afinal.

- Harry! Que prazer em vê-lo! Gina e Brenda esperavam que você viesse. – Olívio Wood lhe estendeu a mão.

Harry, que sempre havia estado do mesmo lado de Olívio nos jogos de Quadribol na época da escola, por um instante viu nele um inimigo cruel que lhe havia roubado seus bens mais preciosos. Mas então ele se deu conta de que havia perdido sua esposa e sua filha muitos anos antes, provavelmente enquanto ainda as tinha.

- Parabéns, Olívio. Espero que faça a Gina feliz. – ele disse. "Como eu não fiz.", ele pensou.

Olívio Wood sorriu e não havia ressentimentos entre eles. Olívio era um renomado juiz de Quadribol desde que se aposentara dos campos. Seus charmosos cabelos grisalhos, seus belos traços, sua carreira de sucesso e sua gorda conta bancária faziam dele o solteirão mais cobiçado de York, cidade onde morava.

- Vocês dois... eu nunca imaginaria! – disse Harry, quebrando o silêncio.

- Ah, Olívio passou uma temporada em Manchester e nos reencontramos. Quero dizer, isso se ele se lembra de mim em Hogwarts...

- Claro que me lembro, sua boba. Eu não constitui família até agora e temo ser muito tarde para isso. Mas a Gina é uma pessoa maravilhosa. Sou muito grato por nossos caminhos terem se cruzado, afinal ninguém quer passar a velhice sozinho. – Olívio disse, inocente, sem saber que o comentário caia como uma luva para Harry.

- Gina, onde estão seus irmãos? – Harry perguntou, desejando mudar o rumo do assunto.

- Rony, Fred e Jorge estavam aqui no sábado. É realmente uma pena que você não tenha vindo. Agora estão muito ocupados com o serviço, infelizmente.

Harry suspirou. Talvez fosse isso que Rony desejava contá-lo: o casamento de Gina. Ou talvez não fosse só isso.

- Hermione? – Harry arriscou.

- Nunca mais a vi.

- Ela não veio com Rony?

- Não. Parece que dedica toda sua vida ao trabalho. Exatamente como alguém que conheço.

Harry olhou para baixo, triste, quando ouviu uma voz meiga chamar "Mãe!".

A garota tinha seus muito verdes olhos e seus bem pretos cabelos. Mas não eram rebeldes e despenteados como os dele. No rosto, a doçura de Gina estava estampada em cada traço. Brenda tinha agora quinze anos e já não era mais uma garotinha como Harry costumava se lembrar dela.

Brenda aproximou-se desejando falar com sua mãe. Ela olhou desconfiada para Harry e abraçou Gina.

- Brenda, seu pai veio. Ele não havia mesmo recebido a coruja.

- Brenda, como você cresceu! – Harry abriu os braços para receber um abraço da filha, mas ela não se moveu.

- Oi. – disse ela, por fim, timidamente.

Harry ficou bastante embaraçado com a situação. Percebendo o constrangimento e entendendo lado da filha, Gina se adiantou.

- Ficamos realmente felizes por ter vindo, não é Brenda?

A menina assentiu com a cabeça, ainda sem se mover.

- Harry, eu e o Olívio vamos viajar em lua de mel, como você deve imaginar. Então, estive pensando... Ao invés de deixar Brenda na casa de uma de minhas amigas, como vim fazendo todos esses anos que você esteve ausente, pensei que ela poderia ficar com você o resto das férias de Hogwarts. Isso, é claro, se ela não te atrapalhar...

- Err... claro, Gina. Vai ser ótimo me reaproximar da Brenda.

- Então, Brenda, o que acha?

- Vou ficar legal. – a garota falou sem olhar para Harry com uma expressão que não concordava com o que ela dizia.

- Ótimo! Brenda está bastante animada. Parece que a velha McGonagall vai dar um baile na volta às aulas. Você vai com seu namorado, não é, filha?

- Namorado???!! – Harry não pôde se conter. Sua garotinha tinha um namorado?

Brenda corou e abraçou Gina mais forte.

- Ora, vamos lá, Harry. Ela já tem quinze anos...

- Gina, mas ela é apenas uma menina!

- Eu não sou apenas uma menina, Harry Potter. Não sou a menina que você deixou para trás há muito tempo. Mas como você podia saber, não é, Harry? Você simplesmente desapareceu aos poucos. Quando foi o último natal em que veio me ver? Até as corujas ficaram raras ultimamente...

Harry olhou para a adolescente rebelde diante dele. Não era mais a sua garotinha de forma alguma. Ele também a perdera. Mas não tinha desculpas, não tinha argumentos. Ele não a tinha deixado para trás realmente em seu coração, mas como ela saberia se ele não demonstrava?

- Brenda, tem certeza de que vai ficar bem? Se você quiser, podemos arrumar outro lugar para ficar. Mesmo se quiser ir para Hogwarts, não creio que haveria problemas... – Olívio ficou ligeiramente apreensivo.

- Vai ficar tudo bem. Não se preocupem comigo. – ela disse, sorrindo para Gina e Olívio.

O entrosamento de sua filha com Olívio, que já era maior do que com ele mesmo, fez Harry ficar enciumado. Mas, ali, naquela atitude independente de "não se preocupem comigo", ele via muito dele mesmo em sua juventude.

- Então, está certo. Amanhã passo para deixá-la no seu apartamento antes de viajar. Agora, Harry, se não se importa, precisamos dar atenção aos outros convidados. – Gina sorriu e se retirou de braços dados com Olívio, que acenou para ele.

- Até mais, Harry. – Brenda fazia menção de seguir a mãe, mas Harry a deteve.

- Me chame de pai, Brenda. – ele disse, com afeto.

- Então, seja meu pai, Harry. – ela disse e correu ao encontro da mãe.

O comentário de Brenda deixou Harry ainda mais arrasado, se é que isso era possível. Aquele estava sendo um dos piores dias da vida dele desde que ele podia se lembrar.


N.A.: Para a casa de Manchester e o fato de ela ser branca, há uma vaga referência ao conto "Aldarion e Erendis", de Tolkien, em que Aldarion é o herdeiro do rei muito dado ás atividades náuticas e, por isso, acabou se separando da esposa, Erendis. Ela tinha uma casa branca onde criava a filha sob suas próprias influências.