Harry acordou mal humorado com Rose puxando suas cobertas, como de costume. Percebendo a irritação do patrão, Rose não disse palavra, mas abriu as cortinas e deixou uma bandeja com seu desjejum preferido em cima do criado mudo, ao lado da cama.
O dia anterior tinha sido péssimo. Harry voltou da festa chateado e não saiu de casa à noite, o que vinha sendo raro ultimamente. Hoje, ele conheceria seu novo chefe e não estava nenhum pouco disposto para isso. Para completar, estava muito atrasado, como sempre. Desejou apenas que o novo chefe fosse suportável e que o dia passasse logo para que ele pudesse conversar com Rony, como haviam combinado.
Ele comeu, vestiu-se rapidamente e saiu sem se despedir de Rose, que arrumava a sala sem entoar qualquer canção, e sem dar muita atenção a sua própria cara amassada, que combinava bem com os cabelos matinalmente mais despenteados do que o normal.
Harry pegou o carro que Peggy chamara para ele sem olhar nos olhos da bruxa, e manteve-se em silêncio durante o breve percurso enquanto Roger dirigia concentrado.
Foi direto à sala de reuniões sem cumprimentar ninguém, ao que as pessoas o olhavam intrigadas. Ele abriu a porta com o maior cuidado possível e, com a cabeça baixa, procurou um lugar vago à mesa.
Harry sentou-se ao lado de Dino, sem conseguir escapar do olhar reprovador de Sirius, da ponta da mesa. Enquanto engolia em seco, imaginando a bronca que Sirius lhe daria pelo atraso quando conversassem, Harry ouviu, de uma direção próxima de onde Sirius estava, uma voz feminina estranhamente familiar. A voz era determinada e falava algo sobre motivação e superação de desafios.
Curioso, Harry decidiu levantar a cabeça para ver de quem se tratava. O que ele viu foi uma bruxa muito bem arrumada, com os brilhantes cabelos castanhos muito bem penteados e um sorriso em sua direção, que Harry conhecia de alguma forma, mas não lembrava de onde.
A bruxa continuava a olhar e a sorrir para ele, como alguém que está muito satisfeita em vê-lo. Ela o olhava como se quisesse sair daquela reunião formal e entediante, desaparatar para um lugar aconchegante e conversar com ele por horas a fio. Harry, embora não lembrasse claramente dela, retribuiu a expressão, em parte por instinto, algo dentro dele que se alegrava muito em vê-la, e em parte por que o sorriso dela era deliciosamente maroto e o olhar vivo e envolvente.
Embora Harry não estivesse acompanhando o discurso dela, a ele pareceu que ela se perdeu brevemente nas palavras. Mas tão logo ela percebeu, desviou seus olhos dele e olhos para os bruxos ali presentes como um todo, finalizando suas declarações.
- E esta é Hermione Granger, nossa nova Ministra da Magia. – Sirius pôs-se de pé e iniciou uma salva de palmas.
Todos se levantaram e saudaram a nova Ministra. Todos, exceto Harry. Ele estava petrificado em sua cadeira, incapaz de mover um músculo. "Hermione Granger". Essas palavras ecoavam na mente dele como uma lembrança real.
- Muito obrigada a todos vocês. Combater os partidários de Draco Malfoy será uma tarefa árdua e eu espero contar com o apoio de todos. – Hermione disse com altivez, agradecendo as palmas. - Principalmente o seu, Harry. – ela completou.
A menção de seu nome o libertou do feitiço em que seus sentimentos o haviam colocado. Ele se levantou, desajeitado, e sorriu, tentando, sem sucesso, não parecer demasiado surpreso com a situação.
Dino Thomas aplaudia Hermione incansavelmente. Ele, sem dúvida, devia tê-la reconhecido muito antes de Harry. Sirius Black exibia um sorriso orgulhoso. Snape aplaudia sem muita emoção, mas havia um rastro de riso no canto de seus enrugados lábios. A mais emocionada era, com certeza, Arabella Figg, que encarava Hermione com um olhar maternal.
Então Hermione seria a nova Ministra... Mas, é claro. Agora tudo parecia tão óbvio... Sirius dizendo como ela merecia o cargo, Rony receoso em lhe contar alguma coisa. Todas as inovações vindas da Áustria, tudo idéia dela. Hermione era simplesmente brilhante em Hogwarts. Como esperar que ela não o seria pelo resto da vida? Mas como Harry lidaria com isso? "Não deve ser muito diferente de quando estávamos em Hogwarts e ela foi eleita a monitora-chefe", ele pensou.
Quando as palmas cessaram, todos se recompuseram e se sentaram, esperando pelas primeiras decisões da nova Ministra. Todos, exceto Harry, já que sua cara de bobo permanecia inalterada.
- Bom, como eu disse, seremos um time. Todos vão colaborar. O assunto prioritário, como Sirius me orientou, é a questão das bruxas partidárias de Malfoy. Até agora, o Ministério inglês não fez nada por elas. Elas continuam sendo enganadas, iludidas e, o que é pior, preferem as trevas.
As bruxas presentes na sala soltaram murmúrios de lamento, enquanto os bruxos pareciam surpresos com a situação. Hermione percebeu e continuou.
- Vejo que muitos aqui não estão integrados com o assunto. Esse é o problema. Nós simplesmente não damos atenção a elas. De agora em diante, precisaremos prestar mais atenção nas bruxas. Precisamos mostrar a elas a importância do bem. Vamos lembrá-las do grande Dumbledore e da época das trevas provocada por Voldemort. Vamos fazê-las perceberem que devem ficar do nosso lado!
Ao falar de Voldemort, Hermione olhou significativamente para Harry. Ele achou que Hermione tinha uma vocação natural para a liderança. Ele ainda podia se lembrar dela bradando na escola em defesa dos elfos domésticos. Ele podia se lembrar dela fazendo seus deveres e ajudando-o a estudar. Ficando ao lado dele quando das brigas com Rony... Voando abraçada em suas costas em Bicuço para salvar Sirius... Ele ainda se lembrava perfeitamente dela... Hermione, a garota mais inteligente de Hogwarts... Hermione, a profissional mais competente do mundo mágico... Hermione, a nova Ministra da Magia.
- Para começarmos, preparei um pacote para cada um de vocês. – disse a Ministra, despertando Harry de seus pensamentos. – Ele contém feitiços, poções e artefatos mágicos femininos.
A Ministra conjurou pacotes cor-de-rosa na frente de cada um deles. Harry recebeu o seu por último, desejando que ela tivesse esquecido dele.
- Gostaria que vocês examinassem os itens com calma e amanhã trouxessem idéias para montarmos nossa estratégia. Por mim, estão dispensados. Vejo vocês amanhã.
Todos olharam intrigados para seus pacotes e os guardaram, enquanto levantavam e saíam, não sem antes cumprimentar a Ministra. Harry pensava em fazer o mesmo. Embora ele tivesse muito o que conversar com Hermione e realmente quisesse fazer isso, sentia-se incapaz e envergonhado. Ele jamais conseguiria seu almejado cargo. Ele jamais seria Ministro. Ele nunca havia superado Hermione em Hogwarts e acreditava que seria ainda mais impossível superá-la agora.
Harry guardou o pacote e se levantou, desejando dar apenas um olhar a Hermione e nem mesmo isso a Sirius. Mas a velha amiga veio andando decidida na direção dele. Ela tinha um sorriso afetuoso e o abraçou carinhosamente.
- Harry, que saudades! Lamento tanto que nosso reencontro tenha sido tão profissional... Eu gostaria de ter te contado antes, mas ando tão ocupada...
- Tudo bem, Hermione... Parabéns pelo cargo. – ele deu um sorriso amarelo e tentou não expressar muitos de seus sentimentos.
Sirius, que assistia tudo de longe, informara Hermione que o cargo era, há muito, desejado por Harry e ela se sentiu constrangida. Snape ainda estava em sua cadeira e parecia satisfeito.
Harry passara por ela e já se retirava da sala, mas ela o deteve.
- Harry, eu... vou dar uma olhada nas papeladas dos projetos e rotinas do Ministério. Acho que as coisas por aqui serão bem diferentes de como era na Áustria e eu tenho muito a aprender. Pensei que... bom, talvez você pudesse me ajudar...
Passar a Hermione o conhecimento sobre todas as tarefas que ele desejava que fossem dele definitivamente não seria um programa ideal para um dia como aquele.
- Nossa, o que é isso, Hermione! Quem sou eu! Eu não conheço muita coisa, sabe como é... Acho que a pessoa ideal para isso é o Sirius.
- A pessoa ideal é você, Potter. Sirius estará numa reunião do Conselho. – uma voz ríspida os interrompeu ao que Snape caminhava na direção deles. – E, caso ela tenha sido muito sutil a ponto de você não tê-la entendido, vou tornar as coisas claras para você. Granger é a sua chefe agora e essa foi uma ordem. – ele terminou, com um sorriso triunfante e saiu da sala.
Hermione estava notavelmente embaraçada. Harry ficou furioso com Snape, mas não pôde deixar de constatar a veracidade de sua observação. Sentiu a mão do padrinho sobre o ombro.
- Vamos, Harry. Você o conhece. Esqueça isso. A verdade é que nós gostaríamos muito se você pudesse ajudar Hermione. Ela não vai te tomar muito tempo, eu garanto.
Hermione confirmou com a cabeça. Harry acenou positivamente, conformado, mas com uma sombra de mágoa no olhar.
- Harry, eu já deixei preparada na minha sala a relação de informações que preciso obter. Podemos subir, então? – arriscou Hermione, cautelosa.
- Claro. Vou ajudar no que puder.
Hermione se dirigiu às escadas, a passos marcados, tentando não andar a frente de Harry e iniciar uma conversa. Harry, por sua vez, dificultava a tarefa, decidido a ficar vários passos para trás.
- Essa é a coisa certa, Sirius. – Arabella tinha um tom doce e, ao mesmo tempo, firme.
- Eu não sei, tia. Eu não sei. Sempre exigimos tanto dele. O fardo dele sempre foi tão pesado. E agora isso... Tiago não me perdoaria...
- Todos nós precisamos amadurecer um dia. O tamanho da relutância em fazê-lo é o tamanho do preço que você pagará quando chegar a hora. Você sabe bem disso, filho.
E, com isso, arrancou um esboço de sorriso conformado do velho e sofrido bruxo.
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Hermione entrou em sua sala, puxou uma pasta para perto de si e começou a folheá-la. As coisas dela ainda estavam encaixotadas, pois a mudança acabara de chegar. Harry podia perceber que aquela bagunça a irritava profundamente.
Para o alívio de Harry, Hermione foi muito direta e profissional. Ele chegou mesmo a pensar que havia sido frio com a amiga e talvez tivesse magoado-a.
De qualquer modo, ela queria saber sobre os principais projetos em andamento, a maioria deles sob a coordenadoria do próprio Harry. Ela já conhecia todos os procedimentos do Ministério e Harry concluiu que não tinha muito a dizer a ela, afinal. Se ele ainda a conhecia, ela devia ter lido todos os livros de normas ministeriais possíveis logo que recebera o convite para ser Ministra.
Como parte dos projetos que Harry gerenciou foram adaptações de certos projetos austríacos, ela também conhecia quase todos eles.
- Vejo que vocês se esforçaram para melhorar a Educação Mágica aqui no Reino Unido, Harry. – ela disse, fixando uma página de sua pasta.
Hermione se referia ao projeto que tornou o Reino Unido exemplo para toda a Europa em Educação Mágica. Os diretores das escolas mantinham suas autoridades, mas recebiam auxílio de consultores do Ministério especializados em Educação. Para se candidatarem a uma vaga nas escolas, os professores deviam, primeiro, passar por testes de qualificação prática no Ministério. "Isso foi para evitar novos Lockharts.", Harry se lembrou.
Ele havia trabalhado nesse projeto com Snape, o que não foi, nem de longe, das melhores experiências da sua vida, mas ainda se orgulhava muito do feito. Harry dedicou-se especialmente na qualificação dos Professores de Defesa Contra a Arte das Trevas e, ainda hoje, integrava a comissão avaliadora dos candidatos.
- Sim, aprimoramos ao máximo a ementa das disciplinas e investimos muito na formação dos professores. – ele concluiu, saudoso.
- Harry, precisamos marcar uma reunião mais tarde para falar dos seus projetos. Não vou te incomodar agora. Sei que você precisa descansar. Na verdade, eu já estive dando uma olhada e tem algumas coisas ótimas, como o Programa de Incentivo ao Quadribol... – ela olhou para ele sorrindo, como quando tentava incentivá-lo nas partidas mais difíceis de Quadribol e fechou a pasta em seu colo.
Harry sorriu. Esse projeto era sua menina dos olhos.
- É uma pena que isso não tenha prioridade. Agora, temos que atuar com força total nas bruxas e evitar a entrada delas no Partido das Trevas. Vou apresentar algumas idéias que trouxe da Áustria e ver o que vocês conseguem também.
O sorriso de Harry se fechou.
- Eu vou ficar organizando essa bagunça aqui na sala e estudando algumas coisas até tarde. Eu queria tanto conversar com você como nos velhos tempos... Precisamos marcar alguma coisa qualquer dia. – Era a Hermione com olhar de menina, querendo visitar a cabana de Hagrid ou ficar até tarde conversando na sala comunal.
- É. Precisamos mesmo.
Harry sentia falta da amiga, mas toda aquela situação ainda lhe era confusa e ele estava tentando separar as coisas em sua mente.
- Bom, Hermione, eu vou indo, então. Quero dizer, se não precisa de mais nada. – ele disse, ainda se acostumando com a idéia de tê-la como chefe.
- Claro, Harry. Até amanhã.
Ele saiu da sala com uma disposição bem melhor do que quando entrara nela. Ouviu sua voz o chamar no corredor.
- Harry!
- Sim? – ele virou a cabeça.
- A reunião é as oito, ok? – ela disse, firme.
Ele assentiu com a cabeça e desceu as escadas mágicas com o vigor de um garoto de dez anos, ligeiramente irritado com o lembrete do horário.
- Então, Harry! O que achou da Ministra? – Dino Thomas o encontrou na saída do edifício.
- Ah, por acaso eu já a conhecia da Escola, sabe? – ele disse ironicamente.
- Ela está mudada, não?
- Eu acho que ela é exatamente a mesma.
