CAPÍTULO 6 – (Todas) As Bruxas de Londres

"O que será que ele aprontou dessa vez? Espero que ele esteja bem." – Rose tinha encontrado o banheiro de Harry em uma das maiores bagunças que ela já vira em toda a sua longa vida.

Evidentemente, o vapor da noite anterior tinha se condensado completamente, pois o banheiro estava absolutamente molhado. E as paredes pareciam levemente tingidas de cor de rosa. Sobre a pia, frascos e outros objetos que Rose estranhou encontrarem-se presentes no apartamento de um bruxo solteiro.

Deitado no chão, para horror da velha governanta, um famoso e molhado bruxo usando um vestido todo rasgado e com borrões vermelhos horríveis no rosto. Harry Potter já teve dias melhores.

Quando ouviu a distante voz da velha bruxa, Harry abriu os olhos com cuidado. Cada centímetro do seu corpo doía e ele gostaria de saber porque todo seu banheiro girava sem parar.

- Eu... estou bem. Estou bem. – ele disse com dificuldade, ainda sem se levantar.

"Por Merlin! Ainda bem! Nossa, que diabos são essas coisas? E eu tenho que limpar isso? Sou uma governanta! Sinceramente, minha amiga Arabella me colocou na maior roubada com esse emprego!"

Harry ficou indignado ao ouvir aquilo da bondosa Sra. Peanuts. A duro custo, ele se levantou, apoiando-se na banheira e desejando que ela não emagrecesse de repente.

- Rose, esses são experimentos do meu trabalho! E se não está satisfeita...

Mas a velha bruxa o encarou com sua simpatia habitual, vendo-o de pé, e lhe jogou uma toalha limpa e seca.

"Ah, não acredito! Por Merlin! Ele agora usa vestidos! Será que Harry Potter é gay? Ou será que virou travesti agora?"

- Rose, você não tem o direito de me desrespeitar assim! – os olhos de Harry faiscavam. Essa era uma situação em que ele nunca teria imaginado se encontrar com a sua inofensiva governanta.

Mais uma vez, ela expressou seu gentil sorriso e olhou para Harry de forma maternal.

- Desculpe, Sr. Potter, eu não o ouvi. O senhor precisa de alguma coisa? – ela disse em seu tom habitual.

Abismado, Harry não acreditava como Rose era capaz de ser tão falsa. "Na certa, deve usar uma daquelas pinturas mágicas que testei ontem", ele pensou. Entretanto, ficou desconcertado ante o cinismo dela, e apenas fez um sinal negativo com a cabeça, enquanto pendurou a toalha que ela lhe dera e se fechou no box.

Ela saiu do banheiro, cantando sua canção matinal e foi arrumar o resto da casa, deixando-o em uma chuveirada cheia de dúvidas.

Harry enrolou a tolha na cintura e dirigiu-se para o seu quarto para pegar suas roupas. Lá encontrou Rose novamente, executando feitiços domésticos e resmungando sem parar.

"Ah, um dia desses eu vou dormir até mais tarde. Queria saber o que aconteceria se eu não viesse acordá-lo todos os dias. Aposto que me demitiria."

- Nossa, Rose, está de mau humor hoje, hein! – disse, imaginando que ele próprio deveria estar se sentindo muito pior com os acontecimentos da noite passada.

- Não, Sr. Potter, meu humor é o mesmo de todas as manhãs. Parece que o senhor dormiu com outro tipo extravagante de bruxa, estou certa?

- Antes estivesse, Rose. Antes estivesse. – ele limitou-se a dizer enquanto apanhava suas roupas.

"Hunf, ele pensa que me engana. Vai ver até dormiu com um bruxo, isso sim!"

- Sra. Peanuts, está insinuando que eu sou gay? – Harry perdera a calma mais uma vez, com razão.

- Eu não disse nada, Sr. Potter. – Rose sorriu para ele.

"Daqui a pouco, ele vai pedir seu café da manhã... Como ele consegue comer todas aquelas porcarias logo cedo?"

- Rose, para o seu governo, eu não estou nem com fome. – Harry disse, vitorioso.

- E quem disse que o senhor está? – ela sorriu e foi arrumar a sala.

Harry chegou à conclusão de que, definitivamente, a Sra. Peanuts não estava em seus dias mais sãos. Ele se vestiu rapidamente e saiu para o trabalho, sem se despedir dela.


- Bom dia, Sr. Potter! Devo chamar um carro do Ministério para apanhá-lo?

- Sim, Beggy, por favor!

Beggy ergueu sua varinha amarela e chamou o carro para Harry, como fazia na maioria das manhãs.

- Obrigado, Beggy! – Harry sorriu para ela, quando avistou o carro preto chegando do final da rua.

"De nada, gostoso!"

- O que disse? – Harry virou-se para ela, incrédulo.

- Eu? Nada, senhor.

- Tem certeza? – Harry deu um passo para o lado, afastando-se dela.

- Sim, senhor. – Beggy tinha uma leve expressão interrogativa.

- Ahan... sabe, Beggy, o dia está bonito hoje. Eu... acho que vou a pé. Preciso de ar fresco.

- Tudo bem, senhor! – Beggy sorriu para ele e acenou para o carro do Ministério, indicando que estava dispensado.

Harry decidiu tomar o caminho do parque, um pouco mais longo, mas ideal para arejar a cabeça em um dia que já começava tão estranho. Ele despediu-se de Beggy e atravessou a rua.

- Tenha um bom dia, Sr. Potter! "Ai, essa bundinha sexy! Ah, se ele tivesse me dado bola em Hogwarts... Hm... eu transaria com ele!"

Harry parou no meio da rua e voltou-se, atônito, com as mãos para trás, tentando esconder seu traseiro. Ele tinha certeza de que ouvira o comentário de Beggy. Como ela pôde? Harry nunca desconfiaria do interesse dela. Ele ouviu um barulho de motor se aproximando muito rápido.

Outro carro do Ministério, que devia ter sido chamado por outro bruxo que vivia por ali, passava a toda velocidade pela rua e conseguiu brecar apenas no último momento, chegando a empurrar Harry alguns passos.

- Por Merlin! – ele gritou ofegante, por um momento esquecendo-se completamente de Beggy.

- O senhor está bem, Sr. Potter? – Beggy pareceu preocupada.

- Sim, Beggy, estou bem. Tudo bem. – ele disse, lançando um olhar de desculpas ao motorista do carro e dando vagarosos passos para trás até alcançar a calçada do outro lado da rua.

Harry começou a caminhar no parque que se estendia diante de seu prédio, inconformado com a porteira Beggy. "Isso não faz o menor sentido! Primeiro, Rose está totalmente maluca e insatisfeita comigo e agora a Beggy... a Beggy... Arg!"

Harry ouviu uma voz feminina desconhecida ao longe.

"Será que faltou algum ingrediente na poção? Era para ter ficado azul, mas ficou lilás. O que deu errado?" Ele se virou, mas não viu ninguém. De repente, uma jovem bruxa atlética passa por ele, correndo.

"O que será que esqueci? Não consigo me lembrar!"

Harry manteve seus olhos fixos no rosto da bruxa mas, para seu assombro, ela não havia aberto a boca e não havia mais ninguém por perto.

Harry se recostou em uma árvore para tomar fôlego. Ele estava ouvindo o que as pessoas pensavam! Harry acreditara que toda essa fase de ser especial e ter "dons" diferentes havia passado, mas lá estava ele: com quase quarenta anos, ouvindo pensamentos sem se esforçar nem um pouco para isso.

"Maldita polissuco! Eu só queria descobrir se ela gostava do Jim, por isso me transformei nele. Mas acabei beijando-a! Que nojo!"

Harry olhou assustado. Uma menina de cabelos compridos passara por ele sem dizer palavra. Ele continuou andando, vacilante. Avistou um bruxo sério que conhecia de vista do Ministério. Aproximou-se dele para tentar ouvir seus pensamentos, mas nada aconteceu. O bruxo o encarou, impaciente e ele disse apenas: "Bom dia, senhor.".

Harry deu mais alguns passos, chegando ao centro do parque. Muitas pessoas transitavam e ele começou a ouvir várias vozes femininas.

"Oh, abusei tanto no café da manhã! Não vou comer mais nada o resto do dia..." "Não sei se devo fazer isso. Parece que não há contra-feitiço..." "Meu filho devia me ouvir. Ele tem que fazer o que o Sr. Malfoy diz..." Esse último comentário muito chamou a atenção de Harry mas, entre tantas pessoas, ele não sabia identificar quem tinha dito isso.

"Meu marido não me entende!" "Isso é um absurdo! Os humanos são muito insensíveis. A essa hora da manhã eu já levei correspondências suficientes para um dia inteiro de serviço!" Harry olhou de relance e teve certeza de ter visto uma coruja voar baixo. Apavorado, ele chegou a uma alarmante conclusão: estava ouvindo os pensamentos de todos os seres do sexo feminino!

Ele apressava seus passos, rumo ao Ministério, quando um turbilhão de vozes invadiu sua mente. Dezenas de garotas estavam treinando no parque e passaram correndo por ele. Harry tampou seus ouvidos, inutilmente, e sentiu como se sua cabeça fosse explodir. Desnorteado, ele correu até o fim do parque e pelas três quadras seguintes, desviando de todas as mulheres que encontrou pelo caminho.

Harry encarou o edifício do Ministério e suspirou. Adentrou pelo hall e foi para o décimo quarto andar. Atravessou o corredor a passos rápidos e virou à direita, em direção a sua sala. Desligado, esbarrou na bruxa desastrada que levitava livros sobre sua cabeça, derrubando todos eles e quase derrubando ela própria.

- Desculpe.

- Não foi nada. "Nossa, ele quase me matou! Queria que tivesse conseguido..."

Harry olhou para ela, intrigado, mas lembrou-se da reunião e zarpou em direção a sua sala para pegar alguns relatórios.

"Ah, aí vem ele. Aposto que vai fazer um comentário qualquer sobre minha roupa. Que falta de criatividade! Ele faz isso todas as manhãs...". Susan vinha na direção dele, usando um vestido cor-de-laranja. E ele que acreditava ser um ótimo elogio comentar sobre o vestido de Susan.

Harry apenas olhou de relance e decidiu não dar muita atenção a ela. Continuou pelo corredor, afoito, e acabou esbarrando na Srta. Cheer. "Credo! Como esse Potter exagera no perfume!!". Bom, essa não foi realmente uma surpresa. Harry já suspeitava que a Srta. Cheer não morria de amores por ele, de qualquer forma.

"Laura! E o seu regime?", ouviu a bruxa gordinha imitar sua voz. "Ah, claro, desculpe, vou me esforçar mais, Sr. Corpo-Perfeito!". Cada bruxa que ele encontrava era uma punhalada em seu peito. Ele saiu correndo pelo corredor, como um louco, desejando, com todas as suas forças, chegar a sua sala. Para seu infortúnio, Rachel o parou.

- Sr. Potter! Arrumei sua mesa e enchi sua geladeira com as compras que fizemos ontem. Precisa de mais alguma coisa?

- Não, não, Rachel, muito obrigado. – ele disse, ainda atordoado.

"Sabia que eu consegui notas altíssimas nos NIEMs e esse emprego está me deixando maluca por me tratarem como uma ajudante idiota?? Por que não me dá nada de útil para fazer? Já sei, porque não sou homem!!"

Harry olhou para ela, assustado, mas ela tinha o mesmo simpático no rosto. "Será que é neta da Rose?", ele pensou, esforçando-se para alcançar sua sala.

"Mas quem se importa, não é mesmo? Acha que eu fico aqui o dia inteiro? Ninguém precisa de mim aqui. Ah, gostaria que soubessem que eu escapo todas as tardes pela lareira e vou ver meu namorado na Grécia!"

Harry olhou para trás, com os olhos arregalados, mas não parou de andar. Quando, finalmente, chegou em sua sala, fechou a porta atrás de si e estava ofegante. Sarah e Sandra se aproximaram, balançando-se, desajeitadas.

- Reunião importante hoje, chefinho? – Sarah perguntou.

- Parece abatido, chefinho. Está tudo bem? – Sandra observou.

Harry ficou quieto, esperando. Esperando pelo turbilhão de pensamentos delas, reclamando dos salários, dizendo horrores sobre ele ou quem sabe coisas mais particulares.

Mas nada disso aconteceu. Elas continuavam encarando-o com cara de preocupação.

- Harry! Ficou maluco? Vamos logo, só falta a gente! – Dino Thomas apareceu na porta. Parecia ter corrido muito.

Os dois se dirigiam ao vigésimo andar, quando quase esbarraram na bruxa desastrada dos livros.

"E seu eu me atirasse da janela? Será que alguém iria notar?". Harry levou as mãos à cabeça.

- Dino, por favor, diga que você ouviu isso...

- Ouvi o quê, Harry?

- A bruxa dos livros... ela é... suicida... você ouviu?

- Eu não, Harry. Você está bem?

Ele deteve Dino e o empurrou para uma salinha entre os corredores.

- Dino, olha, preciso te contar isso. Caso aconteça alguma coisa comigo, preciso que você diga a Sirius que eu experimentei todos os produtos do pacote da Hermione.

- Você o quê??

- Isso mesmo. Todos eles. Aconteceram coisas estranhas e eu desmaiei. Desde que acordei, estou ouvindo o pensamento das mulheres. Tudo o que elas pensam eu posso ouvir, tudo. Bruxas e trouxas, até corujas fêmeas. É assustador!

Dino parou por um momento. Então, começou a rir.

- Ah, Harry, você não tem jeito mesmo. Isso lá é hora de brincar assim? Estamos atrasados, vamos! – e arrastou Harry de volta ao corredor, rumo ao vigésimo andar.

Harry também achava que era realmente difícil de se acreditar no que estava acontecendo com ele. Dino precisaria de uma prova. Quando estavam subindo as últimas escadas, a prova se aproximou: Srta. Cheer.

"Ha! Potter-Perfumado e seu amiguinho estranho. Hm... só vive atrás dele... Esse Thomas deve ser gay... E por que diabos ele é gerente? E ele lá faz alguma coisa?"

Harry esperou que ela passasse e, então, sussurrou a Dino:

- Sabe a Srta. Cheer?

- Sim, que tem ela?

- Ela acha que você é gay e que não merece ser gerente. Você ouviu?

- Claro que não. Ela não disse nada. – mas Harry notou que Dino ficou levemente perturbado com essas palavras.


Harry e Dino entraram, com cuidado, na sala de reunião. Realmente, só estavam faltando os dois, mas as pessoas pareciam ter chegado há pouco.

Hermione deu um breve sorriso aos recém-chegados enquanto arrumava sua papelada. "Harry, Harry, atrasado como sempre. Será que ainda não aprendeu a respeitar as regras?", Harry ouviu Hermione pensar, sem olhar para ele.

A Ministra pôs-se de pé e começou a andar pela sala, que parecia ter sido especialmente decorada para aquela ocasião. Tinha um clima entre-e-fique-à-vontade, claramente objetivando estimular a criatividade.

"Muito bem. Estão todos apavorados. Ninguém consegue me encarar. Exceto... Harry Potter, quem mais? Até eu estou um pouco nervosa... Parece meu primeiro dia em Hogwarts."

Harry sorriu para ela e quase se sentiu orgulhoso.

- Bom, pessoal, vamos começar. Como foi a experiência de vocês com o pacote? Quem vai nos contar primeiro? – perguntou a Ministra.

Nenhum voluntário se prontificou.

- Harry? – ela sugeriu, ou melhor, convocou.

Harry se arrependeu profundamente de ter sorrido a ela e se imaginou contando o que realmente acontecera e sendo o alvo de piadas no Ministério durante anos. Resolveu que teria que camuflar um pouco os fatos.

- Bom, eu... ahan... analisei a poção emagrecedora... – começou a dizer.

- Sim, e teve alguma idéia sobre ela? – Hermione perguntou, interessada.

- Estive pensando... se o Ministério disponibilizasse essas poções gratuitamente para... facilitar o acesso aos times de Quadribol... – ele inventou na hora. – Sabe, as bruxas acima do peso devem se sentir excluídas dos times... deve ser difícil. Harry percebeu que Laura o fuzilava mentalmente. "Seu cretino!! Como você ousa?" – Bom, eu ainda preciso trabalhar mais nessa idéia, mas, basicamente, é isso. – Harry terminou, sentindo que fora um fracasso.

E fora mesmo. "Que babaca!", ouviu Susan pensar. "Por Merlin! Devia ter sido Ministra da Áustria!", pôde ouvir, desapontado, Hermione lamentando. De relance, viu Snape encarando-o, com uma das mãos alisando o queixo oleoso. Agradeceu por não poder ouvir o que ele estava pensando.

- Ministra, eu examinei as pinturas mágicas... – Susan começou, chamando a atenção para si.

- Sim, Susan, conte-nos sua idéia.

"Potter é mesmo uma toupeira!" Harry virou-se para Laura, que pensava calúnias a seu respeito. "Se, ao menos, ele entendesse que nós, gordinhas, não queremos simplesmente emagrecer... Queremos apoio, queremos ser aceitas pelo o que somos! Só isso!", ela concluiu. Ouvindo isso, Harry teve uma idéia, ou melhor, ele resolveu expor a idéia de Laura para tentar melhorar sua situação.

- Ahan... Ministra, por favor! – solicitou a palavra a Hermione. - Susan, querida, desculpe interrompê-la...

- Tudo bem, Harry. – ela disse. "Mal educado!", ela pensou.

- É que eu... mudei um pouco o escopo da minha idéia. Acho que não devemos obrigar as bruxas a emagrecerem, ou impor qualquer tipo de estereótipo. Temos que aceitá-las como elas são, todas elas.

Laura o encarou, perplexa. Hermione pareceu interessada.

- Muito bom, Harry. E você propõe?

- Ahan... – ele não tinha pensado nisso. – Que tal se aceitássemos as gordinhas nos times de Quadribol, sem preconceitos?

Desastre total. As calúnias recomeçaram.

- Bom, gente, isso foi só uma ilustração ao meu exemplo anterior... – ele tentou consertar, arrancando um sorrisinho de "É melhor você ficar quieto ou vai piorar ainda mais as coisas" de Hermione.

A reunião prosseguiu com idéias muito melhores do que as dele. As bruxas se superaram. Hermione estava muito animada com elas. Dino não abriu a boca. Quando a reunião terminou, Snape caminhou na direção de Harry a passos decididos.

- O que pensa que está aprontando dessa vez, Potter? – intimou ele, quando a Ministra e a maioria dos demais já havia saído. Sirius apenas observava de longe.

- Quem diabos você pensa que é para falar comigo assim? Meu professor? – zombou Harry.

- Vamos, diga!

- Eu não sei do que você está falando, Snape. E hoje o dia está um caos... será que Vossa Senhoria poderia me deixar em paz?

- Insolente... como o estúpido do seu pai... – Snape desdenhou.

E então aconteceu a já tradicional cena: Snape, já sem argumentos, insultava Tiago e Harry, que já não precisava de muito para se desentender com o velho ex-professor, erguia sua varinha em direção a ele, ameaçadoramente.

- Meu. Pai. Não. Era. Nenhum. Estúpido. Nem. Insolente!! Se não fosse por ele, você nem estaria aqui, seu velho fracassado!

Era a hora de Sirius intervir ou as coisas sairiam do controle de vez.

- Harry, a Ministra os dispensou. Acho que deveria ir para casa. – disse seu padrinho, com um olhar significando "Vá. Agora!" Alguns pensamentos Harry não precisava ouvir. – Snape, velha, temos reunião do Conselho. – disse a contra-gosto.

Snape encarou Harry profundamente. Ele sentiu o perigo e se esforçou para fechar sua mente o máximo possível.

- Não pense que vai conseguir esconder alguma coisa de mim, Potter! – vociferou.

Harry sorriu, sarcástico, em uma expressão de "Eu estou morrendo de medo..." Sirius, já irritado, puxou Snape para fora e os dois saíram da sala.

Harry deixou o Ministério, tentando não prestar a atenção no que as bruxas em seu caminho pensavam. Ele precisaria inventar uma desculpa para Lucy porque não tinha a menor condição de sair com ela nessa situação. Ele também tinha que conversar melhor com Rony, marcar uma espécie de encontro de reconciliação com seus velhos amigos e pensar em alguma forma de salvar sua carreira no Ministério.

Mas decidiu que sua super-audição, seu problema mais atual, deveria vir primeiro, pois já estava começando a comprometer sua saúde mental. Deveria haver alguma coisa que ele pudesse fazer sobre disso. Ele decidiu seguir o conselho de Sirius mais uma vez e ir para casa, onde poderia refletir a respeito.


- Ah, Mike, pára...

- Ah, deixa, vai...

Brenda estava deitada no sofá da sala com seu namorado, Michael, em uma, digamos, agradável batalha por território. Estavam aos beijos e carinhos quando ouviram o barulho da porta.

- A minha garotinha está em casa? – Harry chamou, abrindo a porta.

Meio segundo depois, ao ver a cena, ou melhor, ao ver sua garotinha em cena, ele derrubou os papéis que trazia e não conseguiu mexer nenhum músculo.

- Pai! Você chegou cedo! – Brenda gritou, arrumando a blusa. Michael também se ajeitou e sentou-se no sofá.

"Ai, por Merlin, que vergonha! Meu pai me pegou no maior amasso com meu namorado... O que ele vai pensar de mim agora?"

Depois de uma breve parada cardio-respiratória, Harry foi trazido de volta à realidade.

- Brenda, querida, está tudo bem. Apenas tente não pensar em nada, ok? – ele disse, respirando com dificuldade.

A garota estava à beira do choro e suas bochechas estavam vermelhas como os cabelos de sua mãe.

- Eu vou indo, Brenda... – Michael também parecia pouco à vontade.

- Eu vou com você. Não vou conseguir encará-lo agora. – ela sussurrou.

Os dois se levantaram, desajeitados e ainda se arrumando. Michael pegou um casaco verde e prateado que estivera caído no chão. Eles passaram depressa por Harry e Brenda mal conseguiu olhar para ele.

Harry sentou-se no sofá, exausto. Logo depois, lembrou-se da cena que havia acabado de presenciar e se levantou, repentinamente.

Sua garotinha, sua filhinha querida que ele mal conhecia se esfregando com um marmanjo no sofá da sala. Milhares de pensamentos vieram a sua mente. Será que ela não estava sendo forçada a nada? E o namorado dela, quem era aquele garoto? Era mais velho? Era grifinório? Será que ele era o que se convencionava um bom rapaz e cuidaria bem da sua Brenda, sua dádiva mais preciosa?

Harry sentiu-se quase patético por se preocupar tanto com sua filha e ser tão impotente ante o crescimento dela. Tudo o que desejava naquele momento era explodir aquele dia, como se ele não tivesse existido.

A maluquice de ouvir pensamentos femininos, o desastre da reunião no Ministério e o, digamos, incidente com Brenda, tudo tinha sua participação na formação de um dia particularmente fácil de se repugnar.

Ele queria mudar isso. Fazer com que os dias seguintes fossem diferentes. Nada parecia estar dando certo desde que ele se frustrara com a perda da promoção no Ministério.

Harry foi até uma salinha de seu apartamento em que Rose não podia entrar nem para arrumar. Logo, o lugar era uma bagunça só. Ali era onde ele costumava praticar novos feitiços e até se aventurar em algumas poções.

Ele sentou-se em um tapete azul e procurou em seus livros todos os feitiços que havia executado na noite anterior. Isto é, todos os de que podia se lembrar, pois ele não encontrara o pacote da Ministra e supôs que Rose havia jogado-o fora.

Para todos os feitiços de que se lembrou e para os quais encontrou referências em seus livros, ele executou os contra-feitiços, quando havia algum. Ele tentou até mesmo algumas poções contrárias às que abrira na noite passada. Felizmente, a maioria era bem comum e ele possuía quase a totalidade dos ingredientes.

Mas Harry, desde os tempos de escola, odiava poções. Uma delas ficou em um tom de azul celeste, da cor do tapete em que ele estava sentado. Era um azul tão calmo, tão quieto, tão sonolento. Ele queria ir ao encontro desse azul. Tanto que sua cabeça pendeu em sua direção e ele se deixou despencar sobre o azul do tapete. E dormiu como um anjo no céu.