O Anel de Safira
Capítulo 10
...nós saímos de dentro de casa, fomos para o quintal de trás, onde minha mãe cultivava uma pequena horta, lá o senhor havia deixado um velho cavalo marrom que puxava uma carruagem de madeira, que estava quase se decompondo.
– É nisso que vamos viajar??? – perguntei incrédula.
– Sim, suba aí atrás.
Subi contra a minha vontade na velha carruagem, o velho senhor acomodou-se no banco do guia, e saímos daquela aldeia onde eu nasci e cresci, e da qual eu nunca havia saído pra nada.
Nossa viagem foi tranqüila durante os dois dias seguintes, eu nunca havia imaginado que era tão cansativo assim viajar, talvez eu tenha me sentido mais fatigada devido àquela imensa barriga, que mal me permitia respirar. Parávamos de vez em quando, para nos alimentarmos ou para tomar um banho rápido em algum riacho que corria perto daquela estrada sem fim, eu dormi por quase todo o percurso, mas o Merlin só cochilou durante alguns minutos perto de um dos riachos enquanto eu me lavava, aquele homem era misterioso e apesar da aparência acabada, ele tinha uma força e uma resistência impressionantes.
A dor me fez acordar, eu estava toda suada, doía muito....o terceiro dia já clareava, os solavancos da carruagem faziam com que a dor aumentasse consideravelmente, eu não tive forças para gritar, ele precisava parar, eu não agüentava mais.... de repente o cavalo parou, o Merlin saiu do seu lugar e foi até a mim:
– Venha – esticava ele a mão para que eu a pegasse – A hora chegou, Morrighan finalmente voltará a este mundo! – eu dei minha mão a ele, que a segurou firmemente, desci com certa dificuldade, a dor deixou-me com as pernas bambas, e se um jovem rapaz que não sei de onde surgiu, não ajudasse o Merlin a me segurar, eu teria desabado no chão. Quando vi o jovem, fiquei curiosa, apesar de tudo, eu continuava sendo a mesma Constance curiosa de sempre, olhei ao redor e vi várias casinhas pequenas, todas mais ou menos parecidas, conclui que era uma aldeia assim como a que eu morava, só que um pouco menor.
O Merlin e o rapaz me levaram para dentro de uma daquelas casinhas, o interior dela era fresco, aconchegante e tinha um cheiro delicioso que eu não pude identificar, neste momento a dor tinha me dado uma pequena trégua, mas assim que uma moça também muito jovem, entrou no cômodo em que estávamos, a dor voltou, só que desta vez muito mais intensa. Eu dei um grito e logo a mocinha correu em minha direção e com a ajuda dos outros, me levou para um quartinho onde havia uma cama com lençóis brancos, eles me deitaram lá, depois todos saíram, me deixando sozinha. Minutos depois a moça entrou com uns panos e uma bacia com água, a partir daí, eu só lembro que a minha dor piorava a cada instante e que a mocinha dizia-me palavras de conforto e me ajudava a fazer força.... depois de quase estar esgotada de tanto cansaço, finalmente eu ouvi um ruído, que se parecia mais com o miar de um gato do que com o choro de uma criança.
– Aqui está sua menininha, ela é linda, veja. – ela ia colocar a criança que estava toda enrolada em panos brancos em meus braços, mas vendo a minha recusa, ela recuou com ar surpreso.
– Entregue para o velho, eu não quero essa menina. – o que era apenas uma repulsa, agora se transformara em ódio, eu odiava aquela criança, por culpa dela eu tinha perdido meus pais, eu perdi minha paz, sofri com dores durante horas.... por que deveria amá-la ou pegá-la nos braços?
Nesse momento o Merlin entrou no quarto:
– Temos que sair daqui imediatamente, eles já devem estar sabendo do nascimento de Morrighan e vão vir atrás dela. Você já pode se levantar? – perguntou-me. Eu estava morta de cansaço, mas não podia parecer fraca na frente daquele senhor que era tão forte apesar da idade.
– Estou bem sim, já podemos ir. – Eu me levantei com a ajuda da moça que nos olhava assustada, era óbvio que nem ela e nem o rapaz sabiam do que estava acontecendo.
– Mas é muito perigoso saírem assim com um bebê recém nascido num temporal desses!
Com toda aquela perturbação pela qual eu passei acabei nem percebendo que chovia fortemente.
– Não temos tempo a perder, temos que ir agora, a Deusa nos protegerá e não permitirá que mal algum aconteça com uma de suas melhores discípulas. – dizendo isso, ele pegou a menina e fez um gesto para que os outros me ajudassem a ir até a carruagem sem me molhar muito. Entrei na carruagem, apenas a barra do meu comprido vestido havia molhado, o Merlin me ofereceu algo, no começo nem percebi, depois vi que era o bebê embrulhado em muitos panos brancos, ele percebeu que eu evitei tocá-lo, então me disse:
– Eu não posso levá-la comigo lá fora, faça esse favor para mim, segure-a durante a viagem, depois você irá entregá-la a mim e nunca mais precisará tocá-la novamente. – eu hesitei por uns instantes e depois peguei a criança. Ele voltou para seu posto e a carruagem começou a andar debaixo do temporal.
Eu me recusei a olhar para aquele rostinho durante horas, só depois que ela começou a chorar foi que eu a olhei, ela me olhava com aqueles grandes olhos verdes, como se estivesse me cobrando algo ou me culpando por alguma coisa, eu não conseguia definir o que era que aqueles olhos me diziam, depois pensei melhor e achei que estava ficando maluca, ela era apenas um bebê recém nascido e mal tinha sentimentos. Ela chorava cada vez mais alto, eu não sabia o que fazer e aquele choro já estava me irritando, resolvi então pedir socorro:
– Ei – gritei pelo Merlin que se virou para mim. – O que eu faço para fazê-la parar de chorar?
– Tente amamentá-la. – respondeu ele simplesmente.
Eu não tinha intenção nenhuma de dar de mamar a ela, mas para vê-la calada eu faria tudo, até mesmo isso, tirei um dos meus seios pra fora e coloquei dentro daquela pequena boquinha que o sugou famintamente, a partir daí eu dei de mamar para ela sempre que chorava.
Mais dois dias de viagem, só no fim do segundo dia foi que a chuva cessou, cheguei a pensar que estávamos perdidos, mas provavelmente não, o Merlin parecia conhecer bem aqueles lugares, apesar da estrada parecer sempre a mesma, de barro e com árvores dos dois lados. Eu estava quase dormindo com a pequena Marguerite no colo, o Merlin me pediu para escolher algum nome para o bebê, pois não poderiam chamá-la de Morrighan, então eu escolhi Marguerite, que era o nome de minha avó materna, depois que eu escolhi o nome, o Merlin apareceu com um pequeno lenço com o nome bordado com fios de ouro e junto com ele uma pequena caixinha de madeira.
– Tome isso, pertence a Morrighan.... Marguerite – corrigiu ele me entregando o lenço e a caixinha que eu abri e me deparei com um belíssimo anel com uma pedra azulada. – É uma safira. – explicou ele. – A pedra preferida de Morrighan. Este anel terá sempre que estar junto com Marguerite, pois pertence somente a ela, é o símbolo de Morrighan.
– Mas é o senhor que vai ficar com ela, então por que está me entregando isso?
– Nunca sabemos como vamos acordar amanhã e nem como será nosso dia, então será melhor que você fique com isso, quando chegarmos em Avalon você o entrega para a atual Senhora do Lago, que é quem irá educar e treinar sua filha para no futuro tornar-se a nova Senhora do Lago. – eu não entendi nada, mas também não fazia a mínima questão de entender, guardei a caixinha na bolsinha que carregava na cintura e o lencinho eu amarrei no bracinho do Marguerite.
O chacoalhar da carruagem não me deixava dormir e Marguerite estava inquieta, eu já estava ficando nervosa quando ouvi o barulho de cascos de cavalos correndo atrás de nós, percebi que o Merlin tentava fazer seu velho cavalo correr mais do que podia, depois vi três cavaleiros com capas marrons que lhe cobriam todo o corpo, obrigar o cavalo do Merlin parar, eles trocaram algumas palavras que eu não podia ouvir mas fiquei atenta pois percebi que tinha alguma coisa estranha. De repente um dos cavaleiros tira não sei de onde, uma espada enorme e a crava no peito do velho Merlin que cai imediatamente no chão, vendo aquela cena, eu tentei pensar rápido em algum modo de escapar, foi então que eu percebi que uma das madeiras da lateral da carruagem estava quase solta, eu a tirei do lugar facilmente e passei por ali sem muitos problemas, mas tentando fazer o mínimo de barulho possível, saí de lá com a pequena Marguerite no colo sem que os cavaleiros nos vissem, entrei nos meios das árvores, mas um deles percebeu e começaram a correr atrás de mim, que apesar de fraca, corria ligeiramente.
Percebi que logo a minha frente havia um buraco com mais ou menos um metro de profundidade, pulei lá dentro e me abaixei, a pequena Marguerite me olhava assustada, mas não fez nenhum barulho quando aqueles homens passaram a poucos metros de nosso esconderijo, percebi naquele momento que Marguerite sabia muito bem a hora que deveria ficar quietinha, era um bebê esperto.
Poucos minutos depois, percebi que eles haviam desistido, então voltei e me sentei na beira da estrada, talvez alguém passasse ali e nos desse uma carona, mas agora eu ia ter que ficar com a garota até encontrar alguém da tal de Avalon que a levasse para lá como o Merlin queria.
Eu estava sentada com Marguerite no colo, tive a idéia de colocar em seu pescoço uma das correntinhas de meus pais, quem sabe também o destino não nos separaria como fez com ela e com o Merlin, aí então se meus pais a encontrassem, ficariam com ela, eles poderiam perder uma filha mas ganhariam uma neta. De repente vi um pequeno roedor passar bem perto de mim e entrar no meio das árvores, não pensei duas vezes, com a fome que estava não podia desperdiçar uma comida daquelas, coloquei Marguerite no chão e fui ao encalço do pequeno animal, ele corria muito mas eu também corri, porém logo desisti, estava muito fraca e tinha que voltar, mas quando estava quase chegando ao local onde deixei Marguerite, ouvi um barulho de cascos de cavalos e as rodas de uma carruagem puxada por eles, parei para ver de longe, a carruagem parou bem perto de onde eu havia deixado Marguerite, um senhor bem vestido desceu dela e ficou olhando curioso, depois se abaixou, pegou a menina e entrou de volta na carruagem com minha filha nos braços....
CONTINUA...
