O Caminho das Pedras

- Pelo jeito, você a liberou mais cedo, hoje.

- É.

- Vamos almoçar ?

- Não.

Monossílabos podiam ser indicativos de duas coisas : raiva cega ou concentração total. E a respiração do amante rodeado de livros deu-lhe a resposta correta. A moça tinha acertado em algo.

- O que ela descobriu ?

- O elemento estabilizador.Talvez.

- Hummmm... Papaver somniferum, mesmo ?

- Não.

- Sev... não quero incomodar, mas quero ajudar. Preciso.

- Sei.

- Então, amado... fale.

Só uma palavra, por favor, ou eu vou explodir e vai ficar pior AINDA essa dor de cabeça.

- Cristais.

- Hum ?

- Cristais. A imagem mental dela era um quartzo.

- Humm... qual ?

- É o que estava vendo, antes de você me interromper. Accio Minera Mágica.

"Clivagem

Propriedade que tem uma substância cristalina em dividir-se em planos paralelos. Ela se dá graças à estrutura íntima do respectivo mineral. Os planos de clivagem são sempre paralelos a uma face possível do cristal. Pode ocorrer uma clivagem segundo uma ou mais direções.

Polimorfismo - É a qualidade do mineral de ser polimorfo, isto é, quando diferentes minerais possuem a mesma composição química, mas formas cristalinas diferentes, tendo, portanto, muitas outras propriedades físicas e químicas diferentes.O exemplo mias comum é do Carbono.

Quartzo Rosa - O cristal mestre dos curadores : liberta sentimentos como medo, angústia, culpa. Equilibra as partes emocionais, ótimo para quem tem medo de mostrar suas emoções."

E não é que a menina pode estar certa ?

- Sev, estou cansado... muito - E sem outra palavra,desmaiou pesadamente no chão, o corpo todo tremendo.

- Remus !!! Enervate !

Nada.

ENERVATE !!!

Movimento da cabeça, pouco e indeciso...o tremor não ia embora.

- Me deixe... descansar... quieto. Cabeça dói...muito.

- Dói, ou lateja ?

- Lateja.

Não agora... Merlin, não agora. Eu preciso de tempo !

- Fique quieto, já volto.

- NÃO ! Não... sozinho. Não... sei se agüento.

- Está difícil... ficar ?

- Muito.

- Lucrécia, aqui ! Ache a Senhorita Silva e o Senhor Malfoy. Traga-os aqui.

Célere, a coruja negra bate energicamente as asas atrás dos estudantes.

- Albus... Poppy...o fio de voz que saiu quase deixou ininteligíveis as palavras, Snape sabia a força que Remus estava fazendo para permanecer ali, sabia que sua mente ameaçava deixá-lo... A última vez durara dias, e só ele sabia como tinha sido difícil trazê-lo de volta. Nem Pomfey acreditava que ele iria conseguir retornar daquela vez.

- Não é mais hora de paliativos, Rem. E abraçando carinhosamente a razão de sua vida, Severus aparatou para a enfermaria.

xoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxo

- Deixe-o descansar, Severus ! Preciso examiná-lo direito !

- Logo.

- Agora, por Merlin !

- Não !

Acho que estão unidos há tempo demais : nunca sei quem é o lobo, do jeito como se defendem quando juntos.Ele vai sofrer demais... ele já sofreu tanto, vai sofrer mais ainda - pensava Pomfey, enquando ministrava rapidamente várias poções a Remus, largado na cama sem parar de tremer mas firmemente abraçado por Severus, que insistia em ele mesmo fazê-lo beber.

- Aumente a dosagem da Energetia.

- Severus, a medibruxa sou eu !

- Inferno Sangrento, mulher, então traga-o de volta ! AGORA !

- Severus, calma. Ele precisa do seu discernimento agora, não de sua paixão.

A cabeça voltada em direção daquela voz como prestes a disparar uma maldição, o olhar febril encontrou os olhos azuis do Diretor e fuzilou-o sem piedade, mas este era forte o suficiente para sustentá-lo... e fazê-lo voltar à razão. Ele está fora de si... não vai conseguir sozinho. E Remus parece que já não está mais conosco.Aconteceu.

- Calma, Severus. Deixe-o descansar e vá fazer o que precisa. Vou chamar seus auxiliares.

- Auxiliares ?

- Malfoy e Silva.

- Já chamei meus orientandos, devem estar agora no laboratório.

- Ótimo. Ficarei aqui, e...

- Qualquer alteração no quadro, me avise. Não era um pedido.

Nunca o flutuar dos robes foi tão dolorosamente sublime. Podia estar vazio por dentro, mas externamente morreria lutando .

xoxoxoxoxoxoxoxox

- Malfoy, faça uma Mata-cão. Silva, uma morto-vivo em triplicata. Melhor, tres caldeirões de Morto-Vivo, uma delas com Albus Aconitum Anthora.

- Sim, professor.

- Onde ficam as coisas, aqui, Malfoy ?

- Ainda não sabe, Silva ? Pensei que estivesse mais adiantada nas coisas do professor...

- Mas não estou. Onde, Malfoy ?

- Venha. Aqui.

- Obrigada.

Um olhar de soslaio ao professor debruçado sobre um livro (Minera Magica) que anotava freneticamente algumas coisas deu a ambos idéia do que estava acontecendo. Era evidente que algo estava muito errado, e o tipo de poções que ele tinha mandado fazer davam uma pista do que se tratava : Remus tinha piorado, e muito. E Snape não tinha mais tempo de ser consistente.

- Silva, fale sobre cristais.

- O que, professor ?

- Sua tese sobre os malditos cristais, mulher ! Como podem ser usados ?

- Não consegui ainda achar o meio adequado, professor, triturar para incluir na poção está...

- Malfoy, já descobriu a quantidade correta de Papaver ?

- Estou trabalhando nisso, professor.

- Não temos mais tempo de pesquisa, não temos mais.. não temos.

Fosse a dor desenhada naquele rosto, fosse o desespero com que Malfoy pilava a maldita papoula, fosse a tristeza palpável que a última frase do Snape deixou no ambiente... aquilo foi me deixando tão impotente, tão inequivocamente humana e falível que me recolhi ao meu passado, enquanto automaticamente meu corpo preparava as poções pedidas . Repassei na mente meu primeiro encontro com Remus, a ternura que o envolvia, seu jeito calmo de explicar sua tese, sua suavidade em me acalmar logo depois de ter saído daquele exame horroroso, a lembrança da Pedra de Roseta.... pedra. Dura. Concreta. Resistente. Mas, permeável...

- ACHEI !

- O que, Senhorita Silva ?

- Não é excipiente, é recipiente ! Não é para ser anexada, é para congregar !

- Será que consegue ser mais clara, Gracinha ?

Mas nem nessa hora Malfoy deixaria de ser chato ?

- Cristais. Ele deve ser mergulhado na poção, é poroso, e usado pela pessoa, não ingerido. Só assim mantém a estrutura molecular necessária de estabilizar o preparado !

Poços negros de amargura me fitavam de um lado, poços cinzentos de escárnio de outro : Malfoy eu sabia que era lento, mas Snape... era dor demais, o homem não conseguia mais pensar e raciocinar.

- Faça.

- Professor, será que isso está... certo ? É meio... empírico...

- Tem outra sugestão, Malfoy ?

- Não.

- Então faça. E coloque 12 gotas de extrato de Papaver nessa Mata-Cão.

Bom, quem tem a perder é ele... eu só tenho a ganhar. Nem vou precisar mais errar "sem querer" na Mata-Cão.Tudo válido, tudo legal, tudo...oficial. Graças a essa brasileirinha maluca.Ele só se esqueceu de um pequenino detalhe...

- Silva ! Silvo de trovões aveludados ribombando pela sala, mesmo na dor sempre presente o veludo. E a serpente.

- Sim ?

- Onde conseguir o famigerado cristal ?

- Já está aqui.

Merde! pensou Malfoy quase esmagando o dedo.Mas não vai dar certo... é loucura demais.

E eu puxei minha corrente, com sua jóia mais preciosa aninhada em meu peito : o cristal de quartzo rosa que meu querido professor Astolfo tinha dado há um tempo que agora parecia tão, tão distante... o mais puro que ele achara, que ele mesmo desencravara da montanha, o melhor de todos.E era meu. Mas...aquele amor merecia isso. Mal vi o trajeto de Snape, até tê-lo à minha frente observando o cristal com um misto de expectativa e reverência, se aproximando mais... e mais... até sussurar quase tocando meu rosto, enquanto pegava o cristal quente nos dedos :

- Obrigado, menina. Se algo der errado... cuide dele por mim.

Não entendi. Mas calmamente tirei minha corrente e entreguei o que tinha de melhor àquele homem cansado. Mas - enfim - com um olhar novamente brilhante.

xoxoxoxoxoxoxox

O nome da coruja (antes de alguém mais me perguntar) Lucrécia,é uma modesta homenagem a Lucrécia Bórgia, família famosa por matar aos inimigos - e até a alguns membros do próprio clã Bórgia - com venenos fortíssimos, e indetectáveis.

Papaver somniferum é nossa querida e amada papoula (Poppy em inglês), presente no teste da Gracinha e do Malfoy, lá no primeiro capítulo. Veneno dos bons, também. :)

Bom, como tem algumas pessoas me perguntando sobre os títulos estranhos que eu coloco nos capítulos, então vai : Caminho das Pedras, além do que salta aos olhos que é aquele caminho onde alguém indica algo que facilita o trajeto do primeiro, é também referência às Pedras Brasileiras, que foram inseridas aqui porque muitas pessoas místicas falam sobre cristais com propriedades mágicas. Acho que é deixar algo de lado somente tratar com o reino vegetal, animal e mágico quando ainda tem tanta coisa boa no reino mineral para a magia. Além do que, o significado de pedra é solidez, conhecimento e sabedoria, é a base sólida na qual se firmam as coisas para poder prosseguir. E ainda pedras como os cristais mostram a possibilidade de algo sólido tornar-se translúcido, já li que "cristais são lágrimas da deusa do fogo aprisionadas numa forma que permita aos humanos tocarem a divindade"...E como todos os demais, as pedras também são um dos caminhos (do) possíveis para alcançar essa mesma divindade :)

Queria agradecer as reviews, está sendo delicioso escrever essa fic com toda essa "prosa" que começa via reviews, e segue via email : vocês me dão forças e alento (e idéias !) para continuar essa maratona de loucura venenosa. Obrigada pelo carinho !