Duo POV

Heero estava nervoso, eu podia ver isso. Claro, que sendo Heero era difícil perceber esse fato. Mas eram as pequenas pistas que indicavam que ele estava nervoso. O modo como ele fechava e abria a mão constantemente, ou como ele ficava apoiando o peso do corpo em uma perna ou outra, tentado a começar a caminhar pelo altar, enquanto Relena vinham pelo tapete vermelho a passos lentos e toda sorriso.

Ela estava linda. Realmente linda. Não me levem a mal. Relena é uma grande amiga e nada mais, mas eu não sou idiota de não admitir que ela brilhava com uma luz própria enquanto caminhava em direção a Heero. E eu tinha que admitir que estava com um pouco de inveja pela felicidade deles. Mas só um pouquinho. Eu tinha Hilde, quero dizer, quando eu voltasse para o meu ferro velho em L2 Hilde estaria lá esperando. Mas não, ela não é a minha namorada. Amo aquela garota, com certeza. Mas ela é apenas uma irmã para mim e nada mais. E ela sabe disso.

Agora os noivos estavam no altar em frente ao padre, começando a recitar os votos. Outra pontada de inveja dentro de mim, junto com outra coisa que eu preferia ignorar ou esquecer. Ciúmes. Eu estava com ciúmes… de Relena. Isso era ridículo, eu não tinha motivos para ter ciúmes dela. Não até noite passada…

Argh! Tire isso da cabeça Maxwell, isso é ridículo. Vocês estavam bêbados, você não se lembra do que aconteceu… o que é uma mentira deslavada. As lembranças estavam voltando a cada segundo que eu via os noivos trocando juras de amor no altar. Eu via um Heero carinhoso, apesar de bêbado, sobre mim, murmurando doces tolices no meu ouvido, dizendo como eu era perfeito, como eu era lindo e essas coisas bobas que você diz quando apaixonado… ou quando não está ciente do que está fazendo. E esses malditos fragmentos de memória estavam despertando algo desconhecido dentro de mim. E isso era irritante.

Até noite passada Heero não era nada mais do que um amigo, aquele para quem eu sempre corria quando precisava de ajuda. O único, na verdade, a quem eu sempre recorria quando precisava de ajuda. Sim, os outros pilotos também são meus amigos, mas com Heero… sei lá. Eu sempre senti uma certa sintonia entre nós dois. E a noite passada pareceu aprofundar essa sintonia e acordar algo que não existia dentro de mim… e agora eu estou confuso. Eu deveria estar feliz por Heero estar se casando… e eu estou feliz… mas não completamente feliz como estava ontem. Agora algo mudou. A felicidade ainda está lá, mas acompanhada de uma certa melancolia. O que significava isso? Significa que eu gosto de Heero? Tolice! Claro que eu gosto do Heero… ele é o meu amigo… ele é o meu irmão. Mas a minha pele ainda formiga ao me lembrar vagamente dos toques dele e de como os nossos corpos se tornaram um…

Merda! Eu não quero pensar nisso, eu não tenho que pensar nisso. Porque isso é ridículo. Eu apenas estou confuso. Pombas, a minha primeira vez foi com o meu melhor amigo. Me chamem de careta, mas eu esperava me entregar para alguém especial na minha primeira vez… e esperava estar sóbrio para fazer isso. É, é isso! Só estou chateado por meus planos terem ido pro ralo. Só isso. Eu estou feliz… eu estou feliz por Heero estar se casando, eu estou feliz pelos meus amigos estarem tomando rumos na vida. Eu estou feliz pela morte do soldado perfeito e o nascimento de um ser humano…

Eu estou me sentindo um lixo porque apesar disso tudo… quem está se sentindo perdido agora sou eu. Eu queria a paz, sim… mas essa era a vida que eu queria depois da paz? Viver administrando um ferro velho com restos de Móbiles Suits, lembranças de guerra? Ver meus amigos arrumando companhias, se casando, enquanto o que eu tenho me esperando em casa é uma cama de solteiro e um apartamento vazio? Maldita inveja… mas ela passa, com certeza passa.

-As alianças por favor? – uma voz ecoou muito longe em minha mente confusa.

-Duo? – senti uma cutucada em meu braço e ergui os olhos para ver Heero e Relena olhando estranhamente para mim. Pisquei. O que foi? –As alianças.

-Ah! – disse debilmente. Claro, as alianças. Dei um sorriso bobo para eles e catei dentro do meu bolso a caixinha onde estavam as alianças. Com outro sorriso, entreguei os anéis a Heero, que me deu um pequeno sorriso de volta. Senti uma pontada no coração quando eu o vi deslizar o anel pelo dedo de Relena, e vice e versa. O que era isso afinal? Eu já não entendia mais nada… eu já não entendia a mim mesmo.

Depois disso os votos foram trocados e o padre os declarou casados. Os noivos saíram da igreja sob uma chuva de arroz e entraram na limusine que os esperava, indo para o salão de festas. Ainda fiquei na porta de igreja, enquanto via os convidados se debandarem para os seus carros para a festa, até que Trowa apareceu do meu lado.

-Algo errado Duo? – disse, segurando em meu cotovelo para me tirar da escadaria da igreja, agora vazia, e me levando até o meu carro.

-Não! Claro que não! – dei meu famoso sorriso bobo, aquela que dizia que o mundo poderia estar ruindo mas eu estava legal. Mas parece que ele não comprou isso. Aqueles olhos verdes ficaram me encarando com uma intensidade impressionante. Não era a toa que Quatre tinha caído nos encantos daqueles olhos, eles eram bonitos. Sim, Quatre! Acha que eu sou cego para não perceber a química rolando entre eles dois? Acho que apenas eles mesmos não vêem isso. Essa história de que são apenas bons amigos não cola muito não. Até mesmo o Wufei já está ficando frustrado com esse chove e não molha.

-Sei… - não gostei do tom da voz dele. É como se ele soubesse algo sobre mim que eu não sabia. –Vai ficar tudo bem Duo, acredite. – e ele sumiu tão rápido quanto apareceu, entrando no carro com que tinha vindo com o Quatre. Ainda fiquei um bom tempo parado lá como uma estátua, tentando compreender o que ele havia dito. Como assim vai ficar tudo bem? Do que ele estava falando? Será que ele tinha percebido que eu estava um pouco… perdido por aqui? Bem… melhor eu ir. O lugar estava ficando vazio eu tinha uma festa me esperando… e um discurso a fazer para os recém-casados. E, estranhamente, eu tinha a sensação de que isso não seria nada bom.

E realmente não foi. Não, não quero dizer que eu falei um monte de besteiras, claro que não. Meu discurso foi lindo, porque fez Heero sorrir, Relena chorar de emoção e me abraçar forte agradecendo pelas palavras, e os outros convidados me aplaudirem. O que eu estou dizendo é que para mim foi uma porcaria. A cada palavra que eu pronunciava para o novo casal, era como se uma farpa entrasse no meu coração, e eu passei a festa inteira com a sensação de algo entalado em minha garganta. E vez ou outra eu sempre recebia olhares furtivos de Trowa, como se ele conseguisse ler a minha mente… a minha alma. Bem, mas agora é tarde. Há essa hora os pombinhos devem estar aproveitando a lua-de-mel, enquanto eu vejo o espaço pela janela em meu caminho para L2. Para o meu ferro velho e o meu apartamento vazio.

Tremi um pouco, pois eu tenho a estranha sensação de que a história não termina por aí. As lembranças da noite que eu passei com Heero ainda estão gravadas em minha mente e a cada hora ficando mais claras. E às vezes eu me pergunto se parte do acontecido não foi criado pelo meu subconsciente para poder preencher o espaço em branco, já que o meu lado soldado não admitia essa falha na memória, ou se era outra coisa mais profunda. Algo vindo de meu coração dolorido. Eu realmente não sei. Só sei que junto com os pedaços desse quebra cabeça, algo ficava martelando no meu cérebro. Algo que somente agora eu me lembrei. Palavras que o Doutor G me disse na época em que eu estava em treinamento para ser um piloto Gundam.

"Escute garoto, se alguma vez você resolver dormir com outro homem, nunca, mas nunca mesmo fique por baixo. E se por acaso você ficar, venha correndo falar comigo, está me ouvindo?"

Claro que não época eu não o entendi e o ignorei. Primeiro porque achava absurdo que eu fosse dormir com um garoto, mesmo que hipoteticamente. Segundo porque a minha vida amorosa e sexual não interessava a aquele maníaco. Contudo, agora eu não consigo esquecer essas palavras, e continuo não as entendendo. Mas agora não posso ignorá-las. O que aquele louco fez comigo para pode me dar esse tipo de advertência? Porque eu sei que pouca coisa não foi. Afinal, Heero não foi o único brinquedinho de teste nessa guerra. G também me fez de cobaia por muitas vezes… mas eu confesso que como nunca apresentei nenhuma reação fora do comum para o que ele tenha feito comigo, enquanto eu estava consciente ou inconsciente, não me importei com isso. Mas agora… agora eu estranhamente me importo.

E isso não é nada bom.