Hilde POV
Isso era loucura. Se o meu supervisor souber que eu estou usando aparelhos do hospital, sem autorização, para uso privado, ele me expulsaria daqui em dois tempos. Mas eu tinha que fazer isso, por Duo. O rapaz que nesse momento estava em um dos quartos do hospital, em um estado de nervos que eu nunca vi, falando coisas totalmente sem nexo. Bem, melhor explicar isso direito.
Eu estava me aprontando para ir para o hospital onde eu faço residência como enfermeira, quando Duo apareceu na minha porta – nós moramos no mesmo prédio, apenas em andares diferentes – não falando coisa com coisa. Dizendo que tinha algo vivo dentro dele, que havia dois corações e coisa do gênero. Claro que não entendi nada e cheguei a considerar seriamente em perguntar para ele se ele havia bebido alguma coisa, já que ultimamente ele anda com uns hábitos alimentares estranhos. Mas era muito cedo e para mim ele não parecia bêbado mais sim… apavorado. Por isso, o mandei trocar de roupa e rumamos para o hospital onde eu trabalho.
Foi um pouco difícil passar desapercebido, mas tivemos a sorte que a àquela hora da manhã o hospital estava vazio. Muitos pacientes estavam dormindo, poucos eram os casos que chegavam cedo e muitos médicos estavam saindo de seus plantões. Situação perfeita para pegar uma máquina de ultra-som na obstetrícia e saber o que Duo tanto balbuciava sobre o seu ventre.
-Duo? – entrei no quarto onde eu o tinha deixado. Aquela área somente era utilizada para pacientes em observação. Sabe, aquele paciente que por exemplo bate a cabeça e o médico pede para ele passar a noite em observação caso tenha uma concussão? Pois é. E era por isso que os quartos sempre estavam vazios.
-Hilde. – a voz dele estava trêmula, e confesso que até eu mesma estava começando a ficar com medo sobre o que iríamos encontrar.
-Levante a camisa Duo, preciso ver o que há de errado dentro do seu ventre. – falei em um tom profissional. Tinha que mostrar firmeza e força para dar uma certa segurança a ele. Rapidamente ele me obedeceu, levantando a camisa e deitando-se na cama. Levei a máquina para o lado da cama e passei o gel para o aparelho deslizar melhor sobre a pele dele. Liguei a máquina e comecei o exame. Aparentemente o estômago dele não apresentava nada de anormal. Desci um pouco mais o leitor, os outros órgãos também pareciam normais. Continuei o exame, quando algo estranho começou a surgir na tela. Os órgãos de Duo pareciam normais mas… eles estavam fora do lugar. Como se tivessem sido deslocados para abrir espaço para alguma outra coisa.
Desci ainda mais o leitor e arregalei os olhos, tomando o cuidado em esconder a minha expressão de Duo. Havia algo sim dentro do ventre dele. E esse algo tinha um coração, e dois braços, uma cabeça, um corpo se formando… Havia um bebê dentro de Duo!
Desliguei o aparelho e rapidamente me virei, como se estivesse ajustando algo na máquina. Na verdade eu estava tentando processar a descoberta e contar isso para Duo. Se eu estava chocada com a novidade, com certeza ele ficaria histérico.
-Hilde? – droga, a voz dele estava tão desesperada e assustada, que eu fui obrigada a olhar de volta para ele, apenas para me arrepender depois. Ele parecia um menininho perdido e com medo. E eu não o culpava, não agora que a gente sabe da verdade. Quero dizer, eu sei da verdade, apenas não sei como vou contar e ele. Não é todo dia que você chega para um homem e diz: parabéns, você está grávido!
-Sim Duo? – tentei parecer calma mas sei que falhei miseravelmente.
-O que eu tenho? – merda, por que eu?
-Duo… - certo, vamos começar pela parte lógica da situação. Porque a não ser que tenha o dedo de Deus nesse milagre, sim, milagre, porque pelo que eu vi no monitor Duo está entrando no quarto mês de gestação. Mas, a não ser que tenha o dedo de Deus nisso, tem o dedo dos homens. Melhor dizendo, do homem. Dr. G. –Doutor G por acaso fez alguma experiência fora do comum em você? – ele piscou, abriu a boca para dizer alguma coisa, mas depois se calou.
-Bem… não quando eu estava consciente. Às vezes ele me apagava porque queria fazer alguns testes comigo inconsciente… mas… por quê? – o olhei de cima a baixo. Principalmente o ventre proeminente. Fiz uma inspeção mais detalhada na área, com os olhos, quando vi uma pequena marca na altura da bacia de Duo, do lado direito.
-Onde você conseguiu isso? – perguntei a ele, apontando para a cicatriz. Ele seguiu o meu dedo e olhou para a marca, dando de ombros, indicando claramente que não sabia.
-Hilde. – o tom dele de assustado agora estava ficando impaciente. Ele sabia que eu estava mudando muito de assunto. –O que diabos eu tenho?
-Duo… - droga… não há palavras para amenizar essa situação. De uma maneira ou de outra, não importa como você diga, ainda vai ser chocante. -… você está esperando um bebê.
Duo POV
Eu ri. Eu tive que rir. Na verdade não ri, eu gargalhei. Essa era a coisa mais absurda que eu já tinha ouvido. Eu? Esperando um bebê? Okay. Será que Hilde andou brincando com os remédios do hospital para ver se viajava um pouco? Não, ela não é disso. Ou então ela está fazendo uma piadinha com a minha cara para poder aliviar o pior.
Quando eu consegui parar de gargalhar, eu olhei para ela, esperando um sorriso ou um olhar divertido, mas tudo o que vi lá foi tristeza e seriedade. Ela não poderia estar falando sério não é mesmo? Isso é… biologicamente, fisicamente, humanamente impossível. Eu não poderia estar… grávido. Homens não ficam grávidos!
Agora de bem humorado eu estava ficando desesperado. Grávido? Isso era ridículo, isso era uma piada, isso era um pesadelo. Para começo de conversa, como esse bebê foi parar dentro de mim? Melhor, de onde surgiu estrutura no meu corpo para abrigar essa criança? Até a última vez que eu chequei, quando fui no banheiro ontem à noite, eu ainda fazia xixi em pé e ainda tinha todos os equipamentos necessários para na minha certidão de nascimento, se é que eu tenho isso, estar carimbado: sexo – masculino.
-Não brinque comigo Hilde, porque isso não tem graça. – grunhi e coloquei a minha camisa de volta, pronto para ir embora dali. Eu odeio hospitais.
-Eu não estou brincando. – Hilde me empurrou de volta para a cama, com uma firmeza que eu nunca vi nela. –Eu sei que é totalmente ilógico, mas não é impossível. E eu tenho a leve desconfiança de que G fez muito mais do que treinar você para ser um piloto Gundam.
G? E novamente a mesma frase de meses atrás veio a minha mente:
"Escute garoto, se alguma vez você resolver dormir com outro homem, nunca, mas nunca mesmo fique por baixo. E se por acaso você ficar, venha correndo falar comigo, está me ouvindo?"
Foi então que tudo começou a se encaixar como em um grande e doentio quebra cabeças. E foi aí que eu fiz algo que não faço há anos. Eu chorei. Chorei como nunca tinha chorado em toda a minha vida. Eu chorei por G, pelo ódio que eu estava sentindo dele, eu chorei por mim, pela aberração que eu me tornei, eu chorei por essa criança, que apesar de tudo não tinha nada a ver com a mente louca de um homem. Eu chorei por Heero, quando eu finalmente percebi que esse bebê não tinha surgido do nada. E que havia um pouco do japonês crescendo dentro de mim.
-Deus, Duo! – Hilde me abraçou e eu escondi o meu rosto entre os braços dela. Quando eu pensei que teria uma vida normal, acontece isso e meu mundo vira de pernas para o ar. Ficamos assim por uma hora mais ou menos, até que as minhas lágrimas finalmente secaram e ela separou-se de mim. –Duo? – o tom da voz dela era preocupado e isso me preocupou também.
-O quê?
-Duo… se você está realmente grávido, você vai precisar de acompanhamento médico. Isso pode ser arriscado. Aliás, eu nem sei como você durou esses quatro meses, porque nas minhas contas a gestação está entrando no quarto mês, sem um pré-natal. – acompanhamento médico? Não! Eu não podia. Se alguém descobrisse… se o mundo descobrisse sobre esse bebê… eu viraria um rato de laboratório. Médicos e cientistas do mundo inteiro iriam querer saber como esse milagre ocorreu, e o meu filho, ou filha, iria ser estudado, dissecado e avaliado da cabeça aos pés como um mero objeto. E isso eu não poderia permitir. Era uma vida… minha vida. Pela primeira vez em anos eu não trazia a morte, mas sim a vida, e eu não iria deixar ninguém tirá-la de mim.
-Não Hilde! – segurei os braços dela com força. Eu tinha que fazê-la entender que procurar um médico não era uma opção. –Se descobrirem sobre essa criança… imagina o que pode acontecer? – ela ficou me olhando por um tempo, considerando as opções. Hilde era uma mulher inteligente, com certeza chegaria à mesma linha de raciocínio que eu.
-Mas Duo… é arriscado… mas é mais arriscado ainda você seguir com essa gravidez sem um acompanhamento.
-Mas eu tenho um acompanhamento. Eu tenho você. Faltam poucos meses para você se formar, Hilde. Você pode me ajudar.
-Duo! – ela se soltou bruscamente. –Não posso fazer isso. Sou apenas uma enfermeira, eu não tenho treinamento médico suficiente para poder fazer isso.
-Você é a única pessoa que eu tenho, Hilde. – eu via a incerteza nos olhos dela. Por um lado ela queria me ajudar, pois sabia os riscos que seria se o mundo descobrisse sobre essa criança. Por outro lado ela tinha medo, medo de falhar e de colocar a minha vida em risco. Mas ela não sabia, que não importava o futuro que isso nos reservasse, eu estava disposto a arriscar.
Vi a batalha interna que ela estava travando, transparecer nos olhos dela. Até que, finalmente, ela cedeu. E foi assim que começou o nosso pequeno jogo de segredos e mentiras.
