Duo POV

Sabe aqueles dias em que você acorda mas deseja nunca ter feito isso? Pois é. Esse era um desses dias. Eu estava no oitavo mês de gravidez. Estava inchado, estava cansado, não comia nada de bom nos últimos três meses. Minha glicose ainda estava instável e, para piorar, na última semana descobrimos que eu estava começando a apresentar um quadro de hipertensão.

Hilde, por mais que aparentasse calma, estava em um estado de nervos. Diabos, eu estava em um estado de nervos! Nervoso por causa das complicações dessa gravidez. Nervoso porque a cada dia que passa chega o dia em que serei pai. Nervoso por causa do parto. Paranóico com medo de que um dia eu acorde e alguém bata na minha porta, dizendo que vai levar o meu filho de mim para experiências. Ou que Heero apareça, dizendo que vai levar meu filho para ele criar.

É, eu sei, isso é ridículo. Heero provavelmente nem sabe se eu ainda existo, mas mesmo assim isso não me impede de ter esses pesadelos, onde eu estou segurando um bebê nos braços e ele aparece, o levando embora. Pesadelos esses que começaram no dia em que eu vi no noticiário, em um show de fofocas, que Relena tinha perdido o bebê deles.

Confesso que fiquei triste por ela, fiquei mesmo, pois sei o que ela está sentindo. Hipoteticamente, graças a Deus! Mas isso só fez aumentar o meu medo. Quero dizer, acho que já falei que faz uns meses que eu fui me afastando dos outros, assim como faz uns meses que eu parei totalmente o contato com Heero. E agora, sem o bebê para ocupar o tempo e as idéias, o japonês poderia dar a louca de querer saber o que aconteceu comigo, e eu não estava afim de vê-lo no exato momento. Não estava mesmo.

Abri os olhos apenas para mirar o teto branco e perceber que acordar foi um erro. Porque acordado eu poderia sentir o bebê se mexendo e chutando as minhas costelas.

-Sossega Nathan! – sim, Nathan, ou Nathaniel, foi o nome que eu escolhi para ele. Sim, sim, é um menino, descobrimos isso através de um exame de sangue que possibilita as grávidas saberem o sexo do bebê através do cromossomo apresentado. E pelo visto, o meu é um Y.

Como se para responder ao chamado, dizendo que me reconhecia perfeitamente, Nathan deu outro chute nas minhas costelas. A cada dia que passava ele estava ficando mais inquieto. O que era bom, apesar da dor insuportável que era os chutes dele. Isso indicava que ele era saudável. Agitado, como eu, e forte, como o outro pai. Um autêntico Yuy-Maxwell.

Resignado, me obriguei a levantar da cama, sentindo que tinha engolido uma enorme melancia que agora pesava em meu ventre e matava a minha coluna. Meus pés protestaram, mas não tanto quanto a minha bexiga que Nathan estava adorando pressionar enquanto brincava de "vamos torturar o papai", dentro da minha barriga. Caminhei a passos lerdos até o banheiro e fiz o que tinha que fazer. Voltei para o quarto e sentei na cama, considerando intensamente se eu iria até a cozinha ver alguma coisa para comer. Decidido, voltei a deitar na cama, achando que Nathan precisaria entrar na dieta senão seria uma pequena bola antes mesmo de nascer. Mas quando eu me deitei no colchão, senti uma outra pontada que me obrigou a sentar. E essa pontada não era nada parecida com os chutes do meu filho.

-Calma neném. – murmurei, colocando as mãos sobre a minha enorme barriga, preocupado. Ele tinha ficado subitamente quieto. E Nathaniel e quietude, nos últimos tempos, eram duas coisas que não combinavam. Quando a dor começou a diminuir, soltei um pequeno suspiro. Não deveria ser nada.

Me enganei quando menos de um minuto depois senti outra pontada, e mais forte do que a anterior. Isso não era bom, era? Dentro do que eu li sobre gravidez, isso queria dizer o quê? Dores, dores… pareciam com cólicas, e cólicas queriam dizer… Merda! Eu estava em trabalho de parto!

Hilde, Hilde… eu precisava chamar a Hilde. Bosta, onde está a porcaria do celular quando a gente precisa dele?

-Hilde! – gritei o nome quando eu finalmente consegui encontrar o celular, ao mesmo tempo em que senti outra pontada.


Hilde POV

O dia no hospital estava particularmente chato. Doutor Jones, que fora meu professor na faculdade, e agora era o médico com quem eu trabalhava, não tinha pacientes para hoje, e isso dava a perspectiva de uma manhã chata e entediante. Isso até que o meu bip começou a apitar desesperadamente.

-911? – murmurei, tentando me lembrar o que queria dizer 911 quando olhei a mensagem no pager. Claro que eu sabia que no passado esse código era usado pelos americanos como telefone de emergência… -MERDA! – saiu sem querer, em voz alta, no meio do corredor do hospital.

Emergência, americano… DUO!

Mais do que depressa eu recolhi as minhas coisas e comecei a rumar para o estacionamento.

-Hilde! – ouvi o Dr. Jones me chamar e parei de súbito. Não agora. Não um paciente agora. Eu tinha uma pessoa em casa que estava precisando dos meus cuidados, e esse caso era mais importante do que qualquer outro, com certeza. –Aonde você vai nessa pressa menina?

-Er… - como eu poderia responder a ele que eu iria atender a um homem… ligeiramente grávido? -… uma emergência com o meu… marido. – ainda achava estranho chamar Duo de marido quando nem ao menos éramos casados. Nem o mesmo quarto dividíamos. Mas eu tinha que manter essa história para justificar a minha barriga falsa e a aliança no meu dedo, que estou usando para poder tapear os nossos vizinhos.

-Algum problema sério? – Dr. Jones, sempre solícito. Gostava dele, era um bom homem, sempre me apoiando, embora eu tivesse que mentir para ele e fugir de suas tentativas de ajuda. Veja bem, a história era a seguinte. Para a minha felicidade, ou infelicidade, quando terminei a faculdade de enfermagem eu caí como auxiliar dele, que é um obstetra. Tudo isso porque eu tive boas notas nessa área – claro, o que você esperaria de alguém que teve que devorar livros de obstetrícia porque o melhor amigo está grávido? - e ele me convidou para trabalhar com ele. E sempre tenta arrumar um jeito de verificar a minha saúde de "gestante". E eu sempre estou fugindo dele.

-Não, nada para se preocupar. – dei um dos meus melhores sorrisos inocentes a ele e dei meia volta, andando a passos bem rápidos, para alguém aparentemente no oitavo mês de gravidez, em direção ao estacionamento.

Vinte minutos depois eu estava chegando em casa e subindo as escadas às pressas, já tirando aquela porcaria de barriga falsa e entrando no quarto de Duo, de onde eu ouvia gemidos.

-Duo! – a cena que eu encontrei fez o meu coração vir à boca. Duo estava deitado na cama, com as mãos sobre a barriga. Os olhos estavam brilhantes, o rosto corado e suado, e a face contorcida em dor. –Duo! O que você está sentindo? – abri a minha maleta rapidamente e comecei a tirar os instrumentos de dentro dela, repousando o estetoscópio sobre a barriga dele. Depois disso comecei a cutucar o ventre dele, para descobrir que o bebê havia virado.

-Dor Hilde… dor. – ele murmurou para mim, suprimindo outro gemido. Eu sabia que ele estava em dor. Claro que ele estava em dor, ele estava em trabalho de parto, e as contrações estavam com um espaço muito curto de tempo. O corpo dele estava expulsando a criança mais rápido que o normal, e o bebê estava forçando passagem por uma saída que não existia.

-Okay Duo… - eu tinha que ser racional e profissional agora, pois os dois dependiam de mim. –Eu preciso que você deite. – tirei os travesseiros no qual ele se apoiava, o fazendo deitar reto na cama. Não queria que ele olhasse para o que eu estava fazendo, ele poderia se assustar. –Eu vou aplicar uma anestesia local, para poder fazer o corte e tirar o bebê, okay? Não posso arriscar uma geral porque preciso de você acordado. Agora, enquanto isso, faça aquela respiração que eu te ensinei. – ele começou a respirar apressado para poder aliviar a dor, enquanto eu recolhia o material que havia conseguido para essa operação.

Sem cerimônia rasguei a enorme camisa do pijama dele, não querendo arriscar a tirá-lo da posição em que estava. Preparei a agulha e injetei na área, contando no relógio o tempo de efeito. Segundos depois peguei uma pinça e comecei a espetar a barriga para ver se a anestesia tinha funcionado.

-Está sentindo eu te espetar?

-Não.

-Bom. – descartei a pinça e coloquei uma máscara em Duo e em mim. Sei que era inútil, apesar de a gente sempre manter esse quarto bem limpo para esse momento, ainda sim não era uma sala de hospital esterilizada, não havia qualquer auxílio se acontecesse algum imprevisto, o bebê resolveu vir mais cedo do que pensávamos e por isso não tínhamos equipamentos para poder atendê-lo se fosse preciso. No momento, só contávamos com a pura sorte… e um toque divino. –Duo? – chamei antes de dar o corte.

-O quê? – estiquei a mão e entreguei a ele o crucifixo que sempre estava na cabeceira da cama.

-Sei que você não acredita no homem lá de cima… mas não custa nada pedir uma forcinha. – ele não respondeu, apenas apertou o objeto contra os dedos e começou a murmurar sob a respiração. Acho que ele estava rezando. Que continuasse assim, enquanto eu ouvisse a voz dele era sinal de que estava tudo bem. Com uma inspirada profunda de ar e com as mãos firmes, dei o primeiro corte.


Duo POV

Dizer que eu estava com medo era pouco, eu estava apavorado. Não sabia o que Hilde estava fazendo, e tinha medo de abrir os olhos para descobrir. Ao invés disso, apertei com mais força a cruz que a Irmã Helen me deu e comecei a pedir a ela, ao Padre Maxwell, a Deus, a quem quer que fosse, que tudo saísse bem.

Sei que durante a minha vida o único Deus no qual acreditei foi o Shinigami, mas no momento o Deus da Morte é a última pessoa que eu quero ao meu lado.

Me apeguei a cruz que carregava entre os dedos e pedi o máximo de ajuda divina, por menos que eu a merecesse. Creio que se esse Deus que o Padre Maxwell acreditava era tão piedoso assim, não deixaria o meu Nathan morrer ou algo acontecer com ele. Não com alguém que não tinha culpa dos pecados dos pais, ou das maluquices de um homem que resolveu brincar de ser o homem lá de cima. E se esse mesmo Deus tivesse um pouquinho mais de paciência, talvez ele poupasse a mim, para poder ver o meu garoto crescer.

Continuei rezando sob a respiração, percebendo que o meu corpo estava ficando cansado e fraco. No princípio pensei que era pelo estresse e pelo trabalho de parto, até que me lembrei que eu já havia sentindo isso antes… durante a guerra. Eu estava perdendo sangue, e estava começando a apagar por causa disso. Senti a cruz deslizar dos meus dedos segundos antes de eu perder a consciência totalmente.


Hilde POV

Ele estava perdendo muito sangue e eu precisava ser rápida se quisesse salvar ambos. Minhas mãos ameaçaram tremer mas eu me repreendi rapidamente por essa fraqueza. Eu não podia vacilar agora, não podia me deixar abater. Eu não os perderia. Nunca!

Rapidamente, como vi o Doutor Jones fazer inúmeras vezes, cortei o cordão umbilical assim que tirei o bebê de dentro de Duo. Não fiz os exames necessários, apenas o enrolei nas mantas que havia trazido enquanto recolhia o material para o parto, e voltei a cuidar de Duo, fechando rapidamente o corte, depois de retirar a placenta de dentro dele, antes que ele sangrasse mais do que estava sagrando.

Corte fechado e limpo, fiz uma checagem geral nele para saber se precisava me preocupar, mas parecia que, no momento, tudo estava bem. E então eu voltei todas as minhas atenções para o pequeno Nathan. O pequeno milagre.


Duo POV

Quando eu abri os meus olhos novamente, percebi que já era noite e que o quarto estaria totalmente escuro se não fosse pela luz do corredor que entrava pela porta. Tentei me mover mas o meu corpo estava por demais dolorido para poder conseguir fazer qualquer movimento brusco. Porém, o que me chamou mais a atenção foi um pequeno detalhe. Ou melhor, a falta dele.

Não sentia o meu filho na minha barriga. Não sentia ele se mexer. Levei a mão ao ventre e o encontrei um pouco flácido, mas muito menor do que estava antes. Entrei em pânico por causa disso.

-HILDE! – gritei por ajuda, usando toda a força que eu pude e, logo depois do meu grito, um estranho choro preencheu o quarto. Um choro de… bebê.

Olhei para a fonte do choro e vi um embrulho ao meu lado na grande cama de casal, se contorcendo e chorando intensamente. Juntando as parcas forças que me restavam, deitei de lado para poder observar aquela coisinha miúda chorando perto de mim, e não pude segurar as lágrimas que começaram a deslizar pelo meu rosto.

Ele era perfeito, com as suas mãozinhas pequenas e pés chutando o ar, ainda protestando pelo barulho que eu fiz. O rostinho rosado pelo choro e a cabeça adornada por um número considerável de fios de cabelos castanho escuros, para um recém nascido. Eu estava diante do Nathan, meu filho…

Meu pequeno milagre.


Nathaniel presente divino.