Heero POV

Eu estava com ódio e com uma vontade imensa de atirar no Maxwell e sumir com o corpo dele. Aquele bastardo filho da mãe dentro daquela casa não era o meu melhor amigo. Aliás, quando foi que aquele americano idiota foi meu amigo? Se ele realmente se considerasse ao menos meu companheiro, ele não teria desaparecido sem motivos. Se ele realmente se considerasse meu amigo, ele não teria dito não na minha cara, sabendo por tudo o que eu estou passando. Sabendo o que eu estou sentindo, já que ao que parece Hilde passou pelo mesmo.

-Senhor Yuy. – eu estava a ponto de ligar o motor do carro e sumir, assim como Duo fez um dia, mas o meu nome sendo chamado me parou. O filho daquele americano idiota apareceu ao meu lado na janela, com uma expressão no rosto que eu não conseguia compreender.

-O que você quer garoto? – sei que estava sendo mal educado, que o menino não tinha nada a ver com essa briga entre Duo e eu, mas eu estava de mau humor. Eu estava cansado de cada vez que surgia uma esperança eu acabava quebrando a cara. Eu estava de saco cheio de perder o meu tempo com possíveis doadores enquanto a cada dia a minha filha morria um pouco mais. E Maxwell ainda me fazia uma sacanagem dessas?! Já mencionei que eu estava com ódio também?

-Senhor Yuy, eu peço desculpas pelo meu pai. Eu realmente sinto muito. Eu não sei o que deu nele, geralmente ele não é assim. É mais educado e compreensivo com as pessoas.

-Eu realmente duvido garoto. Aquele lá dentro não é o Duo que eu conheci. – eu queria ir embora logo dali e voltar para casa. Não gostava de ficar muito tempo longe de Audrey. Ela poderia estar precisando de mim.

-Ele… ele se fechou um pouco para o mundo depois que a minha mãe morreu, mas ele é um bom homem. Tenho certeza que ele ainda é o mesmo Duo que o senhor conheceu.

-Menino eu realmente aprecio o que você está fazendo. Mas se veio aqui somente para se desculpar pelo seu pai, já está feito. Eu preciso ir.

-Não! Eu vim aqui dizer que eu vou fazer o teste de compatibilidade sr. Yuy. – isso rapidamente me impediu de girar a chave na ignição e partir, deixando o garoto para trás. Ele disse que iria fazer o teste? Olhei para ele, como se o estivesse vendo pela primeira vez, e novamente me surpreendi de como esse menino, de algum modo, lembrava a mim na idade dele. E como eu não conseguia ver nenhum traço da Hilde nele. Sei que não me lembro muito da mulher, mas recordo o suficiente para somente ver o Duo nesse menino, e uma outra pessoa que com certeza não era a Hilde. Porém, não me interessava quem era a mãe dele, mas sim se ele poderia salvar a minha filha.

-O que disse? – eu tinha que saber se não estava ouvindo coisas, o que eu duvido pois a minha audição sempre foi perfeita.

-Eu disse que irei fazer o teste. – era um bom garoto, eu podia perceber isso. Mas mesmo assim ele ainda era menor de idade, e sem a autorização de Duo ele não podia fazer nada.

-Nathaniel… estou certo? – ele me deu um aceno positivo de cabeça. –Eu realmente aprecio a sua boa vontade, mas você ainda é menor. E se Duo não permitir o teste e a possível operação, estamos de mãos atadas.

-Meu pai não pode controlar a minha vida sr. Yuy. E eu quero fazer isso, e ele não pode me impedir. – eu tinha que dizer, ele era determinado e teimoso, muito teimoso. E embora eu apreciasse a coragem dele de desafiar o pai, e por mais que eu estivesse com raiva do Duo, ainda sim não poderia aceitar isso.

-Não posso te levar para a Terra sem o consentimento do seu pai. Posso ser preso por isso, sabia?

-Senhor Yuy, se o senhor não me levar com o senhor para fazer esse maldito teste, eu vou de uma maneira ou de outra. E não duvide que eu consiga.


Nathan POV

Eu não sei o que deu em mim. Eu realmente não sei. Eu nunca que desafiaria a autoridade do meu pai dessa maneira. Mas tinha alguma coisa nessa situação que me levava a cometer essa loucura. Não sei se era algo no senhor Yuy, no olhar dele, no modo como todas as esperanças dele se partiram quando o meu pai disse não. Não sei se é a lembrança da dor que a minha mãe passou, ou da dor que eu vejo nos olhos das crianças que eu ajudo. Não sei se é porque eu simpatizei com a causa do sr. Yuy. Mas algo me lançava a ele, me dizia que eu deveria ajudar não importava as conseqüências.

-Eu não posso rapaz. É ilegal. – eu queria socá-lo, sem brincadeira. Eu já tinha ouvido muitas histórias sobre Heero Yuy, já até tinha perguntado para o meu pai sobre ele, mas Duo Maxwell se recusava a contar coisas sobre o ex-piloto do Wing. De algum modo, cada vez que eu perguntava sobre o japonês para ele, eu via uma expressão dolorida passar pelo rosto dele, como se as lembranças do ex-companheiro que ele tinha não fossem muito boas. E eu sabia que Heero Yuy não era de desistir e que faria o que fosse preciso para alcançar seus objetivos, inclusive burlar as leis. Mas claro! Isso durante a guerra. Agora ele não era mais um soldado, era o marido de uma diplomata e um agente federal. Já estava com as leis embutidas nas veias. Mas eu não me importava. Faria assim mesmo. Tenho certeza que o meu pai, se estivesse em seu juízo perfeito, faria o mesmo no meu lugar.

-Ah… está bem. – soltei um suspiro derrotado por não conseguir convencê-lo. –Ao menos eu tentei não é mesmo? – e dei de ombros. O vi me dar um sorriso triste por detrás do volante, apreciando a minha iniciativa mas lamentando não poder fazer nada para mudar as regras.

-Obrigado mesmo garoto. A gente se vê um dia. – e ele deu a partida no carro, sumindo na esquina da rua. Fiquei ainda um tempo olhando por onde o carro dele sumiu, e depois voltei para casa para encarar a fera. Entrei na sala e fechei a porta atrás de mim, vendo meu pai sentado no sofá e com um olhar mortalmente sério no rosto. Senti as minhas pernas fraquejarem e tive vontade de correr e me refugiar em meu quarto, mas me mantive firme.

Ele sabia que eu estava planejando alguma coisa. Ele me conhecia bem o suficiente para saber que eu não deixaria as coisas assim, mesmo que ele fosse contra. Ele apenas não disse nada, somente se ergueu do sofá e caminhou em minha direção. Continuei firme, esperando pelo próximo ato dele. Apanhar eu sei que não iria, pois meu pai nunca levantou a mão para mim, ele não precisava. Um olhar dele e você se tornaria um santo apenas para não despertar a sua fúria. Não era a toa que ele era tão temido pelos seus ex-inimigos. Afinal, ele foi o Shinigami.

-Eu sei… - a voz dele saiu em um tom intimidador e meu coração deu um pulo. Ele não estava falando comigo de pai para filho, ou de amigo para amigo, mas sim de homem para homem. Ele estava jogando todas as responsabilidades sobre mim. Como se dissesse: agora se vira porque foi você que escolheu esse caminho. Senti medo. -… que você está aprontando alguma coisa. Eu sei que você vai desobedecer as minhas ordens. O seu problema Nathaniel, é que você tem um coração muito grande que às vezes se sobrepõe ao seu cérebro.

-Pai…

-Eu espero… - ele se aproximou mais e os seus olhos estavam cravados nos meus. -… que você esteja pronto para as conseqüências. – o que ele quer dizer com isso? Sei que a pergunta deveria estar estampada no meu rosto, porque ele continuou. -… Eu espero que você entenda que tudo o que eu fiz foi para o seu próprio bem, e que esteja pronto para aceitar, como um homem, o que está por vir. – e então ele me deu as costas e subiu as escadas, se trancando em seu quarto.

Eu ainda fiquei parado um bom tempo no meio da sala tentando processar tudo o que ele havia me dito, e indeciso se eu queria ir até o fim com isso ou esquecer. Feita a minha decisão, fui para o meu quarto arrumar as minhas coisas. Precisava saber que horas o vôo do sr. Yuy saía. Pela primeira vez, iria conhecer a Terra.


Duo POV

Deslizei pela parede do quarto e me encolhi no canto dela, abraçando os meus joelhos e escondendo o meu rosto entre eles. Novamente, depois de anos, eu estava chorando. Estava começando a me acostumar com isso. Realmente estava. Porque eu sabia, eu sabia que agora estava tudo perdido, no momento em que Nathan passou correndo por mim para abordar Heero na rua. Nesse momento eu soube que o meu mundo ruiu.

Eu conhecia o meu garoto e por isso sabia que não iria adiantar eu dizer não, ele ajudaria Heero contra a minha vontade. Eu sabia que ele estava aprontando alguma coisa, pude ver isso em seus olhos quando ele entrou em casa. E eu não poderia fazer nada para evitar. Tudo que eu pude fazer foi lavar as minhas mãos, dizer para ele que se ele estava disposto a fazer isso, teria que ser firme para encarar as conseqüências quando descobrisse a verdade. Porque eu sabia que a verdade iria aparecer mais cedo ou mais tarde, era só uma questão de tempo. Mas mesmo assim doía, Deus como doía! Porque eu sabia que ele me odiaria. Heero me odiaria, e eu sairia como vilão nessa história pelo simples fato de querer ter protegido o meu filho. Como isso pode ser considerado errado?

-Queria que você estivesse aqui Hilde. – murmurei ao vazio. Hilde saberia o que fazer. Pombas, se ela estivesse aqui acho que nada disso estaria acontecendo. Ainda seríamos uma família feliz e ela reforçaria o fato de que Nathan é filho dela, e não de outra pessoa, embora eles dois não possuíssem semelhança alguma.

Não sei quanto tempo eu fiquei nessa posição. Só sei que quando percebi já estava escurecendo e o meu corpo estava começando a protestar pela posição incomoda. Soltei os joelhos e estiquei as pernas, sentindo as juntas protestarem de dor. Tinha tempos que eu poderia ficar na mesma posição por horas, de tocaia antes de invadir uma base da Oz. Mas acho que não estou com mais idade para isso. Sem contar que eu tinha que fazer o jantar.

Sai do quarto e andei em passos lentos em direção as escadas. Passei pela porta do quarto de Nathaniel e parei, olhando para a madeira com grande interesse. Levei a mão à maçaneta e hesitei um pouco. Talvez eu tenha sido muito duro com ele, talvez se eu não tivesse exagerado tanto… Talvez fosse bom pedir desculpas.

Empurrei a maçaneta e abri a porta, apenas para encontrar o quarto mergulhado na completa escuridão. Levei a mão ao interruptor ao lado da porta e acendi a luz. O local estava vazio. Estranho. Andei pelo local, procurando por qualquer coisa anormal, até que encontrei sinais, pequenos, mas sinais de que eu estava preste a ter um ataque do coração.

O laptop dele não estava em cima da mesinha de estudos. E eu sei quê, como Heero, Nathan não vive sem aquele maldito laptop. Corri até o armário e o abri com violência. Faltavam peças de roupas no armário dele. Eu estava quase sentindo algumas veias estourarem dentro do meu corpo por causa da velocidade com que o sangue estava correndo por elas, quando vi uma folha em cima da cama de Nathan. Com os dedos trêmulos, peguei a mensagem sobre o colchão.

"Pai

Eu sei que o que estou fazendo vai partir o seu coração. Nunca desobedeci a uma ordem sua, mas eu sinto que preciso fazer isso. E o senhor sempre me disse para seguir o meu coração. Não acho justo que uma menina tão nova sofra se eu tenho a chance de lhe ajudar. Convivo com casos como os da filha do senhor Yuy todos os dias, e sei como é doloroso, e eu pensei que o senhor melhor do que ninguém entenderia os sentimentos de seu amigo, por causa do que aconteceu a mamãe.

Ainda não compreendo o porquê da sua reação tão negativa quando o sr. Yuy veio pedir ajuda, mas não farei perguntas porque eu ainda me lembro com clareza do modo como você reagia cada vez que eu pedia histórias sobre o ex-piloto do Wing. Eu apenas espero que o senhor entenda que eu preciso fazer isso e que me perdoe. Eu ficarei bem… entrarei em contato assim que chegar na Terra.

Amor,

Nathan."

Apenas suspirei diante da mensagem. Porque, agora, não tinha mais nada que eu pudesse fazer.


Heero POV

Fui em direção ao portão de embarque do espaço-porto. Quanto mais rápido eu voltasse para Terra melhor. E não foi dessa vez que eu consegui encontrar uma salvação para Audrey.

Estava quase alcançando o portão, pronto para mostrar o meu crachá dos Preventers, o que sempre me garantia passe livre para essas viagens sem precisar passar pelo check-in, quando ouvi alguém me chamando.

-Sr. Yuy! – me virei e levei um susto quando vi Nathaniel abrindo espaço entre as pessoas para poder me alcançar. Ele tinha uma bolsa nas costas em uma passagem nas mãos. O que diabos ele estava fazendo aqui? –Quase que o perco de vista, sr. Yuy. – ele disse com um sorriso quando parou na minha frente. Eu ainda estava muito chocado com a presença dele para conseguir esboçar qualquer reação.

-O que… o que você está fazendo aqui Nathaniel? – disse quando finalmente consegui encontrar a minha voz. Ele apenas sorriu mais ainda, um sorriso matreiro, um sorriso estilo Duo, acho que esses sorrisos eram herança de família, e estendeu a sua passagem para a mulher na entrada do portão.

-Vamos sr. Yuy? – ele me perguntou com um outro sorriso, indicando o portão que levava ao ônibus que iria para a Terra. Automaticamente me movi em direção ao portão, com ele ao meu lado, ainda tentando processar o que estava acontecendo. Quando nos acomodamos dentro do ônibus espacial é que eu consegui encontrar a minha voz novamente para poder iniciar uma conversa.

-Como… como você conseguiu autorização do seu pai para essa viagem? – o sorriso matreiro dele tornou-se algo malicioso e por um breve momento eu me vi no rosto dele. Mas rapidamente o sorriso sumiu, voltando a ser traquinas, como a maioria dos sorrisos de Duo.

-Eu não consegui. – ele falou isso com tamanha naturalidade que eu não sabia se ria ou ficava preocupado. Ele não tinha autorização para a viagem? Então como ele conseguiu passar pelo posto de inspeção? Com certeza os guardas não permitiriam um menor viajar sem autorização assinada pelo responsável. E acho que a minha confusão estava estampada no meu rosto, porque ele estendeu um papel de autorização para mim. Não precisei de uma inspeção detalhada para saber que era falsa. Mas um guarda de espaço-porto não é tão atento quanto um agente dos Preventers para poder saber a diferença entre o falso e o verdadeiro.

-Nathaniel isso vai me arrumar um problemão… - ainda estava em tempo de convencê-lo a descer do ônibus, embora por outro lado eu quisesse muito que ele seguisse viagem comigo.

-Relaxa e aproveita a viagem senhor Yuy. – ele recostou na cadeira e cruzou os braços atrás da cabeça, pouco se importando com a repercussão que essa atitude dele poderia ter. Ele não poderia negar que era um Maxwell.

Só espero, realmente, que toda essa loucura valha a pena.