Nathan POV

A Terra é muito mais do que eu poderia imaginar, quando via as imagens pela tv lá de casa. O céu é mais azul do que L2 poderia recriar e a força da gravidade muito maior do que a da Colônia. Sem contar a paisagem. Certo que estávamos em uma área urbana, e no meio de um trânsito um pouco conturbado, nada diferente do que se tem no espaço. Mas quando olho pela janela da limusine da família Peacecraft não vejo paredes brancas no horizonte, mas sim o azul. Céu azul a perder de vista entre o mar de casas e prédios. Era bonito, e eu gostava daqui.

Ficamos somente meia hora dentro do trânsito da cidade e depois o carro tomou uma estrada lateral, passando por uma área residencial até que as casas começaram a se tornar mais escassas e começamos a seguir por um caminho que serpenteava o litoral. Grudei o meu rosto na janela, sabendo que estava agindo como uma criança fascinada, mas acontece que eu nunca tinha visto o mar ao vivo. E a imagem do sol se pondo, como se estivesse sendo tragado palas águas, era maravilhosa. Eu poderia ficar para sempre sentado nas areias brancas observando o sol se por. Garanto que o meu pai iria adorar ver isso.

Meu pai, pensar no meu pai me trouxe um certo aperto no peito. Ainda me sinto mal por tê-lo enganado e fugido, mas isso era uma coisa que eu precisava fazer e eu sei que, por mais furioso que ele possa ficar, ele vai acabar entendendo. Mesmo assim, ficava chateado por deixá-lo sozinho. Eu nunca me separei do meu pai durante todos esses anos. Sempre fomos tão próximos e eu já estava começando a sentir falta dele.

-Algum problema Nathan? – desviei meu olhar do mar, até porque o sol já estava quase sumindo e estava ficando tudo escuro, e eu não conseguia mais ver as águas direito, e olhei para o sr. Yuy, sentado ao meu lado.

-Apenas admirando a vista. Eu nunca tinha vindo a Terra antes. Sank é bem bonito.

-É sim. – ele respondeu vago, como se os seus pensamentos estivessem em outro lugar, e eu acho que tinha uma vaga idéia de onde eles estavam. Com certeza no motivo de eu ter fugido de casa: Audrey. Confesso que estava um pouco nervoso em conhecê-la. Sinceramente, já lidei com várias crianças com leucemia, mas minha função era apenas aliviar a dor delas as entretendo, as fazendo viver um pouco apesar da doença. Mas nunca nenhuma delas realmente precisou de mim para sobreviver, e isso me deixava inquieto. Sem contar que eu estava indo direto para a casa dele. Eu era apenas um estranho e, apesar de ser filho de um ex-companheiro de guerra do senhor Yuy, ainda sim seria um estranho dentro da mansão Peacecraft e isso me deixava sem jeito.

-Você vai gostar da Relena… e da Audrey. – minha nossa, às vezes ele parecia me compreender tão bem quanto o meu pai. Sem contar que eu sentia uma ligação muita esquisita com esse homem.

A limusine, depois de uma hora de viagem, atravessou grandes portões de ferro com o brasão da família Peacecraft e cruzou enormes jardins, estacionando em frente a uma grande mansão. Senhor Yuy nem esperou o carro parar direito e já desceu do veículo. Meio perdido, fiz o mesmo, o acompanhando quando a porta de entrada foi aberta por um mordomo. Agora eu me sentia um completo peixe fora d'água, porque nunca estive em um lugar tão luxuoso como esse antes. E tenho certeza que estava parecendo um idiota olhando tudo a minha volta como um caipira na cidade grande.

-Ah, seja bem vindo de volta Heero. – virei a minha cabeça tão rápido em direção da voz que juro que ouvi o meu pescoço estalar. Ao pé da escadaria de mármore da mansão estava Relena Peacecraft e, pela primeira vez na minha vida, eu não sabia como reagir.


Relena POV

Quando pequena fui ensinada que uma dama não deveria correr, mas sim andar. E nunca andar, mas sim flutuar. Porém, quando recebi o telefonema de Heero dizendo que ele estava no carro a caminho da mansão, com o candidato indicado por Sally, não pude evitar em correr quando um dos empregados me disse que ele tinha chegado. Por isso atravessei os corredores da casa as pressas e desci as escadas do hall rapidamente, o mais rápido que os meus saltos puderam me permitir, e abri um grande sorriso quando vi Heero no hall de entrada.

-Ah, seja bem vindo de volta Heero. – disse, vendo pela expressão dele o quanto ele estava cansado, e em como essa expressão despertava em mim ânsias de abraçá-lo e afastar qualquer dor que ele estivesse sentindo na alma. E iria terminar de descer as escadas para satisfazer essa vontade, quando vi que havia outra pessoa junto a Heero, que se virou ao ouvir a minha voz.

Senti um choque e parei como uma estátua ao pé da escada quando vi orbes… violetas olhando para mim. Mas o pior não eram os olhos que me lembravam tão claramente o ex-piloto 02. Era o restante. Os traços, os gestos, os cabelos… eu via Heero nesse garoto e… eu via Duo.

Pisquei completamente confusa e voltei o meu olhar ao meu amigo japonês, que subiu as escadas e parou ao meu lado.

-Não diga nada. – ele falou tão baixo que eu mal o ouvi. –Se você está chocada, imagine como eu fiquei quando o vi.

-Heero… os olhos dele…

-Claro que seriam parecidos… ele é filho do Duo.

-O quê? – arregalei os meus olhos. Como assim ele é filho do Duo? Como foi que Duo teve um filho e a gente não ficou sabendo disso? –E onde está Duo? – consegui perguntar em meio ao meu grande choque.

-Longa história, te conto mais tarde. – e ele se preparou para continuar subindo, mas um pensamento estava martelando em minha cabeça e eu tinha que colocá-lo para fora.

-Heero… - chamei com uma voz mínima, mas eu sabia que ele me ouviria. –Ele… me lembra… você. – isso era ridículo. Com certeza não era nada anormal você encontrar duas pessoas parecidas no mundo. Eu mesma já cruzei com algumas sósias minha. Mas mesmo assim, a semelhança era estrondosa.

-Eu sei… mas é apenas coincidência. – eu percebi, pelo tom de voz dele, que ele não acreditava muito em sua teoria, mas prefiro aceitá-la pois creio que não há explicação melhor do que essa. Sem contar que alguma coisa dentro de mim diz que tem algo de errado nesse garoto. Chame de sexto sentido, o que for, mas a minha intuição feminina nunca errou antes, e não seria agora que iria começar. –Onde está Audrey?

-No quarto dela, brincando. – um sorriso surgiu no rosto dele e como mágica todos os traços de cansaço desapareceram. Audrey sempre tinha esse efeito sobre Heero.

-Vou vê-la. Se você não se importa… - ele apontou para o jovem ainda parado no hall, e que parecia extremamente perdido. Sorri um pouco, já sentindo um certo instinto maternal aflorar em mim. Já estava começando a gostar desse menino, sem nem mesmo conhecê-lo. Afinal, fica difícil não gostar de alguém que veio do espaço para salvar a vida da minha filha.

-Claro. – terminei de descer as escadas e me aproximei dele, vendo-o ficar um pouco inquieto. Acho que ele está um pouco assustado, e eu sei que a minha presença às vezes causa isso nas pessoas. Eu tinha uma posição muito alta na política mundial, e um jovem como ele com certeza deveria estar impressionado em me conhecer.

-Sra. Peacecraft-Yuy, é um prazer conhecê-la. – ele estendeu uma das mãos e eu sorri um pouco diante da formalidade dele.

-Apenas sra. Peacecraft. Não sou Yuy já faz alguns anos, se é que você me entende. – dei uma piscada de olho e ele pareceu relaxar um pouco. –Mas pode me chamar de Relena se quiser.

-Bem… então a senhora pode me chamar de Nathan. – ele sorriu e rapidamente me senti caindo nos encantos dele.


Audrey POV

Papai me disse que ele tinha conseguido um outro candidato à compatibilidade quando foi a L2, e isso me deu certas esperanças, mas também não deixei elas me dominarem completamente. Apenas sorri para o papai e disse que estava feliz e que com certeza dessa vez tudo daria certo.

Não sou burra para não saber o porquê de eu nunca conseguir um doador. Eu ouço conversas, cochichos, pesquiso da maneira que posso para saber porque a medula do tio Trowa ou do tio Fei não serviram quando eu fiz os primeiros transplantes. Parece que é alguma coisa relacionada ao meu dna, o dna que eu herdei do papai. E eu sei que esse fato o deixa triste. E por mais que eu tente animá-lo, também sei que ele se culpa por isso. Mas hoje, hoje ele parecia estranhamente feliz diante desse novo candidato. Não sei o que esse garoto… Daniel? Ariel? Não lembro o nome dele. De qualquer modo, não sei o que esse garoto pode ter para ter deixado o papai feliz. Mas seja o que for, vou ficar feliz também, porque ele pode me curar.

Sei que deveria estar na cama, apesar de eu sempre achar que nove horas da noite é muito cedo para se dormir, mas eu queria conhecer esse garoto que estava hospedado em nossa casa. Por isso, sai do quarto o mais silenciosamente possível, porque o quarto do papai é ao lado do meu e ele sempre está atento a qualquer barulho, ainda mais que há essa hora ele deve estar lá dentro trabalhando. Fechei a porta devagar atrás de mim e comecei a caminhar descalça pelo tapete que forrava o corredor, em direção à ala da casa onde ficavam os quartos de hóspedes.

Consegui chegar ao meu destino sem atrair a atenção de ninguém e fui abrindo porta a porta, tentando descobrir qual era o quarto que estava ocupado. Quando estava na quarta porta, vi que tinha um corpo deitado na grande cama que ficava no centro do quarto. Acho que era ele. Entrei silenciosamente no aposento e fechei a porta devagarzinho atrás de mim, para não fazer nenhum barulho. Caminhei até a cama e observei a pessoa deitada nela, de bruços e com o rosto escondido pelo travesseiro. Quase gritei, porque com certeza levaria uma bronca. Eu não sabia que o papai tinha trocado de quarto!

Recuei um passo e tropecei na minha longa camisola, caindo de bunda no chão e fazendo um certo barulho. O corpo na cama se mexeu e eu enrijeci. Papai ficaria furioso comigo, com certeza.

-Quem é você? – pisquei confusa quando vi um garoto, que deveria ter quinze, dezesseis anos, olhando para mim de cima da cama. Ele não era o papai, só tinha o cabelo parecido com o dele. Ufa, ainda bem. Por um momento pensei que estava com problemas.

-Eu sou Audrey. – falei, me levantando e indo até a cama, subindo nela. Era ousadia minha estar num quarto sozinha com um desconhecido, mas estranhamente me sentia segura perto dele, como eu me sinto quando estou com o papai. Sentei do lado dele e o vi piscar curioso, até que ele sorriu e eu sorri de volta. Já gostava dele.

-Eu sou Nathaniel, mas pode me chamar de Nathan. – ele estendeu uma mão para mim que, perto da minha pequena e pálida, parecia enorme.

-Você é o garoto que o papai disse que iria fazer o exame de compatibilidade?

-E você é a garotinha linda que eu deveria conhecer para poder doar a minha medula? Espero que trate bem dela, eu tenho uma grande consideração por ela. Somos grandes amigos. – eu pisquei bestamente. Ele sorria enquanto falava isso para mim e eu não sabia como reagir. Geralmente quando eu conhecia alguns possíveis doadores, eles me tratavam como se eu fosse feita de cristal, como se só pelo fato de eu estar doente e parecer frágil, eu fosse quebrar a qualquer momento. Mas ele não, ele me tratava como uma pessoa normal. Como se ser uma garota de dez anos careca, magra, pequena e pálida fosse um fato rotineiro. E eu já gostava dele por causa disso. Ele parecia me entender. E o modo como ele falava, não um possível futuro, mas um presente concreto, como se a medula dele já fosse minha e que tudo ficaria bem, aumentava as minhas esperanças.

Será que era por isso que o papai estava tão feliz?

-Pode deixar que a gente vai se entender muito bem. E quando a gente for grandes amigas, eu ensino ela a jogar basquete. – ele riu.

-Ah, então você vai ter problemas, porque eu sei que ela é uma grande jogadora. – e ficamos falando sobre tudo e nada, até que dormimos.


Heero POV

Eu estava a ponto de entrar em desespero e xingar o infeliz que teve a idéia de construir uma casa tão grande. Porque simplesmente Audrey não estava no quarto dela quando eu acordei. E ela estava sempre no quarto quando eu aparecia pela manhã levando o seu café. E o pior não era isso, mas sim o fato de que a cama dela estava intocada, como se ela não tivesse dormido nela. Então por isso do meu desespero. Porque onde mais poderia estar uma garotinha de dez anos doente, senão no quarto dela?

Audrey sabia que não podia sair por aí sozinha, porque seria arriscado se ela tivesse uma crise e ninguém estivesse em volta. Mas eu já disse que a minha filha é cabeça dura? Não? Pois é. Ela tem uma cabeça tão dura quanto o gundanium, porque é isso que dá juntar a minha personalidade com a de Relena… bem você já tem uma idéia do tamanho da teimosia dela.

Cruzei o corredor da mansão a passos largos e nem bati na porta, fui entrando direto no quarto de Relena, a acordando no susto diante da minha pressa.

-Heero? Onde é o incêndio? – eu riria pelo estado em que estava a minha ex-mulher, porque quem vê aquela diplomata tão bem arrumada e cheia de pose na tv acha que ela é sempre assim. Mas a verdade é que ninguém nunca acordou ao lado dela durante onze anos para saber a figura cômica que Lena é pela manhã. Porém a situação agora não era de piadas, era de pânico.

-Audrey não está no quarto dela. – falei e ela apenas ergueu uma sobrancelha, como se me perguntasse: e?. Como assim, e? Ela sabia muito bem que aquela menina não poderia ficar andando por aí. Me chame de super protetor, mas eu não posso evitar em ficar preocupado.

-Já falou com a Suzie? – Suzie era a babá de Audrey desde que ela nasceu, e uma grande aliada nessa nossa luta pela vida da nossa filha. Ela que ficava com a menina quando nós não podíamos.

-Já… e ela não está com a Suzie. – como um raio Relena levantou-se e colocou o robe por cima da camisola. Agora ela tinha entendido que a situação era de emergência.

-Eu procuro na ala norte e aviso aos outros empregados… tente o lado leste da casa. – ela estava dando ordens… acho que ficamos muito tempo casados. Às vezes eu juro que ela se parece comigo. Seria outra situação engraçada se eu não estivesse com outras coisas em mente agora para me preocupar.

Saímos do quarto e seguimos os caminhos planejados e eu comecei a ir para a ala onde ficava os quartos de hóspedes, indo direto para o quarto onde Nathan estava hospedado. Talvez ele pudesse ajudar na busca. Parei em frente à porta dele e considerei bater, mas estava com um pouco de pressa e por isso entrei sem licença, apenas para parar subitamente em meus rastros.

O que vi fez o meu coração dar um pulo em meu peito e bater mais forte.

Audrey estava adormecida na cama e Nathan estava ao lado dela, a abraçando protetoramente, como se fosse um irmão mais velho protegendo a caçula de um pesadelo e das maldades do mundo, e isso estranhamente me tocou. Algo nessa cena me afetou de um modo que eu não entendia. Algo em Nathan me afetava, e eu não conseguia compreender o que esse garoto tinha para fazer as minhas barreiras ruírem do mesmo modo que Audrey fazia.

-Heero ela não… - ouvi Relena entrar no quarto e ficar muda, com certeza surpresa com a cena que eu estava presenciando no momento. Virei para ela para ver qual era a sua reação e a vi sorrir. -… acho melhor deixarmos eles dormirem. Mais tarde mando Suzie trazer comida para eles. – ela começou a recuar e eu hesitei um pouco, olhando mais uma vez para a cama para poder ver se conseguia guardar essa imagem na minha mente e no meu coração, e depois sai do quarto, fechando a porta silenciosamente atrás de mim.

Inexplicavelmente, depois do que vi, senti um peso enorme ser tirado do meu coração. Era como se algo me assegurasse de que tudo, finalmente, ficaria bem.