Nathan POV

Tique nervoso. Até à tarde de ontem eu nem sabia que eu tinha um, mas eu tenho. Na verdade acho que não é um tique, mas impaciência mesmo. Detesto ficar parado, me dá nos nervos ficar parado sem fazer nada, mas eu precisava. Até a hora em que a tal… olhei para a plaqueta na porta do consultório do Hospital dos Preventers… que a Dra. Sally Chang terminasse os exames com a Audrey, eu teria que ficar aqui mofando e tremendo as minhas pernas nesse maldito… tique nervoso. Depois da Drey seria eu.

É, eu sei, não conheço a menina nem a vinte quatro horas e já dei apelidos para ela. Desculpe, mas é uma mania que eu herdei do meu pai, dar apelido para os outros. Uma vez perguntei para ele porque dessa mania dos apelidos, visto que ele vivia me chamando de Nerd-boy, só porque eu adorava computadores e engenharia mecânica, e sabe o que ele me disse?

"Isso é algo que você aprende nas ruas Nath. Você não pode chamar seus companheiros pelos nomes, se você não quiser que os tiras te reconheçam e te peguem. Os apelidos eram a nossa garantia de segurança."

E então ele começava a divagar sobre a época em que ele vivia com Solo e os outros ratos de rua, e sobre a Igreja Maxwell. Eu apenas sentava e ficava quieto, pois adorava ouvir as histórias dele. E porque eu sempre esperava que ele se perdesse o suficiente em pensamentos para me contar sobre a guerra. Afinal, tive que fazer muitos trabalhos de escola sobre ela, mas nunca consegui uma informação sequer com a pessoa que participou dela tão ativamente. E confesso que isso me frustrava um pouco.

Já estava pronto para me levantar e começar a andar de um lado para o outro da sala de espera, ou dar uma voltinha pelo hospital. Tem gente que não gosta de hospitais, meu pai é uma dessas pessoas. Ele detesta ir ao médico para fazer exames de rotina, e eu nunca entendi o porquê. Talvez seja o soldado dentro dele que o impede de confiar em médicos, ou talvez ele apenas não goste muito de lugares… esterilizados, mas eu não me importo. Passei parte da minha infância, quando a minha mãe estava doente, dentro de hospitais, e parte da minha adolescência como voluntário. Poderia às vezes ser um lugar de ares pesados, por possuir pessoas doentes, mas hospital também não traz apenas doença e morte, que eu saiba a função dele é trazer a vida. Por isso que eu decidi que assim que me formar no colégio, entrarei na faculdade de medicina. Sei que ser médico é a minha vocação.

Quando estava a ponto de por o primeiro pé para fora da sala, a porta do consultório se abriu e Heero, ele agora insiste que eu o chame de Heero, saiu acompanhado por Audrey. A Dra. Chang veio junto com eles, carregando uma prancheta nas mãos. Audrey veio correndo em minha direção e me abraçou pela cintura. Juro que as vezes eu não entendo. Claro, eu adoro crianças e sei que pareço ter um imã que me atrai a elas, mas com Audrey e eu parece que rolou uma sintonia perfeita desde o momento que nos conhecemos. A sra. Peacecraft… Relena, quero dizer Relena, diz que ainda fica surpresa com o modo como a filha dela se entende tão bem comigo, já que ela não é sempre atirada para cima de estranhos.

-Sr. Maxwell? – juro que cada vez que alguém me chama assim me dá vontade de olhar por cima do ombro para ver se o meu pai não está por perto. Balancei a cabeça ignorando esse pensamento, e segui a doutora, que me olhava de um modo muito estranho, para dentro do consultório.


Sally POV

Ainda estou surpresa pela história que Heero me contou por detrás do garoto que eu indiquei. Jamais poderia imaginar que ele seria filho de Duo Maxwell e, talvez, tivéssemos chances. Duo foi o único dos pilotos que não pode ser examinado por causa do seu desaparecimento, e foi o piloto mais testado, depois de Heero, pelos cientistas dos Gundans.

-Sr. Maxwell? – chamei assim que sai da sala com Heero e Audrey. Vi um adolescente virar-se em minha direção e estreitei os olhos. Já ouvi falar de semelhança entre duas pessoas desconhecidas, sem parentesco algum, mas nunca tinha visto uma semelhança tão grande assim. O menino era bastante parecido com Heero, mas também tinha muito de Duo, mas isso não quer dizer nada. Com certeza são as chamadas coincidências da vida

-Sr. Maxwell, Heero me disse que você burlou algumas regras para poder estar aqui, verdade? – disse com um tom divertido, enquanto dava as costas para ele e entrava no consultório, eu podia sentir que ele estava incomodado com alguma coisa dentro dessa história toda, mesmo que ele tenha feito o impossível para estar aqui.

-É… meu pai com certeza vai me matar quando eu voltar. – virei para poder olhar melhor para ele, agora que estávamos sozinhos.

-Nathaniel… eu posso te chamar assim? – ele deu um aceno positivo para mim. –Nathaniel, você sabe que se você for no mínimo 50 compatível, será submetido a operação, não sabe? – ele assentiu novamente e eu vi determinação em seus olhos. –Então você sabe que precisaremos da autorização do seu pai para isso, não sabe? – e então eu percebi que o nervosismo dele com certeza não tinha nada a ver com a possível operação, mas sim dobrar Duo para obter a permissão para a operação, pois pelo que Heero me contou, o ex-piloto americano pareceu bem decidido a não permitir isso. E se Heero ficou confuso com essa reação do amigo, eu estava mais ainda. Eu conhecia Duo o suficiente para saber que ele não permitiria uma pessoa sofrer se pudesse ajudá-la. E Heero estava convencido de que o Duo de agora não passava de um bastardo ignorante e que ele já o desconsiderava como amigo. Mas eu sabia que deveria haver algo mais. Duo não faz nada sem um bom motivo, e eu tenho certeza que o motivo estava na minha frente. Eu só precisava saber o que o americano queria tanto esconder.

-Bem Nathaniel, por favor se sente na maca que já vamos coletar o seu sangue para testes. – rapidamente ele me obedeceu e sentou na maca. Enquanto a minha enfermeira preparava o material, eu passei novamente os olhos pelo ficha que o Dr Andrews, um colega meu que trabalha no Hospital de Câncer Infantil de L2, e que me recomendou o Nathaniel, me passou. Estranho… a ficha dele era perfeita. Nathaniel nunca apresentou um quadro clínico antes. Nunca foi medicado em nada. Doenças infantis não faziam parte da ficha dele. E eu sei que L2, apesar de estar se tornando uma colônia emergente, era dentre as colônias a que apresentava mais quadro de epidemias. Ao menos umas três por ano. E se ele viveu todos esses anos lá… como ele pode nunca ter ficado doente?

-Senhor Maxwell…

-Por favor, me chame de Nathan. Senhor Maxwell me lembra o meu pai, e eu acho que nem o meu pai gosta de ser chamado de senhor. – olhei para ele e vi um grande sorriso em seu rosto enquanto a enfermeira coletava o sangue. Tive que dar uma leve sacudida de cabeça e sorrir também. Ele não podia negar ser filho de quem era, pois o charme e o sorriso cativante estavam lá.

-Nathan… - corrigi e apenas fiquei calada por uns momentos enquanto a enfermeira comentava comigo que estava levando o sangue para análise, dei um pequeno aceno positivo com a cabeça para ela e depois voltei a minha atenção para o garoto. -… você sabe se recebeu todas as vacinas necessárias durante a infância?

-Recebi… acho que tenho até a carteirinha de vacinação em casa… mas que eu saiba não é preciso carteira de vacinação nesses casos. – ele era bem informado, mas eu não poderia esperar por menos de um garoto que era voluntário em um hospital.

-Não, claro que não. Mas você alguma vez já ficou doente?

-Não.

-Doença infantil?

-Não.

-Catapora, sarampo, nada?

-Não.

-Nem gripe? – ele pareceu hesitar muito em responder, mas assim mesmo falou:

-Não. – okay, isso era realmente estranho. Por mais perfeita que pode ser a saúde de uma pessoa, ainda sim ao menos uma vez na vida ela pega uma gripe. E o espaço sempre estava propenso a ter mais índice de doenças, já que as colônias eram um ambiente tecnicamente fechado e de criação artificial.

-Obrigada Nathan. – dei um sorriso, mas pude ver pelo modo que ele me olhou que ele desconfiava que eu achava as respostas dele muito estranhas. Aliás, às vezes, nesse pouco tempo que fiquei na presença dele, quando o olhava, eu via um conhecimento que ia além do que era comum a garotos da idade dele. Engraçado, esse olhar inteligente, por assim dizer, eu via muito em Heero, ainda vejo em Heero, quando ele tinha essa idade. Mas não deve ser nada demais. Todos os ex-pilotos Gundam são homens inteligentes, e mesmo que o Duo não gostasse de demonstrar, ele também era muito esperto.

-De nada doutora. – ele deu um salto, saindo de cima da cama. –Os exames ficam prontos em quanto tempo?

-Dois dias.

-Mas o normal não é uma semana? – sorri pelo modo inocente com que ele me olhou e sabia que tinha acabado de cair completamente nos encantos dele.

-Não quando estamos falando da filha do herói da Terra e das Colônias com a Ex-Rainha do Mundo.

-Ah. Então a gente se vê em dois dias. – e ele partiu me deixando com os meus pensamentos e desconfianças.


Duo POV

Senti Nick, nosso Husky Siberiano de um ano, roçar seu focinho molhado no meu ante braço, mas não lhe dei atenção. Na verdade nos últimos quatro dias eu não tenho dado atenção a nada, desde que Nathan pegou aquele vôo para ir atrás de Heero. Para que eu iria dar atenção ao que acontecia a minha volta se a única coisa com a qual sempre me importei resolveu ser o salvador da pátria e virar novamente o meu mundo, tão bem estruturado, de pernas para o ar?

As pessoas sempre me dizem que Nathan é um ótimo garoto, que eu o criei muito bem apesar do falecimento de Hilde. Nossa, até a sra. Murphy, que é uma velha muito chata que mora na casa ao lado da nossa, admite que Nathaniel é um garoto de ouro, com um enorme coração que mal cabe no peito. E eu sinto orgulho disso, juro que sinto. Afinal, eu o carreguei por oito meses. Como eu não sentiria orgulho de alguém a quem eu dei a vida e criei do melhor modo que podia? Mas mesmo assim não pude evitar em me sentir apunhalado e revoltado com os últimos acontecimentos. E com um incrível ciúme.

Sim, eu estava com ciúme… ciúme de Heero. Porque o japonês não ficou nem meia hora na minha nova vida e já cativou Nathan e o levou de mim, o clamando sem nem ao menos saber a verdade. Ele roubou o meu filho de mim. E o que me dá mais raiva é que enquanto eu tento ficar furioso com isso, por outro lado eu dou razão a Hilde. Heero tem direitos sobre Nathan, mesmo que ele não saiba disso. E o que mais me incomoda é o fato de que depois de anos, eu vou ter que dividir o meu filho com alguém… e eu sei que Heero só se aproximará de mim por causa de Nathaniel, e nada mais. Isso se ele se aproximar de mim diante do ódio que ele vai sentir quando descobrir a verdade.

Me joguei no chão, deitando na grama do meu jardim e deixando a luz artificial da colônia bater contra o meu rosto. De canto de olho eu poderia ver Nick sentado ao meu lado me observando com curiosidade. Instintivamente peguei a bolinha que estava perto da minha perna e a joguei longe, e como um raio Nick foi atrás dela, me deixando com os meus pensamentos.

-Por que você não vai atrás dele? – virei o meu rosto para ver a sra. Murphy apoiada na cerca que dividia os nossos jardins.

-Ir atrás de quem? – voltei a olhar para o céu da colônia.

-Nathan, é claro. – velha fofoqueira. Como ela ficou sabendo que o Nathan viajou contra a minha vontade? –Eu vi ele saindo há dois dias pela janela do quarto dele, no meio da tarde. Creio que para alguém estar saindo de casa pela janela, é porque não quer ser visto ou não teve autorização do pai para ir para algum lugar. – bem observadora ela. Mas eu não precisava dos conselhos de uma velha de como criar o meu filho.

-Ele tomou a decisão dele, sra. Murphy. Apenas espero que ele esteja pronto para encarar as conseqüências como um homem. – sei que pareci frio, mas geralmente ficava assim quando o meu coração estava se partindo e sangrando dentro do meu peito. Senhora Murphy, em vez de fazer aquela característica expressão de desgosto, ela sorriu. Um sorriso verdadeiro, que eu vi pelo canto do meu olho, e eu não entendi mais nada.

-Maxwell, você deveria saber que não poderia esconder isso por muito tempo… e você criou bem esse garoto, garanto que tudo vai dar certo. – eu sentei de supetão e a encarei com olhos largos.

-Do que a senhora está falando?

-Eu moro nessa rua há vinte e cinco anos, meu jovem. E garanto, que desde que você e a jovem Hilde, que Deus a tenha, se mudaram para cá, eu soube que tinha algo de errado com vocês dois. Hilde não agia como uma jovem grávida… em compensação… - agora eu estava de pé e com certeza branco como cera, porque eu sentia as extremidades do meu corpo começarem a ficar frias. –Não faça essa cara. Claro que eu achei muito estranho, claro que eu fiquei chocada diante da descoberta, mas mantive a minha boca fechada e apenas fiquei olhando de longe. Vi tudo o que você fez por esse garoto Maxwell, e sei que ele é a sua vida… mas creio que o outro rapaz que eu vi saindo da sua casa no outro dia… ele é o pai do Nathan? Não importa… vai dar tudo certo menino. – dizer que eu estava chocado é pouco, muito pouco mesmo. Eu estava pasmo. Durante todos esses anos eu pensei que além de mim somente Hilde sabia a verdade, mas a minha vizinha aparentemente fofoqueira também sabia sobre a minha pequena mentirinha. O que mais faltava acontecer agora?

Como se respondendo a minha pergunta… uma limusine parou em frente a minha casa e do carro desceu… Relena Peacecraft.