Relena POV

Eu estava em uma vídeo-conferência com alguns políticos da Esfera Terrestre, quando Pargan abriu a porta do meu escritório, permitindo a entrada silenciosa de Sally. Eu apenas dei um aceno de cabeça para a doutora, a cumprimentando. Sally sabia que não precisava de anúncio e muito menos ficar esperando pela minha presença. E os empregados da casa tinham ordens de permitir que a médica nos interrompesse quando precisasse. Afinal, apenas um assunto poderia trazer Sally aqui: Audrey. E quando a questão era a minha filha, eu dispensava qualquer formalidade.

-Creio que um acordo com o sr. Bones é o que está em questão no momento, e eu não aceitarei imposições dele. – interrompi qualquer discurso que o Vice-Ministro de Relações Exteriores poderia ter para mim, não queria mais prolongar essa conversa, e acho que ele notou isso pelo meu tom de voz.

-Falarei com ele sra. Peacecraft. – me respondeu, cortando a comunicação.

-Sally, bom vê-la. – voltei a minha atenção para a mulher, que me deu um sorriso e um aceno de cabeça.

-O mesmo digo eu Relena. – ela parecia estranhamente radiante, e a última vez que eu a vi assim era quando ela estava esperando a pequena Meiran.

-Pelo brilho em seus olhos, vejo que você traz boas notícias. – ela rapidamente sentou-se na minha frente e deslizou o envelope que trouxera consigo por sobre a minha mesa.

-O que é isso?

-O resultado dos exames que fizemos dois dias atrás no Nathan. – rapidamente catei o envelope e o abri com pressa, quase rasgando os exames no processo. Sally estava tão radiante que parecia até que o Natal tinha chegado mais cedo, e isso só poderia dizer uma coisa:

-Positivo… - minha voz entalou em minha garganta. Nathan era compatível, ele era positivo, ele poderia ser o doador da Audrey. Mas ao mesmo tempo em que a minha felicidade foi às alturas, ela caiu com um baque doloroso. Trowa e Wufei também são compatíveis, e mesmo assim o organismo de Audrey recusou a medula deles. O que me garantiria que o mesmo não aconteceria com esse garoto? Voltei a olhar para Sally e agora ela parecia totalmente séria, e a aura luminosa que a rodeava parecia ter se apagado um pouco. O que havia de errado?

-Relena… - não gostei do tom dela, não gostei nada mesmo.

-Sim? – disse o mais calmamente que pude, depositando o resultado dos exames sobre a minha mesa, na minha frente.

-Esse garoto… ele é cem por cento compatível.

-E? – eu tinha visto isso no exame, mas por que Sally está com essa cara de que tinha descoberto o segredo da origem da vida?

-Eu estou dizendo que o organismo de Audrey possivelmente não irá rejeitar a medula dele. – agora isso me chamou a atenção. Como assim existe possibilidade de não haver rejeição? Era um milagre? Só poderia ser. E eu senti as minhas esperanças voando novamente.

-Se é assim, por que você está com essa cara Sally? É uma ótima notícia.

-Não… você não entendeu. A compatibilidade é perfeita. Ou isso é um milagre ou… Quando eu vi os resultados eu mandei fazer mais exames… e de acordo com isso… - ela deslizou outro envelope, que tinha tirado de sua bolsa, sobre a mesa. -… Nathaniel Maxwell… bem… ao que tudo indica… a não ser que Heero tenha um parente desconhecido, o que eu duvido porque toda a alteração genética de Heero veio das experiências com o Doutor J, esse garoto… é filho dele. – agora eu estava mais do que chocada. Filho? Eu sei que os dois tinham uma certeza semelhança… mas o menino não era filho do Duo?

-Mas o pai dele é o Duo, Sally. – isso era meio… difícil de acreditar.

-E continua sendo… porque eu fiz alguns exames com algumas amostras que eu tinha guardado do Duo, da época que ele era piloto, e o exame comprova que ele é filho do Duo.

-Isso é ridículo! – eu levantei da cadeira e comecei a andar pela sala, passando a mão pelos cabelos para ver se conseguia raciocinar direito. Como esse menino poderia ser filho do Heero e do Duo? Será que era alguma experiência genética feita pela Oz nos tempos de guerra? Não… impossível! Pelo que eu sei, Nathan nasceu depois da segunda guerra. Então o quê?

-Tem certeza disso Sally? – tive que perguntar, porque eu não conseguia achar uma explicação coerente para isso.

-Certeza eu não tenho, e eu só vim dizer isso para você primeiro porque não encontrei o Heero, pois talvez ele tivesse algumas respostas… - não creio que Heero tenha as respostas, porque se soubesse que esse garoto era filho dele, teria me dito, e mesmo que não tivesse me dito, teria nos poupado o trabalho e ido direto a ele para poder curar a Audrey. Não, eu tenho certeza que quando Heero voltar de seu passeio com Audrey e Nathan, e souber dessa história, vai ficar tão chocado quanto eu.

-Acho que Heero também não sabe muito… mas creio que a única pessoa que pode nos dar a resposta… - vi um brilho passar nos olhos de Sally e soube que ela estava pensando o mesmo que eu.

-Duo! – falamos juntas e eu peguei rapidamente o telefone para aprontar a minha partida imediata para L2. Quanto mais cedo resolvesse esse mistério, melhor.


Duo POV

Eu juro que posso ouvir as gargalhadas de Shinigami no meu ouvido, e de uma maneira muito bizarra a gargalhada lembra muito aquela que eu dava cada vez que iria explodir um Móbile Suit. Inferno, o que a sra. Relena Peacecraft-Yuy estava fazendo na calçada da minha casa? Pior, por que ela estava aqui?

-Olá Duo. – eu diria olá se não estivesse muito hipnotizado pela presença dela no meu portão. Primeiro era Heero, agora era ela. O que seria depois? Melhor nem pensar. Os últimos dias já foram uma porcaria, e ir do ruim para o péssimo estava faltando muito pouco.

-Relena? – eu queria me beliscar para ver se isso realmente estava acontecendo. Para ter certeza de que o meu filho não estava na Terra com o outro pai dele, de que a minha vizinha não sabia a verdade e que Relena não estava na minha frente.

-Será que eu poderia entrar? – eu olhei a minha volta e percebi que os outros vizinhos estavam começando a olhar curiosos para a Ministra parada na entrada da minha casa.

-Er… claro. – respondi bestamente e ela me deu um sorriso, passando por mim e caminhando em direção a casa. –Nick! Vem garoto! – chamei e Nick veio correndo, abanando o rabo, em minha direção. Comecei a caminhar para a casa e quando passei pela sra. Murphy, lancei um longo olhar para ela. A mulher apenas piscou um olho para mim e sorriu. Esse dia estava ficando a cada hora mais estranho.

-Você tem uma bela casa aqui. – Relena falou assim que entrei e eu fiquei mudo. Eu não sabia o que dizer, eu não fazia a mínima idéia do que dizer, e isso vindo de mim era raro. –Eu conheci o Nathan, sabia?

-E como ele está? – não pude evitar em perguntar, eu estava com saudades do meu garoto.

-Ah, ele está bem. Ele é um menino maravilhoso, sabia disso? – ela virou-se para mim, depois de ter rodado seus olhos pela sala inteira enquanto falava comigo. –O resultado dos exames que ele fez saíram, e ele é compatível. Mas para ele realizar a operação precisa de sua autorização. – eu senti o meu mundo ruir e algo gelado descer para o meu estômago. E antes que meus joelhos cedessem, eu cai sentado no sofá. Relena caminhou até uma cadeira próxima e sentou-se elegantemente na minha frente. Eles sabiam, ou ao menos ela sabia. Pude perceber isso implícito no pedido dela.

-Meu Deus. – gemi e escondi o rosto entre as minhas mãos. E agora?

-Duo? Você sabe o que eu quero saber, não sabe? Eu vim aqui imediatamente assim que Sally me disse os resultados.

-Heero sabe? – foi tudo o que eu consegui perguntar.

-Não, ele não sabe. Eu pedi para Sally segurar os resultados antes de dizer para ele, eu queria saber primeiro como isso é possível. Como os exames podem ter acusado o Nathan de ser seu filho e, ao mesmo tempo, de Heero? – isso mais parecia uma novela mas, infelizmente, era a vida real e geralmente ela não tinha final feliz.

-Eu… - respirei fundo e ergui a cabeça para encará-la, sentindo uma culpa enorme apossar o meu coração. De certo modo eu a trai naquela noite, na noite em que Nathaniel foi concebido, e depois eu ainda tive a cara de pau de sentir ciúmes dela. Eu era um cretino, com certeza.

-Duo? – não, não me olha assim senão vai piorar tudo. –Não chora Duo. – eu estou chorando? Não tinha percebido.

Ela trouxe a sua mão ao meu rosto e secou algumas de minhas lágrimas, e por um momento eu quase vi a imagem de Hilde nos olhos dela. O modo como Hilde sempre me apoiou e me confortou, e então eu me senti despedaçar e as lágrimas rolarem com mais intensidade.

-Eu não sabia… eu nem fazia idéia… Doutor G resolveu brincar de Deus e fez isso comigo. Só fui perceber o que estava acontecendo quando já estava no quarto mês… - com certeza para ela o que eu estava falando não tinha nenhum nexo, porque eu estava balbuciando palavras.

-O que o doutor G fez, Duo?

-Uma experiência. – respondi vago e ela franziu as sobrancelhas, se afastando de mim. Acho que não era bem isso o que ela queria ouvir.

-Isso não é uma novidade… que tipo de experiência?

-De… fertilidade… - as sobrancelhas dela franziram mais ainda e com certeza ela queria que eu elaborasse melhor a minha resposta. Levantei do sofá rapidamente, começando a perambular pela sala. Como eu diria para ela que eu tinha dormido com o marido dela e tido um filho dele? Com certeza ela não receberia isso muito bem.

-Melhor ser mais direto Duo… faça de conta que eu sou uma estúpida. – virei e dei de cara com ela em pé, na minha frente. Ela sabia, claro que ela sabia, ela tinha deduzido tudo mas queria que as palavras saíssem da minha boca.

-Porra! Eu fiquei grávido do seu marido! Quer que eu soletre ou escreva isso para você? – gritei, já sem paciência. Esperei um tapa, um chilique, um grito, qualquer coisa vindo dela mas a única resposta que obtive para a minha explosão foi um suspiro. Okay, fiquei sem entender.

-Então está explicado o porquê dos genes de Nathan e Heero serem tão parecidos. Hum… mas quando foi que vocês… - ela estava muito calma e eu não estava gostando disso. Mas com certeza essa calma sumiria quando eu contasse quando foi que o Nathan foi feito.

-Na despedida de solteiro dele… na noite antes do seu casamento. – esperei uma explosão agora mas… nada veio. Ela somente caminhou de volta para a cadeira onde estava e me apontou o sofá. Fui para lá e me sentei. E agora?

-Eu deveria ficar furiosa com você e com certeza é o que você está esperando… mas a vida pessoal de Heero não é mais assunto meu há cinco anos. – agora fui eu que franzi a testa. –Nos divorciamos. – ela declarou isso tão calmamente, como se estivesse comentando o tempo.

-O quê? Mas por quê?

-Apenas percebemos que… o amor acabou e só restou o carinho… a amizade. – e deu de ombros.

-Mas… mas… não foi dito nada na mídia… como o mundo não ficou sabendo disso? – nisso ela sorriu.

-Bem, eu ainda tenho alguns inimigos políticos, e o fato de eles pensarem que eu divido a cama com o ex-soldado perfeito diminui um pouco as ameaças de morte. E a impressa nunca desconfiou do divórcio, porque além de termos feito isso no mais absoluto sigilo, Heero está sempre por perto e então ninguém suspeitou.

-Mas vocês pareciam tão… tão perfeitos um para o outro…


Relena POV

Sorri novamente para ele. Perfeitos um para o outro. É, talvez fossemos, há anos atrás. Mas Heero e eu tínhamos apenas a sintonia que um casal precisava… mas faltava a química para poder manter o relacionamento. E estranhamente eu sempre via essa química entre ele e Duo. Eles eram tão amigos, pareciam se completar perfeitamente. Quando juntos, eram mortais e… perfeitos. Eu via isso antes mesmo de me casar com Heero, mas naquela época eu estava apaixonada e creio que Heero acreditava sentir o mesmo por mim, por isso apenas achava que eles eram tão bem entrosados pelo fato do americano ter sido o primeiro amigo de verdade do japonês, e por isso que ele se importava tanto com ele. Como eu estava errada.

-Parecíamos, não parecíamos? E fomos, por longos e maravilhosos onze anos. Mas um dia acordamos e percebemos que o tesão não estava mais lá, e que nos beijar era quase como beijar um irmão, então decidimos cada um seguir o seu caminho. – a cara que ele fez de choque me fez rir, mas rapidamente eu fiquei séria, pois a questão aqui era outra. –Duo, por que você nunca nos procurou? Por que nunca ficamos sabendo da sua gravidez? – percebi ele ficar tenso e sei que toquei em um ponto doloroso da vida dele.

-Relena, você realmente não esperava que eu aparecesse, meses depois do seu casamento, e jogasse essa bomba no colo de Heero, não é mesmo? – sei que o que ele fez foi pensando no nosso melhor, mas mesmo assim… Heero tinha o direito de saber, por mais chocante que a notícia pudesse parecer.

-Ainda sim, como não ouvimos falar da sua gravidez porque… apesar de hoje a probabilidade de um homem ter um filho esteja crescendo por causa das pesquisas científicas, naquela época ainda sim era uma coisa rara. – ele ficou mais tenso ainda.

-Eu tive ajuda da Hilde… ela… ela me acompanhou durante a gestação e se passou por mãe do Nathan. – Deus a coisa era pior do que eu imaginava. Pelo visto isso parecia uma grande teia de mentiras.

-Nathan sabe que Hilde não era a mãe dele? – um aceno negativo de cabeça dele me fez soltar um suspiro. –E você ao menos pretendia contar a ele um dia? – outro aceno negativo. Estávamos com um problema. Porque no momento que Sally contasse a novidade aos outros… o pequeno segredo de Duo iria por água abaixo e a confusão seria generalizada. A não ser, é claro, se Duo contasse aos outros primeiro.

-Você sabe o que vai acontecer quando Sally revelar os resultados dos exames, não sabe?

-É… eu sei. Eu deixei Nathan de sobreaviso quando ele decidiu fugir para a Terra para ajudar o Heero. – sorri um pouco. Aquele garoto realmente era os pais que tinha.

-Ah Duo… eu realmente sinto tanto. – não pude deixar de me sentir um pouco culpada, Heero estava casado comigo naquela época e isso fez Duo se afastar e passar por isso tudo sozinho. E como mãe eu entendo o que ele está sentindo. Claro que entendo.

-Pelo que Lena? – ele parecia tão cansado, mas ao mesmo tempo leve. Acho que sustentar uma mentira dessas desgasta qualquer um. –Eu que deveria pedir desculpas. Afinal, eu te traí, eu dormi com o seu noivo na noite antes do seu casamento.

-Ficar nos culpando não vai servir de nada. O que é preciso fazer agora é contar a verdade antes que a coisa piore.

-O quê? – ele levantou tão rápido do sofá que eu cheguei a ficar tonta diante da agilidade dele.

-Contar a verdade, Duo. Você precisa contar a verdade para os dois. Saber pela boca de terceiros não vai aliviar o que vai acontecer, ao contrário, apenas vai magoar mais.

-Relena eu realmente sinto muito mesmo… mas pra começo de conversa eu fui contra tudo isso. Eu sei que fui egoísta, que eu tinha a chance de salvar a sua filha bem debaixo do meu teto, mas se Nathan não fosse tão… teimoso, nada disso estaria acontecendo. Me perdoa se eu estou me borrando de medo em como eles vão reagir. Você tem que entender que não é fácil ser odiado pelas pessoas que você… - ele se calou, arregalando os olhos ao perceber que iria dizer algo que não deveria. Mas ele não precisava, eu via dentro daqueles orbes violetas o motivo da dor, do desespero, do medo…

Ele amava Heero. Durante todos esses anos ele amou Heero, e teve que suportar a dor de criar o filho dele sozinho. Minha nossa… esse homem não existe! Eu juro que se Heero o magoar depois que ele souber a verdade, eu mesma daria uns sopapos no japonês.

-Ah… e a quem você acha que ele puxou? O que você esperaria de um Maxwell-Yuy? – e sorri diante da expressão surpresa dele por eu ter reagido tão calmamente à revelação muda do amor que ele sente por Heero. Oras, eu também amo o Heero, não da mesma maneira que Duo, mas o amo. E quero ver o meu melhor amigo feliz. E tenho a sensação de que o americano é a pessoa certa para isso.

-Relena… - um sorriso, ele estava me dando um sorriso e isso já era meio caminho andado. –Você não existe.