Heero POV

Eu odeio esperar. A coisa mais irritante que existe é quando você tem que esperar, dá a sensação de impotência, e o que eu mais detesto é me sentir impotente.

A operação de transplante de medula havia sido um sucesso, Audrey e Nathan já se recuperavam da operação. Porém, ainda havia as quarenta e oito horas para saber se a medula doada foi aceita pelo organismo de Audrey. As primeiras vinte e quatro horas já tinham se passado, faltava apenas mais vinte e quatro. Mas mesmo assim Sally poderia me dar alguma notícia. Eu detestava ficar nessa agonia, querendo saber se finalmente tinha dado certo.

Estava andando de um lado para o outro no corredor do hospital, e só parei quando uma das portas do corredor se abriu e por ela passou Duo. Ele estava visitando Nathan, que estava se recuperando do transplante. Eu já havia feito uma visita ao meu… filho. Era estranho saber que aquele garoto era o meu filho. Eu nem sabia como reagir perto dele. De qualquer maneira, Duo era o único no hospital comigo. Eu despachei Relena para casa pois ela estava exausta. Quanto aos outros pilotos, eu os expulsei também. Eles estavam fazendo muitas perguntas, sondando demais, e eu percebi que a presença e a curiosidade deles estava deixando Duo incomodado. Agora éramos apenas nós dois. E acho que estava na hora de esclarecer algumas coisas.

-Heero. – ele falou em um sussurro, sentando-se em uma das cadeiras que havia no corredor, pondo-se a esperar. Também queria saber como Audrey se sairia. Sentei ao seu lado, já cansado de andar, e ficamos em um silêncio estranho durante uns bons minutos.

-Duo… - finalmente reuni coragem para perguntar o que estava martelando na minha mente desde que nossos filhos entraram na sala de cirurgia. -… o que vai acontecer depois? O que vai acontecer com a gente?

-A gente? – ele me olhou e mordeu o lábio inferior. –Não há um "a gente", Heero. Não há nós aqui. – arregalei um pouco os olhos. Como assim? Depois de tudo o que aconteceu entre a gente. Certo, não aconteceu muita coisa recentemente, mas o passado contava, e muito.

-Como assim? – me fiz de idiota, ele teria que se explicar.

-Heero… - ele soltou um suspiro e abaixou a cabeça. -… a única coisa que nos liga é o Nathan. Nada mais. Não temos mais nada em comum. O que aconteceu há dezesseis anos foi um erro de adolescente…

-Não! – eu havia guardado isso por muito tempo e estava na hora de dizer a verdade para ele.

-Não o quê? – Duo levantou o rosto e me olhou intensamente com aqueles olhos violetas.

-Não foi um erro, Duo… eu sabia o que estava fazendo.

-O quê? – ele arregalou os olhos e por um momento pensei que ele estava começando uma crise de asma, porque ele pareceu ter parado de respirar.

-Eu poderia estar embriagado, mas não tanto assim. A bebida foi uma desculpa para… para eu poder me encontrar.

-Heero eu não…

-Eu… eu estava divido Duo. Dividido entre você e a Relena. O que eu sentia pelos dois era tão estranho. Eu sabia o que era amizade por causa dos outros pilotos, mas com vocês dois era algo mais profundo. Eu já tinha a Relena, mas ainda sim aquilo que eu sentia por você não sumia, então eu tive que saber até onde iam esses sentimentos. Por isso, naquela noite eu me aproveitei da nossa bebedeira para saber como seria… estar com você. – pronto, eu tinha falado, mas ele parecia estar entrando em choque, porque me olhava com os olhos largos e os lábios trêmulos.

-Você… mas você disse… que não foi importante…

-Eu menti, okay? Eu menti, pombas! – me levantei, não agüentando mais ficar parado e dizer aquilo tudo ao mesmo tempo. –Quando eu acordei eu percebi que tinha feito uma burrice. Você estava bêbado e era o meu amigo. E essa era a única coisa que você sentia por mim, amizade. E eu te usei para tentar saber o que eu sentia. No fim achei melhor jogar de inocente e fingir que nada aconteceu. Um sistema de auto defesa cafajeste mas foi a melhor saída que eu encontrei. Além do mais, eu amava a Relena e tinha certeza que seria feliz com ela…

-E quanto a mim? O que você sentia por mim?

-Eu não sabia direito. Eu confundi tudo Duo. Eu estava aprendendo a sentir naquela época. Mas hoje… depois daquela noite que a gente passou juntos quando você brigou com o Nathan…

-O que Heero? – eu olhei para ele e vi os olhos brilhando mais intensamente, a respiração suspensa, esperando pacientemente pelo desfecho da minha declaração. Respirei profundamente, revisando lá no fundo do meu ser tudo o que eu sentia, para ter certeza de que o que eu estava fazendo era o certo. De que eu não estava confuso de novo. Mas eu sabia, depois de anos vivendo e aprendendo, eu já sabia dizer o que eu sentia sem precisar usar mais ninguém para isso.

-Ai shiteru, Duo.


Duo POV

Eu… eu não sabia o que dizer. Eu não sabia como reagir. Ele disse, ele disse aquelas palavras com as quais eu sonhei milhares vezes. Será que eu ainda estava sonhando? Será que era uma ilusão? Não, eu não poderia acreditar. Quem seria maldoso o suficiente para brincar dessa maneira comigo? Mas ele parecia tão real, ali na minha frente, nesse corredor de hospital, rijo e tenso, esperando uma reação minha. Geralmente os meus sonhos são mais fantasiosos. E agora? O que eu iria fazer? Como eu iria reagir? Pulava de alegria, me estapeava para poder não elevar as minhas esperanças, porque poderia ser uma ilusão… dava um passo de cada vez… Eu não sei.

Deixei o instinto se apossar de mim e levantei da cadeira, caminhando a passos lentos até ele. O corpo dele ficou mais tenso ainda, acho que ele estava esperando o pior de mim. Mas nem eu mesmo sabia como reagir. O que faria? Deus Maxwell! Toma vergonha nessa cara, você já é um homem e é muito mais forte do que isso. Arrisque-se! Vamos! Se tudo der errado apenas junte os pedaços e retome a sua vida, como você sempre fez.

Me arriscar, certo. Me arriscar. Então vamos lá.

Segurei o rosto dele com ambas as mãos e aqueles olhos azuis me olharam incertos sobre o que eu iria fazer. Inspirei profundamente e sem nenhuma cerimônia o beijei. As lágrimas rolando por minha bochecha se misturando ao beijo. Era apenas um toque de lábios, nada mais profundo. Até porque, ele parecia em choque diante da minha atitude. Me afastei um pouco, olhando para os olhos largos dele, esperando uma reação negativa para me confirmar que tudo o que aconteceu agora a pouco foi uma ilusão. Mas tudo o que ele fez foi sorrir e senti meus joelhos tremerem. Ele estava sorrindo para mim e isso era melhor que qualquer declaração de amor.

Desprevenido, quase soltei um grito surpreso quando ele me enlaçou pela cintura e me arrebatou para outro beijo, mais sedento, mais profundo, como se quisesse colocar tudo e muito mais, seu coração, apenas naquele gesto. Senti mais lágrimas rolaram por meu rosto e me considerei um idiota. Estava me tornando um imbecil sentimental, logo eu que nunca fui de chorar muito. Mas que se dane. Eu estava feliz pombas, e que os outros vão para o inferno. Quando nos separamos novamente percebi que as lágrimas que se misturaram ao beijo não eram apenas as minhas, Heero também estava chorando. Chorando por mim, por nós. Dessa vez fui eu que sorri, me afastando dele e pegando em sua mão, o guiando até as cadeiras e nos sentando. Fazendo companhia um ao outro enquanto as horas passavam.

Pisquei os olhos cansados e percebi que o sol se punha, pela segunda vez, no horizonte. Tentei me mexer mas senti um peso sobre as minhas pernas. Olhei para baixo e vi Heero dormindo em meu colo. Algumas horas atrás trocamos as cadeiras do corredor pelo sofá da sala de espera. Olhei para o relógio que estava na sala e percebi que as quarenta e oito horas estavam terminando. Queria me levantar, pois me sentia todo dormente, mas o calor de Heero e a proximidade dele me incentivavam a ficar onde estava. Uma nova pessoa entrou na sala e eu vi olhos azuis brilharem em nossa direção.

-Vejo que as coisas andam bem por aqui. – Relena me falou em um sussurro e eu senti o meu rosto esquentar. –Espero que tenham se entendido. – minha única resposta para ela foi um grande sorriso e ela pareceu brilhar de alegria pela gente. –Vocês estão um caco. Eu mandaria os dois para casa… mas sei que vai ser uma batalha perdida. A teimosia dos dois se iguala. – ri um pouco e no meu colo Heero se mexeu, piscando os olhos e tentando se localizar. Ele mexeu-se vagarosamente, demorando muito para sair da posição onde estava, e creio que ele estava fazendo isso de propósito.

-Boa noite Heero. – Relena falou, ainda sorrindo e se sentando em um sofá perto da gente.

-Noite? – ele finalmente sentou ereto e deu um longo bocejo, olhando o relógio em seu pulso.

-Você dormiu bastante Heero. – falei e ele olhou para mim, dando um pequeno sorriso. Não consegui evitar em sorrir de volta.

-Sally já apareceu com o diagnóstico?

-Ainda não. – respondi a ele, também tenso com essa demora. Se Nathan não servisse para a pequena Audrey, mais ninguém serviria. Ficamos sentados lá esperando por mais umas duas horas, até que Sally finalmente apareceu. E não estava sozinha, os outros pilotos estavam com ela. Me senti um pouco incomodado. Quando eles ficaram sabendo do meu retorno perguntas começaram a rolar, principalmente por parte de Quatre. E apesar do loirinho hoje ser um homem, ele ainda tinha aquele olhar que fazia você contar até os seus segredos mais podres. E foi o que eu fiz, contei a eles tudo, só que quanto mais eu falava mais perguntas surgiam. Por que eu não confiei neles, por que não os procurei quando precisei. Por que eu resolvi sumir. Por que eu não os considerei amigos o suficiente para poder me ajudar. E isso tudo me fazia sentir culpado. E não havia palavras para poder explicar todos os meus motivos. Na verdade, havia sim. Era apenas uma palavra:

Heero.

-E então? – eu perguntei, pois parecia que Heero e Relena tinham ficado mudos de tensão. Não os culpo. Por quantas vezes eles passaram por isso, tiveram as esperanças elevadas, para no fim descobrir que a filha deles continuava condenada a uma morte precoce? Ao meu lado, senti Heero apertar a minha mão e me senti feliz por ele querer o meu apoio. Quatre e Trowa envolveram Relena em um abraço, a suportando caso o pior acontecesse. Sally e Wufei trocaram olhares e eu senti meu coração dar um pulo. Falem logo porra! Não deixem a gente assim!

-Calma, já vamos falar. – Wufei respondeu sisudo. Eu reclamei em voz alta? Nem tinha percebido. –Sally?

-Fizemos todos os exames Heero… Relena. – um sorriso começou a surgir na face dela e eu senti esse sorriso começar a refletir nos outros. –É perfeito. Totalmente perfeito. – ela irradiava uma alegria que estava contagiando a todos. –Totalmente compatível, sem o mínimo traço de rejeição. Audrey está curada. – pelo canto do olho eu vi Relena se debulhar em lágrimas, sendo abraçada fortemente por Trowa e Quatre. Ao meu lado, Heero soltou a minha mão e caiu de joelhos no chão e eu fiquei assustado. Os ombros dele tremiam e eu ouvi soluços vindo dele. Heero estava chorando. Ele realmente estava chorando como nunca havia chorado. Não eram apenas as lágrimas, eram soluços, lágrimas, corpo trêmulo, tudo. Me ajoelhei ao lado dele e passei um braço sobre os seus ombros.

-Heero? – os olhos azuis viraram-se, vermelhos, para mim.

-Obrigado Duo. – obrigado? Pelo quê? –Por tudo. Por ser o meu amigo, por sempre salvar a minha vida. Por me dar um motivo para sobreviver à guerra. Por um filho maravilhoso. Pela salvação da minha filha. Por ser simplesmente… você. – no futuro eu até brincava, para poder escapar da vergonha, que essa tinha sido a declaração de amor mais tosca que Heero tinha me dito. Mas secretamente seria enumerada como a minha favorita, e ninguém nunca soube disso, nem mesmo Heero.

Bem, pode até soar clichê, mas é isso que eu chamo de um final feliz.

Fim

N.A: Agradecimentos a Lien, Evil e Yoru por lerem a fic e darem a sua opinião e sugestão. Pipe e Terezinha-Fleur, final feliz viu? Nem precisam me bater por causa disso, okay?Rafi n'ha Doria, uma review sua, que honra, porque eu adoro as suas fics, sou sua fã. O mesmo vale para Fabi-chan. Valeu mesmo. E aos outros que também revisaram a minha primeira mpreg. Que bom que gostaram, me sinto muito feliz mesmo.

Bem, contando um segredo, essa fic toda teve com trilha sonora "Broken" do Seether com a Amy Lee.