Capítulo Dois – Uma história a ser contada

Olhou para as próprias mãos castigadas pelo tempo, como todo o seu ser. Já não mais irradiava vida ou felicidade como há muito. Desde... Bom, era melhor não lembrar disso. Saber que não podia voltar atrás, saber que já não podia fazer nada, a machucava profundamente. Aprendera que olhar sempre para frente era o melhor remédio, e fizera isso para sobreviver até hoje. Mas já não tinha muito mais vida no futuro, só o que lhe restava era o triste e distante passado. Porém, ela sentia que ainda tinha algo mais para fazer ali, só não sabia o que.

Terminando de lavar a louça, ouviu a filha lhe chamar do quarto. Curiosa, foi o mais rápido possível que suas velhas pernas permitam. Ao abrir a porta, a encontrou segurando o Profeta Diário firmemente e parecia bastante contente. Ficou a admirando ternamente. Se não fosse por Mary, não sabia se teria sobrevivido por tanto tempo. Era a sua única razão de viver. No auge de seus vinte anos, ainda parecia uma criança e lhe lembrava muito seus tempos na escola. Seus longos cabelos ruivos caíam em cachos sedosos e bem cuidados até o ombro, e no momento estavam presos em um bonito coque frouxo. Sua pele morena, igual a do pai, era bonita e gostosa de se tocar. E seus olhos verdes irradiavam a mais pura inocência que ela mesma não conhecera com onze anos, por culpa dele. Mesmo depois de tantos anos, a imagem de Tom não lhe saía da cabeça. Fora ele o culpado pela perda de sua ingenuidade, por conhecer as coisas mais horríveis e que preferia nunca ter conhecido. Mas felizmente que ele já não estiva lá para acabar com a vida de mais inocentes, para continuar o reinado do mal que ele criara. Agora o mundo mágico era calmo e próspero, porém não se sabia até quando. E os rastros da guerra ainda eram vistos e lembrados, fazendo muitas pessoas chorarem.

- Olhe, mãe! A senhora não estudou nessa escola? – Perguntou com alvoroço, enquanto lhe estendia o jornal. Virgínia o pegou vacilante. Se fosse algo sobre Hogwarts não sabia qual seria sua reação. Lutara tanto para esquecer! Não podia e nem queria reviver aqueles tempos. Sentiu o coração parar ao ler a manchete principal: PESQUISADORES BRITÂNICOS ENTRAM NAS RUÍNAS DO VELHO CASTELO DE HOGWARTS. Não queria ler mais. Só o que já lera lhe fizera lembrar de coisas que preferia ter esquecido, para sempre. – Finalmente! – A voz de Mary a fez voltar de suas recordações. – Poxa! Eles tentaram tanto. Tou super curiosa, mãe. Senta aqui e vamos ler juntas! – Disse se jogando na própria cama, puxando-a consigo de forma carinhosa.

- Mas... – Ela tentou argumentar. Realmente não queria saber o que estava lá, mas como explicar isso para a filha? Ela iria querer saber porque, porém ainda não estava pronta para lhe dar as respostas que tanto queria. Mary pegou delicadamente o jornal de sua mão e o leu em voz alta.

- Ontem, um grupo liderado por Aldriw Gustin conseguiu adentrar no tão desejado terreno de Hogwarts. Infelizmente a escola desabou logo depois... – E continuou a ler toda a matéria com Gina prestando atenção, por mais que não quisesse. Falava de toda a jornada dos pesquisadores, dentro e fora da escola. Mas o que lhe chamou mais a atenção, foi a parte em que o líder comentava sobre um velho livro preto, totalmente destruído. Pedia que se alguém soubesse algo sobre aquela estranha relíquia, o procurasse para lhe dar uma explicação. Disse que recompensaria bem. Mas Virgínia não se interessava pela recompensa e achava que talvez sabia o que era. Só teve certeza quando olhou a foto do tal livro. Soltou uma alta exclamação, fazendo sua filha parar de ler e olha-la estranhamente. Não podia ser! Não acreditava... – O que foi, mamãe? – Perguntou com um olhar indagador, mas não obteve resposta alguma.

Sentia que era sua chance. Sabia que era aquilo que tanto esperara sua vida inteira. Finalmente poderia se abrir sem medo, dar todas as respostas que todos queriam saber. Quem sabe assim, depois pudesse finalmente alcançar o tão almejado descanso. Levantou-se deixando sua filha curiosa a fitando.

- Troque-se. Temos uma visita a fazer. – Falou com a voz fraca.

- Mãe, você sab...

- Sei. – Disse firme, saindo do quarto.

O alvoroço foi total quando Gustin anunciou a visita de uma velha senhora. As expectativas eram tantas, que os comentários eram impossíveis. Muitos não acreditavam que alguém que fora estudante de Hogwarts, estivesse vivo, até porque muitos morreram no combate. Porém, Aldriw estava imbatível e realmente radiante. Parecia ter certeza de que ela tinha tudo o que ele necessitava. Como, era um mistério.

A senhora só chegou ao fim da tarde, para o desespero dos ansiosos. Logo após sua chegada e já fora bombardeada de perguntas, mas diante de uma feia carranca que Gustin revelou, a confusão se dispersou rapidamente. Gina se sentia perdida no meio de tantas pessoas, e pensou mais uma vez se fora mesmo uma boa idéia o que decidira. Porém, agora já não podia desistir, além do mais queria retirar todo aquele peso que a atormentava há anos. Esperava não ter uma reação inusitada quando visse novamente o gasto diário. Como era bom ter certeza de que ele não estava mais ali para atormentá-la! O que era mais triste é saber e sentir as conseqüências que isso causara.

Caminhou lentamente, amparada pela filha até o quarto que lhe fora reservado. O local era grande e agradável. Uma ampla janela aberta deixava a leve brisa do pôr-do-sol entrar lentamente, tornando o clima ameno. Era decorado em tons leves de azul e branco, combinando perfeitamente. A cama de casal se encontrava no meio do quarto, seus lençóis brancos e macios estavam esticados totalmente e o dossel era de um azul bem claro. Havia uma mesa em cada lado do leito, sem nada. Um sofá recostado à parede da porta, com duas poltronas à frente e uma escrivaninha do outro lado do quarto. E tinha, é claro, uma porta de acesso ao banheiro. Tudo ali parecia calmo, deixando Virgínia confortável e satisfeita. Parecia também muito precário, até um pouco exagerado, ela não pôde evitar pensar, mas desde que se casara se acostumara com riquezas e luxos, afinal seu falecido marido era muito rico. Vagou os olhos pelo lugar mais uma vez, antes de suspirar cansada. Encontrou os olhos de Mary e do ancião a fitá-la. Sorriu-lhes docemente.

- Gostei muito do quarto. – Disse depois de uma longa pausa. Ele respondeu com a mesma intensidade o sorriso. Gina, reparando, gostou do casal que eles formavam, mas pensaria nisso depois, quem sabe até comentasse com a filha sobre algo. Porém, agora estava na hora de fazer outra coisa. – Posso ver o diário?

- Diário? Não tínhamos pensado que era um diário, estava totalmente em branco... – Falou Gustin confuso – Mas de qualquer forma, pode sim... Acompanhe-me.

- Obrigada. – E virou-se para a filha - Mary querida, você vem?

- Claro, mãe. Também quero saber da sua vida! – Riu. A velha não pôde deixar de rir junto. Com um aceno de cabeça dela, saíram, rumo à sala principal de pesquisas. O caminho até ela foi demorado, era bem distante do quarto e parecia também muito escondido. Quando comentou isso, recebeu como resposta de Gustin que lá ficavam as coisas mais valiosas e principais que eles acham, sendo assim, muita gente não podia ter acesso. Após uns dez minutos de caminhada, chegaram. Depois que Gustin murmurou a senha para a porta enfeitiçada, que Virgínia pôde ter a visão da tal sala. Era ampla e totalmente branca. No momento estava cheia, porque aquele era o horário de pico do lugar, em que os funcionários arrumavam as últimas pesquisas, organizavam novos trabalhos e viam se não haviam esquecido nada o que fazer. Logo um senhor veio cumprimentá-los cordialmente e propusera ajudar com o "grupo", já que Gustin trabalhava numa área mais reservada e dificilmente permanecia mais que três minutos ali. Seu nome era Alberto Drigan e aparentava ter por volta de sessenta anos. Não se sabia dizer se era o excesso de trabalho e estresse que formavam as rugas em seu rosto e o deixava com uma expressão cansada, ou se era pela idade mesmo. Além de tudo, era um senhor muito afável e simpático.

Sem mais interrupções pelo caminho, chegaram, ao que parecia ser, uma floresta. Porém, ao passarem por ela, Alberto rogou um feitiço que fez com que a verdadeira aparência do lugar se revelasse.

- Nós usamos esse feitiço de ilusão nessa porta para confundir todo e qualquer ladrão que tente entrar aqui, que é onde ficam as coisas mais importantes de todo o "Centro de Pesquisa". Apenas eu e certos funcionários qualificados, sabemos o feitiço que retira a proteção, e se você não o fizer, se perde por aqui. – E piscou marotamente para seus acompanhantes. Sem mais delongas, adentraram na tão sigilosa sala. Era pouco movimentada. Na verdade, não era nem um pouco movimentada. O local, como tudo por ali, era totalmente branco, igual à sala anterior. Três homens, devidamente uniformizados, estudavam um livro, sentados na extensa mesa que chegava de uma parede à outra no laboratório, sem qualquer contato com o mesmo, podia ser um objeto perigoso. E realmente fora. Há muito tempo atrás. Drigan foi até eles e murmurou-lhes algo no ouvido, o que os fez, com um aceno positivo da cabeça, levantarem e saírem silenciosos pela porta principal. Gustin sorriu satisfeito, antes de falar.

- Aquele é o diário – Deu ênfase à última palavra, parecia um tanto descrente – que queria ver... – Virgínia agradeceu sussurrante, sua voz fraca e triste. Nunca quisera, nem esperara, encontrar novamente aquele velho diário, que tanto desgraçara sua vida. Lentamente andou até a mesa e o pegou. Sua aparência era, ao mesmo tempo, macabra e lamentável. Ela suspirou aliviada ao lembrar, mais uma vez, que Tom já não estava ali para lhe fazer mal, e nunca mais voltaria... – E então vai nos contar sua história? – Sentiu o coração acelerar ao ouvir aquelas palavras, logo seguidas de um sorriso da parte de quem perguntara. Era agora. Finalmente teria a sua chance, e não ia desperdiçá-la, porém sabia o quanto àquelas lembranças iriam machucá-la. Abrir as feridas que fechara com tanto custo. Mas era a hora, e foi com esse pensamento fixo na mente que respondeu.

- Sim...