Capítulo 12 – Natal branquinho
Era o primeiro dia das férias de Natal e Aline e Cinthia curtiam o silêncio do salão principal. Aline estava particularmente feliz, já que Douglas foi passar o natal em casa. E mais alguém resolveu passar as férias em Hogwarts esse ano.
- Sem você aqui no ano passado eu quase enlouqueci – disse Aline para Cinthia, que estava ocupada vendo uma formiga andar de um lado para o outro na mesa.
- Imagino. Ter só o Tosco como companhia no natal não deve ter sido nada bom.
- Foi nauseante. E não tinha ninguém melhor pra conversar. Mas pelo menos esse ano você ficou.
- É, consegui convencer minha mãe a me deixar passar um natal aqui, e não foi fácil. Quer jogar uma partida de xadrez? – perguntou Cinthia ficando finalmente entediada com a formiga.
- Ou nós poderíamos ir lá fora – disse Ali rapidamente. Ela não tinha paciência para jogar xadrez bruxo e sempre acabava perdendo.
- Tá um frio de rachar e você quer sair? Vamos jogar só uma vezinha!
- Ou... a gente dar um passeio lá fora e depois joga.
Aline esperava que Cinthia acabasse gostando do passeio e esquecesse o jogo.
- Hum... OK.
- Graças a Deus! – ela suspirou.
- Hein?
- Nada, nada não.
As duas saíram e Cinthia realmente esqueceu do xadrez uma vez que estava lá fora. Ela adorava aquela neve fofa que se acumulava em volta do castelo. No Brasil podia fazer tanto frio quanto lá, mas nunca chegava a nevar. No máximo chovia granizo. Esse era o seu primeiro natal com neve, e também o primeiro de Aline, tecnicamente. No ano anterior não havia nem um pingo de espírito natalino.
Mas não era o espírito natalino que mantinha o interior do castelo aquecido, e Aline se arrependeu levemente de terem saído.
Começaram a juntar neve e fazer um boneco para espantar o frio. Quando terminaram, ele parecia um pouco torto para a direita, e foi com um barulho abafado que a cabeça acabou caindo no chão.
- Quem sabe temos mais sorte com o segundo – disse Cinthia. – E que tal fazer este outro maior?
- Ei, olhe lá! – Aline apontou na direção da cabana de Hagrid, sem prestar atenção no que a amiga dissera. – O que será que aqueles dois estão fazendo?
Além da cabana, Cinthia viu que Aline estava apontando para dois pontinhos ruivos que desapareceram do outro lado, e não tinha como se enganar, eram Fred e Jorge.
- Vamos descobrir – disse Aline antes que Cinthia dissesse alguma coisa.
Passaram a cabana e estavam chegando perto da horta de Hagrid quando sentiram duas enormes mãos segurarem as golas das vestes, quase levantando-as do chão.
- Oi, Rúbeo – disse Cinthia com um tom nervosamente meigo, sem conseguir disfarçar muito bem.
- Não me venham com sorrisinhos. O que as duas estavam fazendo por aqui sozinhas? Vocês sabem que não podem entrar na Floresta Proibida, ela é proibida para os estudantes.
- Isso nós sabemos só de ouvir o nome – disse Aline -, mas tem outras duas pessoas que não ainda entenderam.
- Quem? Fale rápido.
Hagrid continuou a segura-las pelas golas sem perceber, e Aline não tirava os olhos do enorme machado que ele largara no chão a poucos passos dali.
- Fred e Jorge Weasley. Naquela direção – ela disse apontando para mais além da horta.
- De novo?! Se vocês soubessem o trabalho que eu tenho pra afastar esses dois da floresta... Esperem aqui!
Não demorou muito para Hagrid voltar carregando os dois garotos. E eles não pareciam muito felizes, pois certamente sabiam usar as pernas muito bem.
- Agora – começou Hagrid -, vocês quatro vão me explicar o que estavam fazendo perto da floresta. Na verdade, só vocês duas vão explicar, porque eu já sei o motivo dos garotos.
- Espere só um minuto! – disse Fred. – Nós não estávamos fazendo nada!
- Estou chocado com a sua falta de confiança em nós, Hagrid!
- Não tentem enrolar. Eu peguei os dois já com um pé dentro da floresta. E qual é a desculpa das senhoritas?
- Estávamos só tentando descobrir o que esses dois estavam fazendo – disse Aline sinceramente.
- É, estávamos seguindo eles – concordou Cinthia.
- E teriam seguido até o coração da floresta ou teriam chamado alguém? – hagrid viu ambas abaixarem a cabeça e adivinhou a resposta, mas sabia que elas não iam fazer de propósito. – Vocês sabiam que é errado entrar na floresta.
- Mas não vamos pegar detenções por isso, vamos? Nós nem chegamos a entrar na floresta. – Cinthia fez uma carinha tão triste que foi impossível para Hagrid não ficar com pena delas.
- Hum, bom, eu devia falar com os diretores das casas para eles descontarem pontos. Mas vamos fazer o seguinte: vocês me ajudam com as árvores de natal do castelo e eu esqueço o assunto dessa vez, tudo bem?
- Obrigada Rúbeo! – disse Cinthia sorrindo, e o meio gigante acabou sorrindo de volta.
Tudo que os quatro precisavam fazer era escolher a árvore mais bonita (todas da borda da floresta) e Hagrid fazia todo o resto. Enquanto ele cortava uma das primeiras, os quatro ficaram afastados a uma distância segura, e Fred e Jorge falaram baixo para que o meio gigante não os ouvissem:
- Como é que você conseguiu livrar a gente tão fácil?
- Ah, eu faço isso desde os sete anos – respondeu Cinthia. – É só fazer uma cara de cachorrinho pidão quando a pessoa tem coração mole e dizer que está muito, muito, muito arrependido. É tiro e queda!
- Temos que nos lembrar dessa da próxima vez – disse Jorge.
- E quem acreditaria em vocês dois? – gracejou Aline. – Vocês aprontam tanto que ninguém ia levar a sério.
- Ei, crianças! – chamou Hagrid. – Vão escolhendo a próxima que eu estou quase acabando com essa daqui.
Fred e Jorge correram na frente das garotas, mas Aline e Cinthia andaram sem pressa para escolher a próxima árvore. Elas não viram quando os gêmeos subiram em duas árvores mais à diante, e sem mais nem menos...
Ploft!
- Aline! Aline, você tá legal?!
Cinthia tentava desenterrar Aline quando outro monte de neve caiu sobre ela da árvore ao lado.
Fred e Jorge se acabavam de rir de cima dos galhos dos pinheiros. Quando Aline e Cinthia finalmente saíram dos montes de neve, já tinham bolas preparadas. Cada uma mirou em um, derrubando-os na neve grossa que cobria o chão.
Logo os quatro travavam uma verdadeira guerra de bolas de neve, e Hagrid continuou o trabalho sozinho.
Quando ficou difícil de mirar com os braços cansados, eles simplesmente se jogara para trás, afundando na neve fofa.
- Gente, como neve é bom! – disse Cinthia fechando os olhos.
- Não tem neve de onde vocês vem? – perguntou Fred um pouco surpreso.
- Não. E agora deve ter fazendo o maior calor lá no Brasil.
- Então essa foi a sua primeira guerra de bolas de neve – concluiu Jorge.
- E minha também – disse Aline, que agora estava fazendo marca de anjinho na neve. – Mas por que vocês querem tanto entrar na floresta?
Aline queria saber aquilo desde o começo, mas não queria perder tempo mudando de assunto suavemente. Ela não sabia ser muito sutil. Fred e Jorge nem ligaram.
- Justamente porque não nos deixam – respondeu Fred.
- Se não deixam os alunos chegarem perto é porque tem alguma coisa muito perigosa lá dentro.
- Ou seja, alguma coisa muito interessante!
- Vocês fazem idéia do que pode ter lá? – perguntou Cinthia.
- Aaaah, temos montes de idéias...
- ... hipóteses...
- ... suposições...
- ... mas só teremos certeza dos horrores que estão escondidos na Floresta Proibida quando virmos com nossos próprios olhos.
Pode ter sido pelo jeito que Jorge falou, ou pode ter sido por estar deitada na neve, mas Cinthia sentiu um arrepio subir pela espinha. Ela levantou o corpo e olhou o mais longe que pôde para dentro da floresta, que estava assustadoramente perto agora que ela olhava com mais atenção.
- Vocês não querem voltar pro castelo, não?
Os outros três responderam a isso com bolas de neve, derrubando-a, e acabaram recomeçando a guerrinha de antes.
N/A: Medrosa, medrosa! Covarde! Cagona! Huahuahuahuahuahua!
Giovanni também estava no castelo, e sempre que podia, Aline procurava falar com ele, já que Fred e Jorge o evitavam e o "trio mal-encarado" que sempre andava com Véio estava passando as férias em casa.
- Imagine só! O Tosco e o Big nem pensaram em fazer companhia pra ele no natal – disse Aline enquanto ela e Cinthia saiam do castelo na tarde do dia 24. – Ontem ele parecia bastante triste de ficar sozinho.
- Ele estava entediado. Aposto como ele sente falta daqueles três atarracados. Eles devem concordar com tudo o que ele diz, já que são estúpidos demais para juntar duas palavras numa frase.
- Não é estranho que quase todo a Sonserina pareça meio, sei lá, mal-encarado?
Cinthia revirou os olhos ao ouvir Aline dizer algo que toda a escola já havia reparado, e que até ela própria havia reparado desde o começo.
- Tia, pelo que você me falou que leu em Hogwarts – uma história (e foi muita coisa), isso não é mais que normal.
- Se você lesse esse livro, veria que nem todos os sonserinos fizeram coisas más, "sobrinha", e que nem todos os bruxos das trevas passaram pela sonserina. Você que lê tanto, não quer ler Hogwarts – uma história, não?
- Puxa, deixe-me pensar. Não! Você sabe que eu acho esse tipo de livro chato e entediante. Eu ia cair dormindo no primeiro parágrafo.
- Pelo menos seria mais útil que aquele que você está lendo agora. "O Kobold", não é?
- O Hobbit! Quer saber, vamos fazer uma visita ao Rúbeo.
Cinthia preferia ler livros de fantasia aos informativos que Aline tentava lhe enfiar goela abaixo, e não gostava de ser criticada por opiniões dos outros. Visitar Hagrid foi a primeira coisa que lhe veio à cabeça para encerrar o falatório de Aline, já que a cabana dele era visível do lado do lago em que estavam.
O gigante recebeu-as com bastante entusiasmo, quase esmagando-as com o abraço, mas Canino parecia ainda mais alegre. Ele pulou em Aline e lambeu seu rosto, deixando suas vestes levemente babadas.
- E aí, meninas! Querem um pouco de cerveja amanteigada? Tenho bastante.
Aline ficou com uma cara estranha, mas Cinthia não notou e perguntou o que era aquilo, e que pelo nome parecia gostoso.
- Ah, quase me esqueço que vocês vieram do Brasil. É muito bom! Vamos, experimente.
Ele deu uma garrafinha para cada uma, e elas acharam a bebida maravilhosamente boa. Era quente, e mesmo fazendo mais calor dentro da cabana elas sentiram que aquela bebida vinha a calhar.
Mas Aline ainda estava com uma cara estranha.
- Onde você conseguiu isso, Hagrid? – ela perguntou.
- Foram aqueles dois, Fred e Jorge que me deram. Disseram que queriam agradecer por eu não ter contado nada aos professores e me deram uma caixa cheia dessas garrafinhas como presente de natal adiantado. Claro, depois eu contei ao diretor o que tinha acontecido, e o Dumbledore só falou em como as árvores desse ano foram as mais bonitas que ele já viu. Tem um grande coração, o Dumbledore, não quer meter nenhum aluno em problemas se puder evitar.
- E eles disseram aonde conseguiram as cervejas amanteigadas? – insistiu Aline.
- Não, mas acho que foi na cozinha de Hogwarts. Onde mais poderia ser?
- Eu não sei... Hagrid, dá licencinha um minuto? Lembrei que ainda tenho uns presentes pra mandar e não quero que cheguem muito atrasados.
- Ah, tudo bem – ele disse meio confuso com a interrupção.
- Vamos, Cinthia?
- Mas... - Aline fez um sinal de que precisava falar com ela, e Cinthia finalmente entendeu o recado. – Tá certo.
Quando saíram da cabana, Cinthia esperou os soluções de Canino se distanciarem para cobrar a explicação.
- O que é que tem de mais nas cervejas amanteigadas? Por acaso é proibido ir até a cozinha?
- Só depois do toque de recolher – disse Aline automaticamente, o que fez Cinthia revirar os olhos. – Mas é nessas horas que vale a pena ler Hogwarts – uma história.
- E o que tem de tão fantástico sobre cervejas amanteigadas em Hogwarts – uma história – Cinthia perguntou sarcasticamente.
- Pare de me interromper que eu falo! Bom, o caso é que não tem cerveja amanteigada na cozinha de Hogwarts.
- Eles mudaram o cardápio. E daí?
- Eles não mudaram o cardápio. Eu li que a cerveja amanteigada só encontrada em um lugar da Inglaterra, mas eu esqueci qual era. Por isso eu quero saber como eles conseguiram aquelas garrafinhas.
Como não havia sinal dos gêmeos Weasley o lado de fora do castelo, as duas foram procurar do lado de dentro. Quando viraram em uma curva, pararam ao ver os gêmeos no final de um corredor, na frente da sala de troféus. Estavam de costas para elas, e pareciam ligeiramente curvados sobre alguma que elas não puderam ver o que ra. Assim que voltaram a andar, Fred e Jorge se viraram para elas, esperando, já sabendo que iam dar uma de intrometidas.
- OK – começou Aline, mas não foi preciso chamar a atenção deles, pois já sabiam que era ela quem ia falar. – Aonde vocês conseguiram a cerveja amanteigada?
- Por que você quer saber? – perguntou Fred, desafiador.
- Porque vocês deram um monte pro Hagrid e eu sei muito bem que eles não fazem cerveja amanteigada na cozinha de Hogwarts.
- Nossa mãe mandou para nós.
- É – confirmou Jorge. – Dissemos para ela mandar um pouco esse ano, que ia ser uma boa com o frio que faz em Hogwarts.
- Mas como ela mandou se a cerveja amanteigada só é vendida em um lugar da Inglaterra e eles não divulgam a receita?
- Ela encomendou e pediu pra mandar pra cá.
- Quer saber de mais alguma cosa? Data de fabricação? Número do recibo? Não? Então dá licença que temos mais o que fazer – disse Fred, apontando com a varinha para elas e o outro lado do corredor.
- Não precisa ser grosso – disse Aline, se virando. – Só estava curiosa.
Quando elas se afastaram o bastante da sala de troféus, Aline começou a praguejar.
- Se o Fred não tivesse puxado a varinha, eu ficava até arrancar a verdade deles. Você deu uma boa olhada na cara deles? Era óbvio que estavam mentindo!
- Conhecendo eles, é bem provável. Mas eu estava prestando atenção em outra coisa. Você percebeu que eles estavam curvados antes de verem a gente?
- Hum-rum; e daí?
- Quando eles se viraram, eu vi a ponta de um pergaminho.
- Mas eles não estavam segurando nada.
- Eles tentaram esconder. Quando você perguntou da cerveja, eu vi o Fred apertar ligeiramente a parte do bolso interno das vestes. Provavelmente ele guardou o pergaminho ali.
- Mas o que isso tem a ver com as cervejas amanteigadas? Pode não ter nenhuma ligação entre as duas coisas.
- Aí é que você se engana – Cinthia disse com um ar sábio. – Se não tivesse nenhuma ligação, por que Fred tentaria proteger um objeto "secreto" ao ouvir alguém mencionar cerveja amanteigada?
- É, você pode ter razão. Mas ainda não vejo a ligação.
- Pode ser que o pergaminho contenha instruções de como conjurar cerveja amanteigada, um mapa que leve ao lugar em que fabricam a cerveja, ou até a receita.
- Mas por que eles esconderiam a receita? – Aline achou a idéia um tanto absurda, mas Cinthia disse prontamente a resposta.
- Você mesma falou que a receita é secreta. Eles podem estar protegendo o segredo do fabricante ou algo parecido.
- Humpf! Por enquanto eu acredito, mas quero ouvir isso vindo deles.
Na manhã seguinte, elas receberam muitos presentes (haviam ensinado as famílias a usar o correio-coruja brasileiro Andes de irem para a Inglaterra). Receberam um presente também de Hagrid, do diretor, de Luciana e imaginem só de Fred e Jorge. Ambas ganharam uma garrafinha de cerveja amanteigada.
Vazia.
Na verdade, havia um pequeno bilhete dentro das garrafinhas, que dizia "Para as xeretas, tudo o que elas merecem."
As duas se encontraram no salão principal, muito vazio àquela hora, e também por ocasião das férias. Apenas Percy estava sentado na mesa da Grifinória, e a da Sonserina estava ocupada por uma garota do sétimo ano e Giovanni em ponta opostas.
Aline foi se sentar com ele pensando em provar para Cinthia que o fato dele ser um sonserino não havia feito nenhuma mudança nele. Cinthia a acompanhou para avaliar o quanto estava certa e para que Aline não se iludisse muito, mesmo tendo apenas uma leve impressão de como ele era antes.
Depois de um tempo de conversa, Aline estava nas nuvens por estar conversando com o seu "amorzinho". Cinthia estava entediada; não estava nem um pouquinho interessada na conversa. E Giovanni estava... bem, era difícil dizer. Ele fazia comentários curtos e sorria apenas polidamente. Cinthia não sabia se eles estava mais aborrecido com a conversa ou com a simples presença delas.
Já que ele não queria elas por perto e Cinthia não tinha nenhuma intenção de prolongar o sofrimento de Giovanni, finalmente a garota achou uma desculpa para se levantar quando Fred e Jorge entraram no salão.
- Ei, Line, o que você acha de agradecermos os presentes que os gêmeos nos mandaram? – Cinthia olhou para Aline como quem dizia que ia com ou sem ela.
- Humpf, tá legal. – Ela se levantou e seguiu Cinthia. Assim que se afastaram o suficiente de Giovanni, ela falou em um tom bem aborrecido: - Que pressa pra sair de lá, hein! Até parece que você não queria ficar perto dele.
- E nem ele queria a gente por perto. Se você não notou, ele estava bastante frio e distante. Achei que ele havia esquecido como se formava frases com mais de uma palavra até ele dizer "talvez não".
- Mas esse é o jeito dele. Ele pode parecer um pouco fechado e calado demais, mas você não pode dizer nada porque você também é assim, uma típica curitibana.
- "Você também é assim" – Cinthia a imitou com tom de falsete. – Vê se cresce.
- Então me diga com quantas pessoas de Hogwarts você já conseguiu manter uma conversa razoavelmente interessante e agradável.
- Hum... fora a Lucy e o Big, tem o Fred e o Jorge, o Rúbeo e... Ah, pra que eu preciso te falar com quem eu falo?
- Viu! Eu não disse?!
- Mas eu nasci assim! – Cinthia detestava quando a conversa acabava sendo sobre ela ou o que ela fazia ou sobre o jeito dela ser. – O Véio não era assim lá no Brasil, disso eu me lembro bem.
- Não tente voltar para um assunto encerrado. Você tem ou não falado com mais alguém?
Cinthia não sabia quando haviam encerrado aquele assunto, mas se voltasse para ele outra vez, Aline ia reclamar ainda mais.
- Ah... é... claro que sim.
- Ei! Cinthia!
As duas estavam passando pela mesa da Lufa-lufa nessa hora, e um garoto a chamou. Era Cedrico Diggory, sentado bem na ponta da mesa e sendo o único ocupante dela.
- Vocês não querem se sentar aqui? Está um tanto vazio e deprimente para um natal, não acham?
- Mas nós... - Cinthia viu Fred e Jorge se levantarem e saírem depressa do salão principal, e a idéia de segui-los não a animou muito. – É, tá legal! Aline, esse é o Cedrico. Cedrico, Aline.
- A gente se esbarrou na loja de varinhas, certo?
- Certo – respondeu o garoto.
As duas se sentaram e Cinthia olhou para Aline triunfante, como quem dia "viu, eu converso com mais gente".
Sem dúvida nenhuma, a conversa de Cedrico era bem mais interessante e divertida que a de Giovanni, e os três passaram toda a manhã conversando sobre muitas coisas, e o garoto contou a elas muitas coisas que não conheciam do mundo bruxo e da Inglaterra.
Na hora do almoço, Dumbledore resolveu juntar todos em apenas uma mesa, já que este ano havia tão poucos alunos no castelo. Cedrico se separou das meninas quando finalmente um colega de quarto apareceu no salão, e os gêmeos vieram logo atrás com uma aparência cansada, além de mais esfomeados que o normal.
Ainda no começo do almoço, Aline falou baixa e discretamente para que só Cinthia ouvisse. Não precisava falar tão baixo, já que todos conversavam animadamente em volta delas, mas mesmo assim quis se precaver.
- Sabe, o Cedrico te passou uma cantada no meio da conversa e você nem notou.
- O quê?! – Cinthia largou os talheres no prato de surpresa, e Aline olhou em volta para ver se alguém havia notado.
- Shhh! É sim. Você por acaso estava usando tampões?
- Você está sonhando – disse Cinthia, agora sussurrando. – Quantas vezes você já me falou "acho que ele gosta de você" e no final não era nada? Já me dei mal uma vez por causa das suas insinuações, sabia?!
- Tá, eu posso não ter estado cem por cento certa todas as vezes, mas agora eu tenho certeza de que estou absolutamente certa.
- Como das outras vezes...
- Mas você nunca acredita mesmo. Como você vai saber se eu estou certa ou não?
- Acontece que depois do terceiro partido que você tentou me arranjar eu parei de ouvir os seus conselhos.
- Por acaso são tão ruins assim?
- Você quer mesmo que eu responda a verdade? – Cinthia desviou o olhar da amiga e se deparou com Fred e Jorge observando-as co outro lado da mesa. – Perderam alguma coisa? – ela disse secamente.
- Como ela tá estressadinha – disse Fred, gracejando.
- Estávamos só apreciando o espetáculo - disse Jorge casualmente.
- Quer uma florzinha pra fazer bem-me-quer, mal-me-quer?
- Agora tem três pra decidir a minha vida, é? Então decidam sem mim, porque eu perdi o apetite.
Ela se levantou irritada e saiu do salão com passos rápidos e duros. Fred e Jorge educadamente seguravam o riso, ou a próxima a ficar nervosa seria Aline.
- Viram só o que vocês fizeram? Agora eu nunca vou conseguir convencê-la!
- Mas por que você tenta, afinal? – perguntou Jorge.
- Porque ela fica sem graça quando eu começo a falar da vida dela e é engraçado. Ela fala e fala de mim, mas quando eu fuço a vida dela, ela fica toda nervosinha.
- Sensíííível... - comentou Fred.
- Mas, me digam, por que vocês estavam tão interessados na nossa conversa?
- Ô menina! Pára! – disseram os dois em coro.
- Só perguntei...
À tardinha, Cinthia saiu do seu cantinho secreto. Era uma sala no sexto andar sem utilidade aparente. Estava totalmente vazia, com o teto alto apoiado por colunas, mas o que atraiu a atenção de Cinthia foi o enorme vitral que dava para o campo de quadribol. Era reto na base, da altura da cintura e larga o suficiente para se sentar nele, e subia até o teto em forma de arco. A figura mostrava um cervo bebendo água em um lago, com alguns arbustos em volta. De dia mostrava um sol no topo do vitral e de noite a lua. Cinthia notou que o vitral acompanhava as fases da lua, e também que não podia ser visto do lado de fora do castelo. Quando foi até o campo de quadribol achou apenas a continuação da parede de pedras no lugar do enorme vitral.
Ela ia lá toda vez que não queria ser encontrada, e quando ficava zangada, o que era relativamente raro. De certa forma aquela imagem do cervo a acalmava, mas algumas vezes demorava para fazer efeito.
E foi saindo dessa sala naquela tardinha que ela descobriu uma coisa curiosa.
Ela ouviu passos vindos da escada próxima e escondeu atrás de uma armadura ali perto. Não havia nenhuma entrada para as casas naquele andar e a presença de alunos por ali era suspeita. Quando os passos chegaram mais perto, Cinthia ouviu dois alunos falando e reconheceu as vozes de Fred e Jorge. Por um instante achou que eles haviam descoberto seu esconderijo para pegar ainda mais no seu pé, mas a conversa deles deixou claro que não era isso o que estavam fazendo.
- Você tem certeza que no livro estava escrito para tentarmos novamente às seis horas e não às sete? – disse Jorge.
- Certeza absoluta. De qualquer forma, temos que ir antes e verificar se fizemos tudo certo.
- E temos que aproveitar que hoje é o último dia da lua minguante. Só teremos outra chance no início da lua crescente.
Suas vozes morreram aos poucos no corredor, e Cinthia não ousou sair de onde estava para segui-los, pois seria facilmente descoberta se tentasse ouvir mais da conversa. Foi procurar Aline para contar o que ouviu a ela.
Mas onde procurar? Ora, era quase tão óbvio quanto dizer que bruxos fazem mágica. Na biblioteca, é lógico!
- Aline, preciso que você me ajude a...
- Onde é que você estava? – Aline ignorou totalmente o pedido de Cinthia. – Eu te procurei por toda a parte, sabia? O Hagrid também passou por aqui e perguntou de você...
- Quer me escutar um instante? O Tosco tava certo quando disse que você não para de falar, parece uma matraca!
- Quando é que foi isso?!?!
- Não importa agora. Tenho uma coisa muito mais importante e interessante pra te contar.
Cinthia repetiu toda a conversa dos gêmeos no corredor, e Aline prestou atenção em tudo, mas enquanto pensava numa solução para o enigma...
- O que é que você estava fazendo no sexto andar?
- Você por acaso ouviu uma palavra do que eu disse?
- Tá, tá. Eles provavelmente estavam falando de uma poção...
- Foi o que eu imaginei.
- ... mas mesmo que procuremos pela poção com essas instruções, pode levar meses só para olhar na parte não-restrita da biblioteca.
- E o que a gente faz agora?
- Podemos pressiona-los até contarem a verdade. Se não funcionar, ameaçamos com azarações.
- Ei! – exclamou Cinthia com um brilho nos olhos. - Você acha que podia ter alguma coisa a ver com as cervejas amanteigadas?
- Taí, eu não tinha pensado nisso.
Mas subitamente foram interrompidas por nada mais, nada menos que o estômago de Cinthia, que deu um ronco alto e constrangedor.
- Heh, que tal decidirmos o que fazer depois da janta? Não comi nada a tarde inteira e alguém encurtou o meu almoço.
- Não sei do que está falando, mas até que é uma boa idéia irmos jantar.
Fred e Jorge chegaram quase no final do jantar, e com as mesmas caras da hora do almoço, só que pareciam bem mais desanimados agora. Também pareciam estar sem paciência alguma (não que tivessem muita também), e Cinthia e Aline acharam que, definitivamente, não era hora para uma abordagem direta.
Eles não deram sinal algum que iam voltar para o sexto andar, e até convidaram as duas para jogar snap explosivo por serem as únicas pessoas razoavelmente aturáveis que haviam ficado no castelo para as férias.
Bem, era melhor que ficar fazendo nada de qualquer jeito, e elas jogaram com eles.
