#6ª Fase – férias no Brasil

Capítulo 30 – Aline e seus primos

Eles chegaram ao ministério brasileiro. Finalmente! Usar Pó de Flu Intercontinental era cansativo, além de nada barato. Ainda bem que seu pai haviam ganhado o Grande Prêmio Anual da Loteria do Profeta Diário, ou eles não poderiam visitar os amigos nas férias, tão pouco trocar o material escolar de segunda mão que usavam por algo bom.

- Aqui está, Srs. Weasley – um bruxo mais baixo do que eles, moreno de sol e com um cabelo loiro artificial que o fazia parecer um surfista de vinte e tantos anos entregou-lhes dois documentos idênticos, só mudando o nome dos dois. – A autorização de vocês para executarem vinte feitiços simples cada, já que não estão na companhia de seus pais. Qualquer irregularidade que fizerem aqui será notificada e suas licenças serão canceladas. Aproveitem bem as férias!

- Obrigado! – disseram Fred e Jorge ao mesmo tempo, se dirigindo a uma lareira. Ah é, também tiveram que comprar dúzias de saches de Chá de Português Brasileiro, o que também não foi muito barato.

O Pó de Flu que usaram naquela lareira era diferente. No Brasil os bruxos não costumam ter lareiras por causa do tempo quente, então inventaram um Pó de Flu que fizesse a pessoa aparecer na porta da casa ou do edifício. Povo criativo, pensaram os gêmeos antes de serem tragados pelas chamas verde-escuras que os levariam até a casa de uma amiga.

Pararam na frente de um portão de grades alto. Havia um portão para o carro e outro para as pessoas, do qual se seguia um caminhozinho até a casa. Jorge apertou um botão do lado do portão (é pancainha o nome, não é?) e eles ouviram um som vindo de dentro. De algum lugar de trás da casa, um enorme cão fila veio correndo e ficou parado de frente para eles, latindo.

- Maguila! Quieto! Volta pra casinha!

Eles viram Aline sair da casa, e o cachorro obedeceu ela sem pestanejar. A garota ficou muito surpresa de ver os dois ali.

- O que vocês dois estão fazendo aqui?

- Uma visita – disse Fred como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

- Francamente, é assim que você recebe amigos que tiveram que viajar deu um continente para outro usando Pó de Flu?

- Só estou surpresa. Entrem! – ela disse abrindo o portão para eles. – Eu vi no Profeta Diário que seu pai ganhou o Grande Prêmio da Loteria. Achei que fossem passar um mês no Egito.

- É, íamos. – disse Fred.

- Mas em uma semana já deu para ver a melhor parte dos feitiços que os antigos bruxos colocaram nas pirâmides para impedir os trouxas e intrusos de entrarem.

- Você precisava ter visto, tinha cada aberração...

- ... e eram todos esqueletos!

- Tá! – disse Aline tentando fazê-los parar de falar. – Já deu para imaginar o quadro.

- Então decidimos fazer uma visitinha a vocês – concluiu Jorge inocentemente.

Aline abriu a porta da casa e fez sinal para que os gêmeos entrassem. O hall era curto e dava direto para a sala de visitas, que era ligada com a sala de jantar apenas com um desnível de dois degraus para separa-las. A sala de visitas era bem aconchegante, tinha sofá, uma TV e uma estante cheia de enfeites, fotografias (que estranho, elas estavam tão paradas) e papéis. Ao lado esquerdo da estante se abria um corredor que dava para os quartos, e a direita uma escada que levava ao andar de baixo.

Aline subiu os dois degraus da sala de jantar de uma vez só e abriu uma porta que se ligava ao cômodo, que era a cozinha.

- Mãe, tem mais visita!

- É o Tio Augustinho?

- Não. São dois amigos meus, lá de Hogwarts. Fred e Jorge.

A mãe de Aline saiu para cumprimentar os gêmeos. Era uma mulher baixa (agora eles sabiam a quem Aline havia puxado), mas bem alegre. Tinha os cabelos castanho-escuros amarrados em um rabo baixo, e usava um avental, explicável já que era quase hora do almoço.

- Muito prazer – disse ela apertando a mão dos dois. - A Aline não me disse nada que vocês vinham.

- Você não é a única a descobrir isso agora, mãe.

Dona Ana Maria olhou para a bagagem dos dois e concluiu que eles não iriam voltar para a Inglaterra tão cedo.

- Quanto tempo pretendem passar aqui?

- Bem, uma semana – respondeu Fred.

- Aline, mostra pra eles onde fica o quarto de hóspedes que eu tenho que terminar o almoço antes do Tio Augustinho chegar.

- Tá legal.

Eles desceram a escada passando pela estante. Havia quadros de paisagens muito bonitas ao longo da escada, e Aline notou que os gêmeos estavam curiosos.

- Eles não se mechem porque foram feitos com tinta trouxa. A propósito, fui eu que pintei.

- Muito bonitos.

- Magníficos.

- Maravilhosos.

- Magnânimos!

Aline sabia que os dois não entendiam nada de pintura (o Sir Cadogan era uma prova disso), mas sabia que eles tinham gostado, ou teria dito algo como "é abstrato?". Um corredor cruzava o final da escada. Para a direita tinha uma porta que levava para fora e um banheirinho, e para a esquerda se seguiam mais quartos. Logo de frente para a escada ficava a porta do quartinho de entulhos.

- É que meus irmãos ainda são pequenos e tem muitos brinquedos que eles deixam jogados por aí. Minha mãe não cansa de guardar tudo aí dentro, mas no dia seguinte já tá tudo pelo meio do caminho outra vez.

Do lado esquerdo do corredor ficava a sala do computador, que também tinha o material de pintura de Aline: cavaletes, telas por terminar e outras tantas em branco, uma caixa cheia de pincéis e tintas e uma mesinha no meio de tudo isso. O computador parecia quase esquecido a um canto.

Quase em frente a essa sala estava o quarto dos gêmeos, que Aline indicou para eles.

- Só que vocês vão ficar meio espremidos aqui. Já tem dois primos meus que estão dormindo aqui, e mais um chega hoje.

- E o que é aquela porta no fundo do corredor? – quis saber Jorge.

- Aquele é o meu quarto. Também tô espremida lá com uma prima bem chata. É sempre assim quando reúne a parentada, sempre vem um bando deles.

- Por que o seu quarto não é lá em cima, junto com o dos outros? – perguntou Fred.

- Porque lá só tem o quarto dos meus pais, o da minha irmã e do eu irmão, e eu não consigo ficar no mesmo quarto que a Taíze. É simplesmente impossível! Como é que uma menina de sete anos pode ser tão chata!?

- Ainda bem que não tivemos esse tipo de problemas com o Roniquinho ou com a Gina – disse Jorge achando graça.

- Acho até que fomos nós que infernizamos o coitadinho do nosso irmão – acrescentou Fred.

- Isso eu posso até imaginar – disse Aline. – Vamos lá fora, vocês vão conhecer meus primos.

Eles saíram pela porta no outro extremo do corredor e viram que haviam chegado no meio dos preparativos de uma festa. No gramado haviam sido colocadas duas longas mesas e muitos balões. Na parte calçada, os primos da Aline estavam jogando uma partidinha de basquete.

- Por que toda essa arrumação? – perguntou Fred.

- Hoje é aniversário do tio Augustinho, e estamos preparando uma festa surpresa. Sabe, ele tem um pouco de magia, mas não quis freqüentar a escola de magia daqui.

- Que bom que aqui vocês tem essa opção – disse Jorge.

- Desde que vocês chegaram eu estou pra fazer uma pergunta: como é que vocês estão falando português tão bem?

- Chá de português – disse Fred casualmente. – O ruim é que o efeito só dura de acordo com o quanto você fala.

- Quanto mais fala, mais rápido passa o efeito.

- Acho que vocês vão precisar de muito chá enquanto estiverem aqui, meus primos são bons de papo.

Aline apresentou os dois aos primos que estavam jogando basquete, e logo Fred e Jorge já estavam aprendendo as regras básicas daquele jogo (mesmo que os primos de Aline não seguissem todas essas regras). Os dois não estavam se saindo muito bem e reclamavam o tempo todo que não conseguiam entender um jogo que não usava vassouras, provocando ataques de riso nos primos mais velhos de Aline, e até a garota não conseguia parar de rir. E, na sua inocência, Fred e Jorge fingiam não entender o que eles achavam tão engraçado.

Em uma pausa de cinco minutos, Aline viu que os dois a um canto e imaginou que estivessem aprontando alguma coisa. Quando reiniciaram o jogo, Fred e Jorge estavam fazendo mais cestas que todos os outros juntos!

- Muito bem, o que foi que vocês dois fizeram? – perguntou Aline segurando a bola para parar o jogo.

- É apenas um feitiçozinho bááásico – respondeu Fred trivialmente.

- Mas vocês sabem melhor do que ninguém que não podemos fazer magia fora da escola!

- Calma, Dona Certinha. Nós temos permissão. – Jorge tirou a autorização do bolso com um grande floreio, mostrando-a para Aline.

- Tá, mas isso não é justo! Nós não jogamos tão bem assim...

- Fale só por você – disse Luiz, um dos primos de Aline. – Proponho um jogo de vocês dois contra nós oito. O que acham?

- Beleza! – disseram Fred e Jorge.

Só assim o jogo voltou a ficar equilibrado, por mais estranho que possa parecer. Fred e Jorge faziam passadas que só profissionais conseguiam fazer, humilhando os outros. Acabaram ganhando a partida por 56 a 49.

- Per-de-do-res!

- Vocês são tão modestos... - disse Aline exausta, enquanto que Fred e Jorge aparentavam ter feito uma leve caminhada.

- É o ponto forte da nossa personalidade – respondeu Fred.

Quando o tio Augustinho chegou a bagunça só aumentou. Como Aline havia dito, ele era bruxo, mas não quis cursar Tapiruam. Os trouxas da família (agora nos dois sentidos da palavra) levaram um susto quando Augustinho fez uma coluna de bexigas se estourar sozinha e depois voltar ao normal (e mais colorida, cheia de desenhos esquisitos).

Dona Ana serviu o almoço, que durou um bocado de tempo, já que todos na mesa falavam bastante. Lá pelo meio da refeição, o Chá de Português começou a perder o efeito, e Jorge passou um mico danado quando disse "Eu need fazer mais Portuguese Tea". Ainda tinha muita gente rindo quando Aline terminou de explicar o que era Chá de Português.

Só teve bagunça no resto do dia (e a mãe de Aline nem fazia questão da barulheira, estava acostumada), assim como no resto da semana. Os primos da Aline aprontavam tanto que até deram algumas idéias novas aos gêmeos, que anotavam tudo mentalmente. Também não conseguiam entender como Aline, Mini Minerva como era, conseguiu sobreviver no meio deles. Mas o mais engraçado foi quando eles conheceram o Marcel, um dos primos da idade deles que também era bruxo.

- Mas tem uma coisa que vocês precisam saber sobre ele. – disse Aline em tom de aviso enquanto ia atender a porta para o primo entrar.

- Se ele for tão legal quanto os outros, não tem problema – disse Fred dando de ombros.

Aline reprimiu uma risada. – É, ele é legal, mas também um pouco diferente. Como é que eu posso explicar... ele é meio... virado.

- Hein?! – perguntaram os dois.

- Vejam por si mesmos.

Aline abriu a porta e, para a surpresa de Fred e Jorge, Marcel parecia normal. Se vestia como um trouxa, mas todo bruxo brasileiro se vestia assim. Camiseta preta com o nome da banda favorita, calça jeans comum, tênis da moda e uma corrente de prata pendurada no cinto. O cabelo castanho escuro estava espetado com gel. "Nada de mais" pensaram eles.

- Marcel, esses são Fred e Jorge. Dois amigos meus lá de Hogwarts. Não se preocupe, dá pra falar português normal com eles.

- Tudo bem? – "Soa normal" pensaram os dois novamente.

- É.

- Hum-rum.

Fred e Jorge estavam esperando para ver alguma anormalidade na personalidade do garoto, e não precisaram esperar muito.

- Nossa, que bom gosto você tem para escolher amigos, Aline – disse Marcel com um leve tom insinuante na voz. – São mais bonitos do que você havia me dito, e mais do que eu havia imaginado.

- Pra você ver, né. – disse Aline percebendo o constrangimento dos gêmeos. - Quer guardar a sua mochila lá em baixo?

- Então eu já volto, tá.

Aline esperou Marcel descer para olhar para a cara de Fred e Jorge e começar a rir. Eles estavam embasbacados, atordoados, abobalhados, estupidificados, assustados e constrangidos pelo estranho elogio. Na verdade, não era o elogio que havia sido estranho, mas sim o elogiador.

- Eu avisei que ele era meio virado.

- Mas não disse que ele era gay! – disse Fred um tanto preocupado.

- Nós não vamos dormir no mesmo quarto, não é? – perguntou Jorge.

Aline balançou a cabeça afirmativamente.

- Esqueci de avisar – começou Fred -, hoje a tarde estamos indo embora.

- Pois é – disse Jorge respondendo a uma pergunta que Aline não teve tempo de fazer -, já estamos aqui há seis dias e ainda queremos visitar o Garra e a Pelúcia, então não podemos nos demorar muito.

- Se vocês insistem... Mas eu asseguro que o Marcel nunca ia fazer nada com vocês, já você podem usar magia e ele não. Aliás, ele sabe que não faz o tipo de vocês dois. Fora isso ele é legal, vocês vão ver.

- Olha, vamos confiar em você. Mas é só dessa vez.

E realmente Marcel era muito divertido. Apesar do jeito um pouco afetado de falar, logo conseguiu conquistar a amizade de Fred e Jorge. Os gêmeos acharam Marcel um ótimo piadista e rolavam de rir quando ele "atuava" nas piadas de bichas. Ele não falava daquele jeito, mas sabia imitar direitinho.

Entretanto, logo depois do almoço, os primos que ainda estavam na casa de Aline começaram mais uma partidinha de basquete e pediram para os gêmeos participarem (mas sem magia dessa vez). Fred e Jorge cuidavam o tempo todo para não chegar muito perto de Marcel durante o jogo. Marcação, sabe como é, não custa evitar uma possível demonstração de afeto.

Depois do jogo, Fred e Jorge arrumaram as malas e ligaram para Douglas avisando que iriam passar uma semana lá. Aline teve que dar umas cento e tantas instruções de como usar um telefone, e nas primeiras tentativas Douglas achou que estava recebendo trotes.

Já que Aline não tinha uma lareira, Fred e Jorge iriam andando até a casa de Douglas, que não era muito longe. Aline repetiu umas três vezes o caminho para eles não se perderem, e com rotas alternativas caso se desviassem.

- OK, mamãe! Vamos deixar uma trilha de migalhas de pão para achar o caminho de volta se nos perdermos – caçoou Fred já na porta ao lado de Jorge, os dois com as mochilas nas costas.

- Não estou brincando. Se vocês se perderem...

- Pedimos informação – disse Jorge.

- Tá maluco?! Quer ser assaltado? Vão até o orelhão mais próximo e me liguem.

- Sim, mamãe. – disseram os dois monotonamente.

Marcel também estava na sala enquanto eles se despediam e aproveitou o momento para dizer tchau também.

- Pena que já estão indo. Se eu tivesse chegado um dia antes... Se cuidem, tá.

- Ah, claro!

- Pode deixar.

Quando Aline fechou a porta pensou que não faria diferença se Marcel tivesse chegado no dia anterior; Fred e Jorge estariam de mala e cuia na mão em menos de cinco minutos. A garota começou a rir sozinha da imagem dos gêmeos fugindo de seu primo.

- Do que você está rindo? – perguntou Marcel sem entender.

- Nada não. É só uma piada que os dois tinham me contado mais cedo.

- E só agora você entendeu?