Capítulo 51 – Briga boba por um motivo estúpido
O dia das bruxas chegou bem rápido, em uma quarta-feira, e o banquete foi o mais magnífico e delicioso que tiveram em sete anos. Jorge não esperou muito tempo depois do jantar para sair do salão principal com Cinthia, e os dois foram para uma sala do quinto andar, como já foi dito antes, para namorar longe do olhar enxerido dos outros.
Depois de algum tempo, os beijos estavam ficando um pouco intensos demais, mas Cinthia fingiu não notar. Mas quando ela sentiu que Jorge estava sendo um pouco mais ousado nos carinhos afastou-o de si.
- Não, Jorge!
- E por que não? – disse ele se aproximando novamente dela e abraçando a sua cintura. – Ninguém iria saber.
- Eu iria – disse Cinthia seca, virando o rosto de um beijo que Jorge ia lhe dar.
- E o que tem de errado nisso? – disse ele puxando a cintura dela para junto da sua.
- Não aqui, não agora – disse ela tentando se soltar.
- Qual é o problema? – Agora Jorge estava literalmente prendendo a garota.
- Eu disse... não agora! – Cinthia o empurrou para longe, e Jorge ficou um pouco irritado com aquilo.
Antes que ele tivesse qualquer reação, Cinthia pegou a capa da invisibilidade que eles haviam largado na porta e saiu, mas antes deixou um último recado:
- Se você quer tanto assim, procure alguém que te satisfaça, mas não venha me procurar depois!
E saiu batendo a porta. "Que estúpido ele está sendo!" pensou ela enquanto ia para a sala comunal da Corvinal. "Ele não tem o direito de me forçar a fazer o que eu não quero agora, e já vinha tentando a algum tempo. Aquelas revistar realmente fizeram mal para ele!"
Sozinho, na sala do quinto andar, Jorge praguejava silenciosamente contra aquilo. "Que boba ela está sendo! Qual era o problema afinal? Mulheres! Tem que ser tudo do jeito delas!"
Ele saiu da sala também batendo a porta, e se dirigiu para a torre da Grifinória um tanto mal-humorado. Katie passou por ele, descendo as escadas para o salão principal, e as palavras de Cinthia de repente voltaram à sua mente: "procure alguém que te satisfaça..." E por que não? Ela mesma havia sugerido aquilo, então ela não devia se importar muito com ele.
Com aquele pensamento fixo em mente, Jorge se virou e desceu as escadas, seguindo ao lado de Katie.
- Diga, Katie, como você está?
Na manhã seguinte, Cinthia se levantou bem cedo. Havia sido visitada pela insônia novamente, algo que já não acontecia a alguns meses. Foi tomar o café da manhã, mas dessa vez se sentou na mesa da Corvinal, o mais longe possível do lugar em costumava se sentar na mesa da Grifinória. O salão começou a encher aos poucos, e logo Lucina e Jonathan acordaram para lhe fazer companhia, mas Cinthia mal conseguia tocar no seu café da manhã.
Na mesa da Grifinória, Fred e Douglas estavam fazendo quase um interrogatório em Jorge, já que ele havia passado a noite fora da torre. Mas antes que pudesse se explicar direito, Aline desceu para o café, e logo notou que havia algo errado.
- Por que a Cinthia não sentou com a gente hoje? Jorge – a cara de culpado logo o acusou, e ele se virou lentamente para Aline, que ainda estava de pé – o que foi que você fez?
- Bem... nada propriamente dito, mas... tivemos uma briga. E foi meio séria.
- Briga? Com a Cinthia? Estamos falando da mesma pessoa? – Jorge simplesmente afirmou com a cabeça. – Briga por quê? Deve ter sido algo realmente sério.
- Na verdade, foi...
Katie passou no meio dos dois, fazendo um pequeno cafuné em Jorge, bagunçando seus cabelos, e Aline entendeu o que havia acontecido. Pelo menos achou que havia entendido. Katie não havia voltado para o dormitório das garotas durante a noite, então... Não! Não podia ser verdade! Ele não podia...
- Você beijou ela? – Aline começou com uma pergunta leve, tentando se controlar para não dar uma bronca feia nele.
- Bem... sim... - disse Jorge meio sem graça. Aline sabia que aquilo era suficiente para provocar uma briga com Cinthia, mas também queria saber o quão ruim havia sido a briga.
- Vocês dois...
- Não! Não, não. – Jorge a interrompeu antes que ela terminasse a frase. – Na verdade, isso passou pela minha cabeça, mas... quando nós íamos... entende... - Jorge estava extremamente embaraçado, e era a primeira vez que Aline o via falar assim. – eu não pude fazer. Acho que foi remorso, ou sei lá. Eu lancei um feitiço do sono nela e fiquei vagando pelo colégio. Só isso.
- Não é a toa que você e a Cinthia brigaram.
- Na verdade... isso foi uma conseqüência da briga. A Cinthia não sabe dessa parte.
- O QUÊ?!?! - Aline olhou chocada para Jorge, parecendo escandalizada. – É esse o tipo de atitude que você tem depois de uma briga em que pretende fazer as pazes mais tarde?!
- Hum... acho que não. Mas eu estou arrependido. Verdade!
Aline não conseguia acreditar no que ouvia, simplesmente não conseguia. Ela olhou para a mesa da Corvinal, e para a sua surpresa viu que Cinthia os estava observando de olhos arregalados. Mas também tinham um misto de raiva no olhos dela que Aline nunca tinha visto, e isso a assustou um pouco.
- É melhor eu falar com ela – disse Aline se afastando.
- Vai falar sobre o tempo? – perguntou Jorge esperançoso.
- Vou falar a verdade.
- É o meu funeral... - disse ele se virando para Fred e Douglas na mesa, e os dois o olhavam como se ele já estivesse morto.
Aline se sentou ao lado de Cinthia na mesa, mas ela nem ao menos virou o rosto para olhá-la, simplesmente disse:
- Se ele quer pedir desculpas través de você, pode dizer que não – disse Cinthia veemente.
- Primeiro: o que você ouviu da conversa? – Aline não iria pedir desculpas por Jorge, já que essa era a burrada dele e ela não havia gostado da atitude dele.
- Não muito. Mas eu vi quando a Katie passou e ouvi você gritar "o quê", e somei com o que eu disse na briga de ontem. Eles... ele...
- Não, não, não. Não. Definitivamente... - Aline começou a falar, mas Cinthia ainda tinha que terminar a frase:
- ... agarrou ela?
- Ah, isso. – Aline se lembrou do depoimento de Jorge e achou melhor não mentir para Cinthia. – É.
Aline esperava qualquer reação de Cinthia como xingar Jorge, ir tirar satisfação com ele ou Katie, virar a mesa (caso ela fosse menor), ou qualquer outra reação explosiva que ela mesma teria, mas o caso foi justamente o contrário. Cinthia não esboçou um tracinho sequer de emoção raivosa ou qualquer outra desse tipo, simplesmente ficou encarando o copo de suco de abóbora que estava na sua frente. Aquilo preocupou Aline mais do que uma mesa virada. Tudo bem a Cinthia ser calma, mas aquilo não parecia normal.
Mas de repente o copo explodiu com um estalo, espalhando suco de abóbora em toda a mesa. Aline se lembrou das últimas aulas de Feitiço, quando o professor havia explicado o que eram emissões mágicas: a perda momentânea do controle dos poderes mágicos que geralmente ocorria quando sentimentos fortes estavam exaltados e quase chegavam ao seu extremo. Cinthia devia estar muito, mas muito nervosa mesmo para aquilo acontecer, e Aline não sabia o que fazer para acalmá-la. Luciana e Jonathan olhavam assustados para as duas, como se Aline estivesse manuseando uma bomba que pudesse explodir ao menor toque.
- Desculpa – disse Cinthia colocando o rosto no meio das mãos, com os cotovelos apoiados na mesa como se fosse chorar. – Eu só... eu não consigo acreditar... ele...
- Emissões mágicas não são voluntárias – disse Aline pondo a mão no ombro da amiga, vendo que depois da explosão do copo ela havia se acalmado um pouco. – Você não precisa se desculpar. Eu acho que o Jorge estava um pouco alterado por causa da briga para fazer isso – disse Aline sem saber o que havia causado a briga, e esperando que aquela fosse a verdade.
- Aaaah, ele estava alterado sim, mas foi justamente por causa disso que nós brigamos!
- Epa... - Aline retirou a mão cautelosamente. – Acho melhor eu voltar para a minha mesa agora – disse Aline se levantando com o máximo cuidado possível.
- Pode dizer para ele então que eu não quero nunca mais falar com ele? Um último recado para aquele... aquele... abjeto!
- Eu aviso.
Aline voltou para a mesa da Grifinória um pouco irritada com Jorge, mas sentia também um pouco de pena dele. "Tragam as flores e o coveiro" pensou Aline, "vamos ter um funeral".
- Eu assisti a tudo, não precisa me contar nada. Obrigado pela grande ajuda! – disse Jorge enquanto Aline se sentava. Ele parecia mais chateado consigo mesmo do que zangado com a atitude de Aline.
- Você praticamente traiu ela e esperava um resultado diferente? O que você fez foi imperdoável, e olhe que eu estou me segurando para não tirar pontos de você por danos morais a outro aluno.
- Ela ficou bem chateada, né? – disse ele extremamente arrependido, olhando para Cinthia.
- Chateada?! Ela ficou arrasada! Você faz idéia do que é fazer ela ter uma emissão mágica por causa de raiva? É quase impossível!
Se antes Jorge estava arrependido, agora se sentia a pior das criaturas na face da Terra. Sentiu que estava atolando em um poço de bosta, e que a cada minuto eram adicionadas toneladas e toneladas desse adubo fresquinho.
- Preciso falar com você um instantinho.
Aline ficou surpresa de ouvir Douglas chamando-a tão cautelosamente, e segui-o para fora do salão. Já fora do campo de audição dos gêmeos, Douglas deu uma espiada e viu que Fred tentava animar o irmão com centenas de sugestões, e virou-se para Aline com uma cara séria.
- Você não precisava ter contado aquilo para a Cinthia. O Jorge pisou na bola, ele reconhece isso, mas você não precisava ter piorado a situação trazendo tudo às claras.
- Você queria que eu escondesse uma coisa dessas da minha amiga?! – Aline não conseguia acreditar em como os homens se ajudavam, por mais sujo que tenha sido o 'crime'. – Você deve estar delirando!
- Bem, ela devia saber que os garotos tem suas necessidades.
- As garotas também! Mas cada um tem o seu tempo – Aline tentou voltar ao tom de voz baixo para raciocinar direito. OK, ela também não havia esperado muito para passar a noite com Douglas, mas ela não era Cinthia.
- Como assim? – disse ele sem entender direito.
- Bem, ela não quer que aconteça em Hogwarts, sabe, numa sala que já foi dividida por sabe-se lá quanta gente.
- E você não se importa muito com isso, né – disse Douglas dando um sorrisinho, mas Aline resolveu ignorar aquilo.
- A questão não é essa. A questão é que a Cinthia prefere que aconteça em um lugar romântico, só dos dois, e coisas assim.
- Vocês conversam muito sobre isso, não é não?
- Nem te conto...
- De qualquer jeito, é melhor dizer isso ao Jorge, ou ele vai acabar cometendo outro erro.
- Não sei se essa informação vai ser útil. Eu nunca vi ela ficar daquele jeito, e nunca achei que algum dia ela fosse chegar a este ponto. Eu não consigo ver muita esperança para o Jorge.
- Droga, Aline! Você é ou não é a melhor amiga dela? Não tem nada que você possa fazer para ajudar?
- Hum... Talvez um pequeno empurrãozinho não faça mal afinal.
Mas antes que Aline dissesse qualquer outra coisa, o sinal tocou indicando o início das aulas. Já que era quarta-feira e eles não tinham aulas com a Corvinal, Aline poderia pensar em alguma coisa sem ver Cinthia e ter que se sentir culpada por fazer parte deste pequeno complô.
- Vamos para a aula. Eu ainda tenho que ter uma idéia.
Durante o primeiro horário Aline mal teve tempo de bolar alguma coisa, mas como o segundo horário era Defesa Contra a Arte das Trevas ela pôde bolar alguma coisa. Ela preferia pensar em alguma coisa que pudesse ajudar os amigos do que prestar atenção na aula, mesmo que isso significasse não ganhar os pontos diários. Claro, ela nunca falaria isso em voz alta.
- OK! Eis o que vamos fazer – disse Aline para Fred, Jorge e Douglas, aproveitando que estavam no fundo da sala e Profº Lupin explicava algo que ela já havia lido no livro, mas Douglas a interrompeu.
- Por que é que nós vamos fazer alguma coisa? Foi o Jorge que se deu mal, e não a gente.
- Obrigado por me lembrar – disse Jorge sarcasticamente.
- Acontece que vamos precisar de um pouco de chantagem emocional, e essa parte cabe a nós três. Vou ver se a Luciana e o Big ajudam a gente também. Temos que cercá-la de todos os lados possíveis.
- Nós não precisamos da ajuda dele. – disse Jorge muito contrariado.
- Você ainda tá com esse ciúmes bobo? Tá bom, tá bom – acrescentou Aline ao ver a cara dele, riscando o nome de Jonathan em uma pequena lista que havia feito das tarefas de cada um. – Jorge, você vai fazer o seguinte...
Aline terminou de explicar o plano quando o Profº Lupin dizia que iria arranjar mais um bicho-papão para a aula no próximo semestre para ver se eles conseguiram superar os medos de dois anos atrás e avaliá-los. O plano tinha tudo para dar certo, a não ser que a Cinthia que conheciam tivesse mudado radicalmente, algo não muito provável.
