A Sombra de um pecado
Capítulo 5
Rin acordou com o som alto da campainha, abriu os olhos e por alguns minutos não conseguiu identificar a fonte do barulho que a despertara. Na verdade, não queria acordar. Sonhos bons eram tão raros ultimamente, estava sempre acordando assustada com alguma lembrança dolorosa a persegui-la enquanto dormia e a parte irônica é que nesses momentos de tortura nada ou ninguém aparecia para acordá-la.
Sentou na cama ainda confusa enquanto o barulho insistente continuava, levantou como uma sonâmbula e caminhou trôpega até a porta. Abriu-a reconhecendo o mensageiro da empresa que lhe lançou um olhar irritado, provavelmente porque passara mais de quinze minutos esperando.
- Jaken-san... sinto muito pela demora...
- Podia ter gasto o tempo colocando uma roupa decente, não acha? – Olhou com desprezo para a garota em sua direção, ignorando o modo como seu rosto corou de vergonha. Suspirou exasperado e girou os olhos – Espero que tenha terminado o projeto, garota. Sesshoumaru-sama disse que eu não deveria voltar sem ele.
- Bem, eu... – Ela passou as mãos pelos cabelos e olhou em volta enquanto pensava onde tinha deixado os desenhos em que trabalhara no dia anterior, nem ao menos conseguia lembrar se realmente o havia terminado. – Espere, Jaken-san. Eu vou...
- Se vou ter que esperar, então ao menos vá colocar uma roupa decente e se arrumar um pouco.
Rin olhou confusa para o rapaz acomodando-se em seu sofá por alguns minutos antes de caminhar para o quarto automaticamente, trocou de roupa rapidamente e prendeu os cabelos em um coque baixo enquanto tentava lembrar o que havia acontecido com o projeto que deveria entregar. Saiu do quarto franzindo o cenho ao ver o rapaz revirando sua mesa de desenhos, abriu a boca para dizer algo quando ele virou em sua direção com algumas folhas.
- Achei – A voz masculina rouca não combinava com a idade que seu rosto demonstrava, enrolou as folhas cuidadosamente enquanto olhava com desprezo para a garota – Pode voltar a dormir.
- Mas, eu já levantei – Olhou confusa para o rapaz que parecia ignorá-la enquanto caminhava para a porta - Jaken-san, espere...
- Está parecendo um trapo, volte a dormir. – Abriu a porta sem olhar para a garota - Organize suas coisas e termine os trabalho. Sesshoumaru-sama disse que tem até o começo da semana para entregá-los.
Ela abriu e fechou a boca algumas vezes sem saber o que dizer enquanto o rapaz saía, caminhou até o sofá, desabando sobre ele sem ânimo nenhum para fazer o que quer que fosse necessário. Encostou-se no sofá e instintivamente tocou o próprio ventre, de repente todas as lembranças voltaram. Todas as pequenas e dolorosas lembranças que lutara tanto para esquecer no dia anterior e que lhe tiravam o sono há dias. Fechou os olhos com força, em uma vã tentativa de barrar as imagens que apareciam a sua frente. Por que tinha que ser tão doloroso?
Um bebê, uma nova vida deveria trazer alegria à vida de um casal. Então por que nas duas vezes que isso acontecera, tinham lhe trazido momentos dolorosos e dúvidas das quais não conseguia se livrar?
'Estou fazendo uma pergunta direta, Rin... O que você quer?'
Abriu os olhos de repente, a voz masculina que tanto gostava de ouvir ecoou forte demais em sua mente. Por alguns segundos pensou que ele estivesse parado a seu lado como havia estado há quase uma semana, mas era apenas mais uma peça de sua mente. Baixou a cabeça novamente sentindo os olhos arderem com as lágrimas, quando percebeu que era apenas mais uma peça de sua mente. Havia dias que as lembranças eram tão fortes que chegava a pensar que tinha enlouquecido.
O desejo que ele voltasse era tão forte, a vontade de estar a seu lado como antes era tão intensa que já não sabia mais a razão de suas lágrimas. Não chorava mais apenas por si mesma, não tinha mais pena de si mesma como no início, suas dolorosas lágrimas caiam por todos os sonhos que haviam desvanecido perante a cruel realidade que lutava tanto para escapar.
A parte realmente dolorosa não era apenas pensar em tudo que havia perdido, mas em tudo que causara com seus atos impensados, movidos apenas pelo desespero em continuar com suas mentiras.O que mais doía era o que tinha causado a Sesshoumaru. Não tinha o direito de reclamar de sua frieza quando havia sido a responsável direta por tal mudança em seu comportamento. Por que não podia apenas se libertar do passado e continuar sua vida como tantos outros no mundo?
Bobagem, o que realmente desejava era poder voltar no tempo e mudar tudo o que havia acontecido, mas isso não era possível. Por que deixara que as coisas chegassem a esse ponto?
Nanika ni obieteru jibun ga chotto iya ni naru
tsugeru omoi torinokoshita hibi ni...
(Estou presa por algo. Estou ficando cansada de mim mesma
Estou presa a sentimentos que me levam de volta ao passado)
===== 0 =====
===== Quatro anos atrás =====
Rin estava sentada no sofá do pequeno apartamento, olhava para a tv sem realmente vê-la, estava assim há dois dias, desde que recebera as 'boas notícias' de Kaede. Sabia que tinha que se forçar a agir normalmente enquanto o namorado estava a seu lado, mas os dias passavam e só faziam aumentar seu desespero e dúvida. Ouviu passos se aproximando, uma mão em seu ombro e levantou os olhos para a figura a seu lado.
- Está se sentindo bem? – Ela concordou com um aceno e forçou um sorriso, tentando parecer normal e falhando miseravelmente. – Voltou no médico para ver seus exames?
- Eu... – Desviou os olhos dos dele, não queria que soubesse o que aquela pergunta lhe causava – Ainda não, Sesshy.
- Vai me fazer arrastá-la para o médico novamente? – Apertou o ombro dela carinhosamente, estranhando a tensão em seu corpo. – Posso adiar minha viagem por mais um dia e...
- NÃO! – Gritou ao mesmo tempo que afastava-se de seu toque, levantou a cabeça vendo choque e confusão nos olhos dourados – Sinto muito... – Desviou os olhos dos dele murmurando – Não precisa ir comigo, voltarei lá amanhã.
- Rin...
- Estou bem, Sesshy... – Levantou sem olhar na direção do rapaz – Sabe como não gosto de ir a médicos... é apenas nervoso – suspirou enquanto caminhava para a cozinha - Termine de arrumar sua mala enquanto faço o jantar.
Sesshoumaru observou a garota entrar na cozinha em silêncio, sabia que ela sempre fora introspectiva, mas os últimos meses estavam sendo complicados. Talvez ela não estivesse pronta para enfrentar uma vida adulta, tivera dúvidas no inicio, mas ela parecia estar se adaptando tão bem e de repente...aquela mudança de comportamento. Três meses de humor instável e afastamento, e agora que as coisas pareciam estar melhorando ela voltava a se isolar.
Suspirou antes de voltar para o quarto, Rin estava se afastando. Não podia forçá-la a falar com ele, isso apenas pioraria as coisas já que ela se afastava a cada pequena aproximação que tentava fazer. Cumpriria seus compromissos o mais rápido possível e voltaria, talvez ela só precisasse de um tempo para pensar.
===== No dia seguinte =====
Kagome lançou um olhar para a garota senta a sua frente na lanchonete, em todo o tempo que a conhecia nunca a vira desse modo. Rin era normalmente tímida a principio, mas não costumava ficar calada com conhecidos, eram praticamente da mesma família e se conheciam há anos, aquele não era um comportamento normal.
- Está sentindo falta de Sesshoumaru? – Rin desviou os olhos da janela da lanchonete voltando-os para a amiga, encarando-a por alguns segundos antes que conseguisse responder. Balançou a cabeça negando e inconscientemente pousou a mão sobre o próprio ventre, viu quando a garota levantou uma sobrancelha e desviou os olhos novamente. – Quer que eu vá ao médico com você?
- Não é necessário, Kagome. – Fechou os olhos por alguns momentos tentando controlar as sensações confusas que passavam por sua mente, voltou à atenção para a garota forçando um sorriso – Certas coisas eu tenho que resolver sozinha.
- Não precisa ser assim, Rin-chan – Falou lentamente, contendo a vontade de segurar a garota quando a viu pegar a bolsa e levantar – Sabe que pode contar conosco.
- Não, Kagome. Dessa vez eu não posso contar com ninguém – Olhou para a amiga sem conseguir esconder a tristeza em sua voz - Minha chance de ter apoio passou.
Kagome ficou em silêncio enquanto observava a outra garota deixar a lanchonete com passos hesitantes, suspirou desanimada e baixou os olhos para o lanche em cima da pequena mesa. Sabia que algo tinha acontecido com Rin e queria poder ajudá-la, mas como se todas as vezes que tentava estender-lhe a mão ela se afastava?
Pegou a própria bolsa e deixou o restaurante a seguir, não conseguia ficar parada vendo a amiga que conhecia desde a infância afundando daquele modo. Se não conseguia conversar com ela podia ao menos convencer o namorado a ligar para o irmão e falar para que apressasse sua volta. Talvez o problema com Rin fosse ficar tanto tempo naquele apartamento vazio.
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Rin abraçava sua bolsa contra o corpo como se isso pudesse protegê-la de tudo a sua volta, era um porto seguro em meio ao mar bravio que se encontrava. Fechou os olhos respirando fundo tentando controlar a vontade de sair daquele local correndo e voltar a se esconder no apartamento. Parecia um pouco absurdo, a razão de estar naquelas condições estava no mesmo local em que conseguia se sentir segura, mas era a realidade. Tudo o que queria era sair dali correndo, talvez ainda houvesse uma chance de...
- Rin-san?
Levantou os olhos para a recepcionista sem esconder o medo que a simples visão da desconhecida lhe provocava. A garota a sua frente não tinha aparência amedrontadora, na verdade tinha um sorriso amigável nos lábios e parecia regular sua idade, mas representava seu maior pesadelo. Ouvir seu nome partir daqueles lábios indicava que seu tempo de escolhas havia acabado.
- Sim, sou eu. – Sua voz não passou de um murmúrio trêmulo e não fazia idéia de como a garota fora capaz de ouvi-la, parou em frente ao pequeno balcão e esperou pelas instruções.
- O doutor vai atendê-la agora. – A recepcionista sorriu amigavelmente e isso foi o bastante para fazer com que cada parte de seu corpo enrijecesse de pavor. Como aquela desconhecida podia sorrir daquele modo calmo? - Siga pelo corredor à direita, a terceira porta do lado esquerdo.
Concordou com aceno e seguiu as instruções da garota ainda agarrada a bolsa de um modo quase infantil, parou em frente a porta indicada sem coragem para prosseguir. Cada momento de sua vida com Sesshoumaru passou na frente de seus olhos, tentando-a a fugir, fazendo promessas de que se ela saísse dali haveria um outro modo para lidar com tudo aquilo... Arregalou os olhos quando a viu abrir-se a sua frente e o rosto do jovem médico revelar-se a sua frente, deu um passo para trás fugindo do que aquilo representava e estremeceu quando sentiu a mão em seu braço.
- Está tudo bem, garota. – Ele a puxou gentilmente para dentro do consultório ignorando a tensão da garota. – Não se importe com o que minha secretária fala, ela adora inventar boatos. Garanto que não sou nenhum aproveitador de menores.
- Não sou menor, doutor. – Fechou os olhos censurando a si mesma por sua voz ter saído baixa demais novamente. Podia entender por que ele a julgava uma adolescente se nem ao menos conseguia conversar e tentava fugir a cada pessoa ou barulho próximo.
- Bem, com certeza parece uma. – Apontou uma das cadeiras em frente à mesa antes de dar a volta e sentar-se – Se não é uma adolescente em apuros por que está aqui e sozinha?
- Preciso mesmo responder a isso? – Baixou a cabeça sem conseguir encarar o médico, por que ele estava tentando ser gentil? Por que não podia ser apenas um médico frio que faz seu trabalho o mais rápido possível e dispensa os pacientes. – Não quero que meu namorado saiba sobre o bebê... e sim... sou maior de idade.
O rapaz levantou uma sobrancelha, mas continuou em silêncio. Observando-a mais cuidadosamente realmente ela parecia ter idade o suficiente para saber o que estava fazendo. Provavelmente outra vitima de abuso, homens podiam ser seres desprezíveis às vezes.
- Tem certeza de sua decisão, senhorita?
'NÃO!' Sua mente gritou, mas ela não teve coragem de verbalizar seus pensamentos. Apenas fez um gesto afirmativo ainda sem coragem de encarar o médico. Por que estava tornando as coisas tão difíceis?
- Está ciente dos riscos? – A voz masculina ressoou em sua mente e ela levantou a cabeça assustada. – Você corre o risco de ficar estéril, é um procedimento simples e é raro que cause danos permanentes, mas ainda assim há um risco... Você pode morrer.
Novamente sua resposta foi apenas um aceno afirmativo, tinha a impressão de que se realmente falasse algo seria para gritar e sair correndo dali. Por que tinha que tomar decisões assim sozinha?
'Você escolheu assim, esqueceu?'
Mente traiçoeira traindo-a nesse momento. Fechou os olhos abraçando a bolsa com mais força e ouviu mais algumas perguntas as quais continuou a responder com acenos ou monossílabos incompreensíveis.
- Vamos marcar a cirurgia dentro de dois dias..
'DOIS DIAS??' Levantou a cabeça e olhou para o médico sem esconder o pavor que aquelas palavras lhe causavam. Teria que esperar mais um dia? Passar por tudo aquilo novamente? A espera angustiante, o nervosismo, a dúvida constante e a briga entre seu coração e mente?
- Não. Tem que ser hoje. – A firmeza em sua voz surpreendeu a si mesma do que ao rapaz a sua frente que a olhou de modo inquisidor. – Não posso esperar mais, tenho que acabar com isso hoje.
- Existem procedimentos e...
- Não me importa, quero que seja feito hoje.
O médico a observou em silêncio durante alguns minutos tentando ver alguma dúvida ou medo na garota, mas a não ser pela força com que ela agarrava a própria bolsa nada havia em sua postura que demonstrasse o medo e indecisão de antes. Suspirou antes de levantar de sua cadeira lentamente.
- Vou ver o que pode ser feito.
===== Dois dias depois =====
Rin encolheu-se na cama novamente, aquela dor era insuportável, não havia sido assim quando tudo acabara, mas piorava a cada hora que passava. Os remédios que o médico tinham lhe receitado amenizavam a dor, mas faziam com que dormisse a maior parte do tempo e isso era algo que preferia evitar, não conseguia controlar as lembranças e sonhos em que tudo era descoberto, Sesshoumaru a deixava por ter provocado aquilo tudo... Não, preferia mil vezes suportar a dor.
Entreabriu os olhos observando o céu que começava a escurecer, estava começando a perder a noção de tempo enquanto lutava contra as emoções e a dor que trespassava seu corpo. Lembrava das instruções do médico de repousar e entrar em contato imediatamente se algo estranho acontecesse, mas nunca havia feito isso antes, como poderia saber o que era 'estranho' para ele?
Abraçou o próprio corpo quando a dor tornou-se mais aguda, talvez não fosse uma idéia tão ruim tomar o remédio novamente. Afinal o principal motivo pelo qual se sujeitara a tal experiência fora para esquecer tudo aquilo e como poderia fazer isso se a dor era um lembrete tão forte?
Estendeu a mão com dificuldade para o criado-mudo e pegou o frasco do remédio, respirou fundo algumas vezes quando o movimento fez com que a dor se tornasse insuportável novamente. Mais de dez minutos se passaram antes que sua tortura diminuísse a ponto de poder pensar novamente, olhou para o frasco transparente vendo os pequenos comprimidos como uma promessa de alívio para tudo que passava a sua volta e mesmo assim ainda relutava em tomá-los. Algum pedacinho de sua mente encontrava conforto em toda aquela dor que às vezes ameaçava fazê-la perder os sentidos, era como se ao sofrer desse modo estivesse pagando por seus pecados... Pagando por matar o bebê inocente que estivera em seu corpo.
Deixou que o frasco caísse de suas mãos para a cama fazendo um som parecido com um chacoalho quando os compridos colidiram uns contra os outros dentro do invólucro, uma lembrança clara do ser que acabara de matar... Isso foi o bastante para que mais lágrimas escapassem de seus olhos. Não podia tomar aquilo, não merecia ter alívio nenhum quando praticara um ato tão medonho.
Encolheu-se novamente na cama e fechou os olhos, não deveria durar muito mais. Pagaria por seus 'pecados' através da dor e quando tudo terminasse recomeçaria sua vida novamente sem nenhuma culpa ou lembrança daqueles momentos negros em sua vida. Puxou as cobertas até o pescoço sentindo o quarto frio demais e acabou por adormecer embalada por todas as memórias que lutava para esquecer.
'Quando aquilo teria fim?'
===== No dia seguinte =====
Sesshoumaru entrou no pequeno apartamento nas primeiras horas do dia, fechou a porta calmamente não querendo acordar a namorada que devia estar dormindo ainda. Kagome havia ligado dizendo que Rin parecia estar piorando e fizera mais do que o possível para adiantar sua volta, não que já não estivesse fazendo isso desde o momento que chegara, mas ouvir a quase cunhada falando dela desse modo despertara um alarme em sua mente.
Caminhou lentamente em direção ao quarto e estacou repentinamente quando ouviu um gemido alto de dor vindo do aposento. Arregalou os olhos sentindo o coração pular no peito enquanto corria pelo pouco espaço que o separava de Rin, parou ao lado da cama vendo-a deitada na cama encolhida.
- Rin? – Pousou a mão em sua testa sentindo a pele febril – Rin. Diga o que está sentindo. – Franziu o cenho em um sinal claro de preocupação e chacoalhou levemente tentando acordá-la.
- Sesshy... dói tanto... – sua voz mais pareceu um gemido e o rapaz inclinou-se sobre a cama puxando-a cuidadosamente para que se virasse. Parou de repente ouvindo um grito de dor e afastou as mãos dela.
- O que está doendo? – Esperou alguns minutos por uma resposta que não veio e então puxou as cobertas – Vou levá-la ao médico e não adianta... retrucar... – Parou de falar lentamente ao ver a quantidade de sangue que manchava os lençóis, praguejou contra si mesmo por não ter notado aquilo antes e sem se importar com os protestos baixos levantou-a nos braços saindo do apartamento.
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O rapaz sentou na desconfortável cadeira de espera do hospital apenas para levantar novamente depois de poucos minutos, todas as vezes que olhava para suas roupas sujas de sangue sentia o coração apertar e um enorme peso em seus ombros. Observava todos aqueles médicos e enfermeiras passarem a sua frente sem que nenhum parasse para lhe dar notícias sobre o estado de Rin, encostou-se a parede e fechou os olhos por alguns minutos tentando se acalmar, mas voltou a abri-los quase instantaneamente quando a imagem da garota encolhida na cama em meio a lençóis ensopados de sangue surgiu diante de seus olhos.
'Aborto'. Rin tinha sofrido um aborto e ele não estava presente para ajudá-la. Como pudera ser tão cego aos sintomas que a garota tinha? Devia ter insistido mais em levá-la ao médico, talvez aquilo tudo pudesse ser evitado se não se dedicasse tanto a carreira e prestasse mais atenção na namorada. Ela podia ter morrido se não tivesse voltado antes do prazo, ninguém iria ao apartamento porque ela estava se afastando de todos. A culpa era sua, total e unicamente sua por ver o comportamento estranho que ela apresentava e continuar com as viagens sem lhe dar a devida atenção.
Passou as mãos pelos cabelos em uma tentativa frustrada de se controlar enquanto pensava no que faria a seguir. Primeiro precisava se certificar de que ela estava bem, é claro, e não poderia culpá-la se por acaso a garota decidisse deixá-lo. Quanto tempo ela teria passado assustada e sozinha com dores insuportáveis?
Não queria pensar sobre isso, mas não conseguia controlar aquelas perguntas e pensamentos dolorosos em sua mente. Ela nunca iria perdoá-lo, nunca perdoaria a si mesmo por ser o culpado pelo que acontecera. Tinha prometido protegê-la e falhara miseravelmente, quase perdera a garota que amava por teimosia.
- Sesshoumaru-san?
Sesshoumaru abriu os olhos deparando-se com a garota a sua frente, parecia tão nova e ingênua... 'Assim como Rin.' Balançou a cabeça levemente tentando afastar tais pensamentos e leu o crachá que a identificava como médica, pelo visto não era tão jovem como parecia.
- Sim, sou eu.
- O Senhor trouxe Kayou Rin, não é? – A voz feminina e melodiosa perguntou calmamente, o rapaz balançou a cabeça em um gesto afirmativo – Ela está estável agora, pode ficar calmo. – A garota deu um pequeno sorriso tentando passar confiança e acalmar o rapaz a sua frente – Sabe o que aconteceu com ela?
- Um aborto, eu presumo. – Afastou-se da parede inconfortável com o olhar da médica sobre si – Ela perdeu tanto sangue, tem certeza de que está bem?
- Sua namorada está fraca, mas garanto que está bem ou ao menos ficará daqui a alguns dias. – A médica de um passo para trás e apontou uma das cadeiras em que ele estivera sentado a pouco tempo – Então, o senhor sabe que ela fez um aborto?
- Foi o que uma das enfermeiras comentou quando cheguei... – Sentou na cadeira que a garota havia apontado e esperou que ela fizesse o mesmo antes de continuar – Ela estava sozinha, eu não deveria tê-la deixado sozinha...sabia que tinha algo errado e mesmo assim... – Fechou os olhos respirando fundo antes de completar – A culpa é minha, ela nunca vai me perdoar...
- Ela estava com aproximadamente quatorze semanas, foi um aborto de risco... – A médica falou calmamente ignorando a expressão chocada no rosto do rapaz ao perceber o real sentido de suas palavras – Há riscos, quanto mais se espera para fazer um aborto... – Parou de falar arqueando uma sobrancelha – Algum problema, Senhor?
- Não foi um aborto natural?
- Natural? – Piscou confusa – Não, Senhor. A hemorragia que ela apresentou foi uma conseqüência do aborto que realizou há alguns dias... – Sesshoumaru encostou-se a cadeira enquanto escutava as palavras da médica sem conseguir acreditar – Quando a gravidez está muito avançada o risco é maior ao se realizar um aborto... O músculo uterino pode não contrair causando hemorragia e...
- Foi isso o que aconteceu com ela? – Baixou a cabeça, os olhos dourados fecharam-se em uma tentativa de conter a raiva. Passara todo aquele tempo culpando a si mesmo pensando que ela perdera o bebê quando era tudo conseqüência de um aborto?
- Sim, Senhor... – Falou calmamente depositando a mão sobre o ombro do rapaz – Imagino que fosse o pai do bebe que ela esperava.
- Sim... Ao menos eu pensava que era. – Levantou da cadeira livrando-se do toque da médica – Disse que ela está estável, não é?
- Sim, estão transferindo ela para um quarto e logo poderá visitá-la.
- Não, obrigado. – Falou em um tom baixo e seco que assustou até a si mesmo, respirou fundo novamente tentando se controlar e completou enquanto se afastava – Rin ficará bem, como você mesma disse. Vou para casa, preciso de um banho.
- Mas, Senhor... – A médica tentou protestar ao vê-lo começar a se afastar.
- Ela não precisa de mim. – Virou-se na direção da médica que deu um passo para trás ao ver a frieza nos olhos dourados. – Fez a escolha sozinha, que arque com as conseqüências sozinha também.
- Tem certeza de que não quer falar com ela? – Perguntou insegura – Talvez ela possa explicar... Devem haver razões...
- Não. O tempo de explicações acabou. – Deu meia volta caminhando para os elevadores. – Avise quando ela receber alta, arrumarei alguém para vir buscá-la.
===== Seis dias depois =====
Kagome parou na porta do apartamento, deixando que Rin entrasse sozinha, não sabia o que dizer a amiga. Sabia apenas de partes da história, apenas o que tinha presenciado das mudanças de comportamento da garota e fragmentos de conversas entre InuYasha e o irmão. Por mais que repudiasse a idéia do que parecia ter acontecido, não podia se basear apenas nisso e Rin parecia não estar disposta a falar, Continuava muda como havia estado no hospital desde o momento que a havia visitado a primeira vez e dito que Sesshoumaru estava se mudando do apartamento dos dois.
- Precisa de alguma coisa?
Rin balançou a cabeça negativamente enquanto caminhava para o quarto sem se importar com a amiga, precisava ficar sozinha... Não, na realidade precisava de Sesshoumaru, mas não podia mais tê-lo, não agora que ele descobrira o que tinha feito. Como pudera ser tão tola pensando que poderia esconder aquele tipo de coisa dele?
Sentou na cama observando as portas abertas do guarda-roupa, as roupas dele não estavam mais ali. Ele realmente tinha saído de sua vida. Sabia disso há alguns dias, Kagome tinha lhe contado, evitara voltar para casa exatamente por isso. Enquanto não visse o apartamento vazio, sem a presença dele, sem suas coisas, ainda poderia alimentar a ilusão de que tudo aquilo era apenas mais uma parte do pesadelo que vivia desde aquela noite com Kohaku.
Levantou da cama lentamente, ignorando a pontada de dor em seu corpo, terminou de abrir as portas do armário e olhou meio que hipnotizada para suas roupas penduradas. Estavam sozinhas ali, assim como ela... Pensamento estranho, por que se preocupar com roupas? Elas não sentiam dor ou solidão... Mas, cada uma fazia parte de sua vida, cada uma representava momentos e lembranças do que tinha se passado quando as usara. Fechou as portas com força, não querendo mais pensar naquilo. Precisa descansar, esquecer todas aquelas coisas ou acabaria enlouquecendo.
Deitou na cama fria e vazia sem conseguir mais segurar as lágrimas como fizera na última semana, abraçou o travesseiro dele e inspirou seu perfume. Deus, isso só fazia a dor piorar... Era quase como abraçar uma lembrança. Era demais, não podia agüentar tudo isso sozinha. Precisava de sua presença, do corpo dele a seu lado, dos braços abraçando-a para confortá-la e sua voz dizendo que tudo ficaria bem.... Mas, não podia mais ter isso. Jogara todas as chances, sua felicidade e planos fora com as duas mãos quando escondera tantas coisas do namorado.
Sesshoumaru nunca acreditaria nela novamente, ignorara seus pedidos para que a visitasse. Negara-se a ouvir suas desculpas e explicações com uma frieza que nunca o vira apresentar e que apesar de chocá-la era compreensível. Ele sabia apenas parte da história e a culpa era sua por pensar que podia esconder o que estava acontecendo, agora entendia que não conseguia fazer as coisas sozinha. A vida estava sendo dura demais para que pudesse suportá-la sem o apoio de seu melhor amigo.
- Sua mãe ligou, Rin-chan... – Kagome parou na porta do quarto, observando a garota deitada na cama abraça ao travesseiro como uma criança., apertou o telefone nas mãos tentando controlar a vontade de abraçá-la oferecendo conforto. Pelo que tinha presenciado nos últimos dias ela não aceitaria isso muito bem – Queria saber se você não quer voltar para casa até se recuperar... Eu disse que você ligaria depois para responder.
Rin fechou os olhos sem conseguir responder, sua voz parecia ter sumido assim como sua vontade de fazer qualquer coisa. Ouviu os passos se afastarem e soube que estava sozinha novamente, abraçou o travesseiro mais forte encolhendo-se na cama, abriu os olhos lentamente depois de alguns minutos sem conseguir dormir. Observou o modo como o céu escurecia com as nuvens pesadas no céu, o dia parecia tão triste daquele modo, quase como se refletisse seus sentimentos. Afundou o rosto no travesseiro continuando a chorar em silêncio, não haveria mais dias luminosos em sua vida.
'Quando foi que meus sonhos se transformaram em pesadelos?'
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dokoka ni wasureteru kokoro ga chotto itakunaru
toki wo tsunagu hoshi no yoru ni kimi wo sagashiteru
(O coração que esqueci está começando a doer novamente
Continuo procurando por você no céu estrelado que está ligado ao passado)
'Estou fazendo uma pergunta direta, Rin... O que você quer?'
Rin virou na cama mais uma vez, por que não conseguia fazer com que aquela voz se calasse? Que aquela pergunta parasse de ressoar em sua mente? Todas as vezes que aquela pergunta era ouvida sua mente gritava dizendo que queria ficar com ele, mas não era isso o que Sesshoumaru queria saber...
' O beb Ele queria saber o que desejava fazer com o bebê. Como podia fazer uma pergunta dessas? Não sabia o que o aborto há cinco anos havia feito com ela? Ah sim... Ele não sabia, nunca tivera a chance de lhe contar a verdade. O antigo namorado nunca lhe permitira tocar naquele assunto... Sua única condição quando haviam se reencontrado.
' O passado deve ser esquecido, Rin... Não quero ouvir explicações ou uma palavra sequer sobre o que já passamos... Esqueça-se que nos encontramos em uma outra época, porque para mim aquilo nunca existiu'
Deus, como doera ouvir aquelas palavras, sentir o olhar frio sobre si depois de compartilharem uma noite que a fizera lembrar dos anos de faculdade. Doera saber que apesar de por breves momentos ainda senti-lo como o mesmo amante carinhoso, quando o prazer explodira em seus corpos toda aquela magia acabara.
Pensara a princípio que podia fazê-lo mudar de idéia, abandonar aquela fachada fria, voltar ao que eram antes... Pensara que com o tempo poderia fazer com que ele a ouvisse, mas nada havia mudado nos quatro anos daquele relacionamento superficial.
'Chega um momento que você tem que encarar a realidade... Não há volta para o que fomos...'
Abriu os olhos de repente, a voz em sua mente havia sido tão dura dessa vez... Não, não havia sido dura, apenas falara a verdade que há tanto tempo não queria encarar.
- Não há volta...
Sentou na cama lentamente enquanto tudo ficava estranhamente claro em sua mente. Não havia motivos para lutar, as coisas não podiam ser mudadas. Não importa o quanto desejasse, não voltaria no tempo para consertar os erros do passado. Não havia saída.
'Chega um momento que você tem que encarar a realidade, não importa quão dura ela seja'
Levantou da cama sabendo exatamente o que queria, a resposta a para a simples pergunta de Sesshoumaru. Caminhou às cegas até a sala e pegou uma folha sentando-se a mesa de desenho, escreveu com absoluta clareza de pensamentos tudo o que sentia ou havia sentido. Montou um quadro com palavras de tudo o que havia passado desde a noite em que voltara ao apartamento que dividiam e encontrara Kohaku esperando por ela em meio a escuridão. Pela primeira vez não se importou se ele ouviria ou não suas explicações, precisava apenas falar. A época de segredos havia terminado.
Pegou as folhas de cima da mesa e passou os olhos pelas linhas escritas, lágrimas deixaram seus olhos enquanto revivia cada um daqueles momentos de tortura onde fora a única culpada. Dobrou a carta cuidadosamente e procurou por um envelope, colocando-a dentro e lacrando suas lembranças naquele frágil invólucro. As coisas pareciam tão simples quando você pára de lutar contra a maré.
Deixou o apartamento e desceu até a portaria do prédio. Falou com o gentil rapaz que ficava ali a aquela hora e conseguiu convencê-lo a arrumar um mensageiro para que entregasse a carta a seu destinatário. Subiu as escadas que a levariam até seu apartamento sorrindo, a cada passo que dava sentia o corpo mais leve. Não precisava mais se preocupar com o que faria a seguir.
'Existe um momento que você tem que encarar a realidade'
Entrou no apartamento fechando a porta atrás de si, não havia mais vozes perseguindo seus pensamentos em uma lenta tortura. Na verdade ainda podia ouvir a pergunta ressoando fracamente, mas já tinha descoberto a resposta e ela não mais era dolorosa, simplesmente porque não estava mais lutando ou tentando modificar o que não podia.
'Estou fazendo uma pergunta direta, Rin... O que você quer?'
' Eu quero desistir.'
N.A. – Oi minna,
Vou explicar algumas coisas antes que alguém tenha idéias estranhas. Nenhuma das coisas retratadas neste fic aconteceram comigo. Apesar de achar que cada um deveria ter o direito de escolher o que quer ( em relação a aborto) eu realmente o considero um ato hediondo e nunca teria coragem de praticá-lo a não ser em um caso extremo, mas acredito piamente em livre arbítrio e cada um deve fazer aquilo que acredita ser certo.
Eu pesquisei sobre o assunto e o resultado está aqui. Podem haver enganos? Podem, não sou perfeita e nem profunda conhecedora do assunto, certo?
Pronto, isso era tudo o que eu queria dizer. Obrigada meninas pelos reviews e caso não tenham percebido este foi o último capítulo. Não me xinguem, existe mais uma parte ( epílogo ) que será postada quando eu terminar e será do ponto de vista de Sesshoumaru.
Não era a minha idéia original, mas enquanto escrevia este capítulo vi que ficaria muito superficial não saber o ponto de vista dele, certo?
Obrigada as reviews do último capítulo - Kisamadesu, Gushi, Hell's Angel-Heaven's Demon, Darck Angel, Kikyou Priestess, Leila Wood, Megawinsome, Cássia, Juliane, Madam Spooky, Aya-chan, Paixão.
Obrigadas de coração meninas, sei que o tema não é o que costumo escrever e não pensei que teria tantas respostas a esse fic. Na verdade, pensei que ninguém o leria, principalmente quando eu fiz questão de frisar desde o início que não haveria um final feliz, mas vocês me surpreenderam e com certeza fico muito feliz, mas ei! Ainda tem mais um capítulo XD
Mas, tenho uma pergunta a vocês. Aposto que quando leram o primeiro capítulo pensaram que o "Pecado" do título tinha a ver com o fato dos dois serem amantes. Passados cinco capítulos, ainda continuam pensando assim ou descobriram o real "pecado" que paira sobre Rin?
Espero que gostem desse capítulo e deixem sua opinião.
Kissus e ja ne,
Naru
P.S. – Chegou ao meu conhecimento que existe alguém se passando por mim por aí ( MSN e coisas assim, inclusive escrevendo fics dizendo que sou eu ). Sim, eu sei quem é e espero sinceramente que ELA pare com isso. Então, isto é apenas um aviso. Não acreditem em qualquer um que disser que sou eu, meus únicos contatos no MSN estão no meu profile.
