Amores e Traições
by Carol Yui
- O que está acontecendo Heero? Você está bem? - Ouviu-se a voz de Dorothy.
E no instante seguinte as luzes da casa se acenderam. Duo levantou-se, num salto, arrumou-se e correu para as escadas, como um bicho espantado.- Claro que estou bem, por que? Tropecei no banco. Só isso.Dessa vez foi a luz da varanda que se acendeu. Duo encolheu-se mais ainda no alto da escada, tentando se ocultar nas sombras.- Por que você não esquece essa sua obsessão e voltamos para civilização? Não adianta, você nunca vai achar o que procura aqui. Além do mais Relena espera por você...- Digamos que essa é a sua opinião. – disse ele com enfado – e depois, Relena vai ter que continuar esperando. Só posso sair daqui quando acabar o curso. Isso é assunto encerrado.Depois disso, os dois entraram em casa. Logo que a porta se fechou e as luzes se apagaram, Duo sentou-se impossibilitado de se mexer mais. Quando finalmente entrou em casa, procurando não fazer qualquer ruído, Duo estava irritado consigo mesmo por que se deixara envolver por Heero mais uma vez. Logo depois, deitou e caiu num sono conturbado.Na segunda-feira de manhã, Duo permitiu-se o prazer de assistir à partida de Dorothy para o aeroporto rumo ao Reino Sank.Na terça não viu sinal de Heero. Na quarta, não teve jeito, ele o estava esperando encostado em seu carro para confirmar se Duo poderia levar-lhe ao curso. A boca de Duo se mexeu concordando antes que seu cérebro pudesse dizer o contrário.No caminho para a aula, o clima estava meio tenso, até que Heero quebrou o silêncio:- Você escreveu mais alguma coisa?- Não. As discussões com você me tiraram todo o entusiasmo para escrever. – retrucou Duo em tom brincalhão. – Vai me dar algum castigo por isso?- Feliz de você que a palmatória já não existe. – disse ele sorrindo. – Mas do jeito que a classe vai indo, acho bom você não sair da linha.- Isso quer dizer que não sou o pior aluno? Que bom, eu me esforcei tanto! – retrucou ele sorrindo, porque afinal era melhor assim do que brigar o tempo todo.Quando chegaram ao prédio do curso Duo se sentia menos tenso. O próprio Heero deu uma aula com maior jovialidade, misturando elogios com críticas. John cumprimentou Duo com um sorriso de boas vindas.Mas a grande surpresa veio no final da aula, enquanto Duo esperava, num canto da sala, que Heero acabasse de atender os alunos. Nesse momento John aproximou-se dele:- Gostaria de dizer que adorei o seu show na segunda-feira, Chris, você canta muito bem.Ele sentiu como se o prédio acabasse de desabar.Duo ficou branco de susto. Seus olhos começaram a piscar de nervosismo. E nem chegou a ouvir o resto da conversa de John, pois teve a impressão de que ia desmaiar. Sentiu apenas que John o segurava pelos braços e ajudou-o a sentar-se.- O que foi que houve? – perguntou Heero que vinha se aproximando.- Não foi nada já estou bem – acrescentou Duo – Talvez eu tenha comido demais no jantar. Pode continuar a atender os alunos, daqui a pouco eu vou até lá.- Espero que você esteja bem de fato – comentou John depois que Heero se afastou.- Foi só na hora – replicou ele tentando sorrir – Desculpe... ter desmaiado. Mas eu levei um choque.- Por causa de um comentário tão ... simples! – disse John sorrindo de volta. – Não sei em que tipo de jogo você se meteu, mocinho, mas acho que está exagerando. Lembra-se de que eu o preveni? Em todo caso, desculpe se eu estraguei alguma coisa. Da próxima vez é melhor eu ficar calado.Não houve tempo de continuar a conversa, pois Heero já se aproximava.- Acho que já está na hora de ir embora Chris, se é que você se sente bem o suficiente para dirigir.- Sim, eu estou bem, podemos ir.Minutos depois, Duo encontrava-se onde menos queria estar: no carro sozinho com Heero. Será que ele escutara o comentário de John? Se tivesse ouvido indiscutivelmente teria juntado as pontas e descoberto tudo. Ficou, portanto, aguardando que a qualquer momento ele começasse a dizer tudo. Mas para sua surpresa, Heero comportou-se de maneira oposta. Mostrou-se calmo e natural. Parecia apenas pensativo demais.Quando chegaram em casa, Heero quebrou o silêncio para agradecê-lo.- Espero que não se sinta mal de novo. Qualquer problema é só bater no assoalho.Ainda nervoso e inquieto, Duo subiu para sua casa.Duo não o viu nos próximos dias. No sábado, ele apareceu. Bateu na porta de Duo muito cedo. Antes que ele acordasse.- Desculpe, eu não queria acordar você. – disse ele enquanto Duo ainda abotoava suas calças compridas. E sem dar maior importância a situação, perguntou:- Você está ocupado amanhã?Claro que Duo não estava. Mas, por precaução, era preciso hesitar. Talvez Heero estivesse preparando uma armadilha para finalmente desmascará-lo.- Não, não precisa mudar seus planos por minha causa. – comentou ele, percebendo a hesitação.- Bom... – disse o americano – não tenho nada de tão importante para fazer...- Então gostaria de pedir-lhe um imenso favor. Poderíamos ir a uma praia agradável, para caminhar um pouco e conversar?- Bom, acho que sim. – respondeu ele um pouco alarmado – Mas se você quer conversar sobre algo especial, porque não aqui mesmo, agora?- Entre outras coisas eu gostaria de fazer um pouco de exercício. – respondeu ele – Preferiria esperar um pouco mais porque ainda preciso pensar sobre umas coisas, antes de pedir sua opinião a respeito de uma idéia que tive.- Acho que você está querendo me matar de curiosidade, não é?- Acertou em cheio. – disse ele sem mais detalhes. – Às dez esta bom?- Às dez está ótimo.Às dez da manhã, Duo saiu de casa e viu Heero esperando-o, lá embaixo, encostado no corrimão da escada. Ficou aliviado ao ver o sorriso no rosto de Heero.- Poderíamos ter saído mais cedo – comentou ele – parece que vai fazer um calor terrível...- Era só ter me avisado. Estou acordado praticamente desde a madrugada.- Paciência. Vamos?A viagem até a praia foi tranqüila. Duo ficou se perguntando apenas o que teria acontecido para que Heero estivesse tão bem humorado...Quando chegaram, estacionou o carro debaixo de umas árvores. Minutos depois estavam descendo cuidadosamente o barranco que ia dar na praia.- Mostre-me aonde está a água, por favor. Faz séculos que eu não nado.- Nadar? ... Você?... – Perguntou Duo perplexo.- Eu mesmo, sim senhor. Se você quiser, pode ficar aqui guardando os meus óculos.E para espanto de Duo, Heero correu em direção ao mar, depois de deixar os óculos escuros em suas mãos. Só parou de correr quando sentiu a água batendo nas pernas. Mas continuou caminhando, mesmo depois que a água lhe chegara à cintura.Quando o alcançou finalmente, quase não conseguia tocar o fundo. Heero deu uma sonora risada, ao sentir que Duo se agarrava a ele para se equilibrar :- O mar está uma delícia, não acha? Quer voltar um pouco para um lugar mais raso?Retornaram um pouco, até que Duo se sentiu mais seguro. Heero estava um pouco atrás dele.Neste momento uma onda inesperada tirou-lhe o equilíbrio e atirou-o em cima de Duo. De modo que ambos caíram na água, que agora lhes chegava até a cintura. Quando conseguiram ficar novamente de pé, Heero afastou-se de Duo, quase como se sentisse repugnância por ele.- Talvez você tenha razão.- disse ele – acho melhor passear na areia, antes que eu me meta em alguma encrenca.Enquanto apanhava as roupas e o óculos, Duo ainda se perguntava o que queriam dizer as últimas palavras de Heero. A encrenca era o mar ou a proximidade dele? Em todo caso, logo que começaram a andar, percebeu que Heero mudara de humor. Agora estava silencioso e distante.Andaram muito sem trocar palavra. Pareciam dois desconhecidos caminhando lado a lado. Assim, quando Heero quebrou o silêncio, ele quase levou um susto.- Preciso da sua opinião – disse ele.- Sobre o quê? – perguntou Duo cauteloso.- Um problema.- Bom, imaginei logo que havia um problema. O que é?Heero não respondeu de imediato. Caminhou meia dúzia de passos e parou repentinamente de frente para ele.- Lembra-se que eu lhe falei de um... de alguém que me abandonou quando descobriu que eu estava cego?- Claro que lembro.- Pois bem, acho que sei onde ele está. – disse Heero.Foi como se Duo levasse um soco no rosto. Então ele ainda amava esse cara? Como era possível, depois de ter sido abandonado quando mais precisava dele?- E você ... você quer que eu diga o quê? – perguntou Duo vacilando.- Decidi que deveria ir até ele, encontrá-lo e ver como é que ele reagiria. – disse Heero, como se fosse uma decisão, mas com um tom de voz de quem faz uma pergunta.- Você faria isso por quais motivos? – perguntou ele, indeciso sobre seu papel, naquele momento.- Para lhe perguntar algumas coisas – disse Heero, balançando a cabeça.- Você ainda o ama, não é?- Talvez isso lhe pareça ridículo – disse ele timidamente – e tem razão. Acho que é uma coisa ridícula. Mas eu não posso fazer nada para evitar esse amor.- Não acho ridículo amar, de modo algum. – replicou Duo com uma vontade enorme de pegar na mão de Heero.- Você, por exemplo, já não ama o homem que o abandonou. Ou estou enganado?Sim, claro que ele ainda o amava, pensou Duo. Mas como admitir a ele sem se revelar ?- Acho melhor não responder do que mentir. Assim me sinto melhor...- disse ele depois de uma pausa.- Não se preocupe, isso não vem ao caso.- e Heero continuou como se tivesse esquecido a pergunta que fizera. – Não estou totalmente certo de que ele mora ... em determinado lugar.- e continuou como se estivesse sozinho – Mas eu vou descobrir isso nem que tenha que enfrentar o mundo inteiro! – Depois deu uma risada irônica, com jeito de quem não tem mais nenhuma esperança: - Não que isso tenha importância...Sei que ele vai continuar mentindo para mim. Exatamente como sempre fez...- Se você se sente assim desencantado , fico me perguntado por que quer falar com ele! O que quero dizer é... bem...você...- Sei o que quer dizer – completou ele.- Mas não se preocupe. Se eu o apanhasse de jeito, teria a enorme satisfação de quebrar-lhe o lindo pescocinho. Neste dia meus problemas se acabariam de uma vez por todas!- Ora, pare com isso, Heero! Você sabe que não vai resolver problema nenhum desta maneira.- Acho que de repente você ficou delicado demais. Não venha me dizer que você não gostaria de fazer a mesma coisa com o pescoço do seu ex-amante...- Bem, houve época ... em que eu tinha vontade de fazer exatamente isso. – disse ele sem condições de negar.- Quer dizer que não tem mais? A verdade é que também não tenho certeza se eu faria isso, agora – disse Heero explicando-se – Mas há dois... sei lá, tempos atrás, acho que se eu encontrasse aquele desgraçado, torceria o pescoço dele. Hoje, não tenho certeza se valeria a pena...- Heero, porque viver cheio de amargura? Não seria melhor esquecer o passado e pensar no futuro?- Pensar no futuro! – replicou ele com sarcasmo – Como é fácil falar! Que futuro tenho eu pela frente? E o que eu vou fazer com o futuro?Duo estendeu a mão, em seguida, até tocá-lo. Um instante depois, estavam abraçados, beijando-se ardentemente, de maneira quase brutal.- É isso o futuro? – disse ele afastando Duo ligeiramente – Beijar alguém que eu não posso ver? Tocá-lo sem saber se está se entregando apenas por compaixão? Grande conselho o seu!... E se eu realmente resolvesse pensar no futuro? Você tem idéia do que isso significa? Pense como seria bom se estivéssemos juntos. Você poderia me trair sem que eu soubesse. Poderia me olhar com raiva, sem precisar camuflar. Poderia me tornar totalmente dependente de você! E, então, quando não necessitasse mais de mim, poderia simplesmente ir embora, sabendo que eu não poderia segurá-lo nem reagir.- Não! - gritou Duo – eu não faria isso!- Bom, talvez você não fizesse. Mas ele fez. E a maioria das pessoas faria o mesmo.Duo não pôde ouvir nada mais. Virou-se e fugiu dali, com os olhos cheios de lágrimas.
Duo parou de correr. Mesmo sofrendo como estava, não podia deixar Heero sozinho. Voltou, portanto, para ele, pouco tempo depois. Aproximou-se silenciosamente. Heero sabia que ele estava ali.- Pode me chamar de imbecil se quiser – murmurou ele. – Eu realmente sou um completo imbecil. Concorda?- Você é realmente um perfeito imbecil – retrucou Duo. – Gostaria que você terminasse de contar. Esse cara nunca lhe disse por que foi embora, justamente quando você mais precisava dele?- Não. Eu também gostaria de ouvir isso. Que ele próprio me dissesse. Talvez assim eu ficasse sossegado. Pode parecer uma idiotice, mas é o que sinto. Peço desculpas por ter atormentado você. É que... às vezes fico irritado demais, se penso muito na história toda.Andaram um pouco mais, em silêncio.- Devo lhe dizer uma coisa Chris: Apesar de estar tão desiludido, você é um cara terno e bom. Um dia encontrará alguém que lhe convém. E então o passado ... desaparecerá.Como era fácil dizer isso! O passado não vai desaparecer, pensou Duo, enquanto Heero Yuy não sumir do meu horizonte. E isso seria possível algum dia?E, mesmo assim, ele não tem razão. Nunca conseguiria esquecer o japonês, nem agora nem no futuro.Caminharam o resto do tempo em silêncio. Apesar de estarem de mãos dadas, pareciam separados por quilômetros de distância, cada qual mergulhado em seus próprios pensamentos.Só quando chegaram em casa é que Duo percebeu que Heero tomara demasiado sol. Estava quase todo vermelho, especialmente no rosto, no peito, nos braços e nos ombros. E transpirava muito, o que deixou Duo inquieto. Sua inquietação aumentou ao ver que o japonês quase não conseguia ficar em pé. Foi difícil ajudá-lo a caminhar até a sala da casa térrea e sentar-se na cadeira mais próxima.- Meu Deus! – disse Duo – Como é que eu não percebi isso? Foi culpa minha...- Não foi culpa sua – replicou Heero com a voz trêmula – portanto pare de resmungar. Daqui a pouco vou estar bem. Só preciso descansar um pouquinho.Heero respirou fundo várias vezes e levantou para procurar um termômetro, pois achava que estava com febre.- Estou bem – insistia ele, mesmo depois de mostrar sinais evidentes de que estava delirando.Na verdade, continuou perguntando pelo termômetro, quando este já estava em suas mãos. Duo tentava sossegá-lo.- Pare de falar. Ou então vou ter que chamar uma ambulância imediatamente.Esperava que isso não fosse necessário. Heero estava com febre alta, 39 . Não se tratava de insolação, mas mesmo assim, tinham que fazer febre baixar imediatamente.- Tire as roupas. - disse Duo, abrindo o chuveiro e tentando regular a temperatura da água para mais frio.- De jeito nenhum! – replicou Heero quase chocado.- Então, pelo menos a camisa. Vamos, tire a camisa. Isto é sério, e se você não for por bem, vai por mal!E como Heero hesitava, ele próprio abriu-lhe a camisa como pôde e tirou-lhe às pressas. A seguir, empurrou Heero para baixo do chuveiro. Com o impacto da água-fria, ele estremeceu e tentou escapar. Duo empurrou-o de volta, com toda energia possível, e manteve-o debaixo da água por algum tempo.- Pronto, agora chega. Vai vestir uma roupa seca e ficar de cama o resto do dia. – completou ele , antes de sair do banheiro.Duo procurou inutilmente um pijama. Enquanto revirava as gavetas, Heero entrou no quarto, com a toalha em volta da cintura.- Por que você é teimoso assim? – gritou Duo. – Não pode ficar andando sem roupa, com toda essa febre!- Não adianta procurar. Eu não trouxe pijamas. – retrucou ele, com um leve sorriso. Depois, estou seguindo o seu conselho: indo para a cama.E, sem mais explicações, deixou cair a toalha e se enfiou debaixo dos lençóis.Duo, ainda perturbado com nudez do japonês, saiu pela casa à procura de algum creme. Quando voltou até o quarto, Heero estava quase dormindo. Duo passou creme em seus ombros, pescoço e braços.- Agora vire-se. Vou passar creme no seu rosto também. – disse ele.Heero murmurou qualquer coisa antes de obedecer.- Agora durma.Mas quando virou-se para sair, sentiu a mão trêmula de Heero agarrando seu pulso.- Só se você prometer que não vai embora! – disse ele – E que vai estar aqui quando eu acordar....- Sim... sim. Claro. – respondeu Duo, ainda surpreso.- "timo – murmurou ele sonolento. – É bom saber que você está aqui.Heero dormiu quase imediatamente, mesmo sem soltar o pulso de Duo. De modo que ele arranjou um jeito de se sentar na beira da cama e esperou até que Heero afrouxasse os dedos. Depois, levantou-se cuidadosamente e saiu para trocar de roupa. Voltou logo. Heero estava na mesma posição, dormindo profundamente. E não foi preciso nem tomar sua temperatura para saber que a febre já tinha baixado.Para não quebrar a promessa feita a Heero, Duo ficou por ali. Deitou-se no sofá da sala. Minutos depois, dormia pesadamente. Acordou com a voz de Heero chamando-o. Levantou-se depressa e, ao entrar no quarto, encontrou Heero coberto com o lençol até o pescoço e tremendo de frio.- Você disse que não sairia daqui! – reclamou ele.- E não saí. Estava na sala. O que houve?- Sinto frio. Estou morrendo de frio – respondeu Heero.- Você tem cobertores por aqui?- Não tenho a menor idéia.Duo procurou mas não encontrou nada. Pôs a mão na testa dele e ficou surpreso: estava mais quente do que pensava.- Quer que eu lhe prepare alguma bebida quente? – perguntou inquieto.- Quero qualquer coisa que me esquente... – respondeu Heero.E, antes que Duo pudesse reagir, ele agarrou-o pelos pulsos e puxou-o para junto de si.- Venha me esquentar... pediu ele – Deite aqui do meu lado!Duo levantou-se e se afastou, de imediato. Estaria Heero delirando outra vez?- Venha, não seja cruel. Sinto frio – pediu ele – não vou atacar você. Só quero me esquentar.Segundos depois, Duo estava ao lado de Heero, na cama. Achava tudo aquilo uma loucura, mas nem por isso seu corpo deixou de sentir prazer ao tocar as pernas, o peito e os braços do japonês. Tinha medo. Não sabia se conseguiria repelir suas investidas. Dali a pouco ficou surpreso ao notar que não havia investidas. Depois de colar seu corpo no dele, Heero dormiu candidamente.Duo também não demorou a dormir. Mas seu sono foi perturbado por inúmeros sonhos, especialmente o último, tão vívido que parecia a exata reprodução da realidade. Sonhou com a última noite que passara ao lado de Heero. Era justamente a noite anterior a uma missão individual do japonês. Tratava-se de apenas dois dias, mas seria a primeira vez que ficariam afastados desde quando começaram o namoro.O que importava naquele momento era estar nos braços do homem a quem amava, e ser beijado por ele. Heero alisara-lhe os ombros nus e acariciara-lhe os cabelos soltos, enquanto beijava seus lábios.- Eu te amo, Duo. – dissera ele.E Duo deixou-se levar deliciado ao ouvir aquelas palavras. Seus dedos escorregaram pelo peito de Heero, abrindo-lhe os botões da camisa e continuaram descendo até sentir os músculos firmes de sua barriga. Heero levantou-o nos braços e levou-o para cama ampla e confortável.Os dedos e lábios de Heero percorreram seu corpo com tal doçura que Duo se sentia voar, de tão leve. No ritmo do amor, ambos pareciam dançar uma música que nascia de cada toque. Ele lhe devolvia as carícias, uma a uma. Não tinha medo de Heero. Sabia que era amado.Nesse momento, Duo acordou e olhou assustada para o homem que estava deitado ao seu lado. Sentiu-se agarrado por ele. E seu corpo o desejava. Olhou-se. Já sem camisa, estava esmagado contra o peito de Heero.- Pare com isso, pare com isso! – gritou ele, ainda mais espantado ao notar que estava completamente nu.- O que houve, Chris? – perguntou ele, com perplexidade na voz – Seria outra brincadeirinha de mal gosto? Desculpe, mas você começou. Agora nós vamos até o fim!E lá estava Duo apertado contra ele, imobilizado por aqueles braços fortes que o enlaçavam. Heero procurou seus lábios e beijou-os como quem conquista e invade. Era o mesmo beijo do sonho. Ele parecia querer incendiá-lo de desejo. E conseguiu. Segundos depois, o corpo de Duo não resistiu a esse apelo e deixou de opor resistência.- Eu quero você... eu preciso de você – sussurrou Duo entre um beijo e outro.Os lábios de Heero beijaram seu rosto, seu pescoço e desceram para seus mamilos que despertaram incandescentes.- Ah! Heero... – murmurou ele com medo de continuar a falar e ser traído pelas palavras.Duo queria Heero tanto quanto ele o queria. Mais, talvez, porque ele tinha esperado demais por aquele momento de gratificação física, onde iria matar a fome que Heero provocara nele, há dois anos. E depois, o que sobraria? Apenas sofrimento, pensou ele, em seu coração faminto. Não, não poderia ficar com Heero. Ele pertencia a outro. Disse isso com suas próprias palavras, ainda nesta manhã.Não, simplesmente não podia ser. repetiu Duo. Isso já é masoquismo da minha parte. E começou a tentar se livrar de Heero, esmurrando seu peito, chutando suas pernas, tentando libertar-se dos braços dele e do seu próprio desejo por ele.- Não, Heero... pare ... por favor, pare... – gritou ele, enquanto esperneava.Duo empurrou-o com ambas as mãos, utilizando toda sua força. Heero começou a rir, mantendo-o firme contra si. Maldito, pensou Duo, era bem mais forte que ele!E esperneou como pôde, sacudiu-se, esmurrou, até cair do lado da cama, livre. Apanho no chão o short que usava e vestiu-se rapidamente.- Bandido! – gritou Heero para ele, enquanto tentava alcançá-lo desesperadamente, até encontrar de novo seu corpo.- Bandido é você ! – gritou ele tentando escapar.Duo quase caiu no momento em que Heero rolou da cama para o chão. Ele ouviu o impacto, primeiro de sua cabeça, depois de seu corpo, que caiu fazendo tremer o chão. Em compensação, Duo conseguira libertar-se outra vez. Enquanto Heero o xingava, ele apanhou o resto de suas roupas e fugiu. Se xingava, pelo menos não estava seriamente ferido, pensou ele numa mistura de preocupação e pânico.Duo atravessou a varanda, subiu as escadas e trancou-se em casa.Chorou primeiro de tristeza. Mas a seguir, um sentimento de ódio se sobrepôs ao da dor. De lá do fundo de si mesmo, uma voz parecia gritar, pedindo vingança. Sim, pensou ele! Finalmente tinha conseguido vingar-se. Provocara Heero Yuy, até deixá-lo estonteado, e depois o abandonara, exatamente como tinha feito com ele!Então, por que se sentia tão mal a respeito do que acontecera? Talvez fosse o caso de dizer-lhe toda a verdade agora! Não ... seria demasiado cruel. Já o castigara bastante...- Chris! – gritou Heero, ao mesmo tempo que batia na porta, com tanta força como se pretendesse derrubar a casa toda.- Vá embora! – gritou Duo, pilando da cama e correndo,... para onde?- Quero conversar com você – disse Heero já mais calmo.- Não tenho nada para falar com você! Se você entrar aqui eu juro que eu te mato! Vai embora!- É um assunto importante...- Não quero, não quero, vá embora!- Está bem ... está bem...Já entendi.Do meio do seu choro, Duo quase não ouviu essas palavras. Ele correu até a janela e espiou através das frestas. Sim, Heero estava indo embora. Logo seus ouvidos captaram os estranhos sons que vinham do apartamento térreo. Parecia que o japonês estava chutando tudo ao seu redor. Duo ouviu uma cadeira cair longe e quase podia visualizar o apartamento sendo destruído no mais puro ódio.E, de repente, silêncio. Um silêncio que deve ter durado meia hora, até que um táxi parou, em frente à casa. Alguns minutos depois, Heero apareceu. O motorista levou-o até o carro e partiu.Finalmente, Duo sentiu-se só e tranqüilo.Para sua surpresa passou o dia seguinte sem maiores preocupações. A verdade é que passou todo este tempo remoendo cada pequeno detalhe da sua situação. Precisava dizer a verdade! Assim, enquanto comia rapidamente alguma coisa no bar antes de começar seu show, Duo decidiu o que tinha de fazer: Diria toda a verdade. Talvez machucasse Heero, assim como o simples fato de falar a verdade poderia ferir a ele também. Mas pelo menos partiriam de alguma coisa concreta, clara, objetiva. E...quem sabe? ... Talvez descobrisse por que Heero não o deixava em paz, por que insistia já que gostava de outro...Essa decisão deixou-o muito bem humorado. No momento de iniciar o show, Duo estava alegre e sorridente.O dono do bar estava satisfeito, pois não parava de servir bebidas. Duo estava cantando uma de suas próprias composições, aquela que sempre considerara como sendo a canção de Heero (1), e nem tinha se dado conta que tinha começado a cantar justamente aquela canção. E, então num hábito que adquirira quando estavam juntos, olhou para um lugar onde a memória dizia que ele estaria sentado, dando-lhe apoio com seu amor. Para seu espanto, lá estava Heero, exatamente no mesmo lugar.Duo engasgou imediatamente. Seus dedos vacilaram nas cordas do violão. Heero Yuy, ali? Não, não podia acreditar. Engasgou mais uma vez, mas o instinto o fez continuar. Conseguiu chegar ao fim da canção, mas seus olhos não puderam se desviar mais da figura esguia que se sentava numa mesa bem ao lado dele.Na canção seguinte, foi como se todo o bar tivesse se esvaziado, imenso como nunca. Lá estavam apenas Duo, cantando e Heero a ouvi-lo, quase imóvel. Vestia-se todo de negro e mexia-se apenas para beber um drinque.Pois bem, se Heero Yuy estava ali era por que conhecia toda a verdade. Não havia mais como mentir. Se ele podia ter se enganado quanto à sua identidade, por causa da cegueira, era impossível que não reconhecesse sua voz cantando aquela canção.Foi então que Duo sentiu-se subitamente fraco e sem energia. Tudo por que Heero sorria para ele. Mas não era um sorriso agradável, e sim um sorriso cruel. Heero tirou os óculos. E, surpreendentemente, seus olhos pareciam estar vivos, vivos demais, sem nunca parar de olhar para ele, prestes a devorá-lo. Não, aquilo era demais.- Acho, ... acho que ... vamos fazer um intervalo agora. – disse ele ao microfone.E, logo que se levantou, percebeu que Heero fazia o mesmo. Duo sentiu um calafrio de medo, ao notar que ele murmurou alguma coisa para si mesmo e, com incrível agilidade, abriu caminho para ir embora dali.Duo sabia perfeitamente que Heero tinha dito um palavrão, antes de sair. Sim, Heero estava furioso e Duo imaginava muito bem por que. Tremia, ali em pé. Duo deixou o violão de lado, respirou profundamente e a seguir foi até a mesa onde ele estivera sentado. E quando chegou, seus olhos se depararam com o copo vazio e... os óculos escuros! Quase instintivamente, Duo agarrou-os incrédulo. O que significava aquilo?Por que Heero abandonara aqueles óculos? Lógico: por que não precisava mais dele. Essa era a verdade! Heero podia ver!Duo sentiu um calafrio de medo. Há quanto tempo ele estaria vendo? Será que sua vinda para Armida não passava de uma farsa cruel, para vingar-se dele? Mas, para vingar-se de quê? Não fizera nada!O resto da noite passou com esforço.Duo tocou e cantou sem entusiasmo. Mas, quando chegou em casa, Heero não estava. Nem ele, nem seu luxuoso carro. Dou ficou espantado. Conseguiu apenas sair do carro e ficar olhando para o local, onde deveria estar o carro de Heero.- Desgraçado! – murmurou olhando para o estacionamento vazio.
Continua...
(1)Que tal algo como "From This Moment On" da Shania Twain...
