N/A1: Contrariando alguns comentários pessimistas... Capítulo 1 no ar!



1. REFLEXOS

"A solidez da terra, monótona,
parece-nos fraca ilusão.
Queremos a ilusão do grande mar
multiplicadas em suas malhas de perigo"


Cecília Meireles

Elinor colocou a última caixa dentro da picape vermelha com fúria. Detestava dirigir, e aquela seria uma longa viagem. Nem pensou em ir de avião. Detestava dirigir, mas detestava mais ainda depender dos outros.

Ela entrou no carro, deu a partida, e deixou a cidade de Chicago sem sentir remorsos. Estava deixando para trás seis anos, seis anos que ela considerava, agora, um total desperdício. Não iria sentir saudades de Chicago por nenhum segundo do restante de sua vida, nem de tudo o que deixou para trás.

Lembrou-se de Christopher, seu ex-marido, com um sorriso sarcástico. Quando aceitou casar-se com ele, pensou estar se libertando de uma vida terrível ao lado de seu padrasto, mas o que aconteceu nos seis anos seguintes provou o que ela suspeitava. Nunca deveria agir por um impulso.

Pouco mais de nove meses depois de ter se casado, seu padrasto morreu, mas ela estava presa a um casamento. Na época, claro, não percebeu, mas anos depois, quando começaram as discussões por causa das diferenças entre eles, e Elinor quis ir embora, ficou claro que ela havia saído de uma prisão para entrar em outra.

Na auto-estrada, Elinor acelerou mais ainda. Não valia a pena perder tempo pensando no passado. Tinha um futuro pela frente, um futuro ainda indeterminado para ela.

-x-x-x-

À medida que Elinor se aproximava do Canadá, o clima também mudava, ficando cada vez mais frio, o que não era anormal naquelas regiões, ainda mais naquela época. Era começo de fevereiro de 1997, e a estrada para Vinley* estava deserta por causa da forte nevasca que caía.

Era difícil manter o controle do carro naquela situação. A neve cobria o vidro, e o pára-brisa não conseguia manter a visibilidade por muito tempo. A única coisa que Elinor poderia fazer era procurar um hotel e esperar a tempestade passar.

Ela bufou, impaciente. Já que tinha que voltar para seu antigo lar, quanto mais cedo chegasse, melhor. Não queria que os vizinhos a encarassem com curiosidade, e ficaria muito aliviada se seu retorno à cidade passasse despercebido, mas Elinor não era ingênua a esse ponto. Assim que chegasse à sua antiga casa, os vizinhos começariam a falar, o que já a irritava antes mesmo que isso acontecesse. E para piorar, o carro parou de funcionar no meio da estrada.

- Ótimo! - Elinor exclamou, com sarcasmo, desligando e saindo do carro com raiva - Perdida no meio do nada...

Elinor levou a mãos aos olhos, para impedir que a neve atrapalhasse sua visão, olhou para os dois lados da estrada, tentando ver a luz de algum carro, mas estava sozinha, e começando a sentir frio, voltou para o carro para se aquecer. Quando estava abrindo a porta do carro, porém, viu uma luz vermelha piscando fracamente a alguns metros de distância do carro.

Era um pequeno restaurante de beira de estrada. Dentro, empilhadas em frente a uma porta de saída de emergência, havia mesas que deveriam ficar do lado de fora em dias ensolarados, mas dentro do lugar, só tornava o espaço menor. As mesas que ficavam perto das janelas estavam com os forros sujos e remendados, e na mesa havia várias marcas de copo.

Apesar da repugnância que sentia ao lugar, Elinor sentou-se na mesa mais longe da porta, de costas para duas garçonetes com aparência descuidada e que conversavam animadamente antes de Elinor entrar, calando-se assim que a mulher entrou. Elas analisaram a recém-chegada com o olhar, tentando encontrar nela alguma familiaridade com um dos moradores da região, e procurando alguma outra forma de identificá-la quando não encontraram em Elinor nenhum traço de qualquer uma das famílias que morassem ali.

- Afinal, vocês vão me atender ou não? - Elinor resmungou entre dentes, sem virar-se para as mulheres, mas sentindo que elas a observavam, e bastante incomodada com isso.

As duas trocaram olhares, e uma delas, com mechas de cabelo saindo do chapéu da farda, óculos que escorregava do nariz e um olhar de despeito foi atender Elinor.

- O que a senhora deseja?

- A que distância isso aqui está de Vinley? - ela deixou evidente o desprezo que sentia pelo lugar quando evitou dizer o nome do restaurante, mas a garçonete não se intimidou.

- Vinley fica a menos de duas horas de distância. - ela respondeu olhando ofendida para Elinor antes de repetir a pergunta, com desânimo - O que a senhora deseja?

- Oh, acho que nada do que você me oferecer poderá me agradar. - Elinor disse com um sorriso simpático que não enganou a mulher. Ela abriu a bolsa, e retirando uma nota de dez dólares canadenses, se levantou e saiu do restaurante procurando algo em sua bolsa.

A garçonete olhou para Elinor com desagrado, e comentou com a colega.

- Que mulher terrível! Se não queria nada, porque entrou?

- Ela deve estar muito apressada para dirigir com toda essa neve. - a outra garçonete disse com despreocupação - Nem sei como ela conseguiu fazer o carro funcionar! - ela acrescentou ao ver o carro voltar para a estrada.

- Espero que o carro dela quebre outra vez, e que ela não encontre socorro por umas três horas. - ela disse com despeito, antes de fechar os olhos e sorrir para a outra mulher - Mas o que você estava falando do Brian mesmo?

E enquanto as duas garçonetes retomavam a conversa interrompida por Elinor, a mulher dava a partida no carro e continuava a viagem.

À medida que Elinor se aproximava de Vinley, a neve caía mais fraca. O carro agora ia a alta velocidade, e a mulher não estava mais preocupada em observar a estrada, por isso, quase não conseguiu parar o carro a tempo de impedir que batesse em um borrão.

- Porcaria! - Elinor resmungou enquanto saía do carro, nervosa. Por causa de um idiota que havia atravessado a estrada sem olhar para os lados, ela teria que ir para o hospital da cidade, e antes que o médico pudesse dizer que ela havia atropelado mais um bêbado, a cidade toda saberia que ela estava de volta.

A porta do carro bateu violentamente enquanto Elinor caminhava com passos pesados. Em frente ao carro estava o corpo de um homem inconsciente, mas ela desviou o olhar do homem para algo que brilhava a alguns centímetros de seus pés. Ela se ajoelhou, e retirando a pouca neve que cobria parte do objeto, viu que era um espelho. Elinor tirou a luva, e seus dedos longos e finos tocaram o objeto prateado.

Assim que ela tocou no espelho, o mundo ao redor foi-se escurecendo, até tudo estar encoberto pela escuridão. Como se ela estivesse numa grande sala de cinema vazia, com a diferença de que era como se participasse da cena, viu surgir a imagem de um homem caindo em direção a um arco, um homem de cabelos longos, com um sorriso no rosto, mas um olhar de surpresa e pasmo. Enquanto o homem caía, a imagem dele foi clareando, porém, antes de desaparecer totalmente, outra imagem surgiu, a de um rapaz de despenteados cabelos escuros, com uma visível cicatriz em forma de raio em sua testa. Ele olhava ansioso para alguma coisa em suas mãos, e como se alguém adivinhasse o que Elinor queria saber, ela viu que o rapaz segurava um pequeno espelho idêntico ao que estava em sua mão, ao mesmo tempo em que ele falava.

"Sirius" ele disse, e acrescentou depois de esperar por alguns momentos "Sirius Black", a imagem do homem caindo ficando mais nítida toda vez que o rapaz dizia o nome. Elinor sentiu a angústia do rapaz, o desejo de poder impedir que o homem atravessasse o arco, mas ela não podia fazer nada, e no mesmo instante que o homem entrou no arco, o rapaz jogou o espelho no chão com fúria, quebrando-o.

Elinor fechou os olhos, assustada, e quando os abriu novamente, não viu mais o rapaz ou o homem, mas sim, sua própria mão segurando o espelho. Ela ficou ali, sentada, olhando aturdida para o espelho, tentando guardar em sua mente tudo o que havia visto, e tentando entender o que significava. A mulher levantou-se lentamente, com a testa franzida e, contra a sua vontade, chorando por causa da angústia que o rapaz sentia. Ela balançou a cabeça passando a mão com fúria pelos olhos, sentindo-se uma estúpida por não se controlar. Então ela viu o homem caído no chão, lembrando-se que deveria ter o atropelado. Esquecendo do que havia acontecido, ela caminhou o mais rápido possível até o homem.

O rosto dele estava virado para o lado, o que facilitou para Elinor checar a pulsação no pescoço, e certificar-se de que o homem estava vivo. Com cuidado, ela girou o corpo do homem para ver a gravidade dos ferimentos, mas quando o fez, soltou uma exclamação de surpresa, e levou a mão à boca enquanto seus olhos se arregalavam. O homem que estava caído na estrada, em frente ao seu carro, era o mesmo homem que apareceu em sua visão.


*Vinley: cidadezinha pequena, com população de 35.000, localizada em um dos lugares mais frios do Canadá, e existente somente na minha imaginação, até onde eu saiba.


N/A2: Obrigada pelas rewiews! Não esperava tantas só com o prólogo... Manza, realmente, eu já tinha postado o prólogo, para ver a "aceitação dos leitores", se eu não estava perdendo tempo escrevendo bobagem... Mas eu mudei umas coisinhas, como a capa, e o nome da PO, que seria Clear, mas eu mudei para Elinor (se alguém se lembrou de Jane Austen, não é simplesmente mera coincidência)

N/A3: Sobre as atualizações, eu pretendo atualizar de 15 em 15 dias (uma semama um capítulo de No Meio de Algum Lugar, na outra, Em Meio à Esperança, pelo menos na teoria), mas quando eu tiver terminado a fic, passarei a atualizar toda semana (eu estou escrevendo o capítulo 5, então estou na metade da fic, não planejo escrever uma história comprida).