Capítulo três
Que diabos era aquilo?
Entre 3:00 e 4:00 da tarde
Hermione estava deitada na cama, olhando fixamente para o teto. Não havia mais nada a fazer.
Ele parecia ter adormecido. Ele estava sentado no chão, suas costas contra a parede, suas pernas esticadas na sua frente. O queixo dele repousava no seu peito e seus olhos estavam fechados a mais de vinte minutos. Ao menos o corte na cabeça dele tinha parado de sangrar.
Ela tremeu. Estava frio. Ela puxou o cobertor, mas haviam tantos furos nele que ele pouco aquecia. A cama estava úmida. Ela tinha certeza de ter visto traças andando pelo canto do colchão quando ela puxou o cobertor para se deitar.
Ela olhou para a janela.
Ela devia ter ido para casa na Páscoa.
A última vez que ela havia visto os pais tinha sido no Natal. Por que ela não foi para casa na Páscoa?
Porque eles tinham ido esquiar com os Birkowitzs e ela queria gastar todo seu tempo livre revisando para os NIEMs.
Se ela soubesse o que iria acontecer, que Voldemort iria atacar antes dos exames, ela teria ido para casa.
O Natal pode ter sido a última vez que ela viu seus pais. Para sempre.
Ela engoliu em seco.
Ela não se importou o suficiente com eles, ela não brincou o suficiente com eles, ela não fez o suficiente para eles saberem o quanto ela os amava...
...mas ela não sabia que isso ia acontecer.
Agora talvez ela nunca mais tivesse a chance. Amanhã, a essa hora, ela poderia estar ...
"Não pense nisso. Não pense nisso."
Ela se virou para olhar para Snape. Sua cabeça havia se movido e ela podia ver um lado do seu rosto.
Será que ele estava tão apavorado quanto ela? Teria ele o mesmo temor do que poderia acontecer a eles...a todos, se Voldemort vencesse essa batalha?
Por um pequeno instante ele ficou em dúvida, pensando se ele mudaria de lado, suplicando uma aliança com Voldemort mais uma vez, a fim de salvar sua pele. De alguma maneira ela achava que não. Mesmo que ele detestasse Harry, Hermione acreditava que Snape tinha lealdade suficiente a Dumbledore para se manter do seu lado. Do lado do bem.
Ela se moveu e percebeu que precisava fazer xixi desesperadamente. Ela olhou para o penico no canto da cela, então olhou para Snape. Ele iria acordar? Conseguiria ela ir até lá sem despertá-lo?
Ao invés de levantar-se, ela continuou olhando para ele, seus olhos estudando o rosto dele.
Ele tinha um semblante de paz enquanto estava dormindo. Quase como um pássaro adormecido. Seu nariz era verdadeiramente grande, será que atrapalharia? Seus lábios finos não eram exatamente convidativos a um beijo, mas...
Os olhos dela percorreram o pescoço, visível enquanto sua cabeça pendia para o lado, o sangue pulsando sob a pele pálida. Seria essa uma de suas zonas erógenas? Se ela passasse a língua sobre aquele pedaço de pele, beijasse e sugasse seu pescoço, será que ele se contorceria e gemeria de prazer?
Seus olhos vagaram mais para baixo, se concentrando no espaço deixado pela abertura do manto, seguindo a fila de botões na sua veste negra. Imaginando quantos botões haveriam nas suas calças e quão rápido eles poderiam ser abertos por outra pessoa, que não ele, sem usar magia. E enquanto ela apertava a mão entre as próprias coxas agora quentes, ela pensava em como ele seria atrás de todos aqueles botões.
Olhando para o seu rosto outra vez ela fez com que sua cabeça ficasse alinhada com a dele. Então era assim que ele pareceria se um dia ela estivesse ao lado dele na cama.
Sabendo que aquilo era uma coisa boba e infantil, mas querendo manter sua mente longe de pensamentos pessimistas, ela se imaginou em uma cama de casal, sua cabeça recostada em um travesseiro fofo e seu corpo aconchegado ao dele. Então ela iria acordar depois de uma maravilhosa noite de sexo e assim que seus olhos abrissem ela veria o rosto dele no travesseiro, relaxado, feliz e adormecido ao seu lado...
Seus olhos realmente se abriram e ela olhou em direção a ele a fim de trazer um toque de realidade a sua fantasia...mas o encontrou acordado, olhando diretamente para ela.
Ela gritou e se sentou na cama.
Seu rosto estava queimando. Oh, céus, que constrangedor, que humilhante...
...e ele era um Legimens! Ele era capaz de ver o que ela estivera pensando!
Essa não!
Entre 4:00 e 5:00 da tarde
Claro que ela gritou.
Como ele poderia esperar qualquer outra coisa? Uma jovem mulher, como ela, acordando e encontrando o seu velho e frio rosto encarando-a.
Ele não deveria ter olhado tão fixamente para ela, mas quando ele abriu os olhos e a viu adormecida na cama, ela parecia tão tranqüila, tão bela, como em um conto de fadas. Ela possuía uma expressão feliz e de expectativa e apesar dele não poder ler seus pensamentos enquanto seus olhos estavam fechados, ele pode ver o suficiente em seu rosto para saber que seu sonho era um sonho doce. Ele daria tudo para saber quem era o Grifinório sortudo que estava lá com ela.
Ele olhou rapidamente para o outro lado, esperando que seus anos de treinamento não tivessem permitido que seus próprios olhos o traíssem e dessem alguma pista do que se passava em sua mente. Ele estava permitindo que os pensamentos vagassem perigosamente nos últimos tempos.
Agora ela cruzava o aposento em passos largos. Ele olhou para ela e a encontrou com os braços cruzados sobre o peito, inclinando-se para frente, como se estivesse sentido dor. Seu rosto estava muito vermelho.
"Senhorita Granger, você está bem?" ele perguntou.
"Estou, estou," ela respondeu. "Eu apenas...apenas...ah! Eu preciso fazer xixi."
"Precisa...? Ah, sim, claro. Isso pode ser um problema."
Os olhos dele correram ao redor da sala e encontraram o penico no canto. Ele apontou para lá.
"Sim, eu sei que ele está lá...mas...mas..você também está. Eu gostaria de alguma privacidade."
Ele a encarou.
"Senhorita Granger, nós estamos trancados em uma cela de três-por-três, aonde você sugere que eu vá?"
"Eu sei, mas..."
"Ou talvez você esteja imaginando que o guarda lá fora irá permitir que eu saia um momento enquanto a dama se alivia?"
Ele viu os olhos dela se encherem de lágrimas e pela primeira vez na vida se arrependeu de ter sido tão cruel.
"Eu fecharei os meus olhos", ele afirmou.
"Isso não é o suficiente. Você terá de virar de costas também"
"Eu posso garantir que não irei espionar a senhorita."
"Eu não me importo. Vire de costas."
Com um suspiro ele fez como lhe era pedido.
"E coloque suas mãos sobre seus ouvidos..."
Com outro suspiro ele também fez isso.
"Você ainda pode me ouvir?"
"Não."
"Cante."
"O que?", e ele se virou para ela com incredulidade estampada no rosto.
"Cante. Assim eu saberei que você não pode me ouvir."
"Senhorita Granger, eu nunca cantei na minha vida."
"Bem..., mas....por favoooor."
Ela parecia desesperada. Com relutância ele deu as costas para ela outra vez, fechou os olhos, pôs as mãos sobre os ouvidos e lembrou uma música da sua juventude.
Um pouco depois ele sentiu um tapinha em seu ombro. Ele se virou para olhar para ela.
"Que diabos era aquilo?", Hermione perguntou divertida.
"Senhorita Granger, por favor lembre-se que eu sou seu professor e que deve se dirigir a mim de maneira apropriada..."
Ela riu.
"Eu sinto muito, professor, mas .... que diabos era aquilo?"
"Apenas uma música que eu me lembro dos meus tempos de rapaz."
"Chamada...?"
"E isso importa?", ele não ia contar a ela. Era apenas uma canção que ele havia arrancado da sua memória, isso era tudo. Ele não sabia porque aquela música em particular havia aparecido, mas era isso. Tinha sido uma coisa aleatória.
Completamente aleatória.
"Eu não me lembro", mentiu ele.
"Ok. De quem é, então?"
"Senhorita Granger...", ele disse cansado da discussão.
"Vamos lá... de quem é?", insistiu ela.
Ele suspirou.
"Uma banda chamada The Buzzcocks."
"Muito bem!", ela sorriu e depois franziu as sobrancelhas. "Ei, eu acho que já ouvi falar deles..."
"É mesmo?", respondeu ele sem interesse.
"Eles eram uma banda punk. Uma banda trouxa?!"
"Sim", e ele viu as sobrancelhas dela se levantarem em surpresa. "Todos nós fazemos coisas estranhas na adolescência, Senhorita Granger. Vocês não são a primeira geração a passar por isso."
Ela riu enquanto se sentava ao lado dele, as costas apoiadas na parede.
Ele sorriu por dentro. Ele tinha de admitir que o som da risada dela era delicioso. Se ele tivesse de descrevê-lo ele diria que eram 'bolhas'. Mas não bolhas de sabão, e sim daquelas que você encontra em um champagne muito caro. Um champagne com o qual você se embebedaria com prazer.
"Então", continuou ela com um olhar maroto. "Qual era o nome da música?"
Ele sentiu seu interior revirar. Ela o estava provocando?
"Eu já lhe disse, eu não lembro."
"Você lembra, sim...."
A voz dela era leve e divertida.
Aquilo não deveria seguir adiante.
"A senhorita está ultrapassando o limite da familiaridade..."
"Eu sei..... mas nós podemos estar mortos amanhã. Eu apenas quero diminuir nossa angústia."
Fez-se um silêncio pesado que durou um longo tempo. Ambos ficaram olhando para a janela enquanto o sol se punha.
"O que você acha que está acontecendo lá fora?", ela murmurou.
"Eu não me atrevo a pensar", ele respondeu pesadamente.
Outro silêncio.
Ela tremeu ao seu lado e ele percebeu, com grande constrangimento, que ele estava envolvido em um manto enquanto ela vestia praticamente nada.
Rapidamente ele abriu o fecho do manto e o tirou, colocando-o sobre os ombros da jovem e a envolvendo nele.
Ele sabia que não precisava prender o fecho para ela, mas ele descobriu que queria fazê-lo.
Ele estava consciente do olhar que ela lhe dirigia enquanto ele ajustava a gola do manto, garantindo que ficaria de pé, protegendo o pescoço dela.
Ele terminou e olhou novamente para ela.
"Obrigada", ela disse diretamente para os olhos dele.
Um sentimento desconhecido o aqueceu, como se por um momento a risada borbulhante dela estivesse dentro dele.
Que diabos era aquilo?
