Capítulo 5

Tranqüilo e coberto de neve

Entre 7:00 e 8:00 da noite

Ao menos a cama era um pouco mais macia do que o chão. Ela sentou-se com as costas encostadas na parede.

A neve, apesar que continuar entrando pela janela, não os alcançava. Mas o frio que ela trazia, sim.

Como ela podia reclamar? Harry, Ronny, Gina e todos os outros estavam lá fora lutando por suas vidas. Seria um milagre se qualquer um deles sobrevivesse.

Quais deles ainda estariam vivos quando tudo isso terminasse? Não muitos se Voldemort saísse vitorioso. Harry certamente estaria morto...

Ela se afundou em pensamentos mórbidos, aterrorizada em pensar quão facilmente eles poderiam se transformar em realidade.

E o professor Dumbledore? Ele podia ser um bruxo muito poderoso, mas também era muito velho. Ela havia percebido que ele parecia cada dia mais cansado. Ela não duvidava que ele tivesse poder suficiente para bloquear os ataques de Voldemort, mas teria ele a energia necessária?

Ela não podia imaginar um mundo sem Dumbledore.

Ou Harry.

Ou qualquer um de seus amigos...

...mas se Voldemort ganhasse ela não estaria viva para ver o mundo sem Harry ou Ronny...

"Professor, porque eles não me mataram?"

Ele estava sentado de frente para ela, na ponta da cama, suas mãos sustentando a cabeça. Ao ouvir a pergunta dela ele se ajeitou na cama e levantou os olhos.

"Eu acredito que eles tinham ordens para trazê-la viva como uma precaução extra. Se a batalha não terminar como o Lorde das Trevas planejou ele terá você para barganhar."

Ela engoliu o líquido amargo que surgiu em sua garganta.

"Você quer dizer que ele me manterá como refém para chegar ao Harry?"

"Se ele precisar, sim"

"Mas isso não pode acontecer! Harry não pode se preocupar comigo. Ele tem que fazer o que for preciso para vencer, eu sou dispensável."

"Você sabe que Potter não pensaria assim. Vocês são muito próximos, eu creio."

"Ele é meu melhor amigo, e eu me orgulho de dizer isso. Mas eu não deveria nem ser considerada quando há tanto em jogo. Eu estou tão furiosa comigo mesma por ter sido pega tão rápido. Eu fui tão idiota!"

"Você não deve se culpar", afirmou Snape levantando e começando a andar de um lado para o outro na cela. "Os Comensais da Morte são implacáveis, cruéis e furtivos. Você se saiu bem ao sobreviver a eles tantas vezes no passado."

Ela olhou para ele e não conseguiu evitar pensar no tempo em que ele foi um Comensal da Morte. Ela tentou imaginá-lo correndo por Hogwarts, lutando contra ela, Harry e Dumbledore, causando morte e destruição como os outros Comensais.

Apesar da forma como ele tratava a todos, apesar dos seus modos rudes e desagradáveis, apesar da aparência de frieza e insensibilidade, aquela imagem não se encaixava nele.

É verdade que ele sempre deu a impressão de estar no limite entre o bem e o mal, de que se aquela marca em seu braço queimasse o tempo suficiente ele acabaria atendendo ao chamado. Mas mesmo assim ela sentia que a sua essência era decente. Havia uma aura que lealdade ao redor dele.

O que ele havia dito antes?

"Todos nós fazemos coisas estranhas na adolescência..."

Talvez se transformar em um Comensal da Morte fosse uma dessas coisas. Ela não sabia quando ou por quanto tempo ele tinha ficado do lado errado. Tudo que ela sabia é que um dia, por alguma razão, ele havia mudado e se unido a Dumbledore.

"É tão frustrante e aterrador não saber o que está acontecendo", disse ela. "Nós só saberemos quando essa porta se abrir e nós virmos quem está do outro lado."

Ela observou enquanto ele dava voltas na cela.

"Eu acredito que nós saberemos se Potter tiver sucesso. Haverá um sinal", Snape falou.

"Que tipo de sinal?"

"Eu não sei, mas nós saberemos quando o virmos. Se nós o virmos."

Ela olhou para ele enquanto ele continuava a ir e voltar.

"Você quer usar o seu manto um pouco?", ela perguntou, pensando que a caminhada era devido ao frio.

"Não, fique com ele. Você está menos vestida do que eu."

Ele passou por ela novamente.

"Há alguma coisa errada?"

"Não", ele respondeu secamente.

"Porque você está dando voltas como um tigre, então?"

"Eu estou apenas tentanto manter meu sangue circulando."

"Ah..."

Ele manteve o mesmo ritmo com um olhar grave e concentrado.

"Você tem certeza que está OK?", perguntou Hermione.

"SIM, senhorita Granger", ele respondeu irritado. "Eu estou perfeitamente bem."

Ele parou e seus ombros caíram, derrotados.

"Muito bem...em suas próprias palavras, senhorita Granger: Eu preciso fazer xixi".

Ela caiu na gargalhada.

"Será que eu devo perguntar ao guarda se posso ficar do lado de fora enquanto o cavalheiro se alivia?"

Ele ainda a encarou por um instante antes de desistir e erguer os lábios em um sorriso relutante.

"Não, mas agora é a sua vez de cantar", pediu ele agitando a mão para indicar que ela deveria virar-se.

Ela se levantou e virou-se para a parede.

Oh, céus! Agora ela sabia o que ele quis dizer, ela não cantava desde a escola primária.

Ela fechou os olhos e colocou as mãos sobre os ouvidos enquanto começava a cantar:

"Oh, pequeno Daniel, os tambores estão chamando,

De vale em vale e pela montanha abaixo,

O verão se foi e todas as folhas estão caindo,

Você tem que ir, e eu ficarei.

Mas volte quando o verão atingir os campos,

Ou quando o vale estiver tranquilo e coberto de neve;

Eu estarei aqui no sol ou nas sombras,

Oh pequeno Daniel, eu te amo tanto.

Mas se você vier quando as flores estiverem morrendo,

E eu estiver morta também,

Venha e procure o lugar onde estou descançando,

Ajoelhe-se e reze uma prece por mim.

E eu ouvirei, apesar dos seus passos leves sobre mim.

E todos os meus sonhos serão doces.

E você dirá que me ama,

E eu descançarei em paz até que você se junte a mim."

Uma lágrima rolou de cada um dos seus olhos e a última estrofe saiu desafinada.

"Há uma razão para ter escolhido essa música em particular?", ele perguntou com uma voz suave.

"Era a favorita da minha mãe...", ela tentou continuar mas sua voz ficou presa.

Ela se virou para a parede.

Entre 8:00 e 9:00 da noite

Ela estava chorando.

Normalmente, quando uma aluna chorava na frente dele era porque ele tinha sido detestável, e honestamente ele não dava a mínima. Se uma aluna tivesse se comportado como uma idiota em classe, era isso que ela merecia.

Mas isso era diferente. Era ela. E eles estavam naquela situação.

Era uma reação típica ao perigo, lembrar-se da mãe. Ele se lembrou de ter lido um estudo sobre pessoas que se salvaram de um perigo mortal. Praticamente todas, jovens ou velhos, admitiram ter pensado em suas mães em algum momento durante a crise.

Ele se manteve no mesmo lugar enquanto olhava para ela, braços caídos ao lado do corpo, sem utilidade. Ele nunca se sentira tão inadequado emocionalmente em toda a sua vida. Ele queria colocar os braços ao redor dela e confortá-la, enxugar as lágrimas do seu rosto, mas se deteve.

Quem era o idiota agora?

Sua cabeça girou tentando pensar no que fazer em seguida.

"Veneno de cobra, casulo de caramujo ralado e três gotas de seiva de Sonchus Oleracus?"

Ela levou a mão ou rosto, limpou os olhos e soluçou antes de responder: "Intemperies Vocis, uma poção que faz com que se grite involuntariamente obscenidades.

"Myosotis, Daucus Carota e asas de mosca-brava em infusão por 5 horas durante o equinócio de primavera?"

Ela se virou e olhou para ele. Ao menos ela tinha parado de chorar.

"Um poção simples para restaurar a memória", ela respondeu.

"E o que você acrescentaria se quisesse investigar o subconsciente?"

"A córnea de uma serpente Python e uma gota de Veritaserum, garantindo que o Veritaserum tenha se misturado por igual."

Ele balançou a cabeça afirmativamente.

"Quantidades iguais de Farina, Saccharon e Butyrum, misturados com dois Pullus Ovum?"

Ela piscou e não conteve uma risada.

"Ingredientes para um pão-de-ló."

Gargalhando, ela se sentou na cama.

"Eu não esperava que o senhor soubesse como fazer um bolo, professor."

"Minha mãe era secretária de uma bruxa que escrevia tanto livros de poções como livros de receitas", disse ele enquanto sentava na cama ao lado dela e continuou. "Como ela estava freqüentemente doente e incapaz de trabalhar eu a ajudava a passar os rascunhos a limpo."

Ele parou surpreso consigo mesmo. Por que raios ele estava contando isso para ela?

"Então é daí que vem o seu conhecimento de poções?"

"Inicialmente sim".

"E pão-de-ló...", ela sorriu para ele.

"Meu bolo de caldeirão é um sucesso", acrescentou ele retribuindo o sorriso.

"Meus pais são dentistas, mas eu não sei muito sobre dentes".

"Em compensação você absorve conhecimento em todas as outras esferas e se dedica aos estudos com grande maturidade."

"Uma cabeça velha sobre ombros jovens. É assim que muita gente me descreve. Meus pais nunca falaram comigo como se eu fosse criança. Eles sempre perguntavam a minha opinião sobre tudo e me deixavam participar de todas as decisões. É claro que eu tive uma infância normal, mas eu creio que a atitude deles me transformou no que eu sou", ela olhou para ele. "Sua mãe ainda vive?"

"Não."

"Você tem alguma ...família?"

Ele olhou para ela e respondeu: "Acho que você deve descansar um pouco".