Capítulo 6

É apenas sobrevivência

Entre 9:00 e 10:00 da noite

"Descansar? Eu não posso descansar."

"Você não pode ter dormido muito noite passada", ele afirmou.

"É verdade. Eu acho que era três ou quatro da manhã quando Voldemort atacou", Hermione confirmou.

"Será que você poderia evitar usar esse nome?"

"Eu sinto muito, professor. Eu sempre esqueço", ela desculpou-se corando enquanto olhava paa seus dedos que retorciam a ponta do manto. "Na verdade eu acho muito fácil... esquecer que o senhor um dia...que você tem a marca."

"Isso é muito...generoso da sua parte."

Seguiu-se um silêncio que precisava ser quebrado.

"Harry está lutando a quase vinte horas..."

"O diretor deve ter mantido Potter longe do Lorde das Trevas o maior tempo possível. Membros da Ordem devem ter chegado para ajudar. E independente de qual seja a minha opinião pessoal sobre Lupin e Moody, ambos são bruxos excepcionais, assim como todos os membros da Ordem."

"Incluindo você", ela apontou.

Ele sorriu e inclinou a cabeça em agradecimento.

"Me incluindo. E você nunca viu a Professora McGonagall em fúria."

"Já vi sim", disse ela. "Na noite em que Dolores Umbridge atacou Hagrid. Eu acho que a professora pode abater um inimigo só com o olhar...desculpe professor, eu estou ultrapassando o limite outra vez."

"Não", respondeu ele. "Eu mesmo já recebi esse olhar diversas vezes. Eu sei exatamente o que você quer dizer."

"Eu já vi o professor Dumbledore fazer mágica apenas com um movimento da mão. O senhor pode fazer isso?"

Ele balançou a cabeça.

"Eu posso trazer alguma luz para esta cela...", disse ele olhando ao redor, "o que não é uma má idéia". Ele agitou a mão e clareou a sala com uma luz bruxuleante. "Mas infelizmente, não posso trazer calor. Apenas feitiços básicos."

Ela olhou para ele e não pode evitar demonstrar seu desapontamento. De alguma maneira ela havia imaginado que ele tivesse uma mágica muito poderosa a seu dispor. Ele sempre exalou uma aura de energia, diferente de Dumbledore, mas mesmo assim algo que podia ser sentido sempre que ele entrava em algum aposento.

Ele obviamente viu a decepção no rosto da jovem. Seu orgulho ferido procurou se redimir.

"Eu tenho um extenso conhecimento de magia negra, o que pode servir para adiar qualquer mal direto que tentem nos infligir. Se algum bruxo ordinário vier nos buscar, provavelmente eu poderei lidar com ele. Mas desarmado eu não sou páreo para Lúcio Malfoy com uma varinha. É preciso poderes muito específicos para fazer algo assim. O diretor é um bruxo muito poderoso."

Então, de repente, ouviu-se um barulho pesado contra a porta.

Ambos se assutaram. Hermione deu um gritinho e levou a mão à garganta. Snape se virou para olhar para a porta, seus reflexos prontos para atacar.

Nada.

A porta não se abriu.

Eles ficaram no mesmo lugar, imóveis, antes de expelirem longos suspiros. Eles se olharam, ambos vendo o alívio no rosto do outro.

Hermione engoliu em seco mais uma vez.

"Eu não tenho certeza se morrerei com dignidade ou lutarei até o final..."

"Talvez não seja preciso..."

"O que eles farão conosco...se...?"

"Por favor, não pense nisso, senhorita Granger."

"Não... eu acho que preciso estar preparada. Você acha que eles nos matarão juntos ou um de cada vez?"

"Senhorita Granger..."

"Eu creio que a maldição Cruciatus poderá acabar conosco...mas existem muitos outros feitiços que eles poderão usar antes..."

"Senhorita Granger, eu a proíbo de continuar falando assim...", ele avisou.

"Eu acho que depois que começar nós só teremos que rezar para que acabe logo, mas mesmo um instante irá parecer uma eternidade..."

"Se você realmente quer saber", ele proferiu rudemente, seus olhos cheios de crueldade, uma fina linha de suor brilhando sobre seu lábio superior. "Meu destino será uma morte dolorosa nas mãos do Lorde das Trevas por tê-lo traído. E você será morta pelo último Comensal que a tiver possuído. Você está satisfeita, agora que nos forçou a pensar nisso?"

Entre 10:00 e 11:00 da noite

Ele pensou que ela ia vomitar.

Ela levantou-se rápido, sua face mortalmente pálida.

Ele não devia ter dito aquilo, ele não devia.

"Senhorita Granger, eu..."

"Não! Não! Eu sabia que eles iriam me matar... me torturar e me matar...", ela falou com a voz instável, ficando cada vez mais alta. "Mas não isso...não isso..". Ela correu para a porta e começou a esmurrá-la. "Eu quero sair! Me deixem sair! Eu não me importo se me matarem.. qualquer morte será melhor do que... Oh, céus! Deve haver alguma forma de tentar escapar, assim eles nos matarão de uma vez."

Ele se levantou e foi até ela.

Ela caiu de joelhos e começou a arranhar a pequena passagem de comida ao pé da porta.

"Talvez eu possa passar por aqui..."

Ele se abaixou e a segurou pelo braço, fazendo com que ela ficasse de pé. Ela gritou e se virou contra ele atingindo-o com as mãos fechadas, seu rosto cheio de pânico.

"Você só sabe isso porque você foi um deles!", ela gritou. "O pior demônio que já andou pela Terra...você provavelmente já fez tudo que eles fazem..."

Ele agarrou os braços dela evitando que ela continuasse batendo nele.

"Senhorita Granger...", ele elevou a voz para ela.

"Me solte...", ela gritou histérica. "Você é um deles...não me toque..."

"Senhorita Granger..."

Ela lutou contra ele, mas ele sabia que não podia soltá-la. Ele queria acalmá-la sem ter de esbofeteá-la.

"Senhorita...", e então ele parou. "Hermione", ele disse gentilmente, olhando diretamente dentro dos olhos dela. "Hermione..."

Sua fúria abrandou quando ela olhou de volta para ele. Então ela desabou nos braços dele soluçando.

Os braços dele a envolveram imediatamente e ele a manteve assim enquanto ela chorava.

Eles ficaram na mesma posição por muito tempo enquanto os soluções dela diminuíam. Ele acabou percebendo que seu rosto estava apoiado sobre o topo da cabeça dela enquanto ele acariciava seus cabelos, com nenhuma inteção que não fosse acalmá-la.

"Me desculpe", ela murmurou.

"Eu que lhe devo desculpas. Eu deveria ter permanecido em silêncio."

"Eu não quis dizer aquilo...", ela continuou.

"Eu sei... seu comentário anterior, sobre não acreditar que eu tivesse a marca, já foi suficiente para saber como você se sente."

"Normalmente eu não sou tão idiota, mas é que..."

"Eu nunca pensei que você fosse outra coisa a não ser corajosa."

Um pequeno silêncio caiu sobre eles enquanto ela soluçava ainda algumas vezes contra o peito dele.

"Você percebeu", ela disse com uma vozinha, "que nós ficamos mais aquecidos abraçados assim."

"É, eu percebi."

"Claro, isso é uma técnica de sobrevivência básica. Pessoas já sobreviveram a nevascas apenas mantendo seus corpos unidos."

"Venha e sente aqui", ele disse antes que ela pudesse começar uma aula sobre troca de calor.

Ele a levou até a cama e ambos se sentaram com as pernas esticadas. As costas contra a cabeçeira.

"O que você está fazendo?", ele perguntou quando ela tirou o manto.

"Dividindo."

Ela estendeu o manto sobre os dois e colocou os braços ao redor dele. Ele fez o mesmo com ela.

"Isso não vai funcionar...", ela afirmou.

"Se nós não cubrirmos nossas costas, nós iremos congelar. Eu acho que a única solução é deitarmos juntos."

"O que?"

Ela lhe deu seu olhar mais inocente.

"É apenas sobrevivência", disse ela.

Ele havia sobrevivido ao episódio até agora, ele não teve nenhum pensamento impróprio até o momento. Tudo que ele queria era acalmá-la. Com certeza ele conseguiria enfrentar mais aquela provação.

Eles se deitaram lado a lado na cama, ajeitaram o manto para que os cobrisse e se abraçaram novamente.

"Sobre o que nós vamos conversar?", ela perguntou.

"Nada, senhorita Granger. Você deve descansar."

"Você me chamou de Hermione ainda a pouco."

"Aquilo foi para acalmá-la."

"Eu sei, mas...você se importaria em me chamar de Hermione? Só enquanto nós estivermos aqui. Vai tornar esse lugar mais...humano."

"Muito bem, se isso a faz sentir-se melhor...Hermione."

"E será que nós podemos conversar? Isso ajudará a manter longe os pensamentos ruins."

O nariz dele estava enterrado naquela vasta cabeleira. Ela exalava uma mistura de flores exóticas e especiarias.

Isso o vez recordar-se daquela aula de poções, quando o cabelo dela ficou preso em seu botão. Aquilo havia sido embaraçoso. Foram apenas alguns dias depois de tê-la visto emergindo do banheiro.

Ele sabia o que estava fazendo, mas não conseguiu controlar-se. Quando ele chegou perto da mesa dela, ao invés de se posicionar de lado para inspecionar o caldeirão ele não pode resistir e se debruçou sobre o ombro dela fingindo examinar o trabalho. Ele só queria chegar tão perto quanto possível, mas não contava que o cabelo dela ficasse preso em seu botão.

Ele não conseguiu soltá-lo rapidamente. Quanto mais ele tentava, mais perto ela ficava, até que ela acabou encostada nele. O seu temperamento normalmente impassível o abandonou. Suor emergia de cada poro, como se o incidente fosse de natureza mais íntima. Ele tinha certeza de ter lançado uma série de impropérios contra ela, fazendo com que aquilo parecesse culpa dela, quando na verdade...

O aroma dos cabelos dela era inebriante e o fez pensar em Afrodite, a maravilhosa deusa grega.

Ela aconchegou-se mais a ele e emitiu um pequeno "Humm" que demonstrava que estava absolutamente confortável.

"Professor...eu sinto muito o senhor ter sido capturado, mas... eu estou feliz porque você está aqui comigo. Eu acho que enlouqueceria se estivesse sozinha."

Ele afagou os cabelos dela e sem pensar abaixou os lábios para beijar o topo daquela cabeça. Ele estava a milímetros de beijá-la quando parou, chocado com sua própria reação. Ele afastou os lábios, esperando que ela não tivesse notado seu intento.

Maldição!

Ele precisava manter aqueles sentimentos sob controle.

Não os desejos lascívos que haviam tomado seu corpo antes, não, esses ele estava conseguindo controlar, mas alguma coisa diferente...

Um desejo de protegê-la, mantê-la fora de perigo, e ... isso não era resultado das últimas horas. Seus olhos ficaram maiores quando seu subconsciente se revelou e ele percebeu que vinha desenvolvendo esses sentimentos a algum tempo.

Desde quando?

Ele procurou em sua memória.

Há dois anos atrás, quando o Lorde das Trevas revelou sua volta no Ministério da Magia. A noite em que Black morreu.

Ela foi ferida e estava na ala hospitalar.

No silêncio da noite ele foi até a enfermaria apenas para perguntar como ela estava. Ela era, apesar de toda a sua impertinência, sua aluna mais brilhante. Ela se destacava em Poções, assim como ele havia se destacado. Apesar dos problemas que ela causava era um prazer raro encontrar um aluno tão interessado, atento e ávido por aprender a sua matéria.

Ele nunca demonstrara preocupação pela saúde de nenhum aluno antes. Madame Pomfrey ficou visivelmente chocada quando ele apareceu no seu território.

Ele obteve permissão para vê-la. Ela estava inconsciente, e a visão dela alí, indefesa, em uma cama de hospital, pálida e ainda...valente, ferida por uma coisa que ele havia sido no passado, mexeu com alguma coisa dentro dele. Uma coisa que ele rapidamente reprimiu...

...até a noite que 'Afrodite' trouxe uma nova dimensão a tudo aquilo...

Ele agora tinha certeza de que se fossem mãos hostís a abrir a porta da cela quando tudo tivesse acabado, ele iria mantê-los afastados dela o quanto fosse possível, lutar com as próprias mãos, se fosse necessário, para mantê-la longe do perigo. Protegê-la até o final.

"Já se apaixonou por alguém que não devia?", recitou Snape.

"O que?", e ela olhou para ele.

"A música dos Buzzcocks que eu estava cantarolando, enquanto você...é assim que ela se chama", explicou ele.

"Ah!", suspirou ela e abaixou a cabeça novamente.

Ele fechou os olhos por um instante.

Ele estava, definitivamente, se sentindo aquecido.