DUAS REALIDADES


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Duas Realidades
Episódio III – À Merc
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Estava tudo muito escuro e silencioso. Apenas uma luz fraca vinha de algum lugar um pouco mais distante. Estava frio, o ar quase álgido lhe doía os pulmões. Não, não era o ar gelado que lhe doía o peito... seu corpo estava todo dolorido. Sentiu que estava deitada em algo duro e frio. Com dificuldade, ergueu-se tentando colocar-se sentada.

Respirando fundo e lentamente, Hermione tentava manter a calma para analisar com frieza o que estava acontecendo. Seu braço e ombro esquerdo estavam dormentes, certamente por ter estado na mesma posição por muito tempo; o pescoço também doía, uma dor que irradiava para os ombros e descia para as costas. Seu peito estava ardendo e doíam como se tivesse sido pisoteado... e a cabeça latejava numa dor aguda e profunda.

Bateu-lhe um arrepio. Não saberia dizer se era medo ou frio. O ar estava gelado, mas as noites de fim de verão não são tão frescas assim. Parecia ser o final do outono. Então começou a lembrar-se do que aconteceu antes de estar ali caída. Olhou em volta e viu muitos objetos espalhados pelo lugar, pareciam móveis, mas a pouca luz não permitia distinguir com exatidão. Lembrou-se de ter sido atacada por um sujeito encapuzado "Droga! Mas que idiota eu fui! Deveria ter levado a sério o aviso de Snape!". Levantou-se com muita dificuldade, estava tonta e sentia muitas dores. Se lembrou de ter entrado na loja de antiquários e logo depois ser atacada por um feitiço estuporante. Não tinha certeza, mas lembrava-se de um senhor idoso que havia lançado um feitiço sem varinha contra o comensal. Lembrou-se do barulho ensurdecedor dos relógios badalando. Olhou em volta, apoiada a um balcão ou coisa parecida. Percebeu uma parede de vidro por onde passava uma fraca luz... não, não era parede, era uma vitrine. Respirou aliviada ao constatar isso. A visão já se acostumara com a pouca luz e pode perceber os objetos espalhados pelo lugar... estava dentro de uma loja, provavelmente a mesma loja que entrara. Felizmente, não estava presa em nenhuma cela ou coisa do tipo.

"_O que será que aconteceu? Pra onde foi aquele comensal? Por que eu fiquei aqui caída? Isso não faz sentido algum!" - As indagações iam martelando em sua cabeça, só fazendo a dor latejante aumentar. Sentiu-se extremamente cansada, suas energias se exaurindo, estava com muito frio e dor, mas não suportava mais estar dentro daquele lugar, respirando aquelas coisas com odores de mofo e poeira. Precisava sair dali, encontrar ajuda.

Com muita dificuldade, caminhou até a porta. Procurou por sua varinha nos bolsos de seu vestido, mas não encontrou. Não estava nem com ânimo e nem com energia para procurar pelo chão. Simplesmente colocou a mão na maçaneta e torceu para que a porta não estivesse trancada. Por sua sorte, a porta era dessas que se trancam apenas pelo lado de fora, podendo ser aberta normalmente pelo lado de dentro.

Quando saiu, um arrepio passou por todo o seu corpo. Estava ainda mais frio lá fora, que chegava a formar leves nuvens de sua respiração e dos lampiões que iluminavam a ruela. Era o mesmo beco que havia entrado. Foi caminhando cambaleante, escorando-se nos muros, até a rua da frente, que julgava ser a rua principal do Beco Diagonal e que, de fato era. Ao chegar com muito esforço ali, seus ossos pareciam congelar com a rajada de vento frio que a recepcionou. Olhou para todos os lados e não viu absolutamente ninguém, nenhuma alma viva, nem um gato ou mesmo um rato. Um calafrio gelou-lhe a espinha. Estava com medo, mas tinha que controlar-se para não cair pânico.

Foi andando, ainda se escorando pelos muros, a esmo pela rua principal. Precisava encontrar alguém, qualquer pessoa, até um fantasma serviria! As dores pareciam se intensificar com o ar gelado e suas energias estavam no fim. "Se eu cair desmaiada aqui, será meu fim! Preciso encontrar alguém! Por que está tudo tão deserto! Isso não é normal! Sempre há movimento no Beco durante toda a noite!". Tentou olhar em vão a hora no seu relógio de pulso, não havia claridade suficiente para enxergar os números... sentiu que sua vista estava falhando, que estava começando perder a consciência. Não podia deixar ser vencida pela exaustão. Tentou caminhar mais rápido, até conseguir virar uma esquina.

Teve a impressão de ter visto dois vultos ao longe. Sentiu uma irracional felicidade de finalmente encontrar alguém. Mas, o último esforço que fez para chegar até ali, sugou todo o pouco de energia que continha e sentiu seu corpo desabando, embora tentasse inutilmente se manter firme apoiada no muro, mas logo estava caída, sentada no chão frio, sentiu como se estivesse sendo engolida pelas trevas, a visão e a audição sumindo. Mas, ainda precisava lutar para manter-se consciente e assim o fez, por um breve tempo, pelo menos.

Os dois homens em longas vestes negras e capuzes chegaram rapidamente até aquele amontoado que não era possível identificar ao longe pela pouca luz do ambiente. Um deles parecia se divertir, pois não parava de falar alto e rir. O outro permanecia quieto, como se apenas se prestasse a ouvi-lo, mas sem dar-lhe atenção.

Quando estavam bem próximos daquele amontoado de pano, puderam perceber que tratava-se de uma pessoa, que estava sentada e encolhida naquela calçada. O homem alegre aproximou-se, com varinha em punho, falando em tom de zombaria.
_Ora, ora, o que é que temos aqui?
A voz que Hermione ouvia parecia muito distante e parecia-lhe estranhamente familiar. Sentiu que algo levantavam-lhe os cachos que caiam sobre o rosto. Já não conseguia enxergar nada além do escuro e não conseguia ouvir nada mais além de um zumbido fraco. Teve um pressentimento ruim, que aumentou-lhe ainda mais o medo.



_Hoje é nosso dia de sorte, Severus! Encontrar uma beldade como essa caidinha e tão indefesa assim... oh, que trouxa mais sem sorte!

_Lumus! - O outro homem conjurou o feitiço que fez a ponta de sua varinha acender uma pequena luz, mas que era suficiente para iluminar ao seu redor. Abaixou-se em direção a moça e ao cara alegre.

_Você é um idiota, Lucius! Estamos no Beco Diagonal, não há como ter trouxas aqui. Com certeza é uma bruxa!

_E que diferença isso faz? É sangue-ruim do mesmo jeito!

_Ela está muito mal... - Severus afastava os cabelos da moça para enxergar seu rosto. Felizmente, seu capuz cobria-lhe metade do rosto, ocultando-se, assim, sua expressão preocupada. _Ela deve ter sido atacada por um dos nossos... - apesar do temor, sua voz era fria, como sempre.

_Então vamos acabar o serviço! O Lord não irá gostar nada de descobrir que houve um sobrevivente dos ataques de seus fiéis seguidores! Com certeza, foi um daqueles idiotas que deixaram o serviço inacabado.

Lucius apontava a varinha para a moça e já conjurava uma maldição, quando Severus o interrompeu bruscamente.

_Não! Não ainda!

_O que foi, Severus! Amoleceu diante da beleza da sangue-ruim?!

_Fácil pra você falar isso quando tem uma mulher como a Narcisa ao seu lado... - o rapaz dirigia um sorriso malicioso.

_Ah, tá, entendi! Então, bom divertimento! O acompanharia nessa se eu não tivesse tantos pudores! - Lucius mantinha um largo sorriso numa voz falsete e sarcástica.

_Pudores? Você?!

_Qual é, duvida de minha dignidade?! Recém-casado e com a mulher grávida... bem, esse tipo de divertimento parece inadequado, agora. E depois, a garota tá mais morta do que viva! Vou deixá-la de presente para você, Severus. Até qualquer outro dia!

Lucius desaparatou, para alívio de Severus.



Ele retirou a luva da mão direita e espalmou sobre a face da garota, experimentando sua temperatura. Estava ardendo em febre. Estranhou as vestimentas da moça, pareciam vestimentas trouxas e eram leves demais praquele tempo frio. Retirou o casaco que usava por baixo da veste de comensal e envolveu a garota com ele. Em seguida, envolveu-a em seus braços e a ergueu para o colo, como se fosse uma carga extremamente preciosa. Hermione estava no fim de sua consciência, então ainda pode perceber todo aquele gesto. Sentiu-se aconchegada com o calor que estava recebendo e seus temores cessaram quase que completamente, deixando sua consciência cessar de vez... uma frase ecoava em sua mente até adormecer: "Eu irei protegê-la, Hermione. Estarei ao seu lado todo o tempo"...

O homem desaparatou do local, levando consigo uma Hermione totalmente entregue a mercê do destino.

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Fim do Capítulo III - continua...
By Snake Eye's - 2004
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