DUAS REALIDADES

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Duas Realidades
Episódio IV – O Pior Sempre É Possível
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"Oh! Foi só um pesadelo... que bom!"

Foi a primeira coisa que veio a mente de Hermione quando ela meio que abriu os olhos e viu um ambiente mergulhado na penumbra, mas notadamente nítido que tratava-se de um quarto. Sentia-se confortável deitada sobre uma cama macia e coberta por grossas colchas que a aquecia. Sentia um perfume de ervas aromáticas. Certamente, o que passou era um tosco pesadelo, influenciado pelas notícias na Ordem da noite anterior e com o pânico daqueles dois bobos.



Devia ter chegado muito exausta da reunião, pois dormira com seu relógio no pulso. Fez um pequeno esforço para enxergar as horas e pôs-se sentada na cama num salto de susto, ao ver que o relógio marcava 4 e 24 da tarde!

_Ah, meu deus! Como dormi tanto assim?!



Olhou em volta novamente e só então percebeu que não estava em seu quarto. Muito pelo contrário, estava num lugar totalmente estranho aos seus olhos! Era um quarto, certamente. O ambiente estava mergulhado na sombra devido às grossas cortinas escuras na janela, mas era possível ver com exatidão o que compunha aquele quarto. Era um lugar simples, com paredes claras e nuas, sem qualquer quadro decorando. Estava deitada numa cama estreita de solteiro. Num canto, sobre uma prateleira de vários andares, haviam muitos livros guardados. Ao lado, um pequeno armário de duas portas. Tudo estava muito arrumado e tinha um perfume agradável de ervas. A julgar pela simplicidade do local, achou que estava numa casa trouxa.



Hermione se alarmou ao ver que a porta do aposento se abria. Decerto, o dono da casa e, talvez, a pessoa que a levara para lá, ouviu quando ela gritou espantada por ser encontrar num lugar estranho. Ficou apreensiva, principalmente quando se deu conta de que não se tratava droga nenhuma de um pesadelo! Aquilo aconteceu mesmo na noite anterior! Ela fora mesmo atacada por um comensal!



_Boa tarde, senhorita. Como se sente? - a pessoa que entrou no quarto permanecia parada próxima a porta. Sua voz era muito calma e macia... Hermione achou a voz um tanto familiar, mas não saberia de quem se tratava.

_Eu... eu estou bem, acho... - Hermione respondeu, voltando o seu rosto para seu colo coberto pela colcha. Era estranho, sentia-se encabulada. Ela estava deitada na cama de uma pessoa totalmente desconhecida e... deveria ser a cama daquele rapaz! Instintivamente, passou a mão pela blusa, para constatar de que tudo estava em seu lugar. Seus olhos se marejaram só de pensar que poderia ter sido abusada enquanto estava inconsciente.



O rapaz se aproximou da cama, cautelosamente. Sentiu que a garota tinha ficado encabulada. Tinha que desfazer qualquer mal entendido antes que este se agravasse.

_Qual o seu nome, senhorita? - perguntou docemente, sua voz tinha uma calma muito pouco vista por aí.

_Eh... Hermione... Hermione Granger...

_Srta Granger, a senhorita está em meu apartamento, eu a trouxe para cá na noite anterior. A senhorita estava com uma febre muito alta e parecia sentir muitas dores. Eu a mediquei e deixei que descansasse aqui. Sente-se melhor, não é?

_Sim... o senhor é medico?

_Não... ainda sou apenas um universitário. Mas pretendo tornar-me um mestre em poções.

Dito isso o rapaz foi até a janela para abrir as cortinas e deixar a luz natural entrar, não muito, apenas o suficiente para clarear o ambiente. Hermione viu que tratava-se de um rapaz alto e magro, trajando camisa de mangas compridas e calças negras, pareciam vestes trouxas.



_Mestre em poções... então o senhor é um bruxo? - Hermione foi criando coragem para perguntar tudo que precisava saber. Estranhamente, sentiu uma leve curiosidade sobre o rapaz e, afinal de contas, ele lhe salvara a vida... não devia ser má pessoa, de forma alguma.

_Sim, eu sou. E suponho que a senhorita também seja, apesar da sua aparência e suas vestes trouxas.

Hermione estranhou aquilo, teve a impressão de ter ouvido um pequeno rastro de preconceito naquelas palavras finais, o que começou a dar-lhe um leve temor. Respondeu cautelosamente e começava a planejar uma forma de sair dali o mais rápido possível, até mesmo uma fuga caso fosse necessário. Arrepiou-se ao se lembrar que estava totalmente indefesa, que havia perdido a sua varinha.

_Isso mesmo... também sou uma bruxa...



O rapaz ergueu sua varinha, o que fez Hermione congelar, sentindo como se seu coração tivesse parado de bater, mas aliviou-se logo em seguida quando viu que ele conjurava um banquinho e se ajeitava para sentar próximo à cama. Pelo jeito ele queria ter uma longa conversa com ela... mas, por que?

_Me desculpe... eu te assustei? - o rapaz havia se sentado frente à cama e tinha um sorriso despretensioso. Hermione pode finalmente observar o rosto daquele rapaz. Levou a mão rapidamente ao peito, sentindo seu coração disparar. Ele lhe era familiarmente conhecido. Teve medo de tirar outras conclusões antes de saber de mais detalhes. Continuou a observá-lo. Ele tinha os cabelos repicados, com fios longos o suficiente para cobrir-lhe o pescoço. Seu cabelo era tão fino e solto que caia pela face com o mínimo movimento. Eram muito negros, chegavam a formar reflexos azulados com a luz... seus olhos eram negros e profundos iguais aos de... "oh, não! por Merlin!"

_Q-qual... qual o seu nome? - Hermione controlava-se para não se desesperar. Odiava ter conclusões precipitadas e odiava ainda mais quando estas estavam certas quando deveriam estar erradas!

O rapaz sorriu novamente... ao menos ele era simpático. _Snape... Severus Snape.

Hermione levantou da cama num salto, jogando longe a colcha que a cobria. O rapaz assustou-se com a reação da garota, levantando abruptamente do banco, deixando-o cair. Ela parecia atordoada e parou em frente à janela. Abriu os vidros e sentiu um vento frio no rosto. Olhou a paisagem em volta e não reconheceu absolutamente nada!

_Senhorita Granger! A senhorita está bem? É melhor eu levá-la ao hospital e...

_NÃO! Por favor, não! - pela primeira vez Hermione conseguiu impor sua voz. Parecia que não falava há séculos. Reuniu toda a sua coragem e encarou o rapaz, que a olhava de forma alarmada. Olhou para o relógio de pulso, precisava confirmar se o tempo estava certo: eram 16:47h. O datador marcava 22 de agosto de 2001. Voltou a encarar o suposto jovem Snape:



_Qual a data de hoje?

O rapaz a olhava sem entender nada, mas precisava manter a situação controlada...

_21 de novembro...
Hermione respirou fundo, seus medos haviam se concretizado. Precisava saber mais?

_E o ano?

_O quê? - o rapaz pensou não ter ouvido direito. A garota estava perguntando em que ano estavam? Ela devia estar em piores condições do que supunha!

_Em que ano estamos? - Hermione repetiu, firmando a voz, já demonstrando impaciência pela situação.

"Ela realmente ESTÁ em piores condições do que eu supunha!" _1980...



Hermione limitou-se a se apoiar na parede e tampar o rosto com as mãos. Aquilo não devia estar acontecendo! Era absurdo demais! Que diabos havia acontecido, afinal de contas?! Como ela pôde retornar no tempo daquela forma?! Aquilo era impossível! Mesmo os vira-tempos não são capazes de transportar pessoas por longos períodos de tempo... quando muito, retornava em dois ou três dias no passado. Mas ali havia passado vinte e um anos!



Hermione estremeceu quando sentiu um toque leve em seu ombro. Severus afastou-se rapidamente, não queria piorar de forma alguma a situação que já estava bastante complicada. E o pior: a situação tomou um rumo totalmente esdrúxulo! Ele precisava acalmar a garota antes de poder levá-la para o hospital. Definitivamente, ela não estava nada bem!



_Desculpe, senhorita, mas tente de acalmar. Por favor, volte para a cama, deite-se e tente relaxar. Eu irei preparar um chá enquanto isso...



Severus usava o tom de voz mais suave possível. Sua expressão era preocupada e seus olhos transpareciam tristeza. Hermione se compadeceu com essa imagem, jamais esperaria em qualquer momento de sua vida, estar diante de um Severus Snape nessas condições... a menos que ambos não fossem a mesma pessoa... mas seria idiotice acreditar que tais coincidências existem. Havia muito a ser analisado e sua cabeça começava a doer. Respondeu ao rapaz apenas com um assentimento e esse prontificou-se a sair do quarto. Hermione andou em direção a cama e deixou-se cair sentada pesadamente. Mantinha a cabeça abaixada apoiada sobre as mãos. Cada pensamento que passava atordoado e rapidamente em sua cabeça a fazia doer cada vez mais forte.

_Isso é absurdo! Isso não está acontecendo, não está!


*


_Como se sente? - perguntou Severus, olhando muito ternamente para aquela menina que estava ali, diante de si, sentada em sua cama. Ele havia trazido o chá que prometera.

_Melhor, acho... esse chá é...

_Maracujá. Apenas isso. Você estava muito transtornada, não podia deixá-la dessa forma. Se você estiver se sentindo melhor e se sentir confortável... poderá contar o que lhe aconteceu na noite anterior, se quiser, é claro...



Por que ele a olhava tão docemente? Por que estava sendo tão gentil? Ele mal deve ter dormido a noite, cuidando dela, preparando poções para baixar a febre e sanar suas dores. Por que ele fazia tudo isso?



Hermione lhe entregou a xícara vazia, olhava para ele desconfiada, mas ele não parecia se importar com isso, pelo contrário: estava sendo muito paciente e estava realmente disposto a ajudar. Agradeceu pelo chá e levantou-se, indo em direção à janela. Precisava ainda refletir muitas coisas, precisava medir suas palavras e tomar muito cuidado com o que poderia dizer. Severus achou melhor deixar a menina sozinha, talvez precisasse pensar sobre o que aconteceu, ela precisava ganhar confiança nele...

_Eu estarei na sala, Srta Granger...

Ela agradeceu intimamente por ele ser bastante perceptivo. Apenas concordou com a cabeça e esboçou um sorriso. Realmente ela precisava refletir muitas coisas.


*


_Por que diabos estou agindo desta maneira com aquela garota?! Uma sangue-ruim!! Eu devo estar ficando louco!

Severus se questionava mordazmente enquanto observava o nada através da janela da sala. Estava se sentindo irritado consigo mesmo, por essa atitude tola! Mas algo dentro de si dizia para ampará-la, para não deixá-la sozinha... por que tantas dúvidas por causa de uma simples garota? Uma sangue-ruim que devia ter sido morta! Deveria ter deixado Lucius terminar o serviço! Por que temi por ela, por que me preocupei, a trouxe para casa, cuidei de seus ferimentos?!

_Maldição! Que idiota! Se algum dos outros aliados de Voldemort descobrirem isso, eu serei tido como traidor e certamente o Lord me matará!



Hermione observava sem real interesse os livros que estavam na prateleira. Todos livros sobre poções, magia negra e coisas do tipo. Isso era muito provável de encontrar de posse de Snape, é claro, mas o que lhe chamava a atenção mesmo era a organização: tudo estava em seu lugar, limpo e arrumado, sem poeira ou livros amontoados. Não só livros, mas todo o ambiente... sentiu vontade de conhecer o resto do apartamento. Jamais poderia ter imaginado e nem sequer visto em seus sonhos mais non senses, um Severus Snape como esse com quem estava sob o mesmo teto. Organizado, gentil, cavaleiro... seus olhos não continham a amargura do Severus do futuro. Mas...



Apoiou-se na parede, dando-se conta que este Severus Snape deveria estar atualmente entre o círculo das trevas, deveria ser um legítimo comensal da morte! Mas por que então ele lhe ajudará? Será que a essa altura já havia traído Voldemort e agia como espião para Dumbledore? Como ela poderia vir a saber disso? Perguntando para ele certamente não seria possível...



Lembrou-se da noite anterior, após a reunião da Ordem. Lembrou-se da visita inesperada de Snape e o quanto isso a irritou. Pôs a mão sobre o peito, tentando conter os batimentos cardíacos que aceleravam só de pensar na possibilidade de que... talvez...

_Seria possível isso?!

Lembrou-se o quanto Snape foi carinhoso ao dizer aquelas palavras antes de desaparatar... "Apenas quero que você não confie em aparências, não confie em tudo que ver. Eu irei protegê-la, Hermione. Estarei ao seu lado todo o tempo". Ele sabia! É claro que ele sabia que isso iria acontecer, de que eu iria, de alguma forma, pro passado! É óbvio que sabia! Então, por que ele não impediu que isso acontecesse? Talvez ele não quisesse? Será que isso foi importante para ele? Será que eu...

Hermione caminhou pelo quarto, observando seus pés. Tinha medo da sua conclusão final... um sorriso passou por seu rosto. Fechou os olhos e respirou fundo. Uma sensação muito boa se formou em seu peito, era algo como esperança e otimismo...

_Será que o fato de eu ter vindo ao passado interferiu na decisão dele de... será que foi por minha causa que Snape traiu Voldemort e se aliou à Dumbledore?

Hermione virou-se para a porta do quarto e sorria, sabendo que o jovem Severus encontrava-se ali naquele cômodo após a porta...

_Será que eu fui tão importante para ele a esse ponto? Sabendo disso, o que eu deveria fazer, como deveria agir? Que tudo se acertará, isso é óbvio... é provável que até eu mesma retorne de alguma forma para o meu próprio tempo, e Snape, bem... tenho que pensar ainda mais sobre isso...

_Mas se eu tiver mesmo algo a ver com a decisão dele de trair Voldemort, o que eu deveria fazer? Contar tudo o que sei? Não... isso está absolutamente fora de cogitação! Persuadi-lo? Mostrá-lo algo bom sobre trouxas e sangue-ruins? Bom... talvez...



Hermione fechou os olhos como se quisesse olhar para dentro de si mesma, buscando uma resposta de como deveria agir... talvez não fosse o mais correto agir racionalmente, mas sim de forma instintiva...

Com as mãos sobre o peito, murmura para si mesma:

_Deixarei que você me guie... pela primeira vez tentarei não ser tão sistemática e ponderada e deixarei que você me dê as dicas de como agir...

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Fim do Capítulo IV - continua...
By Snake Eye's - 2004
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