DUAS REALIDADES


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Duas Realidades
Episódio XI – Cherry Blossom

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Acreditando que estava perdendo um pouco de sua sanidade com o incidente ocorrido com Hermione, Severus Snape, nesta manhã, resolve ir visitá-la em St Mungus. Queria estar a par de tudo. Queria estar ali quando ela despertasse. E, por Merlin, ela tinha que despertar! Não poderia ficar daquele jeito para sempre! Ela não poderia morrer!


Odiou-se por tê-la deixado sozinha. Ele sabia que algo iria lhe acontecer naquele 21 de agosto de 2001, mas acreditava veemente de que ela seria transportada através do tempo, indo de encontro a seu passado, e não o que aconteceu! Não! Definitivamente, ele próprio não estava bem! Como ele poderia saber sobre essa data? Desde quando ele criou essa fantasia ridícula de que Hermione Granger viajou no tempo e entrou em sua vida há 21 anos atrás? Tudo era tão ridículo e mal contado para si mesmo. Talvez ele próprio deveria fazer uns exames em St Mungus para constatar sua sanidade mental. Ele estava fantasiando coisas, inventando fatos que não existiram... assim estava raciocinando. Mas, intimamente, ele tinha muitas impressões. E eram essas malditas impressões que estavam culminando nestas fantasias tolas e absurdas. E, a principal impressão que tinha era que alguém há muito tempo atrás, bagunçara totalmente suas lembranças, tanto que, embora ele guardasse com carinho as lembranças daquela garota que entrou em sua vida no fim do outono de 1980, ele sempre sentia que algo ali não era de todo verdadeiro, pois sabia ter muitas falhas. Sentia que aquele pequeno pedaço do seu passado era um imenso quebra-cabeça onde várias peças foram escondidas e algumas que tinha eram trocadas. Agora, após os sonhos que teve esta noite, essas tais 'impressões' começavam a pulsar-lhe com vontade no peito, pois estava completamente certo de que esses sonhos são, na verdade, as suas verdadeiras lembranças que, algum dia, lhe foram roubadas... ou alteradas.


Tudo estaria muito claro e nítido não fosse o fato de Hermione estar semimorta num leito em St Mungus e os medibruxos não saberem absolutamente nada sobre seu estado, apenas que, talvez, sua mente ou espírito ou o que seja, esteja preso numa 'outra dimensão'... que ridículo! O que era isso afinal? Filme de ficção cientifica de quinta categoria, como os trouxas adoram fazer aos montes?!


Foi permitida sua permanência por um tempo junto ao leito de Hermione. Ali, naquele leito, num espaço demarcado por uma longa cortina branca que separava e dava privacidade aos leitos nos quartos, jazia o corpo de Hermione, que parecia dormir tranqüila e profundamente.


Acariciou o rosto da menina, olhando fixamente e de forma muito terna. Mesmo pálida, ela continuava linda, com seus longos e fofos cachos emoldurando um rosto bem desenhado. Imagens invadiam sua mente, enquanto a olhava com tanta atenção, como se quisesse reconhecer algo nela. Pareciam lembranças e sentia que vivia um deja vu... lembrou-se do pequeno apartamento num prédio trouxa que morou por quatro anos na França, enquanto estudava na Universidade de Lyon. Lembrou-se de ver o mesmo rosto, a mesma Hermione diante dos seus olhos, igualmente desacordada, deitada em sua cama, enquanto ele cuidava dela com poções que passou todo o resto da noite preparando, depois que a encontrou caída no Beco Diagonal e...


Sentindo-se tonto, atordoado, Snape senta-se na cadeira próxima ao leito, tapando o rosto com as mãos e permanecendo dessa forma. Sentia-se muito desconfortável e uma leve náusea enquanto imagens passavam por sua vista como se fosse um filme muito real, onde era até possível sentir aromas e sabores. E, o mais incrível era que o protagonista desse filme era ele próprio, no auge dos seus 20 anos! Por deus! Era possível até mesmo ouvir os pensamentos desse seu suposto Eu do passado, que se questionava o tempo inteiro por que estava fazendo tudo isso por uma sangue-ruim quando o mais certo era odiá-la e matá-la! Mas, contrapondo-se a esse pensamento era o sentimento em relação ao que se passava: o quanto ele estava gostando de fazer algo que jamais fizera, que era cuidar de alguém. Sentia o turbilhão de emoções e sentimentos que afloraram naquele protagonista do filme que passava sem parar em sua mente...


Permaneceria muito mais tempo nessas alucinações se não fosse por um tumulto se aproximando daquele quarto chamar-lhe a atenção. Ouvia a voz suave e baixa de alguém que parecia ser muito idoso e a voz impaciente de alguém muito mais jovem. Sentindo-se incomodado com a situação, embora não sabendo exatamente o porque, levanta-se e abre as cortinas, afim de averiguar o que se passava ali próximo.


Um velhinho muito calvo, andando em passos curtos e apressados, de suspensórios coloridos e uma gravata borboleta vermelha, gesticulava impaciente para o enfermeiro que vinha em seu encalço, tentando impedi-lo de entrar no quarto onde estava Hermione. Quando Snape focalizou o rosto marcado pela idade daquele homem que se aproximava, algo muito estranho lhe acontecia; sentia-se como se fosse hipnotizado apenas pela imagem daquele velhinho e sentiu uma áurea muito poderosa que vinha de si, algo imensamente superior ao que já sentiu vindo de Alvo Dumbledore ou mesmo de Voldemort! Quem seria aquele homem? Snape, de algum modo, sentia conhecê-lo... sentia como, se de alguma forma, ele fizesse parte de seu passado.


Logo se interrompeu quando o velhinho chegou até o leito de Hermione, ainda sob protestos do enfermeiro, que, por alguma razão desconhecida, não conseguia aproximar-se muito do homem franzino, pois, senão, já teria o agarrado e tirado a força dali. Mas com seu típico sorriso alegre e sincero, virou-se para o enfermeiro e lhe disse numa voz muito serena:


_Por favor, criança, peça que o médico responsável pela bela menina, se ele poderia fazer-me a gentileza de vir até aqui... gostaria muito de lhe falar, sim?


O enfermeiro, que pareceu se hipnotizar com o olhar bondoso e alegre do velhinho, apenas assentiu com a cabeça e virou sobre seus calcanhares, em busca do medibruxo responsável por Hermione Granger.


Com o mesmo sorriso, virou-se para Snape, que ainda o olhava atônito, como se tentasse lembrar de algo, pondo uma mão em seu braço, cumprimentando-o.


_Bom dia, meu jovem! Vejo que está muito preocupado com a bela menina.. ela é mesmo muito importante para você. Que bom encontrar alguém como você aqui!


Enquanto o velhinho se aproximava do leito de Hermione, olhando-a fixamente no rosto enquanto ajeitava os óculos de leitura sobre o nariz, Snape parecia finalmente sair do transe e se dirigia ao homem franzino, mas com um tom de voz desprovido de qualquer sarcasmo, quase sussurrando num tom de curiosidade, mas respeitosamente.


_Quem é o senhor? Parece que eu o conheço, mas.. não estou muito certo. Talvez já tenhamos nos conhecido há muito tempo...


_Blossom, Cherry Blossom.. pura e simplesmente. – com um sorriso e olhando fixamente nos olhos negros de Snape, lhe estende uma mão, apresentando-se.


Snape, sem se desviar dos olhos azuis de Blossom, estende imediatamente sua mão, apertando a mão do homem, sentindo uma estranha energia vinda desse velhinho, algo muito poderoso, porém muito bom, algo como energia estática no ar durante uma tempestade, talvez... com certeza absoluta, não era alguém a se temer, a se desconfiar, mas alguém a quem se poderia pedir ajuda... alguém como se fosse Dumbledore elevado a décima potência!


_Eu tenho quase certeza que conheço o senhor, embora não tenha uma lembrança muito nítida.. é algo que sinto, somente e... por favor, não me interprete mal, Sr Blossom. E, a propósito, meu nome é Severus Snape.


_Bem, talvez eu possa sanar essa sua dúvida.. ou talvez não. Neste exato momento eu tenho a absoluta certeza que estou vendo-o pela primeira vez, filho.


Soltando a mão de Snape, Blossom apenas fica parado diante do Mestre de Poção, olhando-o fixamente nos olhos, como se quisesse lhe enxergar a alma. Estranhamente, Snape não se sentia desconfortável com isso e apenas retribuía o olhar, sem se desviar dos olhos do homem.


_E.. só uma perguntinha, Severus... O fato de você sentir que me conhece tem, de algum modo, algo relacionado a nossa bela menina que aqui está dormindo?


_C-como assim? – Snape sentiu-se atordoado. _Se o fato de eu a impressão de conhecê-lo tem a ver com Hermione?

_Acalme-se, jovem.. não é algo para se responder assim. Consulte seu coração e depois me dê a resposta... ela será necessária.


Neste mesmo momento, a medibruxa Clara, que é a responsável pelo caso de Hermione, entra no quarto carregando sua prancheta.


_Pois não? Foi o senhor que me mandou chamar? – a medibruxa dirigia-se diretamente para o velhinho.


_Bom, não gosto dessa palavra 'mandar', mas simplificando as coisas... sim, fui eu. – Assim como fez com Snape, Blossom estendeu a mão à medibruxa, com seu costumeiro sorriso. _Sou Cherry Blossom, proprietário do Antiquário onde a bela menina foi agredida, na manhã de ontem.


_Oh! Sim! Foi o senhor que a trouxe imediatamente para St Mungus. E ouvir dizer que o senhor nocauteou o comensal que a atacou... é verdade?


Parecendo muito encabulado, Blossom levava a mão na nuca e dava umas leves gargalhadas, se ruborizando.


_Como correm as notícias, não é mesmo? É, infelizmente tive que fazer o garoto travesso dormir um pouco, mas tenho certeza que ele será um novo menino assim que acordar!


_Na verdade, ele estava internado aqui também, mas já recebeu alta e foi levado ao ministério. Com certeza ele será um 'novo menino' depois de algum tempo em Azkaban.


_Isso é lamentável, mas não há ação sem reação. Mas estamos aqui pela menina. Como está sendo o tratamento dela?


_Bem... estamos mantendo-a nutrida e revitalizada com poções, até descobrirmos realmente o mal que está acometendo-a.


Blossom se aproxima da medibruxa, pegando-a pela mão e olhando-a diretamente nos olhos, desta vez de forma séria e firme. Snape observava aquele estranho homem com um misto de surpresa e admiração.


_Filha, não faça nada além do que já estava fazendo pela bela menina, está bem? Não procure mais por formas alternativas, apenas cuide da saúde do corpo, mantenha-a totalmente saudável. Agora, por gentileza, poderia ver os pertences da menina?


Snape estava estupefato com o que acabara de ver. Aquele homem parecia estar usando hipnose na medibruxa? A aura que se formou vinda dele envolvendo ambos era quase palpável, que ele conseguira enxergar como uma leve névoa. Blossom percebeu a confusão e surpresa de Snape, e sorriu-lhe, piscando um dos olhos, passando-lhe confiança. Ele realmente lembrava muito Alvo Dumbledore. A medibruxa, por sua vez, foi até um armário nos fundos da sala de onde pegou uma caixa e trazia para junto do leito de Hermione, depositando a caixa sobre um criado-mudo.


_Estes são os pertences de Hermione, senhor. Há algo em especial que esteja procurando?


_Sim, minha querida... e você, meu jovem, por favor, aproxime-se e veja se reconhece algo desses pertences.


Mesmo sem entender o porque, Snape apenas obedeceu e olhou dentro da caixa. Blossom segurava o pequeno relógio de pulso de Hermione enquanto Snape sentia seu coração parar no momento em que viu aquele tecido de seda dentro da caixa. Sem se conter, retira-o da caixa, para analisá-lo melhor... era o vestido azul turquesa de estampa miúda que Hermione usava no dia do ataque... o mesmo vestido que aquela moça misteriosa usava 21 anos atrás.


Por impulso, Snape abraça o vestido, levando-o ao rosto. Com os olhos fechados, respirando profundamente pode sentir aquele perfume de lírios... o mesmo perfume que aquela moça usava, o mesmo perfume que acabava de se lembrar instantes atrás, quando achava que estava tempo um surto de delírio, com imagens, lembranças se formando como um filme muito real diante dos seus olhos... Mas, o que estava acontecendo afinal? Que loucura toda era essa?


Snape abriu seus olhos, que estavam rasos d'água, e olhava para um sorridente Cherry Blossom, que ainda segurava o relógio de pulso de Hermione. Seus olhos pareciam transmitir muito otimismo e esperança e Snape sentiu sua alma confortada com a áurea daquele homem tão estranho.


_E então, meu jovem.. já está apto a me responder a pergunta?


Alcançando o relógio de pulso à medibruxa, Blossom já se despedia:
_Mantenha este relógio no pulso da menina, minha cara. E mantenha o mesmo procedimento, mantenha-a saudável. Tudo poderá se resolver agora.


Antes de sair, Blossom pega Snape pelo braço, convidando para um passeio. Ali estava a chave de que precisava para trazer a bela menina de volta do abismo do tempo.


*


Há 21 anos atrás, uma outra realidade era vivida. Onde Severus Snape e Hermione Granger começavam a experimentar emoções e sentimentos jamais vividos até então por ambos. E era só o comecinho...


O jovem Snape aparata com Hermione em seu apartamento, em Lyon, França, após um súbito mal estar da menina, que o acompanhava na universidade onde estuda. Pela primeira vez, Hermione encontra a devida coragem de encarar Severus diretamente nos olhos e o que via parecia refletir a confusão de sentimentos que ele devia estar vivendo. Seu olhar era um misto de ternura, preocupação e desconfiança.


Ainda abraçado a ela, Severus espalma sua mão sobre a face da menina, afastando alguns cachos que caiam em sua testa. De forma lenta e relutante, separa-se dela, desviando seu olhar para o chão.


_Há muitas coisas que gostaria de saber.. precisamos conversar, Srta Grang...


_...Hermione, por favor, me chame pelo nome. Não vamos manter essas formalidades frias entre nós, Severus.


Severus voltava a encará-la e com um raro sorriso.


_Hermione... você se sente melhor? Poderia ficar alguns minutos sozinha enquanto eu busco algo para almoçarmos? Lembra da recomendação da Chris, o fiasco de medibruxa, que você precisa de alimentos salgados? Me espere que já voltarei.


Severus sai normalmente pela porta, enquanto Hermione deixa-se cair pesadamente sobre o sofá da sala, fechando os olhos e dando um longo suspiro. Mirando o nada no teto branco, seus pensamentos estavam tão desordenados que não sabia por onde começar. Estava cansada, embora não tivesse feito nada para isso. Temia estar sofrendo as conseqüências de uma viagem tão longa no tempo. Como isso pode acontecer? Essa pergunta não queria se calar na cabeça de Hermione e, por mais medo que isso lhe causasse, talvez sua única opção de descobrir tudo que aconteceu de verdade seja o jovem Severus Snape.


Deitou-se no sofá, pondo sua cabeça sobre uma pequena almofada que ali estava. Com uma careta, tentou se ajeitar melhor e sentiu uma grande pena por Severus estar sendo obrigado a dormir naquele sofá duro e desconfortável por sua causa. Mesmo ele sendo um legítimo comensal da morte – e estava quase certa disso – ele estava sendo muito bom para ela. Ela sentia que ele travava constantemente uma guerra interna, que ele estava nitidamente confuso e, certamente, isso devia se dar a insatisfação que ele estava começando a desenvolver pelas trevas, ele devia já estar sentindo os sintomas do arrependimento... mas, se ela fazia parte de seu passado e ele a tratava desta forma, até mesmo muito carinhosa em alguns momentos, por que o Severus de seu próprio tempo jamais a tratou com um mínimo de bondade? Quantas vezes ele até a desrespeitara chamando-a constantemente de 'sabe-tudo'? Eles nunca sequer conversaram amigavelmente...


Tentando engolir a tristeza de se lembrar no que Snape se transformara, Hermione se mantinha fixa naquelas últimas palavras que ele lhe dissera, em seu apartamento, há 21 anos à frente: "Eu irei protegê-la, Hermione. Estarei ao seu lado todo o tempo".



_Isso foi o máximo de carinhoso que ele já me dissera em todos aqueles anos que nos conhecemos... não consigo entender que se ele sabia que eu fazia parte de seu passado, por que diabos ele nunca se aproximou de mim que não fosse com desprezo e sarcasmo?!


Estava tão exausta, que acabou adormecendo ali mesmo. Minutos depois, o jovem Snape aparece carregando um embrulho nas mãos. Ao ver que Hermione dormia, deixa o embrulho sobre a pequena mesa e vai até ela. Constatando que ela realmente dormia, desdobra uma colcha fina que estava sobre o encosto do sofá e a cobre até a altura do queixo. Ela parecia muito abatida. Cuidadosamente, afasta de seu rosto aqueles cachos que teimam em cair sobre a testa, acariciando delicadamente a face da menina sem o menor temor de acordá-la e flagrá-lo. Dentro de si ia uma maré de sentimentos dúbios que só se firmaram ainda mais com o aparecimento dessa garota tão estranha. O seu lado das trevas se debatia violentamente com uma parte que sempre oprimiu, por achar que isso o enfraqueceria e que jamais traria a glória e o poder que sempre quis.


Não, isso não era verídico... nem sempre sua ambição fora glória e poder. Sua maior ambição sempre fora o conhecimento. Estudar e aprender tudo o que fosse o possível. Conhecer intimamente todo o mundo da magia. Ocasionalmente a magia negra sempre o fascinou. E esse fascínio traduziu-se em ganância. Se tivesse mais poder, teria mais respeito. E mais respeito lhe traria a glória.


Mas... que poder seria esse? E para quê? Mais poder seria ter mais dinheiro, para assim comprar um respeito hipócrita da sociedade? E qual a glória sairia disso? Se a fé sem obras é morta, qual a glória sairia de algo que não foi construído pedra por pedra?


Mas ele, naturalmente, sempre tivera todas as bases para construir sua própria obra sem auxílio de nada e de ninguém. Sempre fora uma pessoa brilhante. Sempre fora dedicado. Com a obra de seu próprio sacrifício poderia alcançar sua glória, sem dever nada a ninguém, sem ter que reparti-la ou creditá-la a alguém. E poder? Quanto mais de poder? Tinha ciência de ser um bruxo poderoso, não tanto quanto Alvo Dumbledore ou o Lorde das Trevas, mas era muito mais poderoso que a grande maioria. O que ele faria com mais que isso? Matar e ferir pessoas inocentes? Tentar alcançar a imortalidade para permanecer preso pra sempre neste mundo tão diminuto e frágil? Era pra isso que ele usava o poder que tinha, para ferir e matar pessoas como Hermione? Se tivesse a matado, nunca teria experimentado essa luz que parece emanar dela, não estaria sentido essas sensações boas em seu peito, embora tentasse a todo o custo oprimi-las o máximo possível, mas quanto mais o fazia, mais elas se expandiam, se inflavam.


Olhando-a deitada nesse sofá, dormindo tão serenamente, é que se via o quanto ela era frágil, o quanto estava desprotegida. E quantas pessoas como ela, ele já havia matado e torturado? O que se dizer disso? Busca por glória e poder ou pura e simplesmente covardia? Sim, era nisso que as trevas o estavam transformando: num humano covarde e miserável.


Sentado no chão, Severus acariciava o rosto daquela menina que o deixava tão confuso acerca de tudo. Ela era justamente alguém a quem ele deveria odiar, desprezar. Mas por que? Apenas porque ela vinha de família não mágica? E isso não deveria ser encarado como algo especial? Alguém que sobressaiu-se à natureza de seus ascendentes?


Controlava seu impulso de beijá-la e ir mais além. Estava começando a desejá-la e isso não era nada bom. Cessou os carinhos em seu rosto e levantou-se num salto, afastando-se de Hermione. Foi até a janela observar a paisagem e respirar algo que não fosse aquele perfume de lírios que vinha dela. Precisava se controlar, se acalmar. Talvez fosse a hora de levá-la embora, levá-la para sua família. Não faria nada contra ela, mas entre eles até a amizade era algo impossível. Ele era um sangue-puro de uma das mais tradicionais famílias bruxa do Reino Unido... uma família das trevas e ele, um comensal da morte. Jamais poderia ter qualquer relacionamento com alguém como ela, uma sangue-ruim.



_Droga! Por que as coisas têm que ser desta maneira? Eu posso ter qualquer garota que quiser, puro-sangue, de boa família, mas por que justo ela está me despertando todos esses sentimentos?! – Sussurrava, enquanto observava dois pássaros fazendo malabarismo no ar, sobre as copas das árvores.


*


_Diga-me, meu jovem? Já é capaz de responder a pergunta que fiz? Se a impressão que tem de já me conhecer tem alguma ligação com a bela menina que dorme neste hospital?



Snape e Blossom andam calmamente pelos imensos jardins de St Mungus, que ficam nos fundos do hospital, onde alguns pacientes passeiam ou ficam descansando sob as sombras frescas das árvores, respirando ar puro ou mesmo aquecendo-se ao sol. Snape apenas olha com certa cautela para o velho homem, que ainda mantém o sorriso e otimismo no rosto. Mas a vista daquele olhar, daquela áurea que emana de si, parece desanuviar qualquer pensamento obscuro, qualquer temor ou desconfiança. A verdade era que ele se sentia tão bem e tão confiante quanto estava na presença de Dumbledore.


_É... pode parecer loucura, mas sinto sim essa ligação. O pressentimento que tenho é que o senhor já passou pela minha vida alguma vez e... me tirou algo muito importante... é muito estranho pois, se sinto isso, não sinto qualquer rancor a seu respeito e, digamos, que eu sempre fui um homem que viveu em meio ao ódio... – Snape termina com a voz falhando, desviando seu olhar em direção ao chão, sentindo-se estranhamente envergonhado. Sentia-se muito pequeno diante daquele homem, embora ela fosse quase metade de sua estatura.


_Isso não é loucura, acredite. Pode ser tudo muito confuso agora, mas tudo se encaixa no seu devido tempo. Filho, o tempo é a mola-mestre deste universo aqui em que estamos, é ele que rege a vida de todos que habitam este mundo. E só ele é capaz de consertar, só ele é capaz de curar...


Intrigado, Snape levanta seu olhar novamente para Blossom.


_Tempo? O que o senhor quer dizer com isso, Sr Blossom?


_Bem, a bela menina caiu no que chamo de abismo do tempo, um rasgo na contagem de tempo que é regida neste mundo. Não sou capaz de descobrir o exato porquê isso aconteceu, isso é algo superior a mim, mas posso lhe afirmar, com certeza, que neste momento ela está vivendo uma outra realidade em novembro de 1980... isso lhe diz algo, meu jovem?


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Fim do Capítulo XI - continua...
By Snake Eye's - 2004
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