DUAS REALIDADES


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Duas Realidades
Episódio XIII – Sentimentos Contraditórios

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_Isso tudo é mesmo muito interessante, Severus... muito interessante mesmo, quase inacreditável.


_Realmente... e lembrando agora, parecia que eu estava vivendo um sonho ou algo do tipo. Aquele senhor Cherry Blossom é tão incrível quanto ao que me contou. Mas a verdade é essa e agora tudo faz sentido. A Srta Granger está vivendo duas realidades neste momento, sendo que uma delas é.. bem, é comigo, em 1980.


_Então você sempre soube o que ia acontecer, não Severus? Afinal, é o seu passado...


_Não desta maneira, Alvo... as lembranças que carreguei até então sofreram alguma alteração e o que me lembrava não é exatamente o que está acontecendo agora. Suponho que este Sr Blossom tenha alterado minha memória na época, embora não lembre isso agora... talvez o tenha feito para proteger o futuro da Srta Granger... só não entendo muito bem porque agora estou me lembrando de tudo nitidamente.


_Bem, Severus... suponho porque seja que esta sua realidade esteja sendo vivida novamente e desta vez faz parte do presente de Hermione com o seu passado. Aquela moça que fez com que você viesse até mim há 21 anos atrás, arrependendo-se de tudo que fizera pelas trevas, foi alguém extremamente importante em sua vida... há um laço muito forte entre vocês.


_Mesmo assim, ainda é difícil crer... mas eu sinto, eu vejo que minhas lembranças daquela época estão sendo desbloqueadas aos poucos, como se estivesse revivendo-as neste momento.


_Mesmo? E.. poderia dizer o que você e a Srta Granger fazem neste momento? – Dumbledore alargava um sorriso malicioso, olhando marotamente para Snape sobre os óculos de meia lua.


Embora não tivesse o que esconder, nem do que se envergonhar, Snape corara com a pergunta de Dumbledore. Com um meio sorriso sarcástico, concentrando-se em suas lembranças que rolavam em sua mente como um filme, falou pausadamente.


_... estávamos discutindo, pra variar... estávamos.. estamos em meu apartamento em Lyon. Hermione bebia o chá que eu havia preparado para nós... eu, paranóico, a havia acusado de espionagem a seu serviço, Alvo...


_E mais alguma coisa, meu jovem? – Dumbledore estava achando tudo muito divertido.


_...bem, ela estava nervosa.. e agora entendo o porque. Ela dizia que estudou comigo aqui em Hogwarts.. que era uma admiradora secreta...


Dumbledore riria por Severus, pela situação que vivera. Mas a realidade nada tinha de engraçado. Imaginava a aflição que a menina estava passando, sendo quem é e estando em companhia de um comensal da morte que a estava acusando de ser uma espiã. O semblante de Dumbledore se desmanchou numa expressão de densa preocupação, deixando muitos sulcos em seu rosto, aparentando toda a sua velhice.


_Filho, me diga uma coisa... você jamais machucou essa menina, não é?


Snape sobressaltou-se, pois ele nem sequer poderia responder tal pergunta com qualquer precisão. Se o havia feito, não havia chegado a hora de se lembrar de tal coisa. Um frio muito desagradável invadiu seu estômago, pois algo que ele se lembrava muito bem é que ele não era um cara estável naquela época, devido a toda pressão que estava vivendo.


_Não, Alvo, creio que não... - Falou muito hesitante. _Esse meu eu do passado, ele.. agora sinto, como uma lembrança, o quanto ele estava se afeiçoando aquela menina... ela o encanta. Ele.. não poderia fazer nada de mal a ela... se ele estiver.. apaixonado por ela.


*

Hermione resolve tomar um banho quente, do pés à cabeça, a fim de relaxar toda a tensão vivida momentos antes. Uma tensão dúbia vivida, por assim dizer. Aquele momento tão precioso que exalava tanto carinho e afeto fora algo extasiante, como se tivesse se realizando um desejo há muito contido. Todo o carinho, o calor do corpo e lábios de Severus a envolvendo, aquele perfume amadeirado a inebriando... certamente eles teriam ido muito além, teriam consumado todo aquele desejo que ardia em ambos, se não fosse por aquele maldito chamado!


O jato forte e quente que saída do chuveiro escorria pelo corpo de Hermione, acalmando-a. Ainda estava trêmula quando entrou no chuveiro. Deixou a água cair fortemente sobre seu rosto, lavando todas as lágrimas. Severus, neste momento, estava entre os comensais da morte, possivelmente diante de Voldemort. Como ele deveria estar se sentindo, o que se passava em sua cabeça naquele momento? O que será que ele seria mandado a fazer naquela noite. Hermione pedia a Deus que fosse uma mera reunião das trevas, que não houvesse nenhum ataque naquele dia. Não queria que Severus se ferisse... e não queria que ele ferisse ninguém. Agora ela tinha a mais absoluta certeza de quem ele realmente era nesta época. E jurava pra si mesma que o convenceria a abandonar as trevas.


Fechou o chuveiro e se enrolou num roupão negro, quase duas vezes maior do que ela. O perfume amadeirado de Severus estava impregnado nele, e Hermione sentia-se como envolta dele próprio, com seu cheiro, seu calor. Muitas coisas passavam em sua cabeça neste momento. Seus pensamentos estavam caóticos, indo e vindo do futuro, sua própria época, para o passado, agora seu presente. Uma vez que conhecia todos os fatos e como esses se desenrolaram, ela não devia fazer absolutamente nada, pois qualquer coisa alteraria o futuro. Mas só a mera presença dela ali já alterara o futuro. Por que Snape jamais falou sobre isso? Por que ele nunca se aproximou dela e lhe falou sobre isso? Ele jamais a tratou de qualquer forma além daquela forma desagradável, tão típica dele próprio. Ela sempre fora tratada por ele como todos os outros. E pior: ele a detestava! Quantas vezes ele a humilhou e destratou em sala de aula?


Mas agora, esse passado, que ainda estava num futuro distante, parecia ainda mais longínquo, quase como se nem houvesse existido. Era uma outra época, outra vida. E neste momento, mais do que tudo, sentia-se totalmente envolvida, como se tudo fosse sua própria vida em seu próprio tempo.


E era, não era? Afinal, aquilo ali era tão real e cru, tão palpável. Ela estava vivendo o presente que fora o passado de Snape. Eles dois estavam vivendo juntos um tempo que só pertencera a ele e agora não mais. Era a sua vida também e sentia-se totalmente envolvida. Sentia-se responsável. E sentia toda a dor e angustia que aquele rapaz tão adorável e confuso estava vivendo. Ela não suportaria outras vezes vê-lo passar por isso. Dane-se o futuro dela. Dane-se sua vida em sua própria época! Estava decidida a tirar Severus do Círculo das Trevas. Era hora de esquecer os fatos futuros. Estes ainda estariam por vir e não sabia como estes viriam. O que importava era o momento atual, o aqui e agora. E ela decidira viver plenamente este momento. E agora que experimentara um momento de tanta ternura e paixão ao lado dele, não queria mais perder isso. Não iria querer viver sem isso. Agora percebia que estava completamente apaixonada pelo jovem Snape e o queria com todas as suas forças. Mesmo que o futuro de ambos ficasse de pernas para o ar, ela queria viver esta paixão intensamente. Se entregaria de corpo e alma a isso... e o tiraria das garras de Voldemort.


*


O dia seguinte logo chegara. Não houvera sonhos com suas lembranças, afinal, segundo a conclusão que chegara, as lembranças só apareciam quando estas envolviam a Srta Granger e... certamente eles não passaram a noite juntos. Graças a essa alteração de memória que provavelmente fora feita por Cherry Blossom em seu passado, a vida de ambos como professor e aluna jamais fora alterada por isso... teria sido quase desastroso. Se isso fora um feitiço, fora muito bem formulado. Pois ela lhe alterara sua vida que, apesar dos pesares, melhorara muito depois dela, mas as lembranças alteradas não permitiram confusões, na mais suave das hipóteses, na vida de ambos em suas próprias épocas. Mas assim que o Sr Blossom retornasse com Hermione, aí sim ambos teriam uma certa confusão para consertar... e o que será que ela pensava a respeito de tudo isso? Ela era muito inteligente e estava conduzindo a situação muito bem, em vista de todo o desespero de estar presa numa época que não a pertencia. Sabia de que aquele rapaz se tratava dele, seu detestável futuro ex-professor de poções.


Será que ele teria uma segunda chance de viver aquele amor inocente de 21 anos atrás? Será que ela lhe permitiria uma aproximação? Independente do que estava acontecendo, ele a amava, mesmo que tal sentimento tenha vindo se aflorar quando ele começou a perceber em Hermione Granger aquela moça especial que entrou em sua vida e lhe tirou dos braços das trevas. Ele a amava, independente disso. E ele a conheceu muito melhor após ela terminar seus estudos e graças à Ordem da Fênix, ainda mantiveram contato. E ele pode conhecer melhor aquela moça que fora sua aluna. E por não mais enxergá-la como uma aluna intragável e irritante, pode ver nela qualidades que ele tanto preza... o que fez com que se apaixonasse completamente.


Enquanto se vestia para ir pro café da manhã no Salão Principal, Snape estancara no movimento, assombrado por uma repentina lembrança... algo estava acontecendo entre ele e Hermione neste momento, há 21 anos atrás...


Ele a viu nitidamente, como se estivesse diante de seus olhos agora em seu quarto. Ela estava caída no chão, chorando muito. Sentiu-se muito desconfortável com isso, pois sentiu o desdenho de seu Eu do passado. Ele odiara a cena ao abrir a porta de seu quarto.


Um turbilhão nervoso e desconcertante tomou conta de seu peito, que parecia estar encolhendo, de tão apertado parecia estar, lhe dificultando a respiração. Sentia um misto louco de emoções lhe transbordando. Um caos de sentimentos que se misturavam de forma tão desagradavelmente heterogênea. O seu Eu do passado estava irritado com a situação que presenciava, com um fio de ódio passando por si, enquanto ele ali, o agora do presente, sentia uma angustia martirizadora e a dor da impotência. Aquela visão de Hermione chorando desesperada daquela forma estava lhe rasgando a alma, enquanto o seu Eu do passado tinha vontade de surrá-la por isso. Mas agora ele sabia o porque daquele choro: ela devia estar agoniada com aquela realidade, sozinha, sem saber o que fazer! Ela devia ter acabado de acordar e encarado a dura realidade de estar perdida num tempo que não a pertencia.


Snape cambaleou até sua cama, caindo sentado pesadamente. Apoio o rosto nas mãos, tentando controlar sua respiração e pulsação descompassados. Precisava se acalmar. Um remorso furioso subia-lhe a cabeça e fervia nas veias. Ele não fizera nada por ela. Ela estava caída no chão, desesperada, e ele apenas a desdenhava, a zombava intimamente.


Jogou-se pra trás, deitando na cama. Enxugava com as mãos o suor que formou em seu rosto. Enquanto a cena trespassava por sua mente. Seu coração e sua respiração voltavam lentamente ao seu ritmo normal. Hermione era muito forte. Muito mais forte do que ele supunha. E essa força estava-lhe acalmando.


_Hermione precisa voltar o mais rápido possível. Isso tudo é muita loucura e não sei até quando poderei manter minha sanidade a respeito. Essa mistura de emoções e sentimentos é quase insustentável!


_... ah! Então você está agindo por conta própria também? – Snape sorria com a cena de sua lembrança seguinte. _Se está querendo ir até a biblioteca, provavelmente é porque está querendo pesquisar meios de como voltar para cá...


_Definitivamente, isso é muita loucura. É provável que estarei fazendo companhia aos Longbottons e Lockhart quando Hermione regressar...


Com este último pensamento e as lembranças que passavam como um filme antigo, Snape terminou de se arrumar e saiu para o salão principal.


*


Snape passou boa parte da manhã liberto daquelas lembranças. A esta hora, há 21 anos atrás, ele estava em aula, na Universidade de Lyon, enquanto Hermione estava em sua 'pesquisa secreta' na biblioteca. Como ele não estava vivendo aquele momento com ela, não havia lembranças para importuná-lo.


Rabiscava alguns pergaminhos e folheava os novos livros que iriam se usados pelos alunos das sete séries deste ano. Preparava tranqüilamente seu roteiro para as aulas, embora já estivesse mais do que saturado de sempre ensinar as mesmas coisas, ano após ano, há mais de quinze anos. Mas ele gostava de estar sempre com tudo certo e organizado. Não era adepto de eventualidades e improvisos desnecessários, mas algo fez interromper sua tranqüila atividade. Uma lembrança de Hermione, que o deixou ainda mais chocado.


Hermione desfalecia diante de si, em seus braços, dentro da biblioteca de Lyon. Ela estava pálida e gelada como se estivesse morta! Snape levou a mão ao peito como se temesse que seu coração pulasse fora, de tão violento e dolorido que ele batia. Por Deus! Ela estava morrendo?! Lágrimas se formaram em seus olhos. Levantou-se abruptamente da cadeira e pôs-se a andar impacientemente de um lado a outro em seu gabinete, analisando a cena, tentando manter a calma para perceber todos os fatos que estavam ocorrendo em sua lembrança. Ao menos, desta vez, a mesma angústia que sentia era compartilhada por seu Eu passado. O jovem Severus estava mesmo muito preocupado com a menina, assim como ele o estava agora, neste momento.


Felizmente, tudo passara muito rápido, talvez apenas quinze minutos. Sentiu um alívio na alma ao constatar, em suas lembranças, que Hermione apenas sofrera um mal súbito e que estava bem, por ora, ao menos. Mas ainda estava muito preocupado, embora aliviado por ver que seu passado também se preocupava com ela e tudo que queria era tê-la em seus braços e protegê-la de todas as coisas. Neste momento ele percebeu o quanto estava apaixonado por ela, seu Eu do passado. Mas agora, neste momento, uma dúvida inquietante o desconcertava, uma aflição crescente não o deixaria em paz até que visse, por seus próprios olhos, que Hermione estava realmente bem.


Lembrou-se do que Clara falou, de que o corpo não sobrevive sem a alma, ou mente. E lembrou-se do que Blossom falara: cada qual a seu tempo. Ele precisa ver se a realidade de Hermione desta época estava bem. Precisava ir para St Mungus ver Hermione. Talvez aquele mal súbito tenha sido provocado nesta época... era estranho, mas tinha essa terrível impressão. Precisava vê-la imediatamente. E assim o faria.

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Fim do Capítulo XIII - continua...
By Snake Eye's - 2004
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