DUAS REALIDADES
==================================================================================Duas Realidades
Episódio XV – Prostrado Pela Dor
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Uma grande coruja marrom entrava pela pequena janela do apartamento. Lá fora, a noite já ia alto. Nuvens, estrelas e uma lua crescente disputavam espaço no manto de azul enegrecido.
Já vestida com seu conjuntinho em azul pastel, Hermione assustou-se com o repentino aparecimento da coruja que pousou diante dela, sobre a mesa. Estava tão absorta pelas lembranças do que ocorreu entre ela e Severus algumas horas antes que havia até se esquecido que receberia uma coruja de Michaelsen.
Retirou de um pequeno tubo de cobre preso à perninha da coruja um rolinho de papel de seda, que trazia o bilhete de John Michaelsen. Leu sem muito interesse a breve carta, que continha o humor e o galantismo típico do rapaz. Sorriu com as palavras finais e fechou os olhos, ponderando qual a resposta que lhe daria.
Tudo que vinha a sua mente eram as palavras de Severus, que lhe diziam para não estar ali quando ele voltasse. Deveria pedir a John para que viesse buscá-la, alegando uma desculpa qualquer para isso. Talvez até seja uma estada agradável.
Hermione foi até o quarto, procurar na prateleira papel e caneta. A coruja já se mostrava impaciente com a demora da garota em dispensá-la. Hermione retornou com pergaminho e uma caneta-tinteiro, sentando-se à mesa e pondo-se a escrever um breve bilhete a John.
Ao terminar, a garota sorriu tristemente, enrolando o pedaço de pergaminho e depositando-o dentro do tubinho de cobre da coruja que alçou vôo e desapareceu pela noite tão rápido quanto surgiu.
Hermione, com um suspiro triste de enfado, apoiou a testa sobre as costas das mãos entrelaçadas. Tudo que teria que fazer agora era esperar, e gostaria que ele viesse o mais breve possível.
Após a conversa com Cherry Blossom, Snape passou algumas horas perambulando pelas ruas da Londres trouxa, a fim de espairecer seus pensamentos sobre tudo o que estava acontecendo hoje e há 21 anos atrás. Sabia que, pelo menos ali naquela Londres, suas chances de encontrar algum conhecido eram quase nulas e poderia ficar perdido em seus pensamentos por horas a fio.
Sentado num banco às margens do rio Tamisa, Snape distrai-se por alguns instantes depreciando as construções que apenas mostram a superestima patológica que os trouxas carregam. O que os trouxas chamam de grandes obras da engenharia arquitetônica do século, para os bruxos não passam de um ato desesperado para compensar suas incapacidades e insignificância.
Diante de si, um gigantesco esqueleto metálico em forma de círculo recém inaugurado, que os trouxas chamam de London Eye e dizem ser o cartão postal da Inglaterra do século 21. Um pouco mais distante, uma ponte de pedestre chamada de Hungerford Bridge, que apenas serve para que seus passantes possam ver o tal Palácio de Westminster...
Snape teve que rir. Nada daquelas tolices megalomaníacas chegavam próximas da menor das maravilhas que a magia poderia proporcionar, embora em termos de morte e destruição, Voldemort era um moleque com estilingue diante do poder bélico dos trouxas.
Recostou a cabeça no encosto do banco, mantendo os olhos fechados. O local estava muito tranqüilo àquela hora, ainda era horário de trabalho dos trouxas. Mantinha-se calmo, apenas apreciando a brisa leve que corria no lugar. Apesar do tempo nublado e úmido, o ar estava quente.
As lembranças começaram a formar em sua mente. Era a hora da seção nostalgia de seu filme particular... de seu passado agora tão distante.
Abriu os olhos com certa urgência, pois o que via e ouvia fez com que seu coração se acelerasse. Como água morna transbordando dentro de seu peito, sente a emoção lhe invadir, compartilhando com seu Eu passado um momento que ele jamais imaginou ter existido.
Mas existiu. E aquele momento de tanta ternura fora totalmente bloqueado em sua mente. Fora-lhe negado por tanto tempo a lembrança de algo tão bom que ocorreu entre ele e aquela moça tão especial, entre o Jovem Snape e Hermione.
Será que eu merecia esse castigo, esquecer de algo tão bom?
Levantou o corpo, apoiando os braços sobre os joelhos, fitando o nada no chão a sua frente. Com um sorriso de agrado em seu rosto, que lhe conferia um semblante quase de adolescente, vê a cena se passando diante de seus olhos, sentindo as mesmas emoções e expectativas, como se vivesse tudo isso apenas agora.
Não conseguiu conter uma risada mais calorosa, levando as mãos ao rosto, deslizando-as até os cabelos que caiam soltos e um pouco emaranhados sobre sua face. Uma imensa felicidade invadia seu ser, lhe aquecendo e confortando. Estaria ele vivendo isso pela sua segunda vez?
Aquela felicidade que sentia, como se ainda fosse o mesmo garoto de vinte anos, lhe preenchia de certa forma que ele não sabia distinguir o porquê: se era pelo sentimento que seu Eu passado finalmente externava e assumia ou se pela correspondência de Hermione. Afinal, ela sabia muito bem quem era aquele rapaz ou, melhor, quem ele viria a ser em seu próprio tempo, mas mesmo assim havia se entregado àquele beijo.
Mas assim como veio, a emoção se esvaiu por completo ao ver aquele momento tão importante ser interrompido pela dor queimando em seu braço esquerdo. Justo naquele momento ele havia sido convocado por Voldemort.
Lágrimas brotaram em seus olhos pelo desfecho tão triste que teve aquele breve ato de ternura. Deixou-se chorar, derramando as lágrimas que foram oprimidas por seu jovem Eu. Chorou por ele e por si também, por presenciar tamanha angústia que se formou não apenas no jovem Severus, mas também a angústia que via estampada nitidamente nos olhos cor de mel de Hermione.
Escondeu o rosto sobre as mãos, soluçando como se alguém muito querido houvesse falecido. Não quis impedir aquele pranto que lhe descia dolorosamente. Lágrimas que estavam trancafiadas em seu coração há mais de duas décadas. Sentia toda a tristeza e desespero que o jovem Severus vivia aquele momento, e que nada podia fazer a não ser atender ao maldito chamado... era essa a sua realidade.
Algumas lágrimas ainda caiam mesmo após ter-se passado alguns minutos que tudo aconteceu e as lembranças lhe fugiam novamente. Seus pensamentos eram confusos, mas sabia que tudo o que queria era que Hermione estivesse aqui e agora com ele, neste momento em que as coisas poderiam ser mais fáceis de serem vividas... ou não, talvez.
Isso é insano... viver essas lembranças como se fosse um fato real e imediato... sentir as mesmas emoções ou o conflito quando estas se contradizem... ah, Hermione, você precisa voltar, antes que eu enlouqueça!
Num lugar sombrio, onde árvores mortas pendiam seus galhos secos e a terra úmida pelo ambiente frio e chuvoso, cerca de quinze indivíduos vestidos com mantos negros e capuzes formavam um círculo em torno de outro indivíduo de porte onipotente.
Uma voz grave vinda do sujeito ao centro do círculo, retumbava naquele lugar de aspecto mórbido, como se toda vida ali tivesse sido evaporada numa guerra atômica. O vento frio castigava com suas rajadas constantes, jogando aos rostos de cada um ali a chuva fina que caia sem parar.
Voldemort, que nesse tempo desfrutava o auge de sua ascensão ao poder das Trevas, passava todas as instruções do novo ataque aos seus leais seguidores... talvez não tão leais assim.
Um deles não conseguia concentrar-se em absolutamente nada do que acontecia naquele lugar, por mais que tentasse limpar sua mente do que havia acontecido pouco tempo antes de estar ali, agora.
Riu intimamente de si mesmo, com sarcasmo. Ria da ironia que sua vida se tornou nos últimos dias. Quase não acreditava que alguns tantos minutos atrás tinha em seus braços a garota que se tornou tão especial para si quase instantaneamente, logo que a encontrou no Beco Diagonal.. e agora, ele estava ali, sob a chuva fina e fria, com o vento tão álgido que parecia retalhar a pele de seu rosto... e estava prestes a atacar, torturar e matar pessoas como ela.
Aquele mal-estar, o mau agouro sempre presente nessas malditas reuniões e a atmosfera carregada de sentimentos ruins e energia negativa, só faziam aumentar a angústia de seu coração, que sentia comprimir-se tão forte que lhe doía o peito. Não, definitivamente, não era aquele breve momento de carinho que teve com Hermione que era inacreditável... era este momento que não dava pra acreditar que acontecia.. que era a sua vida.. que era o que se tornou...
Os vários estampidos de seus companheiros desaparatando daquele lugar tétrico fizeram com que Severus saísse de seus devaneios e encarasse a sua terrível realidade: a realidade de um Comensal da Morte que tortura e mata apenas por um ideal que perde cada vez mais seu sentido a cada dia que passa. Sente um calafrio subir por sua coluna vertebral ao ouvir aquela voz grave e fria chamar-lhe por seu nome.
Mesmo com medo, encara seu mestre, que o observa atentamente com um sorriso de escárnio naquele rosto deformado por diversas experiências de magia negra que sofreu ao longo de sua vida. Com um pequeno gesto de sua mão, ordena que seu comensal se aproxime e, mesmo a contragosto, Severus obedece de imediato.
Parou próximo de Voldemort em apenas dois passos, mantendo sua cabeça abaixada, mirando o solo enlameado, demonstrando respeito ao mesmo tempo em que evitava encará-lo tão de perto, coisa que sempre lhe dava náuseas. Sentiu dedos finos e gelados lhe segurarem o queixo, obrigando-o a olhar para frente.
Eu também já tive meus vinte anos, caro Severus... e sei como questões tão superficiais podem ganhar status de relevância que elas jamais teriam na realidade...
O jovem apenas arregalou os olhos, não entendendo do que seu mestre falava. Sentia aqueles olhos vermelhos lhe invadirem a alma... queria gritar, correr, fugir dali, mas mantinha-se prostrado no mesmo lugar, como se estivesse sofrendo uma hipnose.
Não posso culpá-lo por ser humano, jovem... mas, me admira você, Severus, deixar-se levar por uma mulher.. e mais, deixar-se levar por uma maldita sangue-ruim! Por acaso o feromônio dela o enfeitiçou?
Severus abriu a boca para replicar o que acabava de ouvir. Era uma atitude tola, de proporção suicida, mas não poderia ouvir aquilo calado. Antes que saísse qualquer palavra de sua boca, Voldemort, que ainda o segurava pelo queixo, comprimiu sua mão com força na mandíbula do rapaz, fazendo-o soltar um leve gemido de dor, aproximando o rosto do rapaz do seu, quase o tocando.
Apesar de tudo, você é só um moleque, Severus! E pra sua sorte, eu sou compreensível quando quero! Eu quero que você mate a sangue-ruim! Não o quero com os pensamentos e objetivos desviados por causa de uma paixonite infantil!
Voldemort soltou Severus com um empurrão, que cambaleou em alguns passos para trás, segurando o próprio queixo que quase foi deslocado por seu mestre. Apontando sua varinha para o rapaz, Voldemort sorri novamente, enquanto seus olhos vermelhos queimavam de sadismo.
Severus.. veja com quem está a sua lealdade, garoto! Veja quem lhe dará toda a riqueza e poder que quer! Quero a sangue-ruim fora de sua vida! Quero você pensando com a cabeça certa, moleque!
CRUCIUS!
Um feixe de finíssimos raios vermelhos saíram da varinha de Voldemort, atingindo Severus em cheio no peito. O rapaz caiu para trás, contorcendo-se em dores atrozes, sentindo com se seus nervos estivessem se dilacerando. A lama, a chuva fria e o vento cortante só faziam aumentar ainda mais seu sofrimento.
Alguns minutos se passaram até que Voldemort se desse por satisfeito com a tortura que havia empregado ao seu jovem comensal. Ainda deleitava-se com a dor e sofrimento do rapaz quando finalmente terminou o feitiço.
Concerte-se, garoto, e vá juntar-se aos seus companheiros! E não se esqueça de fazer o que lhe ordenei.. você não terá uma segunda chance, Severus Snape. – Voldemort falou, olhando o rapaz por sobre o ombro, desaparatando logo em seguida.
Ainda caído de bruços sobre a lama, com muita dificuldade Severus vira-se para encarar o céu escuro e tenebroso. A chuva havia se intensificado, tornando-se mais forte e mais fria. O vento parecia querer arrancar as árvores secas que ali ainda estava, resistindo em riste, heroicamente.
Não saberia dizer se era a chuva que escorria quente por seu rosto, mas sentia algo deslizando por suas faces. Levou as mãos ainda trêmulas a sua testa, deslizando-as por seus cabelos ensopados e enlameados. Alguns raios cortavam o céu naquele momento e tudo o que iluminavam eram trevas, morte, aridez.
A sua vida se resumia naquilo... era a única realidade que existia para si. O inferno jamais será quente... o inferno era aquilo: dor, sofrimento, angústia, medo... o inferno era frio e úmido.
E a morte agora seria muito bem-vinda.
A matar aquele que se ama...
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Fim do Capítulo XV - continua...
By Snake Eye's - 2004
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