Intenções Secretas
N/A – Obrigada a todos que foram gentis a ponto de comentarem essa fic! Eles são imensamente encorajadores. Por favor, continuem mandando!
Capítulo Oito – Pesadelos
Sonora estava exausta quando fechou a porta para seus aposentos e mal pôde tirar suas vestes e colocar sua roupa de dormir antes de cair com tudo na cama e pegar no sono. Ela se esquecera totalmente da Poção Para Dormir Sem Sonhar de Madame Pomfrey quando repousou a cabeça no travesseiro. Ela estava simplesmente cansada demais.
Em seus sonhos, ela se descobriu sugada de volta para a armadilha de seus agora familiares pesadelos. Dois homens, rostos de ódio e fúria, pulsos e pés e varinhas voando. E ela gritou de dor quando um deles despedaçou os ossos de sua perna, enquanto outro segurava seus braços.
E então desta vez, algo diferente aconteceu. No misto de dor, de terror, de desamparo, ela ouviu uma risada sombria chegando de longe, uma que a fez tremer de pavor e congelar os gritos em sua garganta.
"Breve", a voz sussurrou. "Muito em breve". E então um dos homens atacou-a de novo, fazendo-a soltar novamente os gritos que haviam estado congelados há pouco, e então a voz gargalhou de novo.
Severus jazia tenso na cama, incapaz de dormir. Durante o tempo em que voltavam do escritório do diretor, a face de Sonora estivera quase cinzenta com a fadiga e o cansaço, lembrando-o do primeiro dia em que a vira, curvada de dor e exaustão depois de tudo que acontecera a ela.
Ele rolou na cama até ficar de bruços, esperando por um sono que nunca chegava. Quando ele conseguira deixá-la em seus aposentos, ela estivera até bem exceto pela oscilação de seu pé, e ele ficara por um bom tempo contemplando a porta fechada, tentando ouvir qualquer coisa que indicasse que ela estava em segurança na cama. Ele não estava certo se ela apreciaria o gesto, mas ele estivera mais do que pronto para colocá-la na cama ele mesmo.
Severus virou-se de costas de novo e jogou um braço sobre a testa. Pro inferno com tudo isso. Ele estava perto demais do limite com ela, perto demais de perder o pouco controle que ainda lhe restava. E a última coisa que ele queria era sobrecarregar uma alma pura como a de Sonora com sua própria escuridão. Ele sorriu severamente. Com aquilo, ele estava assumindo de fato que a queria para ele.
Sua mente devaneou um pouco, lembrando-se de como ela se segurara a ele na ala hospitalar, e como ela se esforçara para surpreender seus olhos sem aquele brilho de tristeza sobre ela. Se ele chegara a enviar sinais na direção dela, esses sinais haviam lhe dado certa esperança. Mesmo que fosse... Ele grunhiu de novo, enterrando o rosto num travesseiro. Mesmo que fosse, aquilo só servia para torturá-lo ainda mais.
Então ele ouviu um agudo e tênue grito de dor.
Sonora foi obrigada a acordar por um estampido e acordou de novo com os ecos de seus gritos pelo quarto.
"Iluminate!", uma voz familiar comandou asperamente, e uma das tochas se acendeu. Soluçando e com o coração batendo muito depressa, Sonora olhou em volta para ver Severus vindo a passos largos na sua direção, varinha em punho.
"O que foi isso? Você está bem?", ele demandou, chegando mais perto da cama dela.
Confusa, Sonora se obrigou a sentar e balançou a cabeça. "Severus? Eu... O que você está fazendo aqui?"
Ele ficou parado, ainda tenso e como que pronto pra atacar. "Eu ouvi você gritando", ele disse.
Sonora fechou os olhos em humilhada percepção. "Eu esqueci o Feitiço Silenciador", ela disse em voz baixa. Forçou-se então a olhar para ele de novo. "Me desculpe, de verdade. Eu só estava tão cansada, que esqueci..."
Severus franziu a testa, mas seu rosto pareceu relaxar um pouco. Tarde demais, Sonora percebeu que ele estava apenas parcialmente vestido, vestindo algo que parecia alguma espécie de calça de dormir e o tórax nu. Céus, ela pensou, enrubescendo.
"Você está tendo pesadelos?", ele disse, numa voz mais calma.
Sonora voltou sua atenção para a coberta. "Sim, mas me desculpe por te incomodar", ela tentou de novo. "Eu estou mesmo bem, você não precisa se preocupar comigo."
Houve um resmungo e ela ergueu os olhos para ver Severus colocando a varinha em sua mesa de cabeceira, antes de dar outro largo passo na direção dela e inclinando-se ligeiramente sobre ela. Ele esticou um pouco o braço e ergueu o queixo dela com uma mão, forçando-a a olhar pra ele. "Há quanto tempo?" demandou ele.
Sonora sentiu um jorro de uma raiva irracional e irritada. "Não é da sua conta", ela retrucou, tentando soltar seu rosto, mas ele a segurou com mais firmeza.
Ele bufou, novamente. "Mulher, alguém precisa tomar conta de você, já que você está se revelando incapaz de fazer isso por si mesma". O rosto dele parecia ainda mais feroz à luz de apenas uma tocha. "Há quanto tempo você está tendo pesadelos?"
"Desde o... acidente", ela se descobriu admitindo. E odiou-se por parecer tão insegura, tão fraca. Ela desprezava esse tipo de sentimento.
Os dedos dele a apertaram mais. "O tempo todo?", ele disse, soando raivoso. "E você não fez nada?"
Sonora fez uma careta para ele. "São apenas sonhos", sibilou de volta. E sem querer lembrou-se da voz do pesadelo daquela noite. Aquilo não parecera como um mero sonho.
Severus encarou-a, o rosto sério e os olhos opacos. "Talvez não tenha prestado atenção no que você mesma ensina", ele rosnou. "Sonhos indicam o estado de mente e saúde de uma pessoa. Sem dúvida você demorou tanto para se curar, se você não tentava lidar com seus sonhos."
Seus olhos voltaram àquele costumeiro ar severo, e Sonora sentiu-se ruborizar sob seus dedos. "Você precisa me contar sobre o ataque", ele disse. E ela sentiu o rubor esvaecer-se e o sangue fugir da sua face.
"Eu certamente não vou", ela sibilou, de novo lutando contra a força dele e tentando desviar seu olhar. Mas ele era forte demais e ela ainda estava muito fraca e cansada.
"Sim, você vai", ele insistiu. "E eu não vou deixá-la até que você o faça."
Os olhos de Sonora moveram-se depressa na direção dele, e o encarou, surpresa e desamparada. Ela não queria falar sobre isso, não agora, nunca. Ela queria esquecer todo o horrível episódio que houvera, esquecer que alguém sentira aquele tipo de ódio por ela.
Ela não percebera que tinha falado aquilo em voz baixa, até ver o rosto dele suavizar. "Há muito ódio neste mundo, Sonora", a voz severamente gentil. "Desculpe por algum dele ter se virado contra você."
"Eu... Ninguém nunca antes...", ela se descobriu deixando escapar. "Quero dizer... Eu pratiquei a Regra de Ouro desde que sou criança e..."
Para sua surpresa, ela o viu sorrir um pouco tristemente. "A Regra de Ouro, huh?", ele disse. "Isso explica algumas coisas." Sonora não entendeu o que estava querendo dizer, especialmente quando ele pausou e acrescentou em voz muito baixa, "algumas, mas não todas."
Ele sacudiu a cabeça e sentou-se na cama dela, os dedos ainda segurando o seu queixo. Seu controle já estava perdido, de todo jeito, e ela poderia ter se desvencilhado facilmente. Mas ela não o fez. "Conte-me sobre o seu ataque, Sonora", ele disse numa voz calma. "Deixe-me ajudar você a se curar."
Sonora encarou-o sob a vacilante luz da tocha, e engoliu em seco. E então todo o feio incidente começou a ser extraído dela. Os dois aparecendo da escuridão. Como ela não percebera as intenções deles até o primeiro golpe. Sua dificuldade para se defender, e então a dor, aquela dor horrível.
Ela não tinha percebido que estava chorando até que os dedos dele se movessem mais para cima, para secar as lágrimas. "Você não é culpada, Sonora", ele disse numa voz muito branda, acariciando muito levemente a maçã do rosto dela.
"'Fazer aos outros'," ela repetiu. "Tem que ter sido minha culpa."
Ele balançou a cabeça de novo, o toque de sua mão sendo a única coisa que a impedia de se romper em soluços. "Ódio suficiente pode sobrepor a Regra de Ouro", ele contou a ela, seriamente. "Acredite em mim, aquele tipo de escuridão é bem real e existe em todas as pessoas." Através das lágrimas, ela viu o rosto dele escurecer, e notou que ele pensava em si mesmo.
"Não você", escorregou pelos lábios dela, vendo os olhos dele voltarem a ela. "Você tem sido bom demais para mim para alimentar aquele tipo de ódio".
Foi principalmente tristeza que ela identificou nos olhos dele então. "Você é inocente demais, minha querida", ele disse, a voz agora tornando-se mais grossa.
De algum modo, aquela afeição tinha finalmente fechado as comportas de suas lágrimas. Sonora moveu a cabeça, como que incapaz de conter o primeiro soluço. Ela não chorara desde o dia em que acordara na tenda de Amar, e agora toda a dor e terror e raiva dos dois incidentes atingiram-na em ondas de mágoa.
Ele estava sentado tão próximo, que ela estava mais do que esperando quando ele a abraçou. Ela retribuiu o gesto, mero saco de pele contra o toque dele. Seu corpo tremeu e ela tentou se defender e manter-se calma. Ele puxou-a contra si, hesitante de início, e então, quando ela buscou por conforto nos braços dele, mas confiante. Ele a enlaçou firmemente em seus braços, como se quisesse passar o tremor dela para seu próprio corpo. Sua cabeça abaixou-se até tocar a dela.
E Sonora chorou. Lágrimas atravessavam seus olhos, soluços sacudiam seu corpo e era como se estivesse sendo purificada de toda a dor e medo e confusão que trancara dentro de si desde aquele primeiro soco.
Quando as lágrimas terminaram, ela jazia contra ele em exaustão, sentindo- se tão fraca... E ainda, ao mesmo tempo, ela se sentia bem mais forte do que estivera entre as várias semanas depois do acidente. Seu ataque, ela corrigiu a si mesma, silenciosamente. Ela não podia se esconder desse fato. Severus estava certo.
Ele ainda a abraçava agora, embora desta vez ela estivesse estável e calma. Sonora começou a reconhecer o calor e a sensação de sua pele contra suas mãos e no peito onde ela apertara o rosto, e sentiu-se enrubescer. Ela podia até mesmo sentir o perfume do sabão que ele usara para tomar banho mais cedo. A compreensão da cena a fez ficar arrepiada.
Quando ele percebeu o arrepio dela, Severus se confundiu, pensando que ela estava com frio. Seus braços voltaram ao lugar de antes, soltando-a. Seus olhos escuros estudaram o rosto dela, enquanto ela voltava seus próprios olhos para ele, hesitantemente. Ele franziu a testa ao ver as lágrimas ainda escorrendo pelas maçãs do rosto dela, e ergueu uma mão para secá-las.
Foi quando seus olhos encontraram os dela que aconteceu. Sua mão pareceu congelar ao toque da face dela, e ele sentiu ainda a respiração da mulher contra si. Seus olhos estavam escuros e até parecendo maiores à luz vacilante da tocha, e ela não poderia ter tirado os olhos dele nem se sua vida dependesse disso. Seu coração martelava dentro do peito, e seus lábios partiram instintivamente.
Então ele pareceu respirar muito fundo, guardando o que quer que estivesse pairando no ar entre os dois para dentro de si e longe dela. "Você estará bem muito em breve", ele disse asperamente, recolhendo sua mão e ficando ereto. "É melhor que você durma de novo."
Sonora ficou sentada onde estava, ainda confusa por tudo que acontecera em seu quarto aquela noite enquanto o assistia guardar sua varinha e virar-se para a porta. A luz da tocha escorregou pelas costas dele e ela arrepiou-se de novo ao sinal de inesperados (e atraentes) músculos ali.
"Severus", ela conseguiu dizer antes que ele alcançasse a porta. Ele parou e ela observou-o ficar ligeiramente tenso antes de se virar e olhar para ela de novo. Sonora forçou os olhos a se erguerem para encarar o olhar escuro e agora disfarçado dele. "Obrigada", ela disse calmamente.
Ele sorriu, apenas meramente. "'Fazer aos outros'," ele murmurou. "Durma, Sonora. E não se preocupe com o Feitiço Silenciador." Então ele se virou e deixou o quarto.
Sonora ficou ali sentada ainda por vários minutos, relembrando as palavras dele mentalmente. Seu toque. O que estava acontecendo entre eles, ela se perguntou. Nas últimas semanas, eles lentamente pareceram construir uma harmonia de hábitos. Ela havia esperado mais, na verdade, eles estavam num contato sempre muito próximo e a vida toda ela tentara viver pela Regra. Então seria lógico que Severus sentisse certa amabilidade por ela.
Mas esta... esta proximidade ultrapassara tudo hoje. Ela nunca tinha sentido aquilo na vida, e ela não pensou que deveria creditar à Regra por isso. Ela pensou no olhar severo que ela não era capaz de decifrar, e percebeu que havia ido longe demais dessa vez, muito mais do que quando ela o surpreendera no meio da noite com uma poção curativa. O que isso significava, ela se perguntou de novo.
Sonora franziu a testa e deixou-se cair sobre os travesseiros de novo. Era tudo muito confuso, especialmente quando alguém passa a maior parte da sua vida sozinho. Ela desejou ter alguém que pudesse consultar, para poder pedir algum conselho. Mas não havia realmente ninguém em sua vida para preencher essa posição, ninguém em quem ela confiasse tanto. Dumbledore, talvez, mas ela não podia se imaginar indo pedir conselhos a ele sobre o modo como Severus estava olhando para ela.
Sonora fechou os olhos. Ela precisava dormir, e pensaria nisso só de manhã. Talvez ela tivesse sorte e tudo se clarearia com a luz do dia.
O coração de Severus estava martelando em suas orelhas e suas mãos tremiam quando ele se largou no quarto. Quando ele ouvira o grito, ele temera o pior, que talvez Sonora estivesse sendo atacada de novo. Ele não havia pensado, simplesmente sacara a varinha e irrompera dentro do quarto dela.
Em lugar de algum atacante em quem ele pudesse lançar o Estuporante ou enfeitiçá-lo de qualquer maneira, ele apenas encontrara Sonora, entrelaçada em suas roupas de dormir, uma camisola de seda jogada sobre o corpo e os olhos arregalados e selvagemente aterrorizados. Apenas a expressão nos olhos dela foi capaz de sobrepor todas as prevenções e os auto avisos que seu corpo e cérebro mandavam para ele. Ele não poderia deixá-la daquele modo.
Severus caiu na cama e fechou os olhos. Ele era escória, não merecia aquelas belas mãos sobre sua pele, ele pensou com repugnância, lembrando da Marca Negra. Ela estivera soluçando contra o seu peito, e a mente dele estivera ocupada com o modo como ela encostava nele, como o calor de seu corpo frágil passava através do fino tecido da camisola, como sua pele era macia e como ela reluzia sobre a luz daquela tocha.
E ele deveria ter sabido que não poderia ter tentado secar as lágrimas da mulher, entregar essa sua péssima fraqueza a ela. Mas ele o fizera, e então ela olhara para ele, com aqueles olhos escuros e doces e ligeiramente espantados, e ele observara enquanto eles preenchiam com uma estranha e desconhecida consciência que quase fizera o coração dele parar de bater. Ele grunhiu. Estava impressionado por ter conseguido sair do quarto dela sem pressionar aqueles lábios macios contra os seus próprios e por tentar limpar sua alma dela.
A pior parte na verdade era que ele não podia culpar completamente a Regra de Ouro. Isso certamente explicava como Sonora ganhara tantas pessoas naquela velocidade, mas essa súbita necessidade que ele sentia por ela...
Precisava ficar mais forte, ele pensou, arrumando o travesseiro numa tentativa de um ilusório sono. Ele precisava encontrar um equilíbrio, onde ele a protegesse sem a colocar em risco. Severus suspirou. E para fazer isso, ele teria que manter suas mãos longe dela. De algum jeito.
N/A – Obrigada a todos que foram gentis a ponto de comentarem essa fic! Eles são imensamente encorajadores. Por favor, continuem mandando!
Capítulo Oito – Pesadelos
Sonora estava exausta quando fechou a porta para seus aposentos e mal pôde tirar suas vestes e colocar sua roupa de dormir antes de cair com tudo na cama e pegar no sono. Ela se esquecera totalmente da Poção Para Dormir Sem Sonhar de Madame Pomfrey quando repousou a cabeça no travesseiro. Ela estava simplesmente cansada demais.
Em seus sonhos, ela se descobriu sugada de volta para a armadilha de seus agora familiares pesadelos. Dois homens, rostos de ódio e fúria, pulsos e pés e varinhas voando. E ela gritou de dor quando um deles despedaçou os ossos de sua perna, enquanto outro segurava seus braços.
E então desta vez, algo diferente aconteceu. No misto de dor, de terror, de desamparo, ela ouviu uma risada sombria chegando de longe, uma que a fez tremer de pavor e congelar os gritos em sua garganta.
"Breve", a voz sussurrou. "Muito em breve". E então um dos homens atacou-a de novo, fazendo-a soltar novamente os gritos que haviam estado congelados há pouco, e então a voz gargalhou de novo.
Severus jazia tenso na cama, incapaz de dormir. Durante o tempo em que voltavam do escritório do diretor, a face de Sonora estivera quase cinzenta com a fadiga e o cansaço, lembrando-o do primeiro dia em que a vira, curvada de dor e exaustão depois de tudo que acontecera a ela.
Ele rolou na cama até ficar de bruços, esperando por um sono que nunca chegava. Quando ele conseguira deixá-la em seus aposentos, ela estivera até bem exceto pela oscilação de seu pé, e ele ficara por um bom tempo contemplando a porta fechada, tentando ouvir qualquer coisa que indicasse que ela estava em segurança na cama. Ele não estava certo se ela apreciaria o gesto, mas ele estivera mais do que pronto para colocá-la na cama ele mesmo.
Severus virou-se de costas de novo e jogou um braço sobre a testa. Pro inferno com tudo isso. Ele estava perto demais do limite com ela, perto demais de perder o pouco controle que ainda lhe restava. E a última coisa que ele queria era sobrecarregar uma alma pura como a de Sonora com sua própria escuridão. Ele sorriu severamente. Com aquilo, ele estava assumindo de fato que a queria para ele.
Sua mente devaneou um pouco, lembrando-se de como ela se segurara a ele na ala hospitalar, e como ela se esforçara para surpreender seus olhos sem aquele brilho de tristeza sobre ela. Se ele chegara a enviar sinais na direção dela, esses sinais haviam lhe dado certa esperança. Mesmo que fosse... Ele grunhiu de novo, enterrando o rosto num travesseiro. Mesmo que fosse, aquilo só servia para torturá-lo ainda mais.
Então ele ouviu um agudo e tênue grito de dor.
Sonora foi obrigada a acordar por um estampido e acordou de novo com os ecos de seus gritos pelo quarto.
"Iluminate!", uma voz familiar comandou asperamente, e uma das tochas se acendeu. Soluçando e com o coração batendo muito depressa, Sonora olhou em volta para ver Severus vindo a passos largos na sua direção, varinha em punho.
"O que foi isso? Você está bem?", ele demandou, chegando mais perto da cama dela.
Confusa, Sonora se obrigou a sentar e balançou a cabeça. "Severus? Eu... O que você está fazendo aqui?"
Ele ficou parado, ainda tenso e como que pronto pra atacar. "Eu ouvi você gritando", ele disse.
Sonora fechou os olhos em humilhada percepção. "Eu esqueci o Feitiço Silenciador", ela disse em voz baixa. Forçou-se então a olhar para ele de novo. "Me desculpe, de verdade. Eu só estava tão cansada, que esqueci..."
Severus franziu a testa, mas seu rosto pareceu relaxar um pouco. Tarde demais, Sonora percebeu que ele estava apenas parcialmente vestido, vestindo algo que parecia alguma espécie de calça de dormir e o tórax nu. Céus, ela pensou, enrubescendo.
"Você está tendo pesadelos?", ele disse, numa voz mais calma.
Sonora voltou sua atenção para a coberta. "Sim, mas me desculpe por te incomodar", ela tentou de novo. "Eu estou mesmo bem, você não precisa se preocupar comigo."
Houve um resmungo e ela ergueu os olhos para ver Severus colocando a varinha em sua mesa de cabeceira, antes de dar outro largo passo na direção dela e inclinando-se ligeiramente sobre ela. Ele esticou um pouco o braço e ergueu o queixo dela com uma mão, forçando-a a olhar pra ele. "Há quanto tempo?" demandou ele.
Sonora sentiu um jorro de uma raiva irracional e irritada. "Não é da sua conta", ela retrucou, tentando soltar seu rosto, mas ele a segurou com mais firmeza.
Ele bufou, novamente. "Mulher, alguém precisa tomar conta de você, já que você está se revelando incapaz de fazer isso por si mesma". O rosto dele parecia ainda mais feroz à luz de apenas uma tocha. "Há quanto tempo você está tendo pesadelos?"
"Desde o... acidente", ela se descobriu admitindo. E odiou-se por parecer tão insegura, tão fraca. Ela desprezava esse tipo de sentimento.
Os dedos dele a apertaram mais. "O tempo todo?", ele disse, soando raivoso. "E você não fez nada?"
Sonora fez uma careta para ele. "São apenas sonhos", sibilou de volta. E sem querer lembrou-se da voz do pesadelo daquela noite. Aquilo não parecera como um mero sonho.
Severus encarou-a, o rosto sério e os olhos opacos. "Talvez não tenha prestado atenção no que você mesma ensina", ele rosnou. "Sonhos indicam o estado de mente e saúde de uma pessoa. Sem dúvida você demorou tanto para se curar, se você não tentava lidar com seus sonhos."
Seus olhos voltaram àquele costumeiro ar severo, e Sonora sentiu-se ruborizar sob seus dedos. "Você precisa me contar sobre o ataque", ele disse. E ela sentiu o rubor esvaecer-se e o sangue fugir da sua face.
"Eu certamente não vou", ela sibilou, de novo lutando contra a força dele e tentando desviar seu olhar. Mas ele era forte demais e ela ainda estava muito fraca e cansada.
"Sim, você vai", ele insistiu. "E eu não vou deixá-la até que você o faça."
Os olhos de Sonora moveram-se depressa na direção dele, e o encarou, surpresa e desamparada. Ela não queria falar sobre isso, não agora, nunca. Ela queria esquecer todo o horrível episódio que houvera, esquecer que alguém sentira aquele tipo de ódio por ela.
Ela não percebera que tinha falado aquilo em voz baixa, até ver o rosto dele suavizar. "Há muito ódio neste mundo, Sonora", a voz severamente gentil. "Desculpe por algum dele ter se virado contra você."
"Eu... Ninguém nunca antes...", ela se descobriu deixando escapar. "Quero dizer... Eu pratiquei a Regra de Ouro desde que sou criança e..."
Para sua surpresa, ela o viu sorrir um pouco tristemente. "A Regra de Ouro, huh?", ele disse. "Isso explica algumas coisas." Sonora não entendeu o que estava querendo dizer, especialmente quando ele pausou e acrescentou em voz muito baixa, "algumas, mas não todas."
Ele sacudiu a cabeça e sentou-se na cama dela, os dedos ainda segurando o seu queixo. Seu controle já estava perdido, de todo jeito, e ela poderia ter se desvencilhado facilmente. Mas ela não o fez. "Conte-me sobre o seu ataque, Sonora", ele disse numa voz calma. "Deixe-me ajudar você a se curar."
Sonora encarou-o sob a vacilante luz da tocha, e engoliu em seco. E então todo o feio incidente começou a ser extraído dela. Os dois aparecendo da escuridão. Como ela não percebera as intenções deles até o primeiro golpe. Sua dificuldade para se defender, e então a dor, aquela dor horrível.
Ela não tinha percebido que estava chorando até que os dedos dele se movessem mais para cima, para secar as lágrimas. "Você não é culpada, Sonora", ele disse numa voz muito branda, acariciando muito levemente a maçã do rosto dela.
"'Fazer aos outros'," ela repetiu. "Tem que ter sido minha culpa."
Ele balançou a cabeça de novo, o toque de sua mão sendo a única coisa que a impedia de se romper em soluços. "Ódio suficiente pode sobrepor a Regra de Ouro", ele contou a ela, seriamente. "Acredite em mim, aquele tipo de escuridão é bem real e existe em todas as pessoas." Através das lágrimas, ela viu o rosto dele escurecer, e notou que ele pensava em si mesmo.
"Não você", escorregou pelos lábios dela, vendo os olhos dele voltarem a ela. "Você tem sido bom demais para mim para alimentar aquele tipo de ódio".
Foi principalmente tristeza que ela identificou nos olhos dele então. "Você é inocente demais, minha querida", ele disse, a voz agora tornando-se mais grossa.
De algum modo, aquela afeição tinha finalmente fechado as comportas de suas lágrimas. Sonora moveu a cabeça, como que incapaz de conter o primeiro soluço. Ela não chorara desde o dia em que acordara na tenda de Amar, e agora toda a dor e terror e raiva dos dois incidentes atingiram-na em ondas de mágoa.
Ele estava sentado tão próximo, que ela estava mais do que esperando quando ele a abraçou. Ela retribuiu o gesto, mero saco de pele contra o toque dele. Seu corpo tremeu e ela tentou se defender e manter-se calma. Ele puxou-a contra si, hesitante de início, e então, quando ela buscou por conforto nos braços dele, mas confiante. Ele a enlaçou firmemente em seus braços, como se quisesse passar o tremor dela para seu próprio corpo. Sua cabeça abaixou-se até tocar a dela.
E Sonora chorou. Lágrimas atravessavam seus olhos, soluços sacudiam seu corpo e era como se estivesse sendo purificada de toda a dor e medo e confusão que trancara dentro de si desde aquele primeiro soco.
Quando as lágrimas terminaram, ela jazia contra ele em exaustão, sentindo- se tão fraca... E ainda, ao mesmo tempo, ela se sentia bem mais forte do que estivera entre as várias semanas depois do acidente. Seu ataque, ela corrigiu a si mesma, silenciosamente. Ela não podia se esconder desse fato. Severus estava certo.
Ele ainda a abraçava agora, embora desta vez ela estivesse estável e calma. Sonora começou a reconhecer o calor e a sensação de sua pele contra suas mãos e no peito onde ela apertara o rosto, e sentiu-se enrubescer. Ela podia até mesmo sentir o perfume do sabão que ele usara para tomar banho mais cedo. A compreensão da cena a fez ficar arrepiada.
Quando ele percebeu o arrepio dela, Severus se confundiu, pensando que ela estava com frio. Seus braços voltaram ao lugar de antes, soltando-a. Seus olhos escuros estudaram o rosto dela, enquanto ela voltava seus próprios olhos para ele, hesitantemente. Ele franziu a testa ao ver as lágrimas ainda escorrendo pelas maçãs do rosto dela, e ergueu uma mão para secá-las.
Foi quando seus olhos encontraram os dela que aconteceu. Sua mão pareceu congelar ao toque da face dela, e ele sentiu ainda a respiração da mulher contra si. Seus olhos estavam escuros e até parecendo maiores à luz vacilante da tocha, e ela não poderia ter tirado os olhos dele nem se sua vida dependesse disso. Seu coração martelava dentro do peito, e seus lábios partiram instintivamente.
Então ele pareceu respirar muito fundo, guardando o que quer que estivesse pairando no ar entre os dois para dentro de si e longe dela. "Você estará bem muito em breve", ele disse asperamente, recolhendo sua mão e ficando ereto. "É melhor que você durma de novo."
Sonora ficou sentada onde estava, ainda confusa por tudo que acontecera em seu quarto aquela noite enquanto o assistia guardar sua varinha e virar-se para a porta. A luz da tocha escorregou pelas costas dele e ela arrepiou-se de novo ao sinal de inesperados (e atraentes) músculos ali.
"Severus", ela conseguiu dizer antes que ele alcançasse a porta. Ele parou e ela observou-o ficar ligeiramente tenso antes de se virar e olhar para ela de novo. Sonora forçou os olhos a se erguerem para encarar o olhar escuro e agora disfarçado dele. "Obrigada", ela disse calmamente.
Ele sorriu, apenas meramente. "'Fazer aos outros'," ele murmurou. "Durma, Sonora. E não se preocupe com o Feitiço Silenciador." Então ele se virou e deixou o quarto.
Sonora ficou ali sentada ainda por vários minutos, relembrando as palavras dele mentalmente. Seu toque. O que estava acontecendo entre eles, ela se perguntou. Nas últimas semanas, eles lentamente pareceram construir uma harmonia de hábitos. Ela havia esperado mais, na verdade, eles estavam num contato sempre muito próximo e a vida toda ela tentara viver pela Regra. Então seria lógico que Severus sentisse certa amabilidade por ela.
Mas esta... esta proximidade ultrapassara tudo hoje. Ela nunca tinha sentido aquilo na vida, e ela não pensou que deveria creditar à Regra por isso. Ela pensou no olhar severo que ela não era capaz de decifrar, e percebeu que havia ido longe demais dessa vez, muito mais do que quando ela o surpreendera no meio da noite com uma poção curativa. O que isso significava, ela se perguntou de novo.
Sonora franziu a testa e deixou-se cair sobre os travesseiros de novo. Era tudo muito confuso, especialmente quando alguém passa a maior parte da sua vida sozinho. Ela desejou ter alguém que pudesse consultar, para poder pedir algum conselho. Mas não havia realmente ninguém em sua vida para preencher essa posição, ninguém em quem ela confiasse tanto. Dumbledore, talvez, mas ela não podia se imaginar indo pedir conselhos a ele sobre o modo como Severus estava olhando para ela.
Sonora fechou os olhos. Ela precisava dormir, e pensaria nisso só de manhã. Talvez ela tivesse sorte e tudo se clarearia com a luz do dia.
O coração de Severus estava martelando em suas orelhas e suas mãos tremiam quando ele se largou no quarto. Quando ele ouvira o grito, ele temera o pior, que talvez Sonora estivesse sendo atacada de novo. Ele não havia pensado, simplesmente sacara a varinha e irrompera dentro do quarto dela.
Em lugar de algum atacante em quem ele pudesse lançar o Estuporante ou enfeitiçá-lo de qualquer maneira, ele apenas encontrara Sonora, entrelaçada em suas roupas de dormir, uma camisola de seda jogada sobre o corpo e os olhos arregalados e selvagemente aterrorizados. Apenas a expressão nos olhos dela foi capaz de sobrepor todas as prevenções e os auto avisos que seu corpo e cérebro mandavam para ele. Ele não poderia deixá-la daquele modo.
Severus caiu na cama e fechou os olhos. Ele era escória, não merecia aquelas belas mãos sobre sua pele, ele pensou com repugnância, lembrando da Marca Negra. Ela estivera soluçando contra o seu peito, e a mente dele estivera ocupada com o modo como ela encostava nele, como o calor de seu corpo frágil passava através do fino tecido da camisola, como sua pele era macia e como ela reluzia sobre a luz daquela tocha.
E ele deveria ter sabido que não poderia ter tentado secar as lágrimas da mulher, entregar essa sua péssima fraqueza a ela. Mas ele o fizera, e então ela olhara para ele, com aqueles olhos escuros e doces e ligeiramente espantados, e ele observara enquanto eles preenchiam com uma estranha e desconhecida consciência que quase fizera o coração dele parar de bater. Ele grunhiu. Estava impressionado por ter conseguido sair do quarto dela sem pressionar aqueles lábios macios contra os seus próprios e por tentar limpar sua alma dela.
A pior parte na verdade era que ele não podia culpar completamente a Regra de Ouro. Isso certamente explicava como Sonora ganhara tantas pessoas naquela velocidade, mas essa súbita necessidade que ele sentia por ela...
Precisava ficar mais forte, ele pensou, arrumando o travesseiro numa tentativa de um ilusório sono. Ele precisava encontrar um equilíbrio, onde ele a protegesse sem a colocar em risco. Severus suspirou. E para fazer isso, ele teria que manter suas mãos longe dela. De algum jeito.
