Rede – Emaranhados de uma vida.

Capítulo 02 – Angústia

Escuridão. Era tudo que Yuki podia perceber ao seu redor. Um breu enorme que parecia eterno. Tudo parecia defasado. Um eterno vazio. Suas forças haviam se esvaído até a última gota e agora, aquela escuridão parecia se apossar do seu corpo inepto. Foram os minutos mais longos de sua existência. Sua mente parecia atordoada. Ele só não imaginava que aquele breu se desfaria, em parte, para dar origem a pequena garota. Os mesmos olhos vazios, o mesmo cabelo preso em uma única mecha. As mesmas roupas negras e cintilantes.

Yuki já podia sentir sua espinha congelando quando foi surpreso por um inesperado bem-estar. Algo estava diferente. A menina era a mesma, com certeza, porém as sensações haviam mudado. A Ânsia havia dado lugar a uma paz inquieta. Seu coração parecia acalentado em um peito morno, ao mesmo tempo em que seus olhos já haviam se acostumado com a escuridão e navegavam sem esforço pelo mar negro à sua frente.

- Quem é você afinal? – bradou o rapaz buscando alguma revolta naquele semblante de paz.

- Eu? Quem é você Yuki? Por Quê está aqui?- balbuciou a garota com os olhos mais vagos e lânguidos que poderia se imaginar.

Ela jazia imóvel, a alguns metros de distância de Yuki. Seu semblante era quase etéreo. O rapaz, perplexo com a retórica, apenas fazia observá-la. Buscava saber o que havia mudado daquele ser que antes era inevitavelmente constrangedor e inóspito, e que agora parecia uma simples garota. Seus cabelos agora ganhavam um leve movimento, e seus olhos, apesar de continuarem vazios, traziam uma atenção real voltada a ele. Pela primeira vez eles pareciam observar ele, e não através dele. Era a terceira vez que via aquela menina. Porém ela parecia tê-lo visto muitas outras vezes.

- Já achou suas respostas... Yuki? – Falou a menina enfatizando o nome do rapaz.

- Eu? Sou apenas mais um garoto ginasial. Como muitos.

- Verdade? Você gosta da sua vida... Yuki?

O rapaz calou-se. O semblante da garota, que antes era sincero e apático, havia se transformado durante as últimas perguntas, e traziam consigo um sorriso sarcástico. Ela estava realmente o enlouquecendo. O que ele iria dizer? Mentir? Dizer que sua vida era ótima? Por alguns instantes essa opção fez-se convidativa, mas algo lhe dizia que ela saberia que era uma mentira.

- Não é das melhores – Murmurou o rapaz cabisbaixo – Mas você está destruindo o que ainda tenho dela.

- Eu? E por que acha isso? - Retrucou a garota, cada vez mais sarcástica – Será minha presença ou a falta de certas presenças que fazem de sua vida algo tão tedioso?

Mais uma vez ela estava certa. O aparecimento desse Deus tem sido a única coisa que ainda o mantém coerente. Ou incoerente. O fato é que ele está sempre só. Sua família desmorona um pouco mais a cada dia e seus relacionamentos não são mais do que dividir uma sala de aula com vários outros adolescentes. A verdade é que a falta de carinho e de amizades faziam a vida dele parecer tão cinza. Se aquela garota fosse realmente o que os registros dizem que ela é, possivelmente já saberia disso. Ela realmente sabia disso. Fizera a pergunta planejando todos esses pensamentos. Yuki havia caído como um peixe na rede.

Quantas vezes em seus sonhos ou na Wired ele afirmou com veemência que seu mundo era muito melhor do que aquela baboseira virtual que mais parecia uma religião de seguidores mortos. Seguidores insanos. Um Deus fictício. E agora, que estava frente-a-frente com tal Deus, seu mundo não parecia tão bom.

- Você está conectado e sabe disso. Mas o que conhece sobre essa conexão... Yuki? Você a teme não é mesmo? O que teme tanto perder?

Mais uma vez Yuki ficou mudo. O que ele podia perder? Já não tinha amigos. Já não tinha seus pais. Já era sozinho e triste na maioria de seu tempo. Realmente não tinha o que perder. Mais ainda sim, não desejava deixar aquela existência para seguir uma verdade baseada em um Deus que não passa de uma menina louca. Algo ainda faltava para que ele pudesse aceitar tudo isso. Só não conseguia entender o que.

- Quer ver o que perdeu?

- Como? Você...

Mal Yuki conseguiu proferir a última frase e o breu tomou tons de variadas cores, ora fortes, ora opacas, machucaram sua visão, confundiram seu sistema nervoso e por fim o fizeram cair novamente inconsciente.

Nada demorou para seus olhos abrirem novamente. Logo percebeu que estava em um lugar conhecido. Era a sala de sua casa. O sol caía tardio, deixando apenas uma mancha laranja transpassar pela janela. Seu pai estava ao sofá, sentado, lendo seu jornal diário. Sua mãe cozinhava com carinho o jantar. E Yuki, uma criança de pouco mais que cinco anos, brincava alegre com um outro menino. Era estranho. O garoto com o qual Yuki brincava tinha o rosto recoberto por uma estranha sombra, que impedia de vê-lo. Ele deveria ter ano menos do que o pequeno Yuki. A cena foi quebrada pela mãe que chamava a família à mesa. Alegre como jamais Yuki havia visto, seu pai ergueu os dois ao ombro e os levou a mesa enquanto os dois sorriam com a brincadeira do pai. Parecia uma família feliz. O verdadeiro Yuki, ao ver tudo isso sentiu um aperto ao peito, e uma lágrima a cair-lhe pelo rosto.

Não demorou mais do que alguns minutos para a cena desfazer-se e dar origem a uma outra. Uma muito mais triste. Yuki ainda tentava se situar quando percebeu sua mãe. Chorando incessantemente sobre um retrato quebrado. Seu pai permanecia de pé, ao lado dela. Ambos trajavam negro da cabeça aos pés. As lágrimas caiam sem precedentes de ambas as faces. Foi então, só naquela hora que Yuki lembrou-se. O menino... Era seu irmão menor. Ele morrera antes de completar quatro anos. Caíra doente da noite para o dia e não resistiu a febre altíssima que o perturbava. Novamente Yuki viu seu rosto ser irrigado pelas lágrimas que insistiam em cair. Ele sabia qual era o retrato sobre o qual sua mãe chorava. Era o único retrato de família que ainda restava em sua casa atual. Nele estavam gravados os dias felizes que se foram naquela noite. Ele, seu irmão, seu pai e sua querida mãe. Os quatro formavam o retrato de uma família que não durou muito. A essa altura as lágrimas já haviam secado e no peito de Yuki permanecia simplesmente o vazio que o seguiu desde aquela noite. Ele mal se lembrava de seu pequeno irmão, mas lembrava-se perfeitamente dos muitos dias após o falecimento em que sua mãe passara chorando e que seu pai não chegava em casa antes das quatro da madrugada. Doía, porém com essa dor já estava acostumado.

-Maldita seja essa garota!- Murmurou Yuki por entre seus dentes – Por que me lembrar do que perdi se nunca poderei reaver?

- Talvez para que você se lembre que sua existência física só lhe deixará ainda mais ligado a essas perdas.

Lain! Esse é seu nome não é mesmo? Diga! Você é Lain? Você é mesmo um Deus? Pois eu Duvido. Sei sobre você. Pesquisei Tudo sobre você! Devo admitir que apesar desse nome não acreditei que fosse uma menina. Eu desejei te conhecer para saber a verdade. Mas não a verdade sobre mim... A verdade sobre Você! Maldita seja a hora em que me envolvi em tudo isso. Você é uma Deus sem seguidores! Você não existe. É somente um mito! Ninguém se lembra de você. Você é apenas um detrito de informações soltas pela Wired.

- Talvez. Pense como um mito virtual pode afetar sua realidade. Pense. Pense no que tem a perder. Pense, e venha o quanto antes para cá... Todos estamos conectados. Você pode se libertar se você quiser.

Não demorou muito para que a voz da menina se desfizesse junto com todas as cenas e visões que Yuki presenciou. Tudo girou e descoloriu em uma velocidade impressionante. A mente de Yuki parecia muito confusa, seus olhos pesados e seu corpo dolorido.

Yuki abriu os olhos. Estava em seu quarto. Jazia deitado em sua cama mal arrumada. Seu Navi estava ligado e refletindo no negro da televisão desligada. Ele não tinha vontade de erguer-se. Teria tudo aquilo sido um sonho? Seu pai, dormindo na sala. A garota na Tv. A mesma menina na sua Sala... Lain! Era ela. O mito da Wired. Teria tudo aquilo sido mentira? Aquelas visões. Aquela frase... Tudo tinha sido tão real... Até mesmo o sabor da cerveja choca ainda permanecia em seus lábios. Assim como as dores da última revoada de cores ainda se faziam presente. O que teria sido tudo aquilo?

- Yuki, Você tem uma mensagem - Os pensamentos do rapaz foram interrompidos pela voz digital de seu computador.

Ele nunca esteve tão receoso sobre levantar-se e simplesmente ler um e-mail.

Mesmo nos últimos tempos quando buscou incessantemente toda a verdade por trás daquela profecia. Lain. Mesmo quando procurou saber quem era aquele deus esquecido. Por algum motivo ninguém a conhecia na Wired. Apenas seu nome permanecia gravado em alguns arquivos. Era impressionante que somente ele tivesse conhecimento daquela profecia, mesmo quando o nome Lain estivesse por trás do mito mais famoso da Wired.

- Se ela é tão famosa como um hacker, por que ninguém sabe nada sobre ela? Por que todos os seus registros são através de dados e nunca através de pessoas? Por que todos ouvem falar, mas ninguém se lembra dela?

Um Deus.

-Seria verdade?

"Todos estamos conectados". Essa frase nunca o assustou tanto.

Bem, adoraria que me dissessem o que estão achando. Fiquei decepcionada ao reescrever esse capítulo. ele me soou muito corrido. Bem... vamos ver como me saio..