N/A: Eu sei que esse capítulo demorou demais, mas ele era particularmente especial, afinal é o último dia. Não que seja realmente o final. Ainda tem o epílogo e muita coisa ainda pode acontecer (se será bom ou ruim, eu não vou contar). Eu ia agradecer a cada uma das reviews pessoalmente, mas achei melhor postar logo o capítulo e amenizar as ameaças de morte que venho recebendo todo dia. Contudo, antes de parar de falar e deixar vocês lerem, preciso esclarecer uma dúvida que surgiu: os Weasleys estão sim procurando pela Ginny. O barulho na janela dos fundos há alguns dias (não me pergunte quantos...) era de fato o trabalho do Ministério atrás dela.



-Que barulho foi esse? – perguntou Ginny, sua fala enrolada pois Draco ainda a beijava.

-Eu não ouvi nada. – ele resmungou, não deixando nada os interromper.

Ginny se deu por vencida, mas por apenas alguns minutos mais. Agora não havia como negar: algo havia estourado.

-Posso convencê-la a checarmos isso depois? – perguntou Draco, esperançoso. O olhar da ruiva deu a resposta já esperada. – É, achei que não.

Draco a soltou e se levantou com pesar. Ginny o lembrou de pegar a tipóia antes. Seguiram para o lado de fora do quarto com cautela, sem saber exatamente o que os esperava. Certamente nenhum dos dois podia imaginar tal cena: água jorrava para todos os lados. Ao que tudo indicava, a pia havia estourado e a cozinha estava sendo alagada com uma velocidade fora do normal.

-Faz isso parar! – exclamou Ginny, completamente encharcada, assim como o loiro.

-Você ainda não aprendeu que não podemos fazer magia? – esbravejou ele, irritado com a situação.

-Faça da maneira trouxa! Como um... como é o nome mesmo? Encadores! – ela havia ouvido seu pai falar deles diversas vezes.

-Um o quê?! Ginevra, a água não está te fazendo bem... Por sinal, você fica linda molhada. – falou com um toque de malícia.

-Draco, não é hora para isso! – ela deu-lhe um tapa de leve e corou. - Esqueça o nome. Tem que ter algo para fazer a água parar de sair! Talvez... – ela parou um pouco pensando – aqui! – ela abriu as portas do armário embaixo da pia.

Como Draco já havia descoberto alguns dias antes, o armário tinha, ao fundo, diversos ingredientes para poções. Alguns dos quais Ginny só podia imaginar para que serviam. Mexendo com cuidado, ela foi capaz de encontrar em um local quase que remoto uma válvula. A ruiva, contudo, não conseguia alcançá-la: o compartimento certamente deveria ter sido aumentado magicamente para caber aquilo tudo, e mesmo se esticando ao máximo, seus dedos só raspavam de leve nas pontas da válvula.

-Tem algo aqui. – falou ela, colocando a cabeça para o lado de fora do armário e tentando olhar para Draco apesar da água que agora caía em seu rosto. – Veja se você consegue alcançar.

O rapaz se abaixou ao lado dela, e, astutamente, antes de tentar fechar a válvula já avistada, deu-lhe um beijo. Não ia se conter tendo-a ali tão perto e completamente ensopada. Nem mesmo em sonho seria capaz de resistir àquilo. Quanto a Ginny, ela não pareceu se importar com a audácia dele. E nada fez quando ele se voltou para dentro do armário para tentar cumprir a tarefa.

Ele, sendo maior que a moça, conseguiu alcançar a válvula. Fechá-la, contudo era mais complicado: ela parecia estar emperrada.

-Conseguiu? – perguntou Ginny, após alguns minutos.

-Consegui. A água que está caindo agora é chuva. – respondeu, sarcástico e frustrado.

-Quer que eu tente de novo? – perguntou ela, escolhendo ignorar o comentário.

-Você não alcança. Como planeja virar? – ele havia sentado no chão e desistido momentaneamente.

-Me dê um empurrãozinho.Eu estava quase lá.

-Por favor, me diga que você está brincando... Além do mais, é muito duro. Você está com a mão machucada. Deixe que eu consigo. – dito isso, voltou a tentar.

Poderia até ajudá-la como Ginny havia pedido, mas apesar de nunca admitir isso em voz alta, receava o que aconteceria se ela conseguisse e ele não. Demorou ainda alguns minutos, mas a válvula finalmente cedeu e a água parou de jorrar da torneira.

-Finalmente! – exclamou Draco. – Agora olhe o nojeira que está isso aqui! – falou, com desgosto.

Com a situação sob controle, ele teve tempo de reparar nos estragos. O chão, dado o seu dono, não era dos mais limpos e agora se encontrava enlameado, assim como os dois que tiveram que sentar para fechar a válvula. As paredes e o teto estavam encharcados e como o espaço era pequeno, até a sala ficara molhada. Ele olhou para Ginny, que lhe parecia alheia àquilo tudo. Antes que ele pudesse lhe pedir por uma confirmação do que reclamava, a moça começou a rir descontroladamente.

-Do que você está rindo? – perguntou irritado.

-Eu... daqui... você... – era impossível distinguir o que ela dizia. Ginny ria tanto que mal conseguia respirar.

-Agora você está começando a me assustar... – disse em um tom de sarcasmo que escondia seu desconcerto com a cena.

-Nós destruímos o lugar! – falou, finalmente conseguindo puxar o ar para tal tarefa, mas sendo vencida pelas gargalhadas imediatamente depois.

-Riso nervoso? Por que isso não me surpreende? – Draco falava mais para si do que para ela. – Respira, Ginevra, você está começando a ficar azul. – ele havia exagerado um pouco, mas a coloração no rosto de Ginny não era muito normal.

-Isso é um desastre! Nós destruímos tudo! – ela tentava voltar ao controle, mas ainda estava ofegante.

-Eu não explodi a pia. E você também tem um bom álibi.

-Vamos, nós temos que limpar isso aqui. – finalmente ela teve forças para ficar de pé.

-Não podemos pegar toda a comida que ainda não foi danificada de alguma forma, levar para o quarto e só sairmos de lá quando formos destrancados? – perguntou Draco. Faxina não era seu hobbie favorito, especialmente fazê-la para outra pessoa.

-E o que diremos para o Sr. Borgin?

-Você viu o estado da casa dele. Ele nem deve perceber. Sem contar que o trabalho que ele vai ter certamente não será manual. E duvido que tenhamos o material necessário para a tarefa. Deixe pra lá, Ginevra.

-É, acho que você tem razão. – concordou ela, tirando uma mecha de cabelo que caía em seus olhos.

-Você não fica mais brava quando eu a chamo dessa forma? – perguntou Draco, curioso sobre a reação indiferente dela à menção do nome.

-Eu ainda odeio. Mas quanto mais pedir para você parar, mais você vai se dirigir a mim dessa forma. – concluiu.

-Não gosto de "Ginny". Faz parecer que você é um bebê. O que claramente não é verdade. – seus olhos percorreram todo o corpo dela, com um desejo inconsciente.

-Pára com isso! – ordenou a ruiva se encolhendo, sem, contudo conter um sorriso.

Pela primeira vez, Ginny via Draco corar. Obviamente ele havia acabado de perceber o que fazia, surpreendendo a ambos que jamais imaginavam que ele faria aquilo inocentemente. A mudança de comportamento era estranha para ele. Nos últimos seis dias havia feito diversas coisas com as quais não poderia nem sonhar, mas ficar intimidado e desconcertado com uma garota estava simplesmente fora de escala. Draco resolveu então adotar novamente a sua postura natural e se aproximou de Ginny com seu olhar característico, querendo retomar o ponto de onde pararam antes do desastre da torneira.

-Você precisa de um banho gelado, Draco. Antes que eu faça de você uma estrela cadente.

Por ora, o loiro resolveu não insistir e, achou melhor escutar o que ela dizia. Afinal, seu estado físico era realmente algo deprimente. Seguiu para o banheiro e deixou-a para trás, perdida em pensamentos.

Era exatamente por esse motivo que Ginny odiava ficar sozinha: abria muito espaço para devaneios. Enquanto Draco estava no banho, ela ficou imaginando o que sua família estaria fazendo, como eles estariam se sentindo, até que começou a pensar no que aconteceria quando tivesse sua liberdade de volta. Esse assunto já havia habitado sua mente antes e a conclusão a que ela chegou foi que ela e Draco simplesmente perderiam contato. A ruiva negou essa idéia por alguns momentos, mas agora ela voltava com força e ela não conseguia chegar a nenhuma nova conclusão. Não haveria nenhum problema se ela não estivesse tão envolvida com ele. Mas essa não era a realidade. Negaria até a morte, mas o fato era que Ginny começava a se apaixonar. E isso a assustava mais do que tudo.

-Ginevra? – Draco chamou por ela, trazendo-a de volta à realidade. – Eu terminei, você pode ir se quiser. Precisa de roupas secas?

Ela aceitou a oferta e seguiu para o banho. Quando saiu, Draco estava sentado na cama lendo um livro.

-Aí está uma cena impagável! – disse, sarcástica. – O que é isso?

-Uma caneca, Ginevra.

-Estou falando sério. – falou com impaciência, terminando de pentear o cabelo e sentando-se ao lado dele.

-Um livro que encontrei no armário. Arte das Trevas. Coisa de principiante. Nada demais. – comentou, com naturalidade, deixando o livro de lado. - Está com fome?

-Para falar a verdade, não... Acho que ficar trancada está me fazendo perder o apetite. – isso só era metade da verdade. Os pensamentos de antes ainda a assombravam, e eram suficientes para embrulhar seu estômago. – Estou apenas... cansada. – mais uma vez, ela mentia. Só queria evitar uma situação que ela não era capaz de controlar.

-É, acho que sei como se sente. – ele também estava confuso com a forma que vinha agindo.

O que se seguiu foi um momento desconfortável. Nenhum dos dois sabia o que fazer. Demorou para eles chegarem a um acordo não declarado, apagarem as luzes e deitarem. Primeiro, ficaram afastados. E eles permaneceram assim até que acidentalmente seus dedos se tocaram e lentamente Draco segurou a mão dela. Queria abraçá-la, mas com o ombro, não conseguia encontrar posição para isso. Ginny pareceu ler seus pensamentos e se virou para ele, deitando em seu peito. Assim, eles adormeceram.


Draco acordou com a manhã avançada, o braço esquerdo formigando dado o corpo adormecido de Ginny. Conforme sua mente despertava, ele lembrou que a teve nos braços durante todas as manhãs em que dividiram a cama. Primeiro o fez inconscientemente e quase fora espancado na ocasião. Depois foi... a noite em que ela ficou doente. Ela chamou por ele. "E também chamou por Potter", uma voz o lembrou. Harry Potter. Ginny nunca detalhara a sua relação com ele. A história que ela contou quando ele a questionou da primeira vez não o convencera. E agora, aparentemente havia um "pacto" feito em seu quarto ano. "Será possível que...?". Draco foi tomado por ciúmes. Aquele que o vencera tantas vezes ganharia também nisso? Por um outro lado, era ele, Draco Malfoy, que a abraçava naquele momento. Porém, esse era o último dia. E ela estaria livre para voltar para o Potinho e sua testa rachada.

Ginny se mexeu, virando-se e deixando o braço de Draco livre. Contudo, não acordou. O rapaz ficou a observá-la por um tempo até que finalmente se levantou. Lavou o rosto e foi à cozinha arrumar algo para comer. Já quase tinha esquecido que o local estava alagado. Atravessou as poças que se formaram em todo o lugar e conseguiu encontrar frutas e ovos. Esses, contudo, não pareciam "saudáveis". Se não saíssem dali naquela noite, teriam problemas. No entanto, não havia nenhum motivo para o Sr. Borgin não voltar. "Infelizmente" uma voz sussurrou no fundo de sua mente, sendo rapidamente reprimida.

Quando voltou para o quarto, encontrou Ginny arrumando a cama. Tinha os cabelos presos em um rabo de cavalo, mas uma mecha caía-lhe pelos olhos. Draco se aproximou e a ajeitou.

-Toma. – disse ele, sentando-se na cama já arrumada e passando uma maçã para a moça.

-Nunca mais vou comer maçã na minha vida. – falou ela, aceitando a fruta. – Foi tudo que se salvou?

Ele concordou com a cabeça e acrescentou: - Não quis preparar café. Ambos sabemos o gosto que teria.

Eles comeram em silêncio por alguns minutos até que Draco não mais conseguiu controlar o misto de curiosidade e ciúmes.

-O que você tem com cabeça de cicatriz? – perguntou, um pouco mais rápido do que deveria, mas tentando fazer parecer que estava apenas puxando assunto.

-Estou grávida dele, lembra? – ironizou Ginny, lembrando das acusações feitas por ele quando ela passou mal. – Já disse, é complicado.

-Sim, já disse. – ele deveria esquecer o assunto, mas não conseguia se conter. – Vocês dois...

-Por que você se importa tanto com o meu envolvimento com o Harry? – questionou ela, interrompendo-o.

-Então há um "envolvimento"? – perguntou o loiro, satisfeito por estar obtendo informações, apesar de não estar ouvindo exatamente o que queira.

-Sim e não. Já tentei explicar isso. – como da primeira vez em que falou no assunto, Ginny gesticulava exageradamente.

-Falou algo ininteligível. Não explicou. Por que evita tanto esse assunto?

-Não estou evitando nada. – ela passou a contorcer as mãos, de tal forma que parecia estar quase quebrando um dedo.

-Como vai a mão cortada? – perguntou ele, sarcástico, levando-a a olhar para suas mãos e perceber o que fazia.

-Não começa, Draco. – disse ela, cruzando os braços numa tentativa de manter as mãos paradas.

-Não estou fazendo nada! – defendeu-se, fingindo estar ofendido. – Só queria conversar. Vocês grifinórios são muito paranóicos. Uma simples pergunta vira um "interrogatório" na mente de vocês. Não responda, Ginevra, não era tão importante assim.

Draco, apenas meio consciente disso, fez a única coisa que poderia convencê-la a falar: pediu para que não o fizesse. Ginny ainda tentou manter-se calada por um tempo, mas logo cedeu à tentação.

-Nós namoramos por um tempo. Pode-se dizer que no que nos diz respeito, Hogwarts foi o cúmulo da bagunça sentimental.

-Vocês namoraram em Hogwarts? – perguntou Draco, louco de ciúmes e se reprovando por não ter se importado em perceber isso na época.

-Não. Sim. Ele tinha saído e eu não. E não era algo declarado. Era uma época confusa com Você-Sabe-Quem tendo acabado de ressurgir e Harry aprendendo a lidar com a situação. – ela não queria dar muitos detalhes, mas nunca foi uma pessoa que falava pouco. - Ele tinha medo de me pôr em perigo.

-O característico complexo de herói. – Draco hesitou antes de perguntar: - Você disse que não tinham mais nada...

-Não temos. Depois do meu... sequestro, não aguentava ficar perto de ninguém. E a última coisa de que Harry precisava naquele momento era de uma namorada neurótica. Depois da queda de Voldemort chegamos novamente à situação que tínhamos bem no começo, ainda em Hogwarts, quando fazíamos um jogo de encontros e desencontros. Quando eu tinha 16 anos, isso funcionava e me satisfazia, mas depois de tudo pelo que passamos, aquele tipo de relacionamento não funcionava mais e hoje somos bons amigos.

-Não por opção dele, eu imagino. - então ela não ia correr para os braços dele quando saíssem dali. "Mas também não ficará nos seus." aquela mesma voz de antes o lembrou.

-Só porque ele é melhor do que você em quase tudo o que faz, não significa que você precisa odiá-lo tanto. – ela sabia ter atingido um ponto fraco dele. E também sabia no que Draco definitivamente era melhor.

-Não o odeio. Apenas o desprezo. – isso era uma mentira. Naquele momento principalmente, Draco o odiava mais do que tudo. – E não vejo em que ele é melhor do que eu. Destruir o Lord das Trevas estava no destino dele ou qualquer baboseira parecida com isso. Assim fica fácil. E ele teve o máximo de ajuda possível. O gagá do Dumbledore o carregou pela mão até o último minuto da sua vida. Um grande desperdício.

-Não fale do que você não sabe, Malfoy. – agora ele tinha ido longe demais. – Ninguém mais sofreu com isso tudo como Harry. Jamais tire esse crédito dele. Quanto a Dumbledore, ele pode não ter sido perfeito em certas ocasiões, mas ele é o homem mais nobre e corajoso que já cruzou o meu caminho e especialmente o seu. Se você não consegue ver isso de forma alguma, suma da minha frente antes que eu arranque seus olhos e faça-o enxergar que a vida dele foi a mais significativa não só para a comunidade mágica, mas para toda a humanidade. E séculos irão passar antes que surja outra pessoa como ele. Você não chega a seus pés.

-Acalme-se, Ginevra. – começou ele, inalterado. - Como eu disse, sua morte foi um grande desperdício. Seria muito mais útil tê-lo por aqui. Ele não é minha pessoa favorita, e também não é dos mais sãos, mas vez por outra, tinha alguma idéia útil. – apesar de odiar admitir, o velho bruxo teve uma participação significativa no que dizia respeito à vida de Draco ainda existir.

-Você realmente não entende, não é? Não aceita que alguém faça algo por uma outra pessoa mesmo sem ganhar nada com isso. Você vive sua vida apenas para chegar no fim do dia respirando. – o sentimento de Ginny passou de raiva à pena.

-E isso é ruim?

-Aproveite enquanto pode, reze para que nunca acabe.

-Lema grifinório? – perguntou ele, sarcástico.

-Está vendo? Você faz piadinhas. Não acredito que nem ao menos no fundo não exista algo que mereça sua atenção além de você.

-Eu fiz minha cota de boas ações. Ou algo que chegue o suficientemente perto disso para me enojar. Se você acha que em algum lugar remoto, eu tenho um pingo de bondade, reveja seus conceitos. O máximo que eu consigo é um eventual desvio de conduta. Aprenda a lidar com isso. – ele foi seco. Estava irritado. Se Ginny queira um Santo Potter, ela podia ir catar duendes em outro jardim.

Aquilo não deveria ser nenhuma surpresa para Ginny. Mas a atingiu de uma forma especial. A verdade era que ela ainda tinha aquela sensação na boca do estômago, estando ali perto dele e não conseguia entender como. Talvez ela tivesse desenvolvido algum problema psicológico, como aquelas pessoas que se apaixonam pelos seus sequestradores ou algo assim. Contudo, durante todo o tempo em que estiveram ali, ele a tratou quase que civilizadamente. Pelo menos tanto quanto ela o havia tratado. Ainda assim, não fazia sentido se apaixonar por ele. Era errado, era contra os seus princípios e era... inevitável.

Eles ficaram quietos, sentados lado a lado, apenas encarando o teto e as paredes. Certa hora, Draco voltou ao livro que folheava anteriormente e Ginny, entediada, resolveu tomar um banho e tentar lavar seus pensamentos e colocá-los em uma ordem no mínimo coerente.

-Como? – perguntou Ginny, saindo tempestuosamente do banheiro, os cabelos, molhados.

-Substantivos e verbos, por favor. – pediu, em um falso tom sério.

-Como você mudou de lado? – completou, impaciente. - E não me venha com essa história de que há coisas que eu não estou preparada para ouvir.

-Snape. – falou Draco, simplesmente.

-Snape? – perguntou ela, incerta da veracidade das palavras dele.

-Está com o ouvido entupido, Ginevra? Ou só gosta de repetir o que eu digo? – ela não o respondeu, e ele continuou: - Você certamente sabe que ele também trabalhava para os dois lados. E eu descobri isso a certa altura. Suspeito que ele me deixou descobrir. Dificilmente seria pego daquela forma.

-Isso não faz sentido. Por que Dumbledore iria precisar de dois espiões?

-As informações não são liberadas a todos. E eu tinha facilidade em certos assuntos. Snape não mexia com assuntos dos interrogatórios por exemplo. Sem contar que não tinha nenhuma ligação mais específica com o lado de vocês, o que me dava certas liberdades. No fundo, não tenho certeza de como Dumbledore confiou em mim. Eu não faria o mesmo, mas ele de fato era louco.

-Mas você não traiu a confiança dele. Traiu? – perguntou, duvidosa e escolhendo esquecer as últimas palavras dele.

-Não. Não me era interessante. – respondeu Draco, naturalmente. – Como eu já te disse, era uma questão de tempo para o Lord das Trevas cair, e eu não gosto da decoração de Azkaban.

-Você consegue ser mais egocêntrico?

-Não. Acho que esse é o limite de um ser humano. Então você não precisa se preocupar. – falou, sarcástico. – Vai ficar em pé aí quanto tempo? – ela estava parada na frente dele desde que saíra do banheiro.

-Até minhas pernas cansarem e eu decidir sentar. Você realmente espera que eu escute tudo isso, e simplesmente sente e esqueça? – perguntou Ginny, irritada com o fato de que ele não levava nada a sério.

-Você não vai mudar o que aconteceu não importa a posição em que fique. E não vejo porque esse assunto é tão importante para você. Não vejo porque até um espirro é importante para você. – Draco não conseguia ver como alguém podia se preocupar com tudo na mesma intensidade.

-Eu desisto. – disse, expirando pesadamente e finalmente sentando-se ao lado dele.

-Desiste do quê? Você e essa sua mania de deixar suas frases pela metade... – ele tentou pegar a mão de Ginny, mas essa a afastou levemente.

-De tentar entendê-lo. – completou. – Não vejo sentido nas suas atitudes. Não acompanho sua forma de pensar.

-Se isto a faz se sentir melhor, também não a entendo. – disse, honestamente, mas sem conseguir tirar o leve tom irônico natural em sua voz.

-Vamos ter que concordar em discordar. Não falta muito para sairmos daqui de qualquer forma. Aí não precisaremos mais discutir. – "Infelizmente" acrescentou ela para si, sem saber que o mesmo pensamento já havia passado pela cabeça do rapaz e agora voltava a assombrar a ele tanto quanto a ela.

-Aonde estão suas coisas? – questionou Draco, desejando mudar de assunto e se possível tirá-la dali. – Não estavam no riacho que chamamos de cozinha?

O plano de Draco funcionou. Como uma exclamação Ginny saiu correndo do quarto. Encontrou sua bolsa encharcada em um canto. Xingou baixinho e, também querendo evitar o loiro, desceu as escadas à procura das compras que havia feito para seus irmãos há uma semana.

Draco, no quarto, ao ver a ruiva sair, escorregou na cama e quase se escondeu embaixo das cobertas. Mordeu a mão para não gritar. Odiava perder o controle daquele jeito e era exatamente aquilo que estava acontecendo. Já havia cedido completamente a ela. Tentara reverter a situação, mas bastava um simples olhar para ele esquecer tudo. O pior era que o que mais o preocupava naquele momento não era o fato de a querer tanto, e sim o fato de poder tê-la perdido em meio às discussões que tiveram. Ela parecia estar finalmente se dando conta de quem ele era. E Draco Malfoy não se arrependeria de suas ações. Mesmo que isso fosse fazer alguma diferença, o que ele realmente não acreditava ser verdade.

Mais uma vez, foi fazer algo que parecia ser uma constante naquele lugar, e foi tomar o banho mais congelante e demorado que conseguia aguentar. Quando saiu, Ginny já havia retornado junto a suas muitas sacolas e sua bolsa molhada, que se encontravam em um canto, enquanto ela estava sentada na cama.

-Vou precisar de um bom feitiço para consertar aquilo ali. – comentou, apontando para a bolsa. – Quando ele vem? – perguntou, mudando de assunto. - O Sr Borgin. – apressou-se a acrescentar.

-Por volta das cinco. Se me lembro bem, foi o que ele me disse. Só mais um pouco antes de você se livrar de mim, Ginevra. – disse, em seu mais irônico tom de voz, testando-a.

-E você de mim. – retrucou, sem demonstrar ter se importado. – Cadê aquele livro que você estava lendo? Estou entediada.

-Isso vai ser algo interessante de se observar. – falou ele, passando-lhe o livro.

Ginny deteu-se um pouco no título, mas este estava severamente descascado, tornando-se ilegível. Ao abri-lo, nem conseguiu ler o texto em tinta preta. Seus olhos se fixavam apenas nas gravuras. Eram desenhos horríveis de pessoas mutiladas que obviamente deveriam ter sido vítimas de algum tipo de magia negra. Ela fechou o livro bruscamente e jogou-o no colo de Draco como se ele fosse feito de fogo.

-Isso é grotesco! – exclamou, horrorizada.

-Sua expressão foi impagável. Nunca vi ninguém tão estupefato na minha vida. E isso significa muito, se quer saber. – Draco estava se divertindo com a situação a ponto de gargalhar.

-Você é ridículo. – retrucou, ruborizando e incapaz de conter um leve sorriso.

Draco colocou a mão na face da ruiva e a beijou docemente. Quando se afastou um pouco, ela não o encarava. Ele, então, levantou seu queixo. Ginny sorriu e se afastou.

-Estou curiosa. – comentou ela, em um tom animado.

-Isso não pode ser bom. – disse ele, sarcástico. Draco sorria, apesar de tudo. – O que você quer saber?

-Deixa pra lá. Você não vai responder...

-Não tente usar esses joguinhos, Ginevra. Essa tática funciona com você. – brincou.

-Só estive pensando... – começou ela. – Não faça essa cara! – exclamou, vendo Draco revirar os olhos e sacudir a cabeça negativamente. – Você não tem ninguém?

-Não tenho certeza se a entendi. – mentiu Draco. Ele havia compreendido muito bem a pergunta. Só não acreditava tê-la escutado.

-Entendeu sim. Quer que eu soletre para você? – seu tom era brincalhão, mas ela estava irritada com o cinismo dele.

-Por que você pensou nisso justo agora? – ia tentar enrolá-la o máximo possível. Não queria cortá-la e arrumar outra briga, mas não era um assunto que ele dividia com facilidade.

-Sei lá. Foi um assunto que surgiu na minha cabeça... E você insistiu tanto na minha relação com o Harry, por que eu não poderia ficar sabendo da sua história?

-Nunca tive nada com o Harry, se é isso que você está insinuando. – disse, sarcástico.

-Muito engraçado. Pare de tentar me despistar.

-Quer checar se eu tenho três esposas e quatorze filhos espalhados por aí? Não há razão para esse ciúme, Ginevra. – a face de Ginny atingiu o tom de seus cabelos, indicando a Draco que ele estava certo quanto ao motivo que a levou a falar sobre o assunto.

-Não tente virar o jogo, Draco. – disse ela, se recuperando. – Agora é a sua vez de falar. E eu não vou parar de te encher o saco até você me contar uma história convincente e satisfatória.

-Falta pouco para sairmos. Posso te ignorar até lá. – apesar de estar sério, ele não estava irritado. A curiosidade dela o divertia.

-Por favor. – pediu Ginny, chegando perto de Draco para sussurrar em seu ouvido.

Àquilo ele não podia resistir. Por mais que lutasse, a força que o controlava era superior ao seu bom senso e a todas as atitudes normais que ele poderia tomar naquele momento. Draco, antes que percebesse, estava respondendo a ela:

-Suponho que você esteja perguntando de algo sério, certo? Porque se vamos falar de tudo, vamos precisar de mais tempo. – ele não ia deixar de alfinetá-la, ainda mais sabendo que ela estava com ciúmes.

-Fale do que quiser. – disse ela, lutando contra uma vontade de gritar que crescia dentro dela.

-Eu fiquei noivo há algum tempo atrás. – Draco falou sem hesitar. Se era para contar, não ia ficar fazendo rodeios. – O nome dela era Helah. Helah Travers. – agora sim ele fez uma pausa para admirar o efeito de suas palavras.

Ginny ficou quieta. Seu rosto perdeu toda a cor. Seria aquilo uma brincadeira de mau gosto? O mesmo nome certamente não poderia ser uma coincidência...

-Ela era... – sua voz não tremia, mas estava fraca, quase um sussurro.

-Filha do comensal que você matou. Sim. Mas não precisa ficar com essa cara de túmulo. Não gostava de nenhum dos dois. Acho que imbecilidade é mal de família... – disse Draco, sinceramente. –Meu pai me apresentou a ela. Puro sangue, comensal, perfeita na concepção dele. Ela estudou em Durmstrang. Para mim, ela mantinha conversas tão bem quanto uma porta, mas tinha suas... qualidades.

-O que aconteceu então? – perguntou Ginny tentando manter-se natural.

-Prisão perpétua em Azkaban. Ela me mandou a aliança de volta por coruja junto a um bilhete, escrito no que eu acredito ser sangue, dizendo "você deveria estar aqui também, traidor." – respondeu, simplesmente.

Ginny balançou a cabeça levemente, indicando ter entendido. Não disse nenhuma palavra. Precisa de um tempo para absorver aquela informação por completo. "Isso que dá ser curiosa" repreendeu-se. Certamente era uma ironia com a qual ela não contava. Mas também, Draco não parecia muito chocado ou abalado. Teria ele guardado essa informação para melhor desfrutar de seus efeitos?

-Por que você não me disse nada? – perguntou, sua voz retomando o tom natural.

-Você não perguntou antes.

-Realmente, quando se conta esse tipo de coisa, a pergunta natural a se fazer é "você era noivo da filha dele?". – retrucou ela.

-Pare de se preocupar tanto. Você se martiriza demais. Ele mereceu o que teve. Quanto a Helah, eles nem eram tão próximos assim. Duvido que ela se importe mais do que o aconselhável socialmente. – Draco falava tudo casualmente, como se estivesse contando algo banal. – Aprenda a lidar com isso e continuar com a sua vida. Acabou. Parta para a próxima. No bom sentido da frase. – ele acrescentou, vendo o olhar de horror da ruiva.

Ginny respirou profundamente, mas não pronunciou nenhuma palavra. Havia se dado por vencida. Draco tinha razão: ela precisava continuar com a vida dela.

Draco a puxou para si e a beijou longamente. Ginny deitou contra o seu peito, sentindo-se cansada, apesar de não ter feito nada que a exaurisse fisicamente. Ficaram assim por um tempo, antes que a moça quebrasse o silêncio perguntando pelas horas.

-Seis. – respondeu, olhando seu relógio de pulso que no momento se encontrava sobre o criado mudo. – Ele já devia estar aqui.

-E se aconteceu algo com ele? Quer dizer, ficaremos aqui para sempre? – perguntou Ginny tentando esconder a preocupação em sua voz.

-Nada aconteceu. Acalme-se. – respondeu Draco.

-Você não sabe. – disse ela.

-Sei sim. Ele provavelmente se decidiu por esperar amanhecer. – mentiu ele. A verdade era que ele não tinha certeza do que significava o atraso de seu chefe.

Eles esperaram por mais um tempo. A cada minuto que passava, Ginny se tornava mais inquieta. Em certo momento, Draco, já agoniado com ela que não ficava parada, apertou-a contra si tentado controlar seus movimentos. Abraçou-a e beijou-lhe a testa, descendo lentamente até chegar aos lábios. Ginny o beijou de volta com fervor, surpreendendo-o. O rapaz olhou-a nos olhos questionando, sem palavras, se ela tinha certeza. Ela sorriu timidamente e voltou a beijá-lo, deixando tomá-la completamente. Não havia mais nada dizendo a nenhum deles que aquilo era errado, pelo contrário, parecia a coisa mais certa do mundo. Era além da união de corpos pela paixão. Eram almas em uníssono. Tão diferentes, e ao mesmo tempo tão parecidas.


Ginny estava deitada nos braços de Draco, enquanto este brincava com uma mecha de seu cabelo ruivo. Nenhum dos dois se sentia tão bem fazia tempo. Todos os problemas, todas as dores, tudo foi esquecido. Deixados nos braços da pessoa mais improvável para cumprir a tarefa. Mas isso também não importava. Ali não havia famílias e desavenças. Só existiam os dois. Poderiam ficar ali para sempre, porém sons vindos do andar abaixo os trouxeram de volta a cruel realidade.

Draco se vestiu e desceu as escadas para checar a origem do barulho. Encontrou, perto do balcão, a figura de seu patrão.

-Malfoy! – exclamou o Sr. Borgin, surpreso em ver Draco ali. – O que você está fazendo aqui?

-Fiquei trancado quando o feitiço que o senhor colocou começou a funcionar. É uma longa história. Não tenho tempo para contar-lhe agora. Preciso falar com alguém. – respondeu ele, seco. Rapidamente, Draco virou em seus calcanhares e foi buscar Ginny, deixando o Sr Borgin parado no pé da escada, sem compreender nada e irritado com isso.

Ao chegar no quarto, Draco encontrou Ginny já completamente vestida e calçando seus sapatos. Com apenas um olhar, ela já compreendia tudo. Pegou suas coisas e o seguiu, sem trocarem uma palavra. Eles passaram pelo dono da casa, ainda perdido e cada vez com mais raiva, e saíram à rua, naquela hora, deserta.

Olharam ao redor de si mesmos, como se para ter certeza de que era real: que estavam livres. Até o ar parecia diferente de como eles se lembravam. Finalmente seus olhos se encontraram. Eles chamaram um pelo outro ao mesmo tempo, mas nenhum dos dois pronunciou uma única palavra sequer depois disso. Tudo a ser dito estava em seus olhares. Draco se aproximou da ruiva e a beijou com paixão. Quando se afastou, Ginny tinha lágrimas nos olhos.

-Adeus. – ele disse, com pesar.

-Adeus. – ela respondeu com a voz fraca.

Eles trocaram um último olhar antes de seguirem em frente, em direções diferente. Quando Draco passou por Ginny, segurou sua mão, e só a soltou quando não mais conseguia alcançá-la.