Nota1: Weiss Kreuz não pertece a mim, quem dera!
Nota2: Esta história contém yaoi. Nada explícito, mas ainda yaoi. Se isso não lhe agrada, use o botão "voltar" e seja feliz! Se isso lhe agrada, leia, e seja muito feliz!!!
Nota3: Comentar esta fic é uma gentileza! Autores precisam de comentários para sentirem-se encorajados a continuar com o trabalho árduo de escrever. Então comente! É fácil, prático, e você ainda gasta algumas calorias escrevendo. Basta escolher "Submit Review" naquela caixa lááá embaixo e clicar no Go! A opinião é muito importante, principalmente críticas construtivas, e encorajamentos para continuar também! Agradeço de todo o coração!
Capítulo 5:
Ken imediatamente sentiu seu coração se iluminar. Poderia ver novamente a garota misteriosa, descobrir quem era, perguntar seu nome. E, além disso, o mais importante de tudo: se distrair do crescente descontentamento que sentia. Aya ele sabia que estava sempre mau-humorado, e sinceramente, não se importava com o que o ruivo fazia, desde que não incomodasse Omi, como parecia fazer cada vez mais. Quanto a Yohji, esse parecia estar sempre bem, nunca entristecia. Tudo bem que seu melhor amigo ainda se deprimia em alguns momentos por causa da lembrança de Asuka, sua antiga - mas já falecida - amada, mas ao menos o playboy lidava razoavelmente com a situação. Mas Omi... Este estava cada vez mais quieto, e guardando muita mágoa. O moreno estava consciente de que devia ajudar o chibi a se alegrar, só não sabia ainda como. Só sabia que era o único a guardar a chave de seu passado, e que esse jamais se revelaria sozinho sem Ken para despertá-lo de seu sono profundo.
De qualquer modo, Ken ajeitou o arranjo na traseira da moto e pôs uma capa por cima. Depois vestiu com cuidado uma capa de chuva e deu a partida. Quando saiu pela garagem afora, levou um susto ao perceber que mais uma pancada de chuva ocorria, e que o asfalto estava perigosamente escorregadio. As árvores se agitavam, os galhos se quebrando ao bel prazer do vento, que gemia e soprava violentamente. Ao dobrar a primeira esquina, o moreno conteve um grito de susto. Ali a rua estava completamente alagada. Eu devia voltar para casa, isso sim... Mas de certa forma, isso era egoísmo. O arranjo já fora pago. Além disso, não era o único a ter tido trabalho: o arranjo estava disposto de forma caprichada e perfeita, cheio de detalhes e fitas. Além disso, se não entregasse as flores, arcaria com duas conseqüências, e ambas eram desagradáveis. Além de levar bronca de Aya e deixar um cliente insatisfeito, não poderia ver a doce menina. Se comparar isso com os perigos que eu sofria quando participava da Weiss, isso não é nada! Segurou-se firme na moto e desacelerou, andando pela calçada, onde a água estava mais rasa. Sabia que em circunstância normais isso seria uma grave infração de trânsito, que poderia atropelar alguém, etc. Mas nesse caso, estava tudo deserto, como se durante tempestades torrenciais não houvesse vida na cidade inteira. Poderiam matar Ken, e só no dia seguinte descobririam. Mas o ex-jogador sabia muito bem que isso jamais aconteceria, pois nenhum assassino se aventuraria no meio daquele aguaceiro. Na rua, a água chegava até seus joelhos, fora tudo o que vinha do céu. Em cima da calçada, chegava nos tornozelos. Ainda assim estava perigoso, então saiu de cima da moto e passou a arrastá-la ao lado como uma bicicleta.
Teve de andar assim durante muitas e muitas quadras, sem coragem de se arriscar a ligar novamente na moto e montar. Enfim, já ensopado, chegou à casa da menina e tocou a campainha. A casa era tão pequena que por um momento se indagou se não havia possibilidade de que ela saísse flutuando por aí como um barquinho de papel. É claro que isso era idiota. Assim como sair na chuva para entregar um mero ramo de margaridas.
Se arrependeu na mesma hora desse pensamento, quando viu o rosto sorridente e espantado da garota.
-Você veio nessa chuva?
Ken balançou a cabeça.
-Seu suicida!!! Entre logo e se seque, não quero ser a responsável por uma pneumonia!
E puxou com força Ken para dentro. Acomodou as flores sobre uma tímida mesinha de canto e foi correndo para o banheiro. Voltou com uma fofa toalha de banho, gigantesca, e a jogou no florista. Sorriu docemente enquanto ele secava os cabelos que ainda gotejavam pela casa.
-Por que veio?
-Eu... tinha que trazer as suas flores, não?
-Mas é tão perigoso isso... Nessa tempestade... Não teve medo?
Nem tanto...
-SE tive! Quase desisti de vir. Mas achei que mesmo assim valeria a pena.
A garota enrubesceu e olhou para baixo. O rapaz moreno sorria.
-Enfim,gostou das flores de seu irmão?
-Ahn?
Ela olhou novamente para Ken, parecendo confusa.
-Que flo... Ah sim! As flores! As flores!
-É... é...
-São lindas mesmo! Só mesmo meu maninho querido para ter tão bom gosto!
E seu rosto foi coberto por uma sombra como se toda sua alegria radiante fosse apenas uma máscara de mel. Ela recolheu a toalha de Ken e a pôs para secar, enquanto acendia as chamas duma pequena lareira que havia ao lado da mesinha de canto. Como o moreno nunca reparara naquela lareira antes? Logo aquele minúsculo aposento aqueceu-se, de modo que ficou abafado e até desconfortável. Ele começou a suar, e ela lhe estendeu novamente a toalha.
-Antes sentir calor do que frio, ne?
-Mas... Por que tão quente?
-Acredite: quando for inverno, vai parecer muito melhor! Quando a estação fria chegar e minha porta ficar presa porque a neve vai bloquear seu movimento, esse calor será tudo o que tenho.
-Você não limpa a neve? E como faz quando a comida acaba?
Ela apenas sorriu quietamente. Nada disse. Apenas foi até a pequenina cozinha conjugada com a sala, e pegou leite, biscoitos e mel. Aqueceu tudo e serviu numa bandeja. Ken deveria tê-la impedido, dito que não precisava dar ao trabalho. Mas toda aquela atmosfera era tão acolhedora que nem teve coragem de interromper a gentil moça. Quantos anos ela teria? Parecia não possuir idade, podia tanto ser uma adolescente de quinze anos quanto uma jovem de vinte e cinco. Os cachos negros continuavam a escorrer languidamente sobre os ombros, a pequena e pálida boca parecia a de um doente terminal. Já não mais apresentava seu bronzeado, e se o tinha, agora era tapado pela pesada capa de lã que vestia por cima dum vestido branco e suave que corria até o chão. O moreno reparou que a parte saia era composta por vários tecidos longos pendurados, de forma que volta e meia aparecia um pedaço da casta perna da mocinha. Aliás, qual era o nome dela?
-Ahn.... O lanche está ótimo, ...?
-Ah, obrigada! Mas não foi nada, acredite!
-Er...
-Que foi?
-Qual seu nome?
Seus olhos verdes faiscaram, como se uma pergunta proibida tivesse sido feita. Ela debruçou-se sobre o jogador, que estivera até então sentado no chão, e seu peso fez ele se deitar para trás. Ela continuou escorada, e num gesto misto de inocência pueril com toda a malícia duma lolita. Ken não se moveu um milímetro. Ela enfim, como se percebesse o que estava fazendo, piscou algumas vezes e envergonhada se afastou.
-Desculpe, não estava te enxergando direito...
Ela parecia confusa, mas também podia estar mentindo. Que reação estranha a sua! Ela compôs-se rapidamente.
-Meu nome é Kaori.
-Está bem, então. Obrigado.
Ela sorriu docemente. Continuava pálida, e sequer suava, enquanto o jogador sentia a pele arder como se estivesse nu em um deserto. Suas roupas já haviam secado, inclusive o cabelo. Kaori notou como Ken estava desconfortável, e abrandou o fogo da lareira, logo depois elevando a mão até a altura do coração, como se aliviada. A mãe atormentada ao encontrar o filho são e salvo do outro lado da rua se sentiria do mesmo modo.
-Kaori...
-Sim?
-O que houve?
-Nada...! Só estou feliz que você veio.
Ken sentiu seu coração acelerar subitamente. Estaria ela apaixonada por ele, logo ele? Aquela idéia parecia assustadora, ao mesmo tempo excitante. Já nem se lembrava direito a última vez que alguma garota interessante de verdade gostara dele, e não havia em sua memória qualquer resquício de seu último beijo. Os lábios já estavam secos e sem gosto, há muito não sentiam o mel doce e suave da boca de alguém. Seu ego avolumou-se, feliz que estava na possibilidade de mudar seu quadro. Ao mesmo tempo, algo o impedia. Como podia ter algo com uma mulher que mal conhecia, de quem ignorava até a idade? Não sabia se estudava ou trabalhava. As únicas informações que tinha a seu respeito era que se chamava Kaori e tinha um irmão que morava longe. Mas isso era praticamente nada, eram meras informações dadas por ela, e bem podiam ser mentira. As únicas coisas certas eram que sua casa era pequena e pobre, porém confortável, e ela parecia uma pessoa suave e frágil. Precisava saber ao menos mais algumas coisas...
-Qual sua idade, Kaori-san?
O rosto da moça iluminou-se, como se pudesse se orgulhar do fato. Ken sentiu-se acalmado por ver que ela não se intimidava por perguntas pessoais, e, além do mais, ficava linda sorrindo, mostrando seus dentes pequeninos e brancos, perfilados, com os caninos pontiagudos. Sua alma deleitou-se com aquela imagem quase celestial, e essa sua desconcentração quase o fez perder os sentidos, pois foi necessário ela repetir:
-Dezessete anos. Mas não por muito tempo.
Tão jovem! E ainda por cima menor de idade, enquanto Ken já tinha quase trinta anos. Agora suas esperanças esvaiam-se, ele empalideceu de desânimo, sua criança havia atravessado o asfalto em brasas em meio à ventania produzida pelo acelerado tráfego. Levantou-se desajeitadamente do chão, e então Kaori pulou junto, o rosto apreensivo, os traços graves, a testa enrugada.
-O que houve? Disse algo errado?
-... – não sabia o que dizer. Como justificar que agora sentia-se mal e com consciência pesada por se interessar por uma menor? Não podia. Iria arruinar até a amizade.
-Desculpa, Hidaka-san. Não era minha intenção, não mesmo, te assustar.
E inclinou a fronte, repousando a suave cabeça no peito do jogador tal qual uma rolinha em seu amado pombo. As mãos não mais pendiam, mas se agarravam nas costas da camiseta de Ken, como que se, mergulhada em angústia como estava, ele pudesse esvair-se de suas mãos como a água que pinga das nuvens. Ele olhou para aquele rosto triste, e a tocou delicadamente, enrolando nos dedos aqueles cachos suaves. Ela não aliviava a suave pressão de suas costas, e assim ele se deixou ficar. Ela tinha o corpo quente e macio, tal qual uma boneca de pano. Podia sentir todo seu relevo contra o próprio corpo, e esforçou-se para conter todo e qualquer pensamento impuro que o toque suave de seus seios contra seu abdômen provocava. Mas passados vários minutos, ouviu menos ruído, a tempestade parecia abrandar, e quando olhou pela janela, notou que agora havia apenas um suave chuvisqueiro. Afastou delicadamente Kaori de si, segurando-a pelos ombros. Seu rosto encheu-se novamente de um pesar quase inocente.
-Tenho que ir agora. Finalmente está parando de chover. Temo que se esperar mais volte a haver uma enxurrada, e não quero enfrentar esse pesadelo novamente.
-Entendo. Mas então passe a noite aqui!
Seus olhos mostravam claramente a inocência do pedido. Yohji não acharia o mesmo, com certeza. Mas por que diabos o playboy lhe aparecera em mente agora?
-Não... Meus amigos podem ficar preocupados.
-Eu também ficarei preocupada se for. Mas eu estou sempre sozinha, eles têm uns aos outros. E de qualquer modo, acho que eles não notariam se você passasse uma noite fora...
Ken imediatamente visualizou Aya e Omi em mais uma de suas intermináveis brigas. É, estariam bem distraídos. Se resolvessem suas diferenças, mais distraídos ainda. Yohji já nem devia estar em casa, deveria estar enrolado nos lençóis com alguma mulher nova.
-...Afinal de contas, você já é um adulto, ninguém precisa ficar controlando você.
-Mesmo assim, não avisei nada. Além do mais, não sei se há mais alguma entrega para fazer, e já fiquei bastante tempo aqui, não?
-...Mas...
E calou subitamente. Ken esperou, ela iria dizer algo. Enfim, soltou-o, e dirigiu-se a porta, abrindo-a.
-Que bobagem a minha, é claro que você tem que ir. ...Até mais.
Ken saiu da casa de Kaori, mas não sem olhar para trás mais uma vez. Mesmo sob a luz do sol, ela parecia pálida como porcelana. Por um momento sentiu-se tentado a voltar, mas não o fez. Subiu na moto e constatou satisfeito que o nível da água havia baixado então poderia dirigir normalmente sobre a calçada. Ao menos isso, já que o asfalto continuava coberto por uma escorregadia camada aquosa. Andou alguns quilômetros em baixa velocidade, para não correr o risco de atropelar algum pedestre, embora ainda achasse que ninguém fosse tão inconseqüente de se arriscar assim à toa. Dobrou uma esquina e constatou surpreso que havia sim alguém andando na rua. E era Yohji, ainda por cima. Por que ele não está de carro? O loiro vestia um pesado sobretudo, os sapatos de grife estavam encharcados, o cabelo permanecia impecável por baixo do chapéu. Ken manobrou a moto e parou ao lado do amigo, que escorregou os óculos escuros pelo nariz até seus olhos aparecerem.
-Yohji, o que você está fazendo aqui?
O loiro sorriu charmosamente.
-Adivinha.
Agora estava sarcástico.
-Vim procurar você, ué! Saiu de casa sem avisar ninguém, nessa tempestade... O que houve? Fiquei preocupado!
E quase derrubou Ken da moto estacionada quando o puxou e o abraçou carinhosamente, mas apertado. O jogador ficou sem reação. Não esperava aquele carinho, Sentia-se nervoso. Não sabia explicar o que acontecia. Mas sentia-se feliz, ainda mais do que sentia quando estava com Kaori, ainda mais do que sentia quando estava com Omi. Por ser homem, as pessoas costumavam tratá-lo com uma certa distância, um respeito. Por ser homem, Ken não devia nunca se sentir fraco, ser frágil. Mas qualquer conceito sumia naquele instante. O calor de Yohji lhe envolveu o coração como um grosso cobertor num dia de inverno. Podia sentir os dois braços fortes do homem maior lhe envolvendo o corpo, um pelos ombros e outro pela cintura, as mãos em movimentos suaves lhe acariciando a pele por cima da roupa. Ondas loiras lhe faziam cócegas no rosto, enquanto sentia um agradável e suave perfume masculino. Sentia-se agora relaxado. Estava sendo defendido por Yohji, nem a chuva que logo voltaria a cair o atingiria. Sentia calma, depois de tanto sofrimento debaixo da pesada cascata de água. Fechou os olhos, deixando o corpo relaxar. Aliás, necessitava disso, pois estava ficando frio novamente, enquanto o sol ia baixando no horizonte. Baixando? É, talvez tivesse passado mais tempo do que imaginava na casa de Kaori. Sentia-se cansado, como a muito não se sentia. Com certeza andara ocupado demais para perceber, e agora que se distraía, seus membros ficavam pesados. Tentou se mover, mas isso era impossível. Um torpor inundou Ken, e ele por fim adormeceu.
A princípio, a única coisa da qual era consciente era de que estava acordado. Os olhos quentes estavam fechados, e através da pálpebra percebia a cor azul marinho, então estava no escuro. O corpo parecia continuar dormente, sem forças. Então.... morri? Não podia ser isso, mas não conseguia também perceber os sentidos. Concentrou-se nos ruídos, primeiro. Ouviu sua respiração suave de adormecido, e um som grave e contínuo em algum lugar perto. Tentou mover as mãos. Parecia que tinha câimbra, os dedos moveram-se dolorosamente. Estendeu e cerrou os punhos e dedos repetidas vezes, até ter certeza de que de fato o fazia. Tateou ao redor, seu corpo estava quente, embaixo de si sentia um tecido sedoso, e por cima, algo pesado, plano e maleável. Devia estar em uma cama. Repetiu com os pés os movimentos que antes fizera com as mãos. Lentamente seu corpo despertava, cada músculo se esticando com esforço. Movia-se pouco, mas já era um bom começo. Que tal abrir os olhos? Abriu, e, não surpreso, constatou que estava tudo escuro. Foi então que uma porta se abriu, e uma fraca luz penetrou no aposento. Pôde ver claramente que ali era o quarto de Yohji, e notou que esse era quem entrava agora, com alguma coisa nas mãos. O amigo se aproximou e sentou-se ao lado. O silêncio durou alguns minutos, e o playboy ficara imóvel. Então, como que despertando, mergulhou um pano na água (ao menos o barulho era esse), torceu e o pôs na testa do moreno. Não podia notar que estava acordado, pois a escuridão impedia. Ken também não conseguia observar a expressão do amigo. Bisbilhotou então o cenário em que se encontrava, com os olhos. Parecia que havia muitas cobertas em cima de si, e, num canto, um aquecedor de ar vibrava. Não acontecia nada, e o jogador não conseguia perceber o que é que acontecia com o playboy, que estava sentado imóvel. Então, silenciosamente estendeu o braço, dolorido, até sua face. Os olhos estavam cerrados, mas se abriram com o toque, e deles escorriam grossas lágrimas mornas. Balbuciou:
-Yohji.... O que houve?
O playboy se inclinou rapidamente, como que se estivesse desmaiando em cima do jogador, e começou a soluçar, enquanto Ken sentia que sua face esquerda umedecia. Mas subitamente o loiro se afastou, postou-se de pé, e virou-se de costas.
-...Estava preocupado...
-Yohji...
-Por que você saiu naquela tempestade?
-... – não tinha certeza se realmente entregaria as flores se não fossem endereçadas a Kaori, mas, por via das dúvidas, omitiria esse detalhe – Eu tinha que entregar as flores.
-Flores?
Yohji se virou, e mesmo na penumbra Ken notou sua surpresa.
-Sim.... Tinha um arranjo na floricultura. Muito bonito por sinal. Poderiam ficar bravos se eu não...
-Não! Não tinha encomenda nenhuma! Eu mesmo me encarreguei de verificar!
-Como assim...? E Aya?
-Ora... A primeira coisa que fiz foi falar com Aya! Xingá-lo por fazer você sair no meio daquela água toda! Mas ele negou tudo, disse que não havia encomenda nenhuma e não havia montado bouquet nenhum!
-...
-Falei com Omi, então. É ele quem tem atendido os telefonemas ultimamente... Mas ele também não sabia de nada. Muito suspeito, achei...
-Você está dizendo que eu não disse a verdade?
-...Então quem sabe voc tivesse recebido alguma encomenda urgente. Mas verifiquei os estoques de flores e eles estavam intactos!
-Você está realmente achando que não disse a verdade.
-...É só o que eu queria, Ken. Não sabe como todos nos preocupamos quando você desapareceu sem dar notícias.
-...
-Não me olhe assim, por favor. Eu sei que você já está bem grande para ter que dar satisfações a quem quer que seja, mas um pouco de consideração não faria mal. Estava preocupado. Estava havendo uma tempestade lá fora, a água estava criando um alagamento bem alto, era praticamente impossível transitar!
-Eu sei...
-Por favor, me diz então... Seja sincero, somos amigos há muito tempo. O que aconteceu?
-...Você está me deixando confuso... Essas coisas que você negou... Tive certeza que aconteceram.
-Como assim?
-O que aconteceu afinal? Me lembro que fui entregar as flores, e na volta você estava ali parado, dizendo que veio me buscar, e me abraçou. Foi então que... – agora parecia vergonhoso citar que um abraço o fizera dormir – ...desmaiei em seus braços.
Yohji se afastou mais um pouco de Ken, parecendo pensativo e preocupado. Que diabos... Está acontecendo afinal? Ken, onde está a verdade?
-Eu saí pela cidade inteira procurando você. Fui de carro, porque era mais seguro. Mas não achei você. ... Então voltei e esperei a chuva passar. Fui procurar você a pé, e fiquei feliz de vê-lo dirigindo lentamente pela água, para não resvalar. Foi só então... – e parou por um instante - ...que eu notei que sua moto estava lenta até demais, de forma que mal se mantinha em pé sozinha. Você estava cambaleando enquanto dirigia, e conforme se aproximava de mim, vi que seus olhos vagavam vazios por lugar nenhum. Quando emparelhou comigo, antes que eu falasse qualquer coisa, você caiu por cima de mim, inconsciente. E desde então eu tenho cuidado de você.
-Falando assim até parece que passou muito tempo...
-E passou, Ken!
-Peraí... Como é que é?
-Se passaram dois dias desde que encontrei você. Você estava encharcado de água gelada... Aposto como você ficou todo o tempo dirigindo debaixo da chuva... Não foi?
-...?
-Você saiu na chuva, sabe-se lá o motivo, e, como se sentiu culpado por ter se arriscado tanto e ter sido tão imprudente, resolveu dizer que tinha ido entregar flores, não?
-...
-Eu sabia...
-Desculpa, Yohji... Fui um bobo mesmo por me arriscar. Não farei isso novamente, se causei tanta preocupação. E ainda ocupei você durante tanto tempo! Não merecia isso...
Yohji mudou sua feição grave para uma mais suave. Mudou o pano na testa de Ken, enquanto ajeitava os cabelos do amigo. Ken... É isso mesmo...? Você parecia mais sincero antes do que agora... O que será que houve realmente que você não quer confiar a mim? Somo amigos a tanto tempo... Em meio a tantas pessoas que conheço e que parecem me amar, eu sei que a única que o faz de verdade é você. Você é o único que irá me ver chorar, é o único que saberá o que há de verdade em meu coração. Então faça o mesmo comigo... O loiro sabia que algo havia de errado. Engoliu em seco para conter o molhado em seus orbes. Ken apenas o fitava, parecia estar ficando cansado. Também, doente como estava... Ele jamais saberia como Yohji havia passado os últimos dias. Toda a tensão, toda a tristeza. E toda a verdade também. Sabia que algo novo estava aflorando, que talvez todos aqueles acontecimentos estranhos que estavam ocorrendo ultimamente estavam indicando um novo caminho, uma hora de mudar, de caminhar rumo a um desfecho conclusivo em suas vidas, e não apenas aquele incômodo hiato de quem não sabe ao certo qual o seu destino. Ken agora lhe parecia uma das muitas chaves essenciais para que ele, Yohji, pudesse encontrar seu verdadeiro eu. Há muito tempo não tinha mais vida, era apenas um corpo sem alma alguma, seguindo unicamente seus instintos, sem pensar, sem sentir. Mesmo nos dias mais calmos não encontrava a paz que havia perdido naquele singular dia de muitos anos atrás, tantos que nem tinha dedos para contar. E, inseguro como estava, vagava por aí, um dia cuidando das flores, outro combatendo o mal, e outro saindo com a primeira mulher interessante que encontrasse. E parecia se divertir. Mas agora começava a se lembrar novamente do vazio que sentira a partir do instante em que sua vida havia mudado pela primeira vez. E sabia que era um tronco oco, uma casca seca, uma planta sem seiva, castigada e fatigada pelo inverno de uma vida melancólica e sem sentido. Os anos passaram de forma incrivelmente veloz, e não havia sentido. E já havia passado dos trinta anos, e nada havia mudado. E então que percebeu que em cerca de dez anos nada havia amadurecido. Nada havia descoberto sobre a vida, apenas que devia vivê-la tentando se importar o menos possível. E a única pessoa que durante aqueles dez dolorosos anos havia se esforçado para mostrar um outro lado havia sido... Ken.
Aya ajeitava um arranjo de tulipas na estufa. Abafou um pouco mais o pequeno aquecedor que ocupava o lugar, sabia que o frio devastador que preenchia aqueles últimos dias acabaria por matar muitas de suas flores. O ano prosseguia, é claro, dentro de um ritmo infernalmente rápido. Logo seria efetivamente inverno, já estavam chegando perto. Ainda assim, já soprava densas nuvens de vapor ao expirar, e já se agasalhava com roupas extras, e isso não estava lhe agradando em nada. Passou então às rosas. Seu belo vermelho agora empalidecia, e suas folhas murchavam, gritando por uma manhã cálida de primavera. O tempo havia limpado um pouco, não havia mais tempestade, e por sorte aquela chuva intragável não havia invadido a Koneko, caso contrário só haveria mais e mais problemas. Ainda assim, havia um persistente chuvisqueiro, que no fim da tarde se transformava numa pancada, para que quando o sol se escondesse totalmente atrás da longa linha plana que era o horizonte, o chão já começasse a parar de respingar as lágrimas celestes. Será que... essa chuva só vai parar quando... eu encontrar minha paz...?
TRIIIIM
Nesse exato instante o telefone tocou, estridente e agudo, perturbador. Até parecia ser de propósito. O telefone andava mais ocupado que nunca, e estranhamente nunca era para tratar sobre flores. Muitas vezes era o hospital querendo saber se ele havia finalmente chegado. Na verdade nunca havia saído. Todo o caso... Deveria ser o hospital novamente. Não queria atender. Não queria saber que graças a sua indecisão sua irmã havia morrido. Também não queria saber que ela estava viva, embora ainda em coma, e que deveria decidir o que seria feito dela. Afinal, poderia autorizar sua morte, ou então dizer que deveriam mantê-la, mesmo que vegetativa, por durante sabe-se lá quanto tempo! Tinha que arranjar um meio de fugir disso, não queria continuar se sentindo responsável pelo destino de alguém, por que não podia simplesmente ficar em paz, descansando e não pensando em nada? Segundo toque. Não ouviu som algum em nenhum lugar. É claro. Há apenas alguns minutos Omi havia se retirado já avisando que pretendia tomar um longo banho quente na banheira para ver se não sentia tanto frio. Ken devia ainda estar desacordado. E Yohji se recusava a sair de perto do amigo desde então. Estranho aquele cara... Não havia comido quase nada, mal dormira desde então, exceto por rápidos e perturbados cochilos, e logo que acordava, se auto-punia por ter se descuidado do moreno. Quando Ken acordar, Yohji vai estar pior que ele. Pensando bem, essa atitude do Yohji era bem semelhante a dele próprio nos primeiros tempos em que sua amada irmã havia entrado em seu interminável repouso. Terceiro toque. Aquilo já era crueldade! Não estavam pensando em fazê-lo atender, estariam? Quarto. Não tinha opção, o telefone iria tocar até arrebentar, mas não seria atendido! Quinto. Sexto. Sétimo. Oitavo. Ah, aquele barulhinho persistente e irritante, por que não parava? É, ia ter que atender. Se tocasse mais duas vezes. Um. Dois. É, ia parar agora. Tinha certeza, isso era claro como o céu! Três. Ok. Estava vencido. Com as mãos trêmulas se aproximou do telefone, os dedos agora pareciam fatigados demais para envolver o elegante bocal e elevá-lo. Conforme ia levantando o objeto em direção ao rosto, ele parecia ficar progressivamente mais pesado, como se mudasse de matéria. Agora era chumbo, uma corrente de martírio atada ao seu membro. Enfim...
-Mochi-mochi?
-Quem está falando? – a voz era masculina, seca e objetiva.
-É... – poderia mentir, dizer que era outra pessoa. Jamais deconfiariam - É Fujimiya... Quem deseja?
-Eu... gostaria de falar...
Era isso. Agora que sabiam que era Aya, iriam dá-lo uma bronca por nunca mais ter ido visitar a irmã e diriam que por causa disso, havia decidido fazer a eutanásia. Por sua culpa, o silêncio do ruivo, a garota que mais lhe era querida havia morrido. Já sentia sua alma chorando lágrimas turvas de sangue.
Julho/2003
