Nota1: Weiss Kreuz não pertece a mim, quem dera!
Nota2: Esta história contém yaoi. Nada explícito, mas ainda yaoi. Se isso não lhe agrada, use o botão "voltar" e seja feliz! Se isso lhe agrada, leia, e seja muito feliz!!!
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Capítulo 8:
...E a semana se passava sem que houvesse sinais do chibi.
Ken passava a maior parte do tempo na cama, convalescente, sob os cuidados integrais de seu amigo playboy. Não se tocou mais no assunto do beijo entre os dois. O moreno tinha certeza de que tudo aquilo não passara de fogo de palha por parte de Yohji, uma alucinação, mas o outro já não pensava igual. Enquanto cuidava de Ken, e conversava com ele, nunca desviava seus olhos dos do amigo, como que se isso pudesse fazê-lo sumir. Cada cuidado, cada termômetro, cada lanche preparado era feito com esmero e carinho. Enquanto Ken dormia, Yohji o observava silenciosamente, a uma distância segura, mas querendo chegar mais perto, aninhá-lo nos braços. Mas se continha, sabia que o jogador não desejava isso, e iria obedecê-lo, ao menos até que este estivesse totalmente recuperado. O observava, contemplando suas faces coradas de febre como quem contempla a um deus, ou a um bebê seu recém nascido. E mal podia conter a umidade em seus olhos tal sua comoção, de querer defender aquele homem, tão grande e, no momento, tão frágil. Agora, encolhido, Ken tinha a luminosidade pura de um adolescente, o sangue derramado por sua bugnuck parecia uma realidade distante e confusa. Às vezes acariciava suas faces, enquanto dormia um sono mais pesado, mas sempre muito suavemente, com medo de acordá-lo e ser repreendido. Agora seu breve paciente já fazia maiores excursões pela casa, e até arriscava um ou outro chute na bola, quando escondido de seu zeloso "médico".
Um único detalhe incomodava Yohji: Omi. O rapaz não mandava nem notícias, ninguém sabia de seu paradeiro. E Ken cobrava, e muito, que Yohji o procurasse. Eventualmente, isso era feito, mas não com boa vontade. O loiro queria poder continuar cuidando de seu amigo, indefinidamente, poder aspirar seu odor fresco enquanto dormia, zelar por seus passos. Além de o afastar temporariamente de Ken, a busca por Omi representava algo a mais, discreto, mas ainda assim incômodo. A preocupação do jogador era a mais exagerada da casa, e qualquer desculpa de amizade não soava suficientemente convincente aos seus ouvidos. Sim, tinha ciúmes, e muito. Não se sentia confortável em saber que seu amado só tinha olhos para outro. E aquilo o feria gravemente, como mil agulhas ferventes sendo espetadas cruelmente em seu coração. Só de pensar em Ken e Omi juntos, seus olhos se marejavam em sal. Não, não queria encontrar o loirinho. Não se isso fizesse com que Ken se afastasse dele. Tudo isso só fazia com que a busca de Yohji por Omi fosse a mais desligada possível, a mais desatenta, sem nenhum cuidado, nenhuma dedicação.
Mas havia quem procurasse o chibi desesperadamente, ah se tinha! Aya não dormia, não comia, só procurava. Às vezes o peso de seus olhos tornava-se demasiado, e então cochilava, de modo leve e perturbado, durante alguns minutos. Nesse período, só sonhava com seu amigo desaparecido.
Num destes sonhos, Omi lhe aparecia todo ensangüentado, com os orbes vazios pingando um líquido negro viscoso, que também lhe escorria pela boca, respingando sem cuidado por seu corpo nu e esquálido. As faces estavam brancas, a pele repuxada sobre sua caveira, prestes a arrebentar, aqui e ali ulcerada em pele necrosada e fétida. As mãos macilentas com os tendões descobertos ofereciam ao ruivo suas palmas, como que pedindo algo de Aya. Sua alma atormentada, seu corpo fatigado, tudo, tudo! E então, com um sorriso – mas não aquele adorável e angelical, era um frio e sarcástico, cruel e malicioso, maníaco e perigoso – se aproximava, e erguia mais e mais as mãos em direção ao rosto do ruivo. Este tentava fugir, se afastar, mas seu corpo não obedecia aos seus comandos, estava paralisado. E Omi nu, ali a sua frente, quase que se oferecendo. Por que não o queria agora? Podia observar atentamente cada detalhe lascivo daquele corpo pueril e virginal. As costelas proeminentes estirando a pele fina por cima de si, as pernas finas, os joelhos ossudos e enrugados. Os mamilos estavam rijos e embicados, tingidos d'um cinza escuro, e seu discreto órgão pendia flacidamente entre as coxas, desinteressadamente. E as mãos continuavam a se erguer, os dedos se esticando, procurando as faces do espadachim, as unhas muito longas e sujas ansiando por pele para dilacerar. Tocou Aya. Aquele encostar suave e gélido logo se tornou em um agressivo arranhado, primeiro penetrando os músculos faciais, depois se curvando para dentro, como se a pele fosse sua luva, e então puxando, arrancando. E aquele mesmo sorriso maníaco. E Aya não podia se mover, apenas gritar, os olhos arregalados e secos. A dor lhe fustigava, sua cabeça ardia, como que se queimasse em chamas, enquanto tinha a vaga sensação de que seu corpo estava todo lavado em sangue. De repente, o loiro se afastava, como que se acuado. Quando conseguiu focalizar onde estava, viu que ao seu lado estava Aya-chan, com os olhos igualmente vazios, o corpo igualmente nu e esticado. Nela também havia feridas, e lhe escorria pelo nariz e pelos olhos um fluído, não negro como em Omi, mas sim de verde escuro que lembrava muito um lodaçal apodrecido. E ela também o observava com um sorriso maligno. Os dois então se aproximavam de Aya, se abaixaram perto, e lhe estenderam suas mãos fedidas até o rosto arrebentado do ruivo, lhe acariciando as feridas, contaminando-as com seu suor sujo. Lhe falavam então em pensamento, questionavam por que o espadachim havia lhes abandonado, lhe culpavam por suas mortes. Aya-chan então chorava, alternando com um sorriso cruel de quem planeja ferir. Omi se deitou então por cima de Aya e beijou-o, a boca fria e áspera, os dentes pontiagudos lhe fincando as gengivas e língua. Fechou os olhos para não enxergar aquela visão grotesca, mas notou que isso só aumentava a liberdade para que fosse esfolado. Em seu ouvido então suspirou: "Sangre... Morra...!" E aquilo pareceu, apesar de sussurrado, um guincho tão agudo, que teve náuseas, sentiu-se prestes a vomitar suas próprias entranhas, e seu rosto ardia. Tinha certeza de que não fora apenas rasgado, que tinham o banhado em ácido sulfúrico também. E então foi tomado de um terror tão grande que seu corpo contorceu-se em espasmos.
Nessa ocasião acordou em um sobressalto, a respiração ofegante e o corpo encharcado de suor. O quarto estava com a porta e as janelas fechadas, o escuro lhe oprimia. Não podia negar que estava assustado, e que seria bem agradável se fosse possível ao menos enxergar o que havia no quarto. Aquele silêncio era tão profundo e denso que parecia comprimir seus pulmões. Esperou alguns minutos, mal podendo se conter diante da expectativa de ouvir algum ruído. Silêncio total, tão presente que era quase palpável. Tateou o ar na escuridão, como se sua mão pudesse topar em alguma coisa no meio do caminho, ali no ar, a sua frente. Nada. Manteve a mão estendida naquele vazio negro, que não podia enxergar nada, nem seus braços, nem sua cama, nem onde ficava a porta ou a janela. Sentiu uma brisa suave na ponta de seus dedos. Não, só podia ser impressão, afinal, as janelas estavam completamente fechadas, não? Era melhor parar de ter medos bobos, afinal, se conseguira liquidar com a Schwartz, porque temer sua própria mente? O que tivera havia sido um sonho, nada mais. A não ser que aquela brisa tivesse vindo de uma... respiração. Recolheu bruscamente as mãos para perto de si, como se demorasse pudesse fazê-las não estar mais ali.
Chega de bobagens, Aya... Você já é adulto! O que está pensando??? E riu de si mesmo, mas sem fazer som algum, por via das dúvidas. Estaria ficando insano? Nunca tivera medo de nada, e agora sua nuca se arrepiava só por uma breve e ilusória sensação física, que poderia muito bem ter sido imaginada e materializada. Quantas vezes isso não acontecia? Deitou-se novamente, se enrolando nas cobertas. Por via das dúvidas, cobriu-se bem até o pescoço, como se aquela pequena manta servisse de escudo, ou, no mínimo, de esconderijo. Sabia que não conseguiria dormir, porque desde que Omi sumira, suas insônias pioraram drasticamente. E agora, com a mente fatigada, a própria lucidez parecia dissolver-se naquela escuridão, e foi invadido por uma tormenta de pensamentos confusos e enevoados. E aquele silêncio... Acomodou-se mais uma vez na cama, virando-se agora de frente para a porta, abandonando às suas costas as janelas. Fechou os olhos bem apertado, e pensou na imagem sorridente de Omi. Mas, fatalmente, acabava vindo-lhe a imagem maligna do loirinho, aquela a qual recém sonhara. Acalmou-se, e novamente acabou por cochilar.
Não se passou muito tempo, pois ainda estava tudo tão negro quanto antes, mas, mesmo sem ter sonhado, Aya despertara novamente. Qual seria o motivo? Então sua mente sobressaltou-se, perdeu completamente o sono. Seu corpo imediatamente entrou em estado de alerta, reagindo a algo que parecia próximo, muito próximo. O que havia lhe acordado fora um som, um rangido imediatamente atrás de si. Onde ficava a janela. Por que ela rangia? Lembrava-se que antes de dormir havia lhe trancado! Um arrepio desceu por sua espinha, não estava apenas com medo, estava aterrorizado. Tentou mover-se, seguir sua razão, virar em direção a janela e encarar frente a frente o que lhe atemorizava. Mas seu corpo recusava-se a mover, não permitia arriscar o mínimo roçar de lençol, o mais tímido estalar de estrado. Não conseguia sequer abrir os olhos, por não ter coragem de enxergar algo realmente ali! Esperou, respirou fundo. Uma corrente de ar refrescava-lhe as costas, e o ranger da janela continuava... Ela ia e vinha, batendo contra a sua estrutura. Esperou, esperou. Podia sentir que não estava só, mas nada acontecia. O mesmo som assustador, mas monótono, a mesma ventilação, nada mudava. Ainda assim, estava sobressaltado demais para voltar a cochilar, a adrenalina percorria velozmente cada vaso de seu corpo. Não podia mais esperar. Dentro de seu terror, Aya já estava impaciente de expectativa. Abriu uma fresta de olho. Constatou, e não sabia se isso era bom ou ruim, que o quarto estava levemente iluminado. Enxergava uma penumbra. Na parede um jogo de luz e sombra brincava ao sabor das árvores do lado de fora., e isso era tão fantasmagórico. Varreu o cômodo o quanto pôde só com os olhos, sem mover o corpo. Não conseguia enxergar nada de novo, além das velhas tralhas atiradas e não guardadas desde que sua mente se concentrara apenas em Omi. Porém... O que significava aquela outra sombra ali no chão? Era razoavelmente grande, o suficiente para ser uma pessoa. Lembrou-se da dor de seu rosto rasgado, como se aquilo ainda estivesse vívido. Mas era óbvio que não era nada disso, devia ser apenas mais um amontoado de roupas. Omi costumava entrar em seu quarto todo dia para recolher as peças sujas, mas desde que sumira, Aya sequer notara o detalhe, que agora explicitava a ausência de seu amigo. E o rangido continuava... E... Era impressão sua, ou no segundo em que desviara os olhos o negrume misterioso se aproximara? Não podia ter certeza, mas fixou o olhar ali. Não se movia, mas misteriosamente parecia estar mais e mais perto. Os músculos gemiam de cansaço por não mudar de posição, mas era inevitável. Seu corpo recusava-se a reagir. Apenas observou. Longamente, já não poderia dizer quantos minutos se passaram enquanto Aquilo se aproximava. Se fechasse os olhos, jamais os abriria novamente, pois Aquilo perceberia a distração, e, guiando-se por seu cheiro, aninharia-se ao seu pescoço, onde na tenra pele abriria facilmente passagem para suas garras.
Mas nada acontecia –ainda. A tensão tornava-se insuportável, a adrenalina liberada mas não usada enrijecia e fatigava seus músculos, e agora, o efeito oposto acontecia, e ia ficando entorpecida numa dormência desconfortável, enquanto seus olhos suavemente começavam a arder e pesar, implorando para cerrarem-se. Logo, acabaria adormecendo sem querer, e então, não sabia qual era seu destino. Não sabia como reagir. Quem sabe devesse se erguer, correr furtivamente até o interruptor e acender a luz? Sim, a luz! Ela lhe traria a confiança necessária. Fantasmas não seriam tão aterrorizantes na luz. Mas... Aquela coisa misteriosa estava exatamente entre ele e o interruptor, como se aquilo tivesse sido armado estrategicamente. E então, quando se esgueirasse, mãos rápidas e traiçoeiras lhe agarrariam o tornozelo, envolvendo sua perna com dedos esqueléticos, e lhe puxariam firmemente para o chão, onde o beijo da morte seria concedido. O que fazer? Continuou parado, rendido em sua covardia.
Um som diferente. Teve certeza agora de que não era mais a janela ou qualquer similar. Havia sido aquela coisa no chão que se arrastara. Teve a vaga sensação de sua bexiga aliviar sua tensão nos lençóis. Por sorte, parecia que aquilo lhe aquecera as pernas, ou então apenas tivera repugnância daquele contato quente. Mas o certo era que acabara por se mover, e não percebendo grande reação, levantou-se e foi correndo até a parede. Assim que ficou de pé, já enxergava sombras se erguendo ao seu redor, tinha certeza da ameaça assassina que agora lhe perseguia. Notava o maciço obstáculo a sua frente. Já não podia voltar atrás. Agora sabia-se notado, não havia mais como se esconder. Então correu em direção ao ser que temia, se aproximou, desviando apenas o suficiente para não trombar com Aquilo. Mas seu pé prendeu-se em algo, enroscou-se. Era seu fim, já sentia seu corpo retalhado. Foi caindo com o pé abandonado atrás, e seus braços estendidos para o ar procuravam qualquer ponto de apoio. Bateu no abajur que ficava em seu criado-mudo, trombou em mais uma série de objetos, derrubando tudo no chão. Com o pé ainda preso, jogou o primeiro caco afiado de porcelana que encontrou contra aquela sombra sem forma definida, enquanto suas extremidades eram atacadas por uma dor lancinante. Seu rosto continuava intacto, nada tocara nele, ainda assim, voltara a doer como em seu sonho. Talvez tivesse materializado as sensações devido seu terror, mas agora que estava em batalha, e se via sem muito caminho, seu primeiro impulso foi tatear desesperadamente a parede. Resfolegava, enquanto feria as mãos de tanto as esfregar contra o reboco. Enfim, encontrou a pequena e salvadora saliência. Apertou.
Continuou escuro. A luz não acendera. Fora traído por sua própria casa, e agora morreria sem sequer saber a aparência de seu assassino. Sentia-se gelado, como se estivesse morto antes mesmo de receber sua sentença final. Tentava se soltar daquela armadilha, mas não conseguia. Agitava-se, se debatia, e só conseguia ficar ainda mais preso. Agora se perguntava como é que ninguém na casa acordara ainda com tanto barulho. Encostou mais uma vez no interruptor. Sabia que Aquilo fizera alguma coisa para que a luz não se acendesse, mas não tinha mais nada a perder. Estava entrando em choque, colapsando em pânico puro e gélido. Apertou.
Nesse mesmo instante, a luz inundou o quarto, de modo tão claro e repentino que parecia que iria cegar. Debateu-se mais um pouco contra aquela coisa escuro enrolada em seu pé e conseguiu soltar-se. Mas ainda não enxergava claramente, e só após um minuto conseguiu olhar com os olhos bem abertos para tudo ao seu redor. Ao lado de seu pé, realmente um amontoado de roupas, misturado com alguns pratos, talheres e papéis amassados. Nada muito distante do que imaginara em algum momento racional. Olhou para toda a sujeira que arremessara ao chão em seu desespero, o prejuízo! E sua perna toda cortada, envolvida em centenas de caquinhos de vidro e porcelana. Aya envergonhou-se de si mesmo por ter tido medo. Que bobagem. Que fiasco! Que nunca alguém soubesse o que ocorrera naquela madrugada. Chegou até a janela semi aberta e fechou novamente, certificando-se que estava muito bem trancada. Até deu uns puxões e empurrões, só para garantir. Foi então até a área de serviço pegar vassoura, panos, produtos de limpeza. Tomou um calmante, para ter certeza que dormiria de verdade agora. Olhou-se no espelho, sonolento. O rosto tinha vários cortes nas laterais, mais ou menos onde sonhara ter sido esfolado. Mas devia ter sido por causa do tombo final. Porém... Não se conformou com os hematomas enegrecidos nem com algumas cicatrizes que pareciam pertencer à marcas profundas. Era estranho, mas não seria bom pensar nisso agora.
Entrou no quarto e limpou tudo com parcimônia, organizando também, para ter certeza de não se assustar mais com vultos de madrugada. Fez ainda curativos em si mesmo, no banheiro. Seu rosto estava péssimo. Voltou ao quarto, fechou as janelas e desligou a luz, agora para um sono profundo. E nem pensou que já havia fechado-as antes.
Omi acordou lentamente. Seu corpo, fatigado e alguns quilos mais magro, tentou se erguer do chão, mas não conseguia. Câimbras lhe doíam no corpo inteiro, onde hematomas, em imensos círculos tintos, brotavam como beijos em sua pele de pêssego. Tudo doía, tudo machucava. Já não podia dizer se tivera uma decisão sensata, mas tinha a certeza de que, ao menos, arranjara o modo mais confiável de não ser rastreado. Não queria que a Kritiker, e muito menos seus amigos, soubesse onde estava. Por bondade, iriam tentar resgatá-lo, ajudá-lo. Mas não era o que queria. Como que numa inspiração de independência, quis, essa vez, fazer tudo sozinho. Até porque já tinha uma vaga noção do que o esperava, e era assustador demais para envolver os outros juntos. Não queria acreditar até agora, mas tinha que arriscar. Tinha medo de coisas piores, como solidão, e isso era algo que já estava acostumado. Logo, nada o amedrontaria. Ia fazer tudo sozinho. Se não morresse antes, é claro.
Precisava ser esperto e ágil como um gato, dormir pouco e leve, sempre atento. Tomara muitas precauções de segurança. Dentro daquele cubículo, havia apenas o primordial para sua existência: seu computador, sua besta, muita munição, alguma comida. Só. Parecia um mendigo. Não tomava banho nem trocava de roupa há dias. Mas era necessário.
Já fazia bastante tempo quando começara a economizar algum dinheiro. É claro que recebia bastante, mas sempre gastou quase tudo no seu computador. Após tanto tempo, ao menos podia dizer que era capaz de comprar uma boa casa, talvez um carro, e viver com um bom nível de vida até o fim de seus dias. Agora, mexera em sua poupança, embora apenas um pouco, e comprara um trailer. Era pequeno, sujo e úmido por dentro. As paredes tinham marcas antigas de gordura. Por fora, a tinta descascava e apareciam manchas de ferrugem. Não devia reclamar. Fora o mais barato que conseguira arranjar em sua urgência. Instalara-se em um camping na periferia da cidade. Ficava dentro de seu novo – e com sorte, provisório – lar a maior parte do tempo, não queria se expor ao ar livre, principalmente de dia. Mas, nas raras ocasiões em que saía, conseguira fazer alguma amizade com uma cigana idosa e muito simpática, que lhe lia quinhentas desgraças na mão, um garotinho de cinco anos que adorava raspar com uma faca a ferrugem de seu trailer, uma mãe solteira de cinco crianças, todas lindas e carinhosas, apesar de muito pobres, tanto que nem tinham sapatos ou qualquer "luxo" assim, e uma jovem de aparentemente doze anos.
Agora, bastava esperar. Sabia que em algum momento o inimigo viria ao seu encontro. E deveria enfrentá-lo, custe o que custasse. Não faria diferença se estivesse acompanhado, mas tinha a vaga idéia de os outros já haviam encontrado aquela pessoa antes, e que talvez fosse necessário estar só para que ela viesse ao seu encontro.
Os dias agora vinham esquentando, já podia usar apenas um moletom. Um velho, é claro, já que qualquer uma de suas roupas normais era chique demais para um lugar tão sujo como aquele. Agora era uma noite clara, com muitas estrelas pontilhando o céu. Com o calor que ocorrera durante o dia, certamente iria chover mais tarde. Saiu para a rua, com um pacote de salgadinhos na mão. Por aquele dia, já estava cansado de esperar e de usar o computador, por mais que gostasse. Logo veio a cigana ter com ele, enquanto carregava no colo o menino, e, atrás deles, os três maiores daquela mãe. Cumprimentaram-se.
-E então, quer ver seu futuro novamente, meu menino?
-Não não... Estou começando a ficar com medo... – e riu.
-Ora, que mudança!
-Eu costumava ser bem cético, mas agora...
-Cético?
-Bem, eu não acreditava em nada,
-Claro, claro.
-E o futuro desses meninos, como vai? – e afagou a cabeça do menor.
-Ah, eles vão ser muito bem sucedidos... Vão estudar bastante, passar na Universidade de Tóquio, se casar com lindas moças...
-Lindas... – e pensou na Ouka, embora não com saudade.
-Aliás, como vai Yuki-chan?
-Hein?
-Ora, eu sei que vocês andam pra cima e pra baixo juntos... – e a velhinha riu safadamente.
Omi corou violentamente, enquanto negava tudo, agitando as mãos.
-Não temos nada! Ela é só minha amiga! Recém a conheci!
-Recém conheceu quem, Omi-chan?
-Yuki-san?!
A garota apareceu do nada de trás de cigana, enquanto ria curiosa. A velha se retirou e as crianças se dispersaram.
-Então, Omi-chan, como anda? Passou o dia inteiro fugindo de mim, se trancando naquele teu muquifo!
-É que dormi até agora... Ando trocando o dia pela noite...Mas... Muquifo!?
-Sim sim! Aqui todos somos pobres, mas você me parece o pior... Mas... Às vezes você parece tão sábio e estudado!
-Ora, herdei um ou dois livros de meus pais...
Mentiroso!
-Ah é, depois daquele incêndio...
Se Omi sempre se fingia feliz, dessa vez fez o contrário. Afinal, queria provar para ela que era aquilo que afirmava ser. De certa forma, podia usar esse meio para desabafar o que realmente sentia. Expressar sua solidão, o modo como enxergava o mundo. Inventava para convencê-la, e inconscientemente, só dizia verdades. Mas não podia, não queria admitir isso, era vergonhoso. Como se de repente, essa fosse uma grande fraqueza.
-Quer conversar...?
-...Sim...
-Eu sabia... Vamos ali atrás, sim?
-Sim...
--
-Omi...
De novo pronunciando o nome dele durante o sono... Yohji espremeu os olhos para não chorar... Era a terceira vez só naquela noite em que seus breves cochilos ao lado de Ken ouvia-o murmurar amorosamente aquele nome. Ok, podia não ser de modo amoroso, ainda assim, explicitava que o moreninho estava pensando unicamente no chibi. Ficou mergulhado naquela amargura amorosa enquanto ficava contemplando a imagem de seu querido ali dormindo tão serenamente. Se ao menos pudesse beijá-lo assim... Suavemente... Tão delicadamente que não pudesse acordá-lo... Seu coração bateu um tantinho mais forte ante aquela possibilidade. Mentalizou a sensação. Repentinamente, uma mão agarrou seu braço. Era Ken. Arfava, com os olhos preocupados.
-Que foi? Está sentindo alguma dor? – e começou a tatear por algum remédio.
-Não...! Eu... Tive um sonho...
-Ah, um pesadelo... – e se acalmou, acariciando a pontinha do cabelo do moreno, de modo paternal.
-Estou preocupado... E... Preciso pedir um favor...
-Fale!
-Mas é muito urgente... Por favor, faça isso.
-Ok...
Aposto que vai pedir que eu concentre ainda mais esforços em achar Omi, pelo jeito.
-Quero que você vá até a casa de uma amiga minha. O nome dela é Kaori.
Outubro/2003
