Nota1: Weiss Kreuz não pertece a mim, quem dera!

Nota2: Esta história contém yaoi. Nada explícito, mas ainda yaoi. Se isso não lhe agrada, use o botão "voltar" e seja feliz! Se isso lhe agrada, leia, e seja muito feliz!!!

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Capítulo 9:

-Ka... Kaori?

-Sim... Por favor!

-Mas quem é ela? O que há?

-Só faça isso, por favor. Eu dou o endereço e você a procura. Pergunte como está. Se bem que acho que você não a encontrará...

-Mas então... Por quê?

-Porque quero ter certeza absoluta de que realmente não vai haver ninguém!

-Ah bom. E...

-...?

-Você gosta dela?

-Me sinto feliz perto dela, mas não estou tão seguro quanto a isso...

-Você parece confuso, Kenken...

-Só faça isso, por favor.

-Bem, a noite recém começou... Melhor fazer isso de manhã... Pode esperar?

-Preferia que não, mas acho que não vai acontecer nada de tão grave agora... Acho que posso esperar sim.

Perfeito.

-Você não quer sair hoje?

-Hein? Como assim? – Ken se ergueu um pouco da cama, surpreso. Fazia tempos que não saía de casa, e Yohji, cuidadoso como estava, não permitia qualquer tentativa. Seu máximo tinha sido uma breve visita até o jardim! Mas agora recebia um convite...?

-Vamos jantar fora! Eu confesso que... – e passou a mão na nuca, parecendo até envergonhado, algo tão atípico do playboy - ...meio que cansei de sempre ficar fazendo comidinhas e etc... Então... Um restaurante... Sempre é bom, não?

-...

-E aí, topa?

Posso ver nos olhos dele que as intenções são as mesmas que as daquela vez em que ele me beijou... Talvez não pretenda um "ataque" tão direto, mas está tentando me conquistar... Ele não entende que o que eu sinto não é falta de interesse... E sim um interesse muito maior em outras coisas. Ele é meu amigo. Amigo. Amigo! Não posso misturar! Não tenho... Não tenho atração por ele... Todo o caso... Vale pelo passeio, não?

-Tu... Tudo bem.

-Você já pode tomar banho por si, não?

O moreninho corou violentamente. Não gostava de ser lembrado que precisava, tal qual um bebê, ser ajudado no banho. Ainda por cima por Yohji, o homem que o desejava! Nem sabia explicar como seu amigo playboy não tentara nada durante nem mostrara sinais de excitação. Ficava até impressionado com esta resistência, pois o jogador estava bem vulnerável naqueles momentos. Até esperava alguma coisa. Mentiria pra si mesmo, mas era inevitável que se decepcionasse ao menos um pouco ao ver que o loiro não demonstrava claramente seu desejo por ele. Feria seu orgulho, que por tanto tempo quisera ser desejado ardentemente. Que fosse um homem. Que fosse Yohji. Ainda assim, mostrava que ele não estava tão ruim assim de aparência e personalidade, nem ficando tão velho. Era bom ser amado. Mas jamais admitiria isso, até porque essa era uma questão de amor próprio, e não pelo outro.

-Posso...

-Então se arrume já! Encontrarei você na sala, ok?

E saiu animadamente do quarto. Era como se tivesse ganho o grande prêmio na loteria, tamanha sua exaltação. Ken sorriu em silêncio, para si mesmo, satisfeito e orgulhoso. Sentado na cama, abraçou os joelhos e pousou sua cabeça para o lado, sonhadoramente. Podia até imaginar alguns momentos, declarações, contas de estrelas, beijos roubados entre uma garfada e outra, que ele, obviamente, recusaria solenemente. Nada como um inocente jantar entre amigos. E quem sabe assim pudesse tirar de sua cabecinha o terrível pesadelo que tivera há poucos minutos? E ainda conquistaria a confiança de Yohji para que o ajudasse com mais empenho.

Cada vez que perguntava ao playboy como ia a busca por Omi, podia perceber a voz dissimulada, a brevidade no assunto, o interesse falso, o desinteresse explícito. Falava do amigo desaparecido com casualidade, até indiferença, numa frieza que nunca imaginaria encontrar naquele playboy. Era amado possessivamente, sabia. E também notava que, no fim, Yohji não havia sido sua melhor escolha para buscar Omi.

Se ao menos... Se ao menos pudesse saber o que Aya estava fazendo...! Conhecia muito bem o passado quase amoroso, Omi havia lhe contado tudo! Ainda podia recordar com saudade dolorosa quantas vezes em seu ombro aquele rostinho meigo e choroso se afundara, e em seu peito, aos prantos, pedindo proteção. Porque Omi havia esnobado quem agora amava, e isso lhe doía. E ele... Ken... Ele só podia tentar consolar aquela ainda criança, lhe abraçar, lhe dar conforto e carinho. E se afeiçoava profundamente àquele menino. Queria lhe lamber as lágrimas, o apertar contra si. Mas era tão frágil que poderia se quebrar em algum desses carinhos mais intensos, ou, na mais cruel hipótese, se ofender!

Arrumou-se com esmero. Fazia tempo que não saía de casa, via-se pálido e de rosto abatido. Já tinha emagrecido alguns quilos, e ficar fechado naquela casa - agora tão vazia e sem vida na ausência de Omi – não ajudaria em sua saúde. Abriu um sorriso grande para o espelho, contemplou-o com simpatia e uma quase adoração. Só a idéia de sair de casa o revitalizava. Tomou um banho com pressa, apesar do capricho, e ajeitou o cabelo com um perfeccionismo típico para Yohji. Pôs a roupa mais nova que tinha, mais elegante, e saiu do quarto. O playboy estava sentado pontualmente no sofá, as pernas cruzadas e um livro aberto no colo. Mas nem observava as páginas. Tinha os olhos, o coração, a boca, tudo voltado na direção do moreninho. Para quem havia lhe dado um fora, estava muito bem arrumado e composto. Deu um sorriso simpático e calmo, se levantou, tentou manter o queixo não muito caído, e puxou Ken pelo braço. Teria a satisfação de o ter em seu carro, após tanto tempo!

Mais uma semana se passou, e Aya estava desesperado. Não tinha pesadelos porque não dormia, não se distraía porque Yohji e Ken andavam sempre aos cochichos pelos cantos, sem lhe dar atenção. A Kritiker nada sabia, e, ao menos para Aya, nada dizia. Como poderia se sentir bem? Era por sua causa que Omi saíra de casa, sabia disso. Agora, sentia-se responsável tanto por Aya-chan quanto por ele, e isso só lhe fustigava a consciência, machucando como barras de aço em brasa ao serem chicoteadas contra o couro humano. Queria cortar os pulsos, se destruir, aliviar a alma. Quem sabe a culpa então fluísse, junto com o sangue, para fora de seu corpo? Fechou os olhos com força. Era uma violência tal que suas pálpebras ardiam e os cílios entrelaçavam-se. Nem notou, mas agarrava a si mesmo, braço em torno de braço, as mãos apertadas fortemente ao redor da carne de modo que os tendões esbranquiçaram-se e salientaram-se como que querendo arrebentar a fina pétala da pele. As unhas bem feitas e levemente compridas cravavam-se furiosamente no músculo, e por entre elas escorria um tímido filete de sangue, que pulsava com a animação de quem está fugindo d'uma prisão muito apertada. Odiava-se, sim, era isso. Sentia repulsão pelo sofrimento que causava e ainda causaria, em sua impotência em controlar a situação. Em pensar que durante tantos anos fora o estimado líder da Weiss. Agora, fora das missões, percebia que em sua vida pessoal havia deixado tudo em descontrole, e não conseguia segurar nada, nem deter, porque seu desespero era um cavalo selvagem sem rédeas. Omi... Aquela palavra ecoava em sua mente repetidamente, em entonações diferentes mas sempre constante. Pensava em cada sorriso, em cada lágrima. Em cada gota de sangue e suor que pingava durante as missões. Sabia que era o maior causador da infelicidade do loirinho. O garoto já era triste naturalmente, mas podia ter ficado apenas com aquelas feridas, não precisava de mais e mais.

Foi até a Koneko, começou a armar um arranjo desinteressadamente. Gérberas... Gérberas rubras e frondosas. Pegara aquelas flores ao acaso, mas agora até parecia uma ironia do destino. Eram as mesmas flores de quando...

-Omi...?

-...

-Omi, fale comigo.

-...

-Certo, por que você faria isso se fui eu quem se afastou primeiro, ne?

O loirinho virou o rosto para Aya, mas sua expressão era tão glacial que atordoou o amigo. Murmurou entre os dentes.

-Fale então.

-Eu...

O garoto voltou novamente o rosto para suas atividades, como se o espadachim sequer estivesse ali. Mas sabia que, de certo modo, tinha a atenção do chibi. Tinha que estar ciente disso, pois Omi agora faria o máximo para provocá-lo. Sabia que essa não era uma situação natural, e que em geral faria tudo para parecer agradável a todos. Então, se agia tão friamente agora, era porque estava decidido a se excluir.

-Eu menti para você.

O pequeno mordeu discretamente os lábios, e as mãos que equilibravam lindas gérberas em um tabuleiro se desequilibraram um tantinho. Ainda assim não olhou para o mais velho.

-Não fiquei magoado por você ter falado de Aya-chan. Na verdade, fiquei bastante agradecido.

-Certo...

-E... Não quero que você perca contato comigo. É meu amigo, e quero que continue assim. Você é o único que conversa comigo, é minha companhia, meu apoio. Fico melhor com você.

-Mas não agiu como se fosse assim!

-Você disse que não desistiria de mim, mas nunca mais tentou nada.

-Claro que não. Se quiser alguém de volta, dê a liberdade a ela. Assim, quem sabe, ela sinta saudades!

-Então... Então eu sinto. Mal vivo ultimamente. Sinto falta de conversar com você, de seus abraços.

-Então por que se afastou?

Omi agora desviara a atenção das flores e encarava fixamente o rosto de Aya, tão apaixonadamente como se o espadachim pudesse desaparecer com um piscar. O ruivo então pegou as mãos do pequeno carinhosamente, e beijou-as sofregamente, como se beijos apagassem feridas da alma.

-Omi, você disse que gostava de mim como irmão...

O loirinho corou levemente e desviou o olhar como fizera antes. Cruzou as pernas, desconfortável.

-Porém, eu me magoei com isso. Porque não era o que eu esperava.

-Aya...

-Não é o que eu sentia... E sinto... Por você...

Omi arregalou os olhos, o rosto todo escarlate. Parecia que dessa vez havia entendido o recado, mas ao mesmo tempo expressava choque e temor. Aya tocou seu rosto suavemente, que o chibi afastou com um quase pudor.

-Omi, deixe eu amá-lo, por favor!

-Não..! Não!

O menino parecia assustado. Recusava, recusava e sacudia a cabeça em negativas incoerentes. Até parecia que procurava desculpas para negar algo que sentia na verdade, e isso enlouquecia Aya. Quando pensara em se declarar, mentalizara mais de uma vez sorrisos e abraços, beijos e afagos, mas nunca um recusa assustada de repugnância. Omi parecia histérico, e Aya tentava segurá-lo, abraçá-lo, enquanto o loirinho deslizava para longe. O adulto tentava segurar pulsos fugitivos, e enlaçar cintura distante, e sequer notava os gritos de pavor daquela criança.

-Saia! Não quero!

E aquele rosto tão lindo parecia implorar por um beijo, era quase um pecado deixá-lo imaculado. Queria enchê-lo de beijos, cobri-lo de todos os carinhos possíveis.

-Saia!

Forçava o menino de um modo até violento, mas já estava cego.

-Eu amo você, Omi, por que está evitando logo tão óbvio entre nós dois?

Subitamente o rosto do chibi se acalmara, mas Aya não se sentia mais dono das próprias ações, parecia ser afastado. E quando deu por si, era Ken que ali chegara furtivamente, o agarrara e o afastara para longe. Antes que o líder reagisse, recebeu um pronto soco no ventre, que lhe imobilizou. Enquanto se contorcia no chão, ouvia murmúrios de alívio, e as vozes se distanciando.

Depois desse episódio, nunca mais tiveram a mesma intimidade, ele e Omi. Não tivera mais coragem de chegar perto, após aquele pequeno ataque de insanidade e paixão. O chibi o observava de longe, com receio. Muito raramente com uma expressão de saudade, nostalgia. Um certo amor, talvez. Mas os olhares eram sempre furtivos, escondidos. Cheios de cautelas exageradas. Uma ou duas vezes ainda tentara agarrar Omi. Este até retribuía um ou dois beijos, mas voltava a si muito rápido, e voltava a fugir. E Ken sempre estava por perto, desgraçado, sempre pronto a defender aquela criança de seu aliciador, sempre a abraçando, na sua frente! E sabia que isso induzia o chibi ao auto-controle, que ter alguém com quem conversar impediria que ficasse com saudades de Aya, pois estaria distraído! E notava os olhares desconfiados, acusadores de Ken. Com certeza o jogador não queria dar chance de os dois ficarem juntos, estava se intrometendo, pecando, maculando a relação!

Olhou para suas gérberas, estraçalhadas entre os dedos. Transmitira a elas o ódio que sentia de si mesmo, a raiva, a repugnância. Era pior para si que um inseto. Não apenas prejudicava aos outros como a si mesmo, e, em sua linha de vida, podia marcar com uma hidrocor negra todos os quinhentos pontos, aqui e acolá, onde cometera pecados graves dos quais se arrependia profundamente. Desejava ter um apagador, e então redesenhar toda sua triste trajetória, só que desta vez com cores mais brilhantes, e com formas mais suaves. Amaciaria e nivelaria cada agulha, lixaria cada farpa.

Omi entreabriu os olhinhos azuis e úmidos lentamente. Ainda estava naquele mesmo trailer de antes. O chão estava mais sujo, a pequenina janela mais opaca e seu corpo mais fragilizado. Se antes precisava se esforçar para parecer-se com todos aqueles mendigos e ciganos, agora precisava fazer o mesmo para parecer-se digno como eles. Estava mais que trapo. Estava sujo, suado, cansado, esquálido. Sua pele macilenta azulava ao tom das veias saltadas, que pulsavam com sofreguidão, querendo dar forças às pernas para que arrastassem o miserável garoto de volta ao seu confortável e limpo lar.

Já fazia semanas que se resguardara naquele cubículo fétido para encontrar o seu fantasma, e destruí-lo como pudesse. Era àquilo que seu computador o conduzira, e ainda detectava que ali estava a origem de todos os problemas. No início não confiara nos dados imprecisos, mas horas e horas a fio detectando e solucionando complicadas pesquisas e dados de pontas soltas, atara-as uma a uma, e chegara naquele fim de mundo. E logo agora, era obrigado a esperar e esperar, sem saber quando é que encontraria a solução. Aquela tormenta o fustigava, maltratava. Odiava a ansiedade de esperar cada novo dia sem saber qual seria sua surpresa, e mais uma vez nada acontecer. Enquanto isso, a mancha espectral que surgia em sua tela se expandia cada vez mais, e a localização de Omi era exatamente... no núcleo. Algo estava o desviando do óbvio. A solução devia estar em suas mãos, mas não conseguia encontrar! Estava ficando cego? Ou será que aquele fantasma, ou seja lá o que fosse aquela coisa gigantesca, estava ao redor e ele nem percebia?

Agora, sentia-se totalmente abandonado. Perguntava-se como é que seus amigos não haviam o encontrado ainda. Talvez nem tivessem o procurando. Esse era um segundo fantasma a se enfrentar, o da rejeição. Mas o próprio Omi não o identificava, e sua alma ia se contaminando mais e mais daquela cegueira mórbida e constante. Por que conseguiria destruir uma entidade espectral maligna se ele não conseguia destruir suas próprias inseguranças? Mesmo passado tanto tempo, não conseguia apagar as impressões que um abandono de tanto tempo atrás haviam gravado em sua alma. Bem, ainda havia todo aquele mal entendido com Aya, e mais aquele com Ken. Enfim, a situação nesse ponto não estava boa. No fim das contas, até melhor que estivesse sozinho mesmo. Assim ao menos sabia que não havia ninguém a quem se apegar e se decepcionar depois.

-Pensando em quê?

-Hein!? Como você entrou aqui?

Yuki apenas sorriu meigamente, apontando para a porta.

-Morceguinho, já é noite novamente, imagino que você queira dar um passeio e tomar um ar. Já faz dias que você não sai daí! – a menina olhou ao redor com a cara constrangida – E... antes vamos dar uma limpada nisso, sim?

O chibi apenas a olhou friamente. Já estava cansado disso. De pessoas que entravam em sua vida, só para saírem depois. Se viessem a ser amadas por ele, que ao menos não se afastassem nunca mais!

-...Ok, vou embora.

-Co-Como?

-Você ficou me olhando com esse ar de repreensão... Já percebi que não sou bem vinda aqui. Tudo bem, vou sair desse muquifo.

Ela caminhou com uma vagareza quase tortuosa para Omi. Lhe dava bastante tempo para pensar nas conseqüências daquela frieza. Perderia mais uma amizade. Omi sabia que ela estava querendo fazê-lo pedir desculpas e voltar atrás com aquele comportamento. O loirinho não sabia como reagir. Iria estragar tudo novamente? Será que finalmente algum relacionamento daria certo, até porque era diferente de tudo o que havia tido antes, de tudo o que havia esperado, o que o tornava mágico, e então agora estava o desperdiçando por alguma insegurança boba? Não é insegurança boba... Se não considerei esse receio algo bobo quando estava com Aya, ou Ken, por que devo considerar agora, no perímetro da vida? Tudo o que eu fiz foi evitar, inteligentemente, as grandes decepções.

Agora Yuki estava parada, o olhando seriamente, já debaixo da esquadria da porta. Foi se movendo lentamente para o lado de fora, demorando-se sedutivamente. Olhava esperançosamente para dentro, onde Omi parecia ensaiar uma frase de arrependimento. Esperou, mas ele apenas ergueu a cabeça, e a abanou. Seus olhos mostravam aquela mesma tristeza de sempre, mas agora, agoniados como estavam, não pareciam possuir a mágoa orgulhosa de sempre. Aquela que diz estou assim e você nada pode fazer para me ajudar. Dessa vez, chegava a implorar por carinho, mas, por favor, que não se fizesse admitir isso. Que ela apenas fizesse seu trabalho e ficasse ali, sem jogar em sua cara que ele dependia daquilo. Yuki entendeu perfeitamente aquela expressão. Podia lê-la, e isso sempre fora natural para ela. Outra pessoa poderia não entender Omi tão bem quanto ela acabara de entender. Deu meia volta e chegou perto, muito perto dele. Tocou sua face e lambeu suas lágrimas. Ele se arrepiou e encolheu com aquela proximidade, tão íntima e acolhedora quanto uma ameaça à sua proteção interna. Acabaria se rendendo àqueles braços que o envolviam como poucos o fizeram. Ninguém saberia. Era como se a porta de seu imundo trailer estivesse trancafiada, e, do lado de fora dela, houvesse apenas espaço vazio, vácuo. Poderia se aconchegar na maciez daquela pele, se aninhar entre os cabelos, sentir o perfume de sua nuca. Aquele perfume... Tão familiar... Cheirava a Aya, e, mais distante,a Ken. Lhe trazia lembranças nostálgicas, que lhe davam a estranha sensação de que logo eles, seus amigos, estavam muito, muito distantes, como os vivos são dos mortos. Eram lembranças, mas não eram saudades. Não estavam ali presentes, nem estariam. Omi deixou que aquilo tomasse conta de si. Estava cansado. Muito cansado. Como não percebera que era tão fácil assim viver, bastasse permitir suas barreiras serem docilmente esmagadas em migalhas? Fechou os olhos e permitiu que Yuki o conduzisse, aonde quer que ela quisesse o fazer.

Yohji acordou com um suave sorriso nas faces. Uma penumbra alaranjada atravessava as venezianas, tingindo o quarto de cores antigas. Ao menos dessa vez não adormecera sentado, com apenas a cabeça pendendo para a frente, como dormira já tantas vezes desde que começara a cuidar de Ken, e que, sinceramente, estava acabando com suas costas. Estava deitado em sua cama, confortavelmente, abraçado no moreninho que dormia como um anjo, mais ou menos encolhido de costas para ele. Sorriu um pouquinho mais largo ao se lembrar da noite anterior. Nada como passar horas e horas perto da pessoa amada! Não, não haviam feito nada um com outro, só conversaram, passearam, essas coisas básicas que dois amigos fazem normalmente. Quem sabe não dariam outro passeio mais tarde, mas ainda de manhã, enquanto o tempo estava morno e agradável? Assim Ken poderia ver seu precioso sol, do qual tanto reclamava por não poder estar debaixo. Queria calor, queria ficar com as faces coradas. Depois de tanto agito no dia anterior, o moreno estava fatigado. Havia se desacostumado com tanto fervo, de um jeito que só chegou em casa arrastado, e se Yohji não o tivesse segurado, teria caído direto para o chão. Mas fora amparado, e conduzido à cama, onde foi se deitando como um moribundo, arrastando tudo o que havia por perto – e nesse ponto Yohji era incluído insensivelmente como coisa – junto. Logo, o playboy dividia a cama com Ken, pantufas, uma sacola, três pacotes mais ou menos vazios de batatas fritas (as que restaram dentro já estavam moles e frias), uma camiseta amassada, um casaco dobrado e atirado nos pés da cama, um copo vazio de milkshake e duas rosas brancas despetaladas, uma era um tanto amarelada, devia estar velha.

Tentou acordar o amigo, mas não teve sucesso. Até o balançou, mas ouviu apenas um resmungo preguiçoso, então se convenceu de que não havia solução. Para passar o tempo, foi tomar um banho, tirar – a contragosto – o cheiro de Ken de sua pele, se arrumar, enfim, viver. Enquanto isso, ia se lembrando de passagens do da anterior: sorrisos, gestos, toques. Coisas pequenas que juntas não significavam nada em especial, mas ele tentava organizar de modo específico a achar todas as chances, e todas as "bandeiras" de rendição que o moreninho entregara. Relembrou de como o convidara para sair e... De que havia recebido uma requisição. Nada ligado diretamente a Omi, ao menos. Algo ligado a um pesadelo. Já saía do banho, e checava nas roupas os bolsos. O primeiro estava vazio, mas no segundo havia um pedaço de papel pautado com rasgos de espiral, e um endereço escrito com letras grandes e claras como as de um livro de caligrafia. Ken foi um bom menino ontem... E riu para si mesmo. Merece que eu lhe faça esse favor... E é uma mulher, má coisa não seria para mim... E logo se repreendeu por pensar em alguma mulher. Eu devia fazer algo para provar que este corpo agora é santo, dedicado exclusivamente a satisfazer meu amado, seja lá de que maneira for... Uma tatuagem de cruz, quem sabe? E escorregou o dedo em diagonal por toda a extensão de seu rijo abdômen, admirando a si mesmo.

Quando voltou para o quarto, Ken estava imóvel. Dormia, sério, encolhido. Um fio de cabelo escorregava impetuoso em direção ao nariz. Ele vai espirrar assim...! Se aproximou e ajeitou o tal fio. Ficou um tempo admirando a beleza do moreno, como se este fosse criação sua. Não faria mal se... Debruçou-se sobre a cama, tapando o sol, e roçou os lábios contra os de seu belo adormecido. Não permaneceu mais para não acordá-lo, para evitar que ele sentisse cócegas por sua respiração. Apenas lambeu os próprios lábios secos, tentando achar em si algum resquício de seu breve sabor. Ken continuava imóvel, respirando calmamente, alheio ao que acabara de acontecer. Yohji se decepcionou um pouco. Não negaria que lá no fundo fantasiava que Ken estivesse acordado, e apenas fingisse dormir, e ao sentir o beijo, o puxasse de volta à cama, para, digamos, outras "coisas". Ainda assim, quando já encostava a porta do quarto, olhou novamente para o rapaz, e por um momento, apenas um momento, parecia que ele havia esboçado um sorriso.

Omi acordou mais uma vez. Era sempre assim. Só tomava consciência de sua existência logo ao acordar, talvez porque nesses momentos não estivesse em vigília, e conversasse com algumas pessoas, como todos os seres humanos. Mas quando a madrugada avançava, era como se perdesse controle de seu ser, e sua cabeça trafegava por longos desertos de pensamento, um grande vazio onde nada acontecia por uma eternidade que durava aproximadamente doze horas. Mas dessa vez, estranhamente, ainda era manhã. Uma luz pálida entrava timidamente por uma janelinha de canto. Que azar, não queria sair para a rua a essa hora. Além do fato de que teria contato com uma gama muito maior de pessoas, podendo então despertar suspeitas e antipatias, ainda corria o risco de ser visualizado por algum de seus amigos ex-Weiss ou quem sabe algum espião da Kritiker.

Mas não poderia se mover de qualquer jeito, a não ser que quisesse despertar de um sono muito pesado aquela coisa que estava em cima de si.

Dezembro/2003