Nota1: Weiss Kreuz não pertece a mim, quem dera!

Nota2: Esta história contém yaoi. Nada explícito, mas ainda yaoi. Se isso não lhe agrada, use o botão "voltar" e seja feliz! Se isso lhe agrada, leia, e seja muito feliz!!!

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Capítulo 13:

-Para sempre... Sério? Você aceitou?

-Sim...

-Estou tão feliz! – e ela pulou no colo de seu mais novo companheiro, dando risadas de satisfação. Sua palidez substituiu-se por um vivo rosado, e ela toda transbordava energia e saúde.

Tudo o que Ken queria fazer era chorar. Aquela risada de vitória e alegria apenas lhe feriam mais. Ia além disso, lhe parecia impertinente e irritante. Desejava que Kaori respeitasse seu luto por estar praticamente condenado, seu pesar por nunca mais poder ver quem mais amava. Mas ela estava ali, e feliz, enquanto ele apenas torcia que sua vida fosse breve para que ele se livrasse imediatamente do fardo de uma nova existência que seria totalmente insignificante.

-Liberte eles agora.

-Hein?

-Liberte meus amigos. Cumpra sua parte...

-Do que você está falando, meu amor? – e ela enlaçou seu pescoço, enquanto continuava a sorrir expondo muitos dentes pequeninos e afilados.

-Não me faça perder a paciência...

-...?

-Já perdi muitas coisas importantes nos últimos tempos... E hoje as perdi definitivamente, por livre e espontânea vontade, mas ainda assim por sua culpa. Então não festeje muito, pois no momento estou muito irritado com toda a situação. Não enrole mais. Os liberte.

Kaori relaxou sua expressão de felicidade, agora muito séria. Provavelmente decepcionada por seu "irmão" não recepcioná-la com o mesmo contentamento.

-Mas você apenas aceitou o trato... Isso não significa que você o esteja cumprindo.

-Como assim? – agora ela havia confundido o jogador – Eu estou aqui, não estou? E não pretendo sair... Logo, estou cumprindo! Não tente me enganar.

Foi então que ela começou a dar uma risadinha e escondeu a boca com a mão como se fosse espirrar, os olhos contraindo-se de malícia.

-Você é algum tipo de imbecil? Até meu irmão teria notado... Nunca desconfiou, é?

-Desconfiar do quê? Você... Você está tentando me enganar, não é? Se não libertar meus amigos, eu saio daqui! Trato é trato!

-Meu querido... Nós estamos em planos muito diferentes...

-Quê?

-Você acha que eu, sem meu irmão, sobreviveria assim, de ar?

-...

-Não... Eu acabei morrendo... Sem poder ter meu irmão em meus braços, sem poder lhe dar um beijo de despedida. Eu o amava, o desejava, e ele decidiu morrer longe de mim para não me ter por perto em nenhum momento! Para que quando eu morresse de fome... Pois ele sabia que eu morreria... Mesmo sem me tocar, veja só, ele foi um assassino... Então... Para que quando eu morresse de fome, nossas almas nunca se encontrassem. E ele foi antes para eu me perder no caminho... E me perdi... Porque eu queria meu irmão, e não podia seguí-lo... Foi por isso que decidi ficar por aqui, até achar um irmão que me acompanhasse.

Não. Não podia acreditar num absurdo desses. Ao tomar consciência de que durante todo esse tempo estivera com uma morta, Ken pulou para longe dela, com repugnância e asco. Um gole de ar gelado deitou-se em seu estômago. Sentia que podia vomitar. Sua garganta se contraiu seguidas vezes enquanto suava frio, até que pudesse controlar a náusea. Esperou alguns minutos, respirando fundo.

-Você está me dizendo o qu?

-Que... Bem, você só estará cumprindo sua parte se morrer em meus braços. Assim, poderei dar minha mão para sua alma e então viveremos felizes eternamente no limbo... Ou onde quiser... Pode ser aqui... E então você será só meu... Porque não só imagino como tenho certeza de que você nunca desejaria que seus amigos viessem para o outro lado conosco, não?

-Então... Eu devo morrer?

-Bem... Sinto dizer que sim... Mas acredite, ao menos você pode se matar com uma arma, ou qualquer coisa assim. É rápido e indolor... Muito melhor do que morrer como morri, de fome...

-Mas... Eu imaginava que a morte me livraria do contrato... E que nossa vida conjunta até a morte seria o trato... Mas não, seu conceito de eternidade é realmente eternidade!

Agora Ken começava a se sentir calmo. Estava relaxado até demais. Seus olhos já não focavam Kaori com precisão. Não tinha mais tanto medo, a sensação de irrealidade ia crescendo ao seu redor, como se estivesse vivendo um sonho estando consciente deste. Ela continuou.

-Sim, e daí? Existem muitas eternidades, apenas depende do ponto de vista. Se, após a morte, não houvesse céu nem inferno, sequer o vazio, simplesmente... Seus pensamentos acabassem e sua alma sumisse... A vida não seria uma eternidade?

-Sim, mas... Ainda assim finita... A eternidade que você deseja de mim é infinita. Terei tempo o suficiente para ficar entediado, para perder os sentimentos que sinto agora e me arrepender...

-Então seu amor por seus amigos não é tão verdadeiro quanto imagina.

-É, mas eu ainda tenho muito a viver, muitas pessoas que virei a amar!

-Não não, mesmo que você não morresse, lembre-se de que, em vida, eu seria a última pessoa que você teria.

-A morte por livre e espontânea vontade é um crime... Não desejo morrer agora...

-Então quer que seus amigos morram em seu lugar, é?

-Você sabe falar muito bem... Aposto que ensaiou esses argumentos na pequena eternidade em que ficou esperando por mim... Tenho certeza de poderei driblar esta situação.

-Não seja um sonhador ridículo! Eu lhe dou a solução e você está querendo desistir dela e se arriscar em algo que não dará certo?

-Como pode ter certeza de que não conseguirei?

-Simplesmente porque sou eu quem vai impedir pessoalmente de que você consiga livrar sua pele e a de seus amiguinhos nojentos.

-D... Droga...

O que eu faço agora...? Não posso morrer, não quero morrer, não ainda... É injusto isso! Nunca mais ver meus amigos e ainda perder minha vida... E se ela estiver blefando? E se eu tiver uma chance de resolver tudo de outro modo? Não... Não posso me precipitar... Se aceitar o jogo dela, não terei volta... Definitivamente...

-E então... Preparado para morrer?

-Não!

-Que... Quê?

-Eu não vou me curvar ante suas condições!

-Ahn... Querido... Hehe, você não está em posição de poder dizer ou não o que eu posso exigir. É ou isso ou nada.

-Pode haver outros meios...

-Eu não posso mudar os termos, porque o que estou pedindo é a única coisa que vai me fazer feliz.

-Eu... Eu não estou preparado para isso... Eu...

-Não...

-Eu vou sair...

-Não!

-Preciso de um tempo para pôr a cabeça em ordem.

-Vai ser tarde demais! Morra agora e aqui! Fique comigo para sempre!

-Você não entende... Se eu só puder escolher agora, iria recusar de qualquer maneira.

-Mas você aceitou o trato!

-Mas você não havia especificado muita coisa... Não se brinca de morrer, assim...

-Ken, você vai se arrepender, eu juro!

-Você não está em posição de me ameaçar... Porque se você me matar sem meu consentimento, com certeza minha alma se recusará a acompanhar você. E então você não terá nenhum irmão novamente.

-E você não terá seus amigos! Pense, é uma troca justa.

-Você está tentando tirar minha sanidade... Eu aceito o risco... Vou ir embora... Não vou aceitar suas loucuras assim de cabeça quente.

-Não!!!

Mas Ken virou-se decidido e firme para a porta, e saiu sem olhar para trás. Como o esperado, sentiu mãos ávidas lhe agarrando as costas e tentando lhe impedir de continuar seu caminho, mas, se algum dia Kaori parecera mais forte, havia sido uma mera ilusão. Suas mãos eram insistentes, mas iam se enfraquecendo gradativamente, cansadas e fatigadas. Não haveria guerra. A primeira batalha estava aparentemente vencida.

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Estou cansado... E que fome... Está demorando tanto para alguém chegar... Se é que eles virão... Já se passou um dia inteiro, e eu não tive nada para comer nem beber... Não que eu estivesse me alimentando bem antes, mas ao menos eu tinha água... Minha boca está toda seca... Por favor, Aya... Venha logo! Eu preciso que você me salve!

Omi passou a língua pelos lábios ressequidos mais uma vez, sentindo apenas uma desagradável sensação áspera. Havia passado muitas horas, mas ele quase não se movera do lugar. Ficou a maior parte do tempo sentado, encolhido, no canto mais afastado da janela, ou seja, na parte mais elevada do trailer, já que o outro lado deslizara alguns centímetros no barranco. Às vezes tentava se esgueirar para a frente, se esticando o máximo possível para reaver o espelho, mas a menor vibração o fazia recuar, com medo de cair e então não poder mais voltar. O que seria dele? Sofria fisicamente com as privações, e psicologicamente com a espera. O que faziam aqueles tontos que não vinham lhe resgatar? Yuki estava certa então? Se ao menos tivesse a companhia de Aya, sentiria-se melhor, mas nem isso... E quem saberia se ele não estava melhor a sós com Ken na Koneko? Tentava afastar a lembrança de Aya dormindo na cama de Ken de sua cabeça, mas, sinceramente, podia admitir – até porque, sozinho como estava, seria apenas para si mesmo, e era a única coisa racional que lhe restava: quanto mais tentava se esquecer, mais aquilo se fixava traiçoeiramente em sua mente. Qualquer outro pensamento que houvesse em sua mente apenas seguia paralelamente, como um acompanhante de significância mínima, a idéia do desamor.

Quando sentia sono, ou quando seu corpo se cansava de ficar sempre sentado, esticava-se de costas no chão. Era muito gostoso se alongar e relaxar o corpo tão tenso e cansado. Porém, todo conforto durava meros segundos naquele piso duro e gelado, e em poucos minutos ficava em posição fetal, os joelhos apoiados languidamente no queixo e os tornozelos abraçados pelos pulsos, todos os músculos tremendo perto de convulsionar. E então, a velha sensação de fragilidade e impotência se apossava de si. Estava à mercê do que os outros fariam, e ele não seria capaz de se livrar por conta própria. Isso só lhe ressaltava a impressão de que era insignificante. Ainda não compreendia como lhe suportaram na Weiss por tanto tempo se ele era tão frágil. Bem, quando estava com seu computador, ou de tocaia em algum bom lugar acompanhado de sua besta... Até que a história mudava... À distância, sua cabeça funcionava melhor. Mas nada lhe trazia pior sensação que uma batalha corpo a corpo. Várias vezes recebera ajuda em situações desse tipo, especialmente de Aya e Ken, que eram melhores em lutas corpo-a-corpo. Yohji não podia fazer nada, já que era ainda mais dependente da distância do que Omi, pois precisava de tempo para criar armadilhas. O playboy, na opinião do jovem, era relacionado à distância em muitos sentidos... De todos os Weiss, fora o que menos se interessara em se aproximar dele. É claro que em alguns momentos agia como um grande amigo, mas nunca era uma presença marcante em sua vida.

De repente, Omi abria seus olhos, assustado, e olhava ao redor, incrédulo. Aquilo não poderia ser realidade, poderia? Em geral as pessoas tinham vidas baseadas na rotina, estudando e trabalhando, vendo os amigos e amando, e só. Ele tinha uma sorte diferente, só não podia definir se isso era bom ou ruim. Bem, até o momento estava convencido de que era odiável ter uma vida tão agitada, mas certamente muitas pessoas dariam tudo para poder sentir aquelas emoções intensas e ver coisas tão sobrenaturais. Omi via e sentia infindáveis coisas estranhas, e não podia as entender, nem tinha tempo para tal coisa. Sua vida era cheia de retalhos de momentos cotidianos manchados por úlceras negras de noites de matanças. Odiava aquilo tudo, mas era o que tinha. Desejava apenas paz, calma. Ser um garoto normal. Mas esse tempo já havia passado, era um homem. A infância e adolescência perdidas estavam há muitos passos atrás, e o chibi só podia enxergar a sua frente um futuro nebuloso, onde suas próprias escolhas não tinham nenhum valor, e sua própria vida estava na mão de terceiros.

O que fazer enquanto esperava? Pensava e repensava na vida. E em Aya. Sua mente elucidava mais e mais detalhes daquele desagradável quadro que vira no espelho. Não podia aceitar traição. Durante todo o tempo em que estivera afastado de Aya, podia sentir o amor dele. Talvez não o aceitasse, não o desejasse nem o correspondesse do modo mais justo. Talvez não gostasse de pensar que era realmente amado e desejado. Seu medo havia cegado sua percepção das coisas, mas talvez, se fosse mais atento e mais lúcido, pudesse considerar aquela afeição até palpável.

Ken havia sido realmente uma ótima ajuda para lhe distrair das questões amorosas, mas o próprio moreno parecia escorregar em si mesmo às vezes. Nesses momentos, Omi se esforçava ao máximo para não transparecer que havia percebido. Em nenhum momento havia sentido algo mais que amizade, mas soube a usar em seus propósitos de afastar Aya de si. Não que não gostasse do jogador, mas era uma questão totalmente diferente. Em vez de ser uma relação de entrega mútua (ou quase), era mais uma proteção. Ken lhe servira de barreira, e enquanto ele, bem intencionado, pensava defender Omi de um maníaco insanamente apaixonado, na verdade estava apenas encobrindo uma realidade explícita. No fim das contas, Ken havia colaborado para manter Omi dependente e com medo da vida, o auxiliando a evitar o sofrimento que a passagem para a vida adulta lhe causaria. Não sentiu dor, então não pôde amadurecer. Seria eternamente a mesma criança. Ou não. O que estava passando agora e o que passara nos últimos tempos fora uma experiência bastante singular. Poderia lhe fazer alguma diferença, lhe tornar mais forte num futuro próximo. Isso caso sobrevivesse, é claro. Por enquanto, podia sentir-se apenas inseguro. Mas então, durante um dos poucos momentos em que Omi realmente esqueceu a visão que teve no espelho, ele enxergou para si mesmo um futuro brilhante, onde ele seria uma pessoa mais forte e madura, como seus amigos mais velhos. Não mais choraria de medo e solidão, e o amor lhe seria infindável. Caso não fosse amável, saberia que sua vida fora plena, e teria forças para recomeçar sempre que necessário. Agora precisava apenas esperar.

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Um dia já se passou... É impressão minha ou a cada dia que passa sinto um vazio maior? É esta casa... Está vazia... Como isso aconteceu? Aya avaliou sem muita emoção a aparência sombria que a Koneko assumira desde que três quartos de seus adoráveis porém problemáticos moradores sumiram misteriosamente. Não sentia medo. Sabia que o fantasma de sua irmã não apareceria, pois estava muito distante, descansando alegremente em algum lugar. Não sentia culpa nem dor. Na verdade, estava até aliviado. Só se preocupava agora com o fato de ninguém ter voltado até tão tarde da noite. Dera a si mesmo um dia de paz, para compensar o sofrimento que sentira durante tantos anos seguidos. Aquilo havia lhe fatigado mais do que imaginava. A sensação era mais ou menos como quando uma pessoa fazia exercícios pesados, mas só sentia o cansaço ao tomar um banho quente.

O telefone silencioso denunciava os sumiços aparentes, mas não havia nada que se pudesse fazer. Aya até tentara telefonar uma ou duas vezes para cada um dos três Weiss, mas todos – todos! – estavam fora de área. Ao menos, o espadachim consolou-se, ele tinha uma prioridade a seguir: Omi estava sumido há muito mais tempo, então seria por ele que começaria. Yohji seria o seguinte, caso não aparecesse – seu sumiço ainda era um tanto recente... Poucos dias comparados aos meses de Omi. Ken não era uma preocupação real, afinal, havia saído no mesmo dia. Talvez estivesse evitando voltar para casa cedo. Provavelmente estava constrangido com sua visão matinal e não queria ver Aya tão cedo. Como poderia explicar que havia adormecido ali porque simplesmente não queria ficar sozinho aquela noite? Havia sido mais um impulso. Mas Ken andara tanto tempo seguindo Omi como uma sombra (infelizmente para Aya, uma sombra bem-vinda) que até adquirira um certo odor que lembrava ao do chibi. Era a lembrança mais palpável da pessoa que mais amava. Ironicamente, a pessoa que também servira de rival e de pivô.

Preparou um café bastante amargo e sentou-se preguiçosamente no sofá, esticando as pernas por cima do estofado. Ninguém o pegaria em flagrante nesse momento de breve desleixo. Pegou o livro que estivera lendo ultimamente e abriu na página marcada. Antes de começar a leitura, ergueu o marcador de página e o pendurou entre os dedos como se fosse uma fita. A luz do abajur reluziu no filamento dourado. Aya sempre quis que eu desse o par de brincos para a pessoa que eu amasse. Assim, ela saberia quem era. Desde que ela se acidentou, eu mesmo passei a usar um deles. E este outro... Nunca tive a oportunidade de dá-lo. Será que ela poderá enxergar do céu o brinco brilhar? O ruivo passara aquele dia repousando sua mente, mas estava decidido a voltar para suas buscas desesperadas no dia seguinte. Não desistiria de Omi assim tão fácil. Desviou o olhar do brilho e tentou iniciar a leitura, ainda que languidamente. Porém, logo perdia o foco, e seus pensamentos se voltavam para o ponto de onde nunca haviam saído: Omi.

Um barulho assustou Aya subitamente. A chave entrou indelicada no trinco e girou apressada e desajeitadamente. Entrou Ken, o rosto inchado e vermelho, bolsas enormes circundando seus olhos. Suas mãos tremiam quase que histericamente.

-Ken? O que houve? – o espadachim preocupou-se sinceramente, e se levantou. Antes, apenas cuidou para guardar cautelosamente o presente de sua irmã.

O jogador lhe olhou com as orbes quase vazias, em transe. Havia chegado ao lar, mas parecia não estar convencido disso. Estava em choque. Aya imediatamente o abraçou, assustado, e vendo que não havia reação, o postou no sofá, tirou os sapatos do amigo e trouxe uma xícara com café mais forte do que o bebido antes. O moreno bebeu em goles pequenos e rápidos, enquanto sua rápida respiração parecia voltar ao normal. Quando chegou ao fim, Aya estava ajoelhado no chão, ao seu lado, olhando para cima e esperando impacientemente por alguma explicação.

-Obrigado pelo café... Aya. Eu... Eu estava precisando.

-Não quero agradecimentos...

O jogador o olhou surpreso, mas logo sua expressão voltou ao desânimo misturado ao pavor, e lágrimas – obviamente não as primeiras – lhe escorreram pelo rosto.

-Nós nunca vamos ver Yohji novamente.

-...?

-Nem Omi...

Como assim...? Nunca... mais...? Não...!

-Que tipo de bobagem você está me dizendo?

Voz ríspida, não acreditando, não aceitando. E deu um tapa com o dorso da mão no rosto do companheiro. Sua cara virou bruscamente, mas o corpo não se moveu. Ken ainda não tinha forças para reagir. Desde que fechara a porta da casa de Kaori atrás de si tudo o que fizera foi chorar. A força que sentira antes minguava, e ele então notou que, apesar de imaginar que havia uma solução, não tinha a mínima idéia de por onde começar, e todas as opções imaginadas já haviam sido testadas, mas sem sucesso. Havia subido na moto, mas esperou longos minutos até sentir que tinha coragem de ligá-la e dirigir sem que cometesse nenhuma loucura. Sentia-se num beco sem saída, onde nenhuma opção era boa e tudo o que restava era morrer, ou perder a razão. Sentia, porém, que seu destino não lhe guardava nem uma opção nem outra, e teria de enfrentar tudo aquilo de peito aberto e sem armas. Não havia soluções, mas o problema urgia por alguma. Estava perdido, desamparado. Queria uma mãe, uma pessoa mais sábia, mais velha, que lhe apontasse uma solução, como os adultos sempre faziam quando ele era criança. Agora ele era adulto, tinha as soluções, certo? Não. Estava tão sem respostas quanto antes, e todos os túneis tinham um final desconhecido, e por onde quer que trilhasse o caminho era longo, pedregoso, com degraus traiçoeiros e quinas perigosas. Não havia luz para guiar seus passos. A única coisa que sabia ser capaz de fazer era chegar em casa e fugir por alguns instantes daquilo. Veria Aya, e, quem sabe, este já não soubesse o que fazer? Lembrou-se subitamente de que o ruivo acordara em sua cama, mas isso já não importava mais. Precisava de ajuda.

-Estou dizendo... Ok... Preciso de ajuda... Não sei o que fazer...

-Mas o que aconteceu?

E Ken contou, resumidamente, toda a situação. Aya prestava bastante atenção, concentrado, em alguns momentos. Em outros, sua expressão era de total descrença.

-Então quer dizer que um fantasma seqüestrou Omi e Yohji? ...Será que até você perdeu a razão, Ken?

-Mas estou dizendo!

O espadachim levantou-se, indo até a porta do quarto. Mas não entrou, apenas se encostou, suspirando.

-Sabe, estou cansado. Todo esse tempo eu vi as coisas mais estranhas. Mas nunca ouvi uma história mais ridícula que essa.

-Mas Aya...!

-É coisa de criança, eu diria at que é uma mentira inventada. – Aya parecia cansado, e ao mesmo tempo frio e altivo.

-Você precisa acreditar em mim...

-Que crédito você me dá?

-Que crédito voc me dá??? Você dormiu comigo em minha cama sem meu consentimento! - a voz era raivosa, agressiva. Ken olhou para o espadachim com o olhar mais debochado que tinha.

-Sua idéia é ridícula. - a expressão fria e descrente não mudara nem um pouco. Ken fitou-o com olhos suplicantes, mas nada modificava aqueles olhos vazios.

-...Ok, Aya, entendi. Desisto. Vou fazer tudo sozinho.

-Eu não disse que não ia ajudar você...

-...?

-É ridículo, e o mais idiota de tudo isso é que... eu... acredito em praticamente tudo o que você disse. ...E sabe por quê? ...Por que é a única coisa que me restou para me agarrar. Já não sou mais um homem... Nem tenho vida... Vou adotar atitudes extremas para encontrar Omi e minha dignidade.

-O... Obrigado...

-Quanto ao crédito... Ontem eu decidi desligar os aparelhos de minha irmã... Já não havia mais solução.

-Sério...? – agora Ken é que estava surpreso e descrente.

-Eu... – Aya perdera sua expressão fria e assumira um suave rubor, e um sorriso ameno – Eu me sinto aliviado... –e deu uma curta risada desconsolada, cansada, enquanto seus olhos umedeciam – Acho que devia ter feito isso há muito tempo. Eu estava vendo até fantasmas, acredite! Talvez isso tenha ajudado a fazer com que eu aceitasse sua história. Eu via o fantasma dela... e ela me dizia coisas horríveis... que só me faziam sentir mais e mais culpado. E me sentia culpado também por não poder entender Omi e fazê-lo feliz. E tudo isso era completado com as tantas mortes que provoquei.

-Sinto muito...

-Quando cheguei em casa, tudo o que eu queria era que Omi estivesse me esperando de braços abertos, e eu iniciaria uma nova vida. Mas não aconteceu, e eu senti muito. Mas ainda assim, queria ter uma pessoa querida por perto. Um amigo. Alguém que me entendesse, ou tivesse me entendido em algum momento. E você... Você estava lá, dormindo. E você passou tanto tempo perto de Omi que estar perto de você era estar perto dele. E então... Talvez pareça bobagem, mas acho que me senti mais confortado assim. Não queria dormir sozinho no dia da morte de minha irmã. Libertei ela para a eternidade, e me libertei de toda a culpa que sentia, fosse por causa dela ou não.

-Desculpe por lhe cobrar isso, Aya. – Ken aproximou-se, pondo suavemente a mão no ombro do ruivo – você foi corajoso.

-Tudo bem... Você estava certo. Só que eu também não sei o que fazer por Omi... nem por Yohji, tanto faz. Estou num beco sem saída, igual a você.

"Eles são tristes... Foi por causa desses pensamentos tristes que me mantive viva até agora..."

-Aya... Espera...

"Estou tão feliz!"

-...talvez...

...Risadas de satisfação. Sua palidez substituiu-se por um vivo rosado, e ela toda transbordava energia e saúde.

-O que foi, Ken?

"Não!!!"

-Talvez... Talvez tenha uma solução...

Se algum dia Kaori parecera mais forte, havia sido uma mera ilusão. Suas mãos eram insistentes, mas iam se enfraquecendo gradativamente, cansadas e fatigadas.

-Qual é...?

-Não será preciso ajuda! Obrigado! Preciso ir!

-Mas Ken, já passou das dez da noite! Espere até amanhã!

-Você não ouviu quando contei a história?! Amanhã pode ser tarde demais!

- Isso é insano!!!

-Não, Aya. - e cedeu um breve olhar cheio de confiança, mas ainda assim sério - Nunca estive mais lúcido.

Março/2004

Continua...

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Comentários: este capítulo é quase anexo ao anterior, não acham? vou tomar mais cuidado agora, pois a história tende a correr um pouco, vou tentar ajeitar os próximos capítulos para que eu não perca o ritmo

Como sempre, COMENTEM! é muito muito muito importante para mim saber que há pessoas lendo xD Dêem suas opiniões, críticas... Tudo é aceito Bem, xingamentos descarados e sem motivo não, é claro ¬¬""" Obrigada pela atenção! Kissus!