Nota1: Weiss Kreuz não pertece a mim, quem dera!
Nota2: Esta história contém yaoi. Nada explícito, mas ainda yaoi. Se isso não lhe agrada, use o botão "voltar" e seja feliz! Se isso lhe agrada, leia, e seja muito feliz!!!
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Capítulo 14:
Ken saiu de casa sem ao menos pensar duas vezes ou olhar para trás. Se o tivesse feito, veria o ruivo estupefato, o queixo caído, os olhos arregalados. Tudo em seu corpo mostraria sua surpresa. Mas o jogador já estava em cima de sua moto, a mente quase que em transe de tão concentrada que estava em seu único objetivo. Percorreu o caminho quase que automaticamente, sem notar os poucos transeuntes que circulavam atentos aos cantos escuros. Mais de uma vez quase se chocou contra postes e muros, e chegou até a entrar na sarjeta, prestes a desequilibrar. Nada disso importava mais. Já estivera à beira da morte antes, não era isso que iria lhe amedrontar. Além disso, tinha urgência de resolver logo aquela questão, não sabia quanto tempo seus amigos resistiriam.
Assim que chegou na casa, espantou-se como o cenário havia mudado. Apesar de já ser noite, nenhuma luz fora acesa, as paredes coagulavam-se em tons sombrios. As plantas daquele selvagem jardim haviam crescido para uma floresta densa, e o portão estava enroscado todo em plantas espinhosas. Pensamentos ruins, hein? Não terei nenhum agora, por mais que me machuque nessa passagem. Mesmo que para me mover um mísero centímetro tenha que me arranhar, é a única opção disponível, é o meu único caminho traçado, e eu irei percorrê-lo.
Ken estava saindo de sua racionalidade, andando quase que por reflexo, sonâmbulo. Vestiu sua bugnuck e começou a cortar cada caule, cada galho, formando uma pilha de madeira que escorria no chão um leite viscoso e mortal. Abriu o portão, que resistiu apenas à primeira puxada, com um rangido de metal oxidado. Não havia trilha nenhuma demarcada, mas o jogador sabia muito bem que caminho percorrer. Não por coincidência, era o mais complicado: galhos, urtigas, espinhos de meio metro, cipós e folhas cortantes formavam uma teia fechada que dificultava a visão, o caminhar e a própria localização. Quando estava na entrada, já havia estranhado aquele mato, mas parecia que ao embrenhar-se nele, resolvera adensar-se, e envolvê-lo como uma planta carnívora, prestes a engoli-lo com suas presas peçonhentas. A clareira aberta atrás dele logo era fechada por galhos maiores que caíam das plantas mais altas, formando um cercado por onde dificilmente se voltaria. Quando deu por si, Ken estava encurralado. Não podia recuar sequer um passo sem tropeçar em algum galho traiçoeiramente escondido no meio das grossas e muito largas folhas verde-escuras, e não havia muito espaço a frente para movimentar os braços e cortar as plantas. Aposto como ela está dando tudo de si para evitar que eu chegue até ela. Já estava fraca antes, quando foi desafiada por mim, acabará por render-se... Muito lentamente e tentando fazer render ao máximo seu limitado espaço livre, conseguiu cortar superficialmente galhos mais finos, que abriram mais alguns centímetros livres e permitiram que o moreno continuasse retalhando as plantas que estavam mais próximas, num processo que parecia demorar uma eternidade.
Chegou apressado até a porta e checou uma última vez se estava com todas suas armas a postos. Só então notou que suas roupas estavam todas rasgadas, a pele perfurada empapando os tecidos de sangue. As feridas, agora que conhecidas, começavam a arder em contato com o grande volume de suor que o ex-jogador exalava. Mas não temeria isso, pois a barreira mais difícil já estava vencida. Estava certo do que aconteceria a seguir. Aquela porta não se abriria facilmente, então a chutou.
-Finalmente chegou, Ken...
Kaori estava sentada no chão, nua. O corpo infantil havia adquirido formas arredondadas, apesar de ela continuar pequena e magra, toda sua fragilidade exposta nos braços de graveto sem forças, as pernas quase ossudas estiradas languidamente no chão. Sua pele de pêssego não tinha nenhum brilho ou cor. Era toda palidez e fraqueza. Lembrava muito vagamente a Kaori que vira no primeiro dia em que a conheceu, quando era cheia de energia e vigor, ombros morenos. Os cabelos negros estavam mais compridos, escorrendo pelo colo e acumulando-se no ventre. Era como uma Vênus de cera.
Ken arregalou seus olhos, mas não de libido por aquele quadro sensual. Descansando em seu colo, adormecido e um tanto magro, estava Yohji. A saudade repuxou numa dolorosa fisgada o coração do jogador, que se precipitou na direção do amigo, cuja nuca era acariciada pelos dedos fininhos da morta. Ela o entregou para o amigo sem sequer tentar prendê-lo, totalmente submissa. O moreno abraçou o amigo possessivamente, agarrando aquele corpo mole, mas morno e pulsante. Está vivo! Está vivo, está vivo, está vivo...! A felicidade comprimiu-o num supetão, grande e forte demais para que pudesse agüentar. Seus olhos umedeceram-se. Se pudesse congelar tal instante, o faria, com certeza. Apertou os braços ao redor do playboy, afundando seu rosto naquela massa desgrenhada de cabelos dourados, sentindo o cheiro de suor e poeira acumulados. Os fios curtos pareciam sujos, assim como sua pele. Ken suspirou tristemente, pensando o quanto estar nesse estado lhe seria desagradável, se o soubesse. Ainda que fosse um peso morto, dessa vez o moreno tinha certeza que possuía seu amigo de verdade, e que não era mais nenhuma ilusão.
Queria prolongar-se no momento, mas também queria tirar satisfações.
-Resolveu ser boazinha agora? – Ken disse triunfalmente, quase arrogante de ter vencido uma entidade tão maligna. Só num fundo muito subconsciente tinha temor de que não fosse ser tão fácil assim.
-Está satisfeito? Devolvi a você aquele a quem ama... Agora me deixe. – os olhos desafiavam com ares de caridosa superioridade, apesar da voz estar fraca, suplicante e mal-humorada.
-Não fale desse modo... Yohji é apenas meu amigo.
-Como quiser... Mas se está satisfeito por eu ter lhe devolvido o que tanto queria, agora me deixe aproveitar mais alguns séculos em solidão.
-E então você chantageia um novo "irmão", que poderia até ser meu bisneto?
-Ora, - e riu baixinho, ainda assim debochadamente - sempre há a possibilidade, mas nenhuma felicidade é completa...
-Não posso permitir que repita a mesma crueldade mais uma vez!
-Feh... Quanto heroísmo de sua parte... Não é à toa que gostei de você. Tão puro, ne? Tão... Capaz...! Mas não é isso que importa. Pense menos nesta podre humanidade que abandona crianças e as deixa morrerem de fome, e pense mais no que você pode fazer por si mesmo! Não vê o quanto está miserável? Você é um trapo de ser humano, e eu sei que você não será capaz de me destruir. Talvez eu encontre um novo irmão, mais interessante que você, e que me ame verdadeiramente, aceitando se juntar a mim na eternidade!
-Você é uma incorrigível... Odeio você por isso!
-Oh, continua um herói... Hum... O que pretende fazer então? Dar-me palmadas no bumbum? Oh, papai, oh, maninho, fui uma menina muito má... Que isso! Eu te dei Yohji, me dê liberdade! Estou cansada dessa sua hipocrisia, essa vontade de ser bonzinho. Ninguém tem piedade de verdade, você provou isso! Fui gentil, entreguei esse rapaz, e você continua me fazendo cobranças!?
-Eu sofri muito... Agora estou feliz, mas foi às custas de muito esforço! Não desejo este sofrimento a ninguém!
-Isso não permitiria que a pessoa amadurecesse? Sua estima por seu amigo aumentou muito mais quando percebeu que nunca mais poderia tê-lo, não? Você sofreu em silêncio, mas vi suas lágrimas de felicidade quando pôde tocar novamente sua pele e deitar um beijo em suas faces...
-Eu sentiria esta felicidade todos os dias de minha vida, e já sentia, até você me privar disso tudo...!
-Não, você está dizendo isso agora apenas por orgulho, para me contrariar. Aposto que negará com a mesma intensidade quando eu disser que foi de poupar os outros do sofrimento que Omi não foi capaz de ser homem até ?
-É o mesmo menino fraco e indefeso de sempre. Não o deixou enfrentar seus medos... Nunca imaginou... Aliás, nunca passou pela sua cabeça que Omi poderia reunir coragem de assumir Aya após algumas crises? Você flagrou uma ou duas vezes, mas em vários momentos ele se rendia aos beijos daquele seu colega. Então lhe batia um novo medo, mas a intensidade diminuía. Você não permitiu que este processo acabasse, e nem era para proteger Omi.
-Era sim!
-Não, você convenceu a si mesmo de que protegia Omi porque era para o bem dele! Escondeu suas intenções na mesma máscara de heroísmo que vestiu desde que chegou aqui!
- O que você está tentando dizer?
-Você estava defendendo Omi porque isso impediria que ele fraquejasse por Aya. Assim, o teria para si.
-Está mentindo... Eu sempre soube que não tinha chances com ele.
-Mas teve sua companhia, seu afeto, sua proximidade... E não teve o sofrimento de o ver efetivamente nos braços de outra pessoa.
-E Ouka...? Eu o incentivei a ficar com ela!
-Porque você sabia que isso o afastaria do Aya. E, como tinha certeza de que Omi nunca a amaria de verdade, logo que ele notasse isso correria para você! Ao menos na sua teoria.
-Está dizendo então que o bem que fiz a Omi na verdade foi um mal, e ainda por cima para atender aos meus próprios propósitos... Mas eu sei porque você diz isso. Está me perturbando porque assim você ganha forças! Mas não vou acreditar nessas suas insinuações injustas! Continuará fraca!
Ela deu uma risadinha.
-Não sou tontinha como você, meu maninho amado... Se eu disse isso, é porque é verdade. Se não fosse, não o machucaria, e seria inútil.
-...
-Não vou mais me alimentar de você então. Deixo-o ir, se quiser, com seu orgulho heróico intacto. Apenas não me incomode mais. Está parecendo um mosquito rondando minha orelha enquanto tento dormir.
-Está bem...
E, ajeitando Yohji em seus braços, preparou-se para sair. Estava tudo ajeitado então. Todos felizes. Abriu a porta, mas ouviu uma risadinha baixa, logo abafada pela mão. Tinha algo de errado...? Sim, óbvio. Tão óbvio que se sentiu ridículo e terrivelmente culpado. Omi!
Virou-se novamente para o espírito, tão rapidamente que o corpo inerte de Yohji não acompanhou e caiu desajeitadamente. Ken arrumou-o sentado contra a parede, e pulou furioso para cima de Kaori, a bugnuck pressionando seu pescoço delicado.
-Cretina! Esperava que eu me esquecesse de Omi?
-E não esqueceu? Só lembrou porque me descuidei e ri!
-Onde ele está?
-Não direi!
-Onde ele está???
-Eu lhe dei Yohji de mão beijada e ainda quer reclamar?
-Mas eu amo Omi! Quero ser o primeiro a vê-lo! Só assim terei alguma chance de ser amado por ele!
-Ah, ok... Então você nem está apaixonado por Yohji, ne? Pode deixá-lo aqui que eu te mostro então onde o seu caçula amado está...
-Não! Também não quero isso!
-Ah, você quer final feliz inteirinho para você, então! Que exigente! – caçoou - Você é cansativo, rapaz! Se diz herói, mas não teve piedade nem por um instante da minha história.
-Passado é passado. Cuide do seu futuro quando eu lhe deixar, que eu cuidarei do meu. Mas eu não seria herói se salvasse Omi, seria apenas honesto.
E apertou mais a bugnuck contra a goela da moça. Era um fantasma, mas pelo o jeito havia pego emprestado o corpo de alguém, pois ela começou a engasgar com a pressão.
-Está doendo? Nem estou usando o lado afiado. Liberte Omi!
-Ok... – silvou tão baixo e desgostosa que Ken mal pôde ouvir.
-Onde ele está? – diminuiu a pressão da arma.
-Espere, não se precipite! Na minha época de vida, os jovens eram mais pacientes...
-Não gaste meu tempo! Você fez isso várias vezes, e ele deve estar a um fio de vida!
Então Ken virou a palma para cima, encostando o fio das lâminas em Kaori.
-Certo, rapaz... Chame Aya aqui e eu direi a ele onde está Omi. Aya o resgatará, e quando estiver são e salvo em casa, você poderá vê-lo novamente.
Ken sentiu novamente o gosto cítrico da chantagem sobre si. Com certeza Kaori estava contrariada por ter perdido todas as batalhas. A única coisa que lhe restava era não permitir a Ken uma vitória completa.
-Seu corpo... É humano, não é? Está sangrando. Se ele morrer, Omi estará liberto, não?
-Sim, mas... – ela agora chorava, desesperada com a dor do corte que ia se aprofundando em sua carne – Mas você nunca o acharia a tempo...
-Ok, eu procuro...
-Quê?
-Kaori, você não terá uma alma para lhe acompanhar nessa segunda desencarnação. E não terá cumprido nenhuma de suas más intenções...
-É... Quanto tempo desperdiçado, ne? Mas você nunca poderia chegar perto de mim o suficiente para me matar se não tivesse me enfraquecido antes... Parabéns...
-Mesmo assim, não serei mau como você. Não a acompanharei com minha alma, mas vou estar aqui velando seu corpo enquanto você desfalece – e dessa vez, rapidamente.
-Eu... Odeio você... Irmão...
E fechou os olhos, entregue. Ken a segurou carinhosamente com o braço livre, e rapidamente cortou sua jugular. Mais sangue derramou-se sobre as vestes já tingidas de rubro, em um esguicho que em poucos segundos cessou. Ela arregalou os olhos assustadoramente, e então os fechou. Parecia serena. Ele segurou sua mão carinhosamente e beijou sua testa.
-Durma em paz, irmã.
E ficou assim, inerte, entregue, como que hipnotizado, velando o adeus de Kaori. Não parecia haver dor em seu rosto, e isso o aliviou. Que bela imagem era ela! Uma bonequinha de cera fria e imóvel, o corpo macio e desnudo ternamente enlaçado em seus braços fortes. Fora dificílimo conseguir vencê-la, e agora sua vida se esvaía tão ordinariamente... Era tudo tão simplório, tão sem honra, tão humilhante. Olhou carinhosamente para aquela a quem ele tanto odiara, e então ela era apenas, e novamente, uma menina indefesa e triste, cujo único e simples desejo era ter uma mão para segurá-la. Fora uma menina má, muito má, mas agora seguiria em paz.
Ergueu-a no colo e a levou até sua cama, onde a cobriu com um cobertor e a deixou ali, morta. Quando saiu do quarto, juraria que estava adormecida, que seu peito arfava serenamente no embalo de algum sonho feliz.
Voltando para a sala, viu Yohji no chão. Ainda estava inconsciente. Um desespero se aterrou em seu âmago. Poderia não haver um final feliz? E se fosse realmente tarde demais? Ele pode estar em coma, ou qualquer coisa assim... Ajoelhou ao seu lado, literalmente o ajuntando do chão como se fosse um monte de roupas sujas. Mas é claro, Yohji não era nada disso, era muito mais importante. Ken diria essencial. Apoiou numa das palmas a nuca do amigo, deixando sua cabeça em pé. Yohji não está acordando...
Resolveu sair daquela terrível casa. Mesmo que tivesse aparentemente vencido Kaori, não queria se arriscar a ver aquele corpo se reerguendo. Bem, ter medo de fantasmas não é de todo mal se for só de vez em quando. Já dera o melhor de sua coragem, e embora se pudesse pensar que depois de se confrontar contra as piores coisas, se tornaria resistente a elas, isso não era uma regra. Agora que se via vitorioso tinha muito mais medo, pois tudo estava bom demais para ser verdade. De total impossibilidade de vitória, agora estava tudo subitamente acabado. Queria estar feliz. Sentir o peso dissipar-se magicamente de suas costas, a tensão fluindo para fora. Mas não podia evitar o medo de que, caso baixasse a guarda, fosse surpreendido numa emboscada.
Quando abriu a porta, mal pôde acreditar... Tudo bem que, caso a floresta fosse obra da suposta energia maligna da garota, agora estaria murcha. Na verdade, estava muito mais que isso: havia sumido completamente, se tornado um mero jardim seco, há muitos anos finito. Deitou então Yohji na grama, e estapeou levemente seu rosto, tentando acordá-lo Nenhuma reação. Apesar de estar quente, apesar de respirar, não respondia a nenhum dos estímulos.
-Yohji... Por favor, acorde...
Pela cabeça do moreno começou a passar inúmeras possibilidades de acontecimentos. Pelo o que será que havia passado? O quanto havia sofrido? Estaria com fome, com sede? Yohji, não vá me decepcionar agora... Finalmente vamos estar bem...! Uma lágrima acumulou-se no canto de seu olho direito. Não pense que não estou me importando com você... Você sabe o quanto eu quero que fique bem, não? Faça uma força! Acorde! Vendo que seus esforços eram inúteis, amarrou o loiro em suas costas e subiu em sua moto, conduzindo-os até a Koneko. Vencida Kaori, podia se dar ao luxo de dirigir calmamente, com muito cuidado para que o playboy não escorregasse para o asfalto. Apesar de todo esse desvelo, ele não se fixava em seu foco principal. Ken começou a devanear, a sonhar acordado... Omi... Sua grande paixão. Tudo o que restava agora era salvá-lo antes de Aya, mostrar como o amava muito mais, como andara muito mais preocupado que ele.
Visualizava: chegaria a um lugar remoto, onde encontraria o chibi inconscientemente estirado e miserável no chão. Não haveria ninguém por perto. Ele acariciaria então seu rosto delicadamente, e este abriria seus olhinhos cansados lentamente. Primeiro, agiria como se fosse um dia qualquer. Depois, lembrando-se do terrível cativeiro ao qual estivera submetido, surpreenderia-se de estar são e salvo nos braços do amigo. Então Ken lhe contaria tudo pelo o que passara até salvá-lo, e Omi choraria, comovido. Então os dois se beijariam, e o pequeno não poderia recusar tal abuso, pois estaria muito grato para recusar qualquer movimento. E então... Bem, não tinha nenhum plano para depois, seu foco era ganhar a atenção do rapaz, nunca chegara a pensar no que aconteceria depois, e como seria o relacionamento. Ken estava convencido que isso se devia ao fato de que ele nunca tivera uma chance palpável antes. Mas... Agora tinha...!
Uma única estratégia era requerida agora: evitar que Aya chegasse primeiro. Por esse motivo exato que, estando ainda há uma quadra de casa, desligou a moto e seguiu a pé, deslizando seu automóvel por um lado, e carregando Yohji sobre o ombro do outro. Entrou cuidadosamente em casa, e notou com um sorriso satisfeito que o espadachim dormia pesadamente no sofá. Como esperado, ele resolvera esperar Ken para que assim que este chegasse, pudesse ter notícias, e, quem sabe, os dois não iriam juntos atrás de Omi?
A noite já avançava a largo, o relógio indicava que era três da madrugada. Ken levou silenciosamente Yohji no colo até o quarto, e o acomodou na cama.
-Você não gostaria de acordar e me tirar mais essa preocupação...?
Não é que eu esteja morrendo por ele, mas não poderei procurar Omi se minha cabeça ficar por aqui. Só meu coração não será o suficiente para achá-lo...
-Eu deveria cuidar e zelar você como fez comigo, não? Sinto-me culpado, mas... Aya está cansado, e se você ficou tão pouco tempo longe e está assim, como estará Omi? Tenho certeza de que você defenderia que eu devo procurá-lo agora. ...Não é?
O corpo de Yohji não se moveu um centímetro a mais para responder. De fato, o playboy nem sabia o que estava acontecendo, não tinha nenhuma opinião no momento. Estava apenas sonhando, ou algo assim. Mas Ken precisava dizer aquelas coisas. Desculpas. Desculpas esfarrapadas para Yohji, ou talvez para si mesmo. Nada substituiria o cuidado que Yohji precisava agora. Mas havia Omi... Ken se dividia entre sua ansiedade de encontrar Omi e a necessidade moral de cuidar de seu melhor amigo. Aya está dormindo tão profundamente... Não se acordará, então eu continuarei na vantagem...
Foi até a cozinha e pegou um copo d'água. Ele deve estar terrivelmente desidratado se não bebeu nada desde que foi embora... Sem contar que na noite anterior nós já tínhamos bebido juntos, e álcool desidrata... Será que faz mal dar água para alguém inconsciente? Acabou decidindo por uma esponja encharcada. A pôs na boca do amigo, para ao menos umedecer a boca, e, caso ele acordasse, havia um copo cheio ao seu lado. Tratou também de deixar, antes de sair, um recado escrito em cima do rosto de Aya, para que ele cuidasse de Yohji. Seria conveniente de muitos modos...
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Omi remexeu-se doloridamente no duro piso. Não conseguia mais dormir, já que seu corpo doía. Sentia fome, e uma sede torturante. Já nem pensava mais em Aya, nem em coisa nenhuma. Estava como um moribundo, e nem poderia se erguer sobre as pernas. Cada minuto demorava como uma hora inteira, e nem dormir para passar o tempo conseguia mais. Estava totalmente escuro, e o máximo que enxergava era uma penumbra formada pelo escasso luar que passava pela diminuta janela. Tentara abrir a porta, quem sabe se forçasse conseguisse vencer a barreira de Yuki? Os dedos já estavam escalavrados, em carne viva. Especialmente as juntas lhe doíam. Aquela era a pior das torturas. Precisava sair de lá, e não conseguia. Morrer afogado não parece tão má idéia agora... Morte. A morte lhe parecia muito atraente em comparação àquele sofrimento todo. Mas seria resistente. Aya poderia chegar para lhe salvar a qualquer hora! Se ao menos eu pudesse pegar aquele maldito espelho novamente, saberia o que está acontecendo, se estou perto de ser salvo... E então poderia decidir se resisto ou se me entrego. Decidiu arriscar um pouco, então: pegaria o espelho, que seria um fator decisivo em suas opções. E seria decisivo na sorte também, pois na tentativa poderia escorregar penhasco abaixo.
Podia apenas enxergar um círculo disforme. Era um acinzentado escuro muito mesclado com o negror geral, mas ainda assim estava localizado. Omi não conseguia nem se ajoelhar. Qualquer movimento brusco lhe doía toda a barriga. Foi então deslizando como um caramujo pelo chão, lentamente. Tinha consciência de que demorava nessa atividade de percorrer poucos metros. As rodas abaixo de si rangiam contra o solo, havia um sensível mas desconfortável deslocamento.
-Diga boas-vindas para o seu ridículo suicídio, Omi Tsukiyono...
Deitado de bruços como estava, quase adormeceu para tentar aliviar seu desconforto, mas um novo movimento do trailer o botava novamente alerta. Acabou sentindo em algum momento que seus dedos tocaram alguma coisa, mas estava tão na ponta que não conseguia agarrar. Foi arrastando em beliscadas para mais perto, até que conseguiu pegar. Então, de costas, voltou até seu lugar original, muito lentamente. Aquilo havia sido estressante, estava banhado em suor de nervosismo, acentuando a sede. Mas a primeira e mais difícil prova já havia passado. Pegou o espelho, e com um suspiro pensou em Aya. Uma imagem de luz fraca apareceu. Omi quase pulou de excitação, uma nova alegria. Lágrimas lhe vieram quando pôde levar embora a saudade da imagem de seu querido.
-Aya... Está dormindo tão angelicalmente... Parece bem...
Observou um tanto preocupado que ele estava no sofá, mas tudo bem, desde que não fosse na cama de Ken. Admirou seu amado mais um pouco, e então procurou por Yohji. Este dormia um tanto quanto ridiculamente com uma esponja entalada na boca. Por que raios ele está assim? Por fim, Ken.
-Ken!!!
Omi gritou como se o moreno pudesse ouvir através do espelho. Ainda assim, estava muito comovido, vendo que ao menos alguém estava o procurando na calada da noite. Observou mais um pouco, procurando achar pontos de referência para localizar o amigo. Logo desanimou: Ken estava indo na direção errada. O chibi cruzou os dedos, torcendo para que seu amigo resolvesse mudar de rumo. Não adiantava. Todo seu pensamento positivo não tinha efeito nenhum naquele lugar, milagres não aconteciam. Blasfemou contra os deuses, por que aquilo acontecia a ele? Foi tomado de súbito desespero. Será que só lhe restava jogar-se na água. Já não havia mais lágrimas para chorar, só sal que ressecava e repuxava suas faces avermelhadas.
-Maldição! Esta porta não vai abrir nunca?
E novamente, gritando desesperado, arranhou e empurrou a porta. Sabia que não adiantava, mas não tinha mais nada para fazer, e também era um modo de descarregar a raiva. Sua mão esbarrou naquela maçaneta que se recusava até mesmo a se mover. Nada aconteceu. E nada acontecia, mesmo que a segurasse com firmeza e a empurrasse com força. Não havia esperanças.
Aya... Omi olhou novamente para aquela imagem confortadora no espelho, enquanto soluçava com um nó na garganta. Beijou mil vezes o gélido vidro, e pensou novamente em todas as coisas amáveis que um dia sonhara viver com seu amor.
Quem dera eu tivesse aproveitado a chance que tive. Se eu morresse agora, ao menos teria uma lembrança feliz. O problema é que vou mesmo morrer agora... Aya, arrependo-me de não ter lhe beijado com vontade, de não ter lhe abraçado todas as vezes que pude. Foram infinitas chances e eu apenas temi aquilo que eu tanto queria. Não tive coragem. Mas quem sabe agora você se orgulhe de mim... Vai ser a primeira decisão racional que tomarei, e a mais importante... Espero que você saiba que, em vida, amei você... E que, na morte, estarei olhando por você... Mas não agüento mais... Esse sofrimento é insuportável, vou comer minha própria carne daqui a pouco... Não quero mais pensar nisso. É necessário fazer agora...
Omi reuniu todas as suas forças e ficou novamente em pé, de frente para a janela. Bastaria alguns passos, esperar alguns segundos até o trailer desequilibrar totalmente, e estaria acabado. Talvez sentisse um pouco de dor, mas não seria nada comparado ao que sentira até o momento. Mal conseguia ficar esticado, de tanto que seu estômago doía. Olhou novamente para a frente, e sentiu que suava frio. Tomar uma decisão era muito mais fácil que realizá-la. Será que não seria mesmo capaz de esperar mais um dia ou dois? Resolveu dar o primeiro passo, mas parecia que haviam drenado suas forças para muito longe de suas pernas, que ficavam em pé mais por não se lembrarem mais para que serviam do que por teimosia. Se Aya soubesse que Omi estava morto, como será que iria se sentir? Ficaria arrasado? Ou não faria diferença nenhuma? Aya, eu amo muito você... Não quero que sofra, quero ver você sorrindo sempre para mim... Mas será que você não sentirá nada? Será que já não significo coisa alguma para você? Queria, uma última vez, saber que você me ama, saber que você vai sofrer, que terá uma saudade terrível, e que chorará todos os dias e todas as noites por um ano inteiro. Não quero que sofra, porque te amo; mas preciso que sofra, porque quero que me ame... O quanto você sentirá quando eu me for? Quero saber... Mas sinto que abandonar este mundo sem ter visto você uma última vez de verdade é o que mais me dói. Dói porque irei permanentemente. Não poderei beijá-lo em meus sonhos, nem observar você de longe... Mas... É necessário. Eu havia tomado uma decisão, preciso manter a honra e cumpri-la...
Algumas lágrimas minguadas escorreram por seu rosto até a altura dos lábios... Mas sua sede não permitia que mais água escorresse. Suas pernas não pareciam querer obedecer ao movimento consciente, mas sem perceber Omi já estava andando. O trailer lentamente começou a ranger, se movendo na terra fofa que devia estar abaixo dele, e também se inclinava perigosamente.
-Aya...
Omi chegou à extremidade oposta, e em poucos segundos que não se poderia dizer se Omi os sentiu como uma eternidade ou como fugazes, o veículo inclinou-se ao mesmo tempo em que escorregava. Parece com a sensação de uma montanha-russa logo antes da primeira descida... Na escuridão daquela noite, Omi não teve sequer tempo de gritar, apenas ouviu o barulho do trailer rolando e das árvores e pedras com as quais se chocava. Antes de parar, afundar ou se chocar contra qualquer coisa, o chibi perdeu a consciência.
Abril/2004
Continua...
Comentários da Autora:
Aviso:Bem, este foi o último capítulo completo que eu tinha!!! A partir de agora meu trabalho só dobrará, então espero incentivos! Não precisa ser elogio, não precisa ser longo, preciso apenas saber que há pessoas lendo... Felizmente já recebi alguns comentários desde que postei a fic aqui, mas não custa nada continuar, ne?? carente
Inutilidade: Espero sinceramente que ninguém tenha percebido um tremendo erro de roteiro que cometi e eu ainda por cima aviso!!! mas como já escrevi há vários meses, seria terrível ter que mudar tanta coisa de repente... É que começo de história, eu não gosto muito deste capítulo... Meus favoritos na verdade são os 2 capítulos anteriores a este, e todas as seqüencias de terror, que foi uma inovação prá mim e um grande prazer escrever... Agora que aparentemente Kaori Yuki homenagem descarada foi pro beleléu, vou pensar em outra maneira de manter o terror da história! 0/
É que... apesar de este capítulo parecer "final", ainda vai haver algumas questõezinhas prá resolver, eu adoro conflitos! (O)/ Por isso continuem lendo...
E comentem, por favor!!!
