Sul (Fogo)
"É impossível compreender o presente sem que se conheça o passado".Goethe
Solstício de Verão, Alban Heruin, a luz do Litoral. Sente claramente que seu corpo vibra harmonioso na - curta - vigília por toda a noite, à volta da fogueira do solstício, quando utiliza toda a magia da natureza para trabalhar em sua arena interior, lapidando e tentando fazer reais seus sonhos mais profundos. Rapidamente a luz irrompe, e com os demais druidas ele celebra a Cerimônia da Aurora que marca a hora do nascer do Sol em seu dia mais poderoso. Com o sol a pino, todos aparatavam para Stonehedge para a cerimônia do Meio Dia. É lá que tudo acontecerá, ele o sabe. Ele o sente. Ele o vê. Ele vê.
xoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxox
Voltou à consciência graças ao som grotesco de uma gigantesca e rítmica batida em seus tímpanos, aliada a uma dor perfurante que varava de lado a lado o seu cérebro. Todo o universo tinha-se tornado tão espantosamente macroscópico que não sabia se gritava para que o mundo se calasse, ou se calava para sentir menos dor por ser parte do mundo. Enquanto sua tumultuada consciência oscilava entre tais extremos, seu estômago rebelou-se completamente e não aceitou por mais tempo o conteúdo pegajoso que já tinha suportado por tempo demais.
Conforme seu corpo em espasmos se aliviava dos restos da poção, as coisas começaram a voltar ao normal, e foi quase com prazer que sentiu que a batida em seus ouvidos amainou-se até retornar ao inaudível e costumeiro refluir do sangue em suas veias. Mas a cabeça ainda insistia em doer, parecendo atravessada por um ferro em brasa.
Arrastou-se até o chuveiro e foi com lábios ainda cerrados de dor que proferiu o feitiço que gerou o banho quente com um jato de água muito, muito forte. Aos poucos a água e o aroma do bom sabonete foram amainando o sofrimento, mas mesmo após a meia hora que ali ficou sob o jorro initerrupto a dor persistia fina e incômoda. Lembrava seus alunos, pensou enquanto suspirava resignado ao secar-se. Vestiu-se completamente e obrigou-se a limpar sua masmorra. Malditos cogumelos !
Respirando fundo, obrigou o corpo indisciplinado a buscar respostas. Mal distinguindo as letras abriu com sofreguidão o velho livro, avidamente buscando soluções para o que tinha passado naquela noite. Nada. Nem uma única palavra sobre aquilo, nada podia dizer-lhe se era verdade ou efeito de ter preparado erroneamente a poção. Sua fúria só era suplantada pela sua vontade de saber : a alta magia do solstício só podia ser feita uma vez ao ano, e ele não tinha paciência nem vida suficiente para esperar tanto. Isso se aquela visão se concretizasse. Isso se aquilo fosse verdade. Mas onde...
Albus.
- Bom dia, Severus. Parece que a noite não foi tão boa.
- Eu fiz o ritual.
- Ah... então foi você.
- Quem mais o faria ?
Arrogância e busca de conhecimento a qualquer preço, teu nome completo é Severus Snape, suspirou Dumbledore diante da lembrança dessa frase ouvida há tanto tempo... não concordara com seu emitente na época, mas havia momentos nos quais aquele que conheceu como menino (e que cresceu rápido e cedo demais, aliás como tantos, convenhamos) dava-lhe razões para quase concordar com ela.
- Realmente, uma boa colocação. Mas psilocibes não nascem somente na Floresta Proibida de Hogwarts, Severus. A magia druida do solstício não tem - e nem deve ter - um único dono.
- O que me leva ao próximo e nevrálgico ponto, caro Diretor : quanto daquilo é verdadeiro ?
Ele não tinha certeza, mas se alguém do mundo mágico já tinha tentado fazer aquilo (além de Tom Riddle, claro) esse alguém era Albus Percival Dumbledore. E - uma idéia dardejava seu dolorido cérebro insistentemente, depois da última frase deste - mais alguém que ele não conhecia. Ou preferia não pensar em quem seria.
- Bem, Severus... tudo e nada.
- Diretor, preciso de RESPOSTAS, ou não teria me submetido... àquilo se não buscasse respostas condizentes !
- Se busca respostas, Severus, deve ter paciência para obtê-las. E isso nenhum cogumelo, por mais mágico que seja, vai te dar. Paciência é uma virtude a ser conquistada.
- Estranha junção, virtude e Severus Snape, não acha, Diretor ?
- Sinceramente, meu caro Severus, eu apenas acho que você deva aproveitar o tempo e tomar um bom e reforçado café da manhã, enquanto eu termino algumas coisas urgentes. Venha ver-me novamente às dez horas.
Café ? ARGHHHH !
xoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxxoxoxox
Forçou seu estômago ainda sensível a aceitar pão puro e um pouco de suco de abóbora sem açúcar; precisava de algo que debelasse de vez aquela dor de cabeça irritante, e sabia que um bom chá de calomelanos iria resolver o problema do seu corpo, que se rebelava mais e mais a cada minuto. Mas para conseguir segurar o amargo chá precisaria que o estômago estivesse "forrado" com alguma coisa mais consistente que a água que descia tão bem. Felizmente não havia alunos ou aulas a dar, pois seria muito difícil para um professor ter de sair de dez em dez minutos da classe para obedecer aos desígnios da natureza em seu corpo. É, um bom e reforçado chá de calomelanos iria resolver, pensava enquanto empurrava mais um pedaço de pão para dentro da boca.
- Severus, parece que o expresso de Hogwarts te atropelou essa noite !
Potter. Tinha que ser ele a fazer a gracinha, sempre o eterno herói. E - Inferno Sangrento ! - porque em voz tão alta ?
- Mais ou menos isso. Tenham um bom dia.
Uma bomba de bosta de dragão dinamarquês que tivesse explodido no grande Salão não teria causado tanto espanto quanto aquela frase. Apenas após uns bons dez minutos que Snape tinha se levantado e saído que é alguém conseguiu articular algo.
- Que bicho mordeu o Snape ?
- Um dos grandes, Mione... ele NUNCA me desejou bom dia, a não ser no dia posterior ao que eu ganhei a Grande Batalha !
- Bem... tecnicamente ele não TE desejou bom dia...
- Ah, isso me deixa infinitamente mais tranquilo. Já imaginou se ele tivesse se tornado alguém mais sociável no Natal ? Eu ia correr para o quarto e escrever uma cartinha atrasada para o Papai Noel, implorando um presente.
- Quem é Papai Noel ?
- Ah, é uma figura mítica trouxa, Luna, ele é um velhinho de barbas brancas que traz presentes no Natal.
- Parece o Diretor.
- É, pensando bem, a imagem é mais ou menos a dele, mesmo. Já pensaram, Dumbledore de roupa vermelha e gorrinho, levando um pacote na masmorra do Snape e dizendo "Ho-ho-ho, Feliz Natal, Severus ! Você não foi um bom menino nesse ano que passou, aliás nunca foi, mas eu vou te dar um presentinho mesmo assim !" Hei, vamos ver o que temos embaixo da árvore ?
E enquanto todos gargalhavam e corriam (como os adolescentes que nunca deixaram de ser) para a maior das sete árvores que ornavam o Grande Salão, Luna terminava calmamente seu café da manhã, conversando de si para si :
- No solstício, o presente é estar presente, apenas. Ser presente, melhor ainda.
xoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxox
Calomelanos é Mercurius Dulcis, ou cloreto de mercúrio, um remédio homeopático usado ( entre outras aplicações) para...diarréia e para dominar a náusea. rs Eu sei que eu não presto, mesmo, viu ?
