Leste (Ar)
"Que arejem nossas almas os ventos do continente !"
A gárgula de pedra , ao abrir-se, parecia estar rindo de sua tonalidade facial verde-sonserina. Se não tivesse tido a impetuosidade grifinória de ter vindo mais cedo falar com o diretor, certamente ele teria tido um dia solitário e pacífico : teria ficado em seus gélidos aposentos nas masmorras, deixado a natureza agir e passar aquele dia em paz, tentando estudar o maldito livro de "Antiga Magia Celta" para ver se achava quais as chaves para a sua visão.
Mas ele não tinha feito isso, tinha agido contrariamente a todo seu treinamento, a todo seu instinto de preservação adquirido ao longo de tantos anos de espionagem... e ali estava a rígida gárgula, esperando-o subir as escadas até os aposentos do diretor."Inferno Sangrento, eu e minha sede de saber!", pensava enquanto subia com o que restava de sua elegância até o gabinete do diretor.
Chegou e encontrou uma chávena de chá com cheiro bastante aprazível, já servida e magicamente aquecida, à frente de um bilhete :
"Sírva-se, lhe fará bem. Volto assim que puder. Albus."
Não reconheceu de imediato o chá, mas ao tomá-lo percebeu o afável sabor de Menta Piperita como nota principal. Seu estômago recebeu bem o chá, e degustá-lo já havia se tornado um prazer agradável quando - quase uma hora depois - o velho diretor chegou pela lareira.
- Perdoe-me, Severus, nem sempre somos nós a determinar a hora certa de nossos atos.
- Então, Albus, o que é a verdade, afinal ?
- Gosta de Salvador Dali, Severus ?
- Não quero respostas filosóficas à pergunta em si, Albus, quero apenas respostas ao ritual do solstício : o que vi é verdade ?
- O que é verdade, afinal, Severus ?
- Caro Albus, meu corpo ainda não se recuperou dessa aventura gastronômica nefasta, minha cabeça ainda ecoa lugubremente a cada palavra que escuta e preciso de dados objetivos para poder trabalhar com o que tenho; discussões metafísicas e ideológicas não irão me ajudar.
- Então, meu caro Severus, sugiro que você tome mais desse chá, mas em seus aposentos, até seu corpo se restabelecer. E não o derrame da xícara.
- Pelo visto, Diretor, acredita que minha mente é a xícara cheia que não aceita mais chá sem derramar. Afirmo-lhe que é o contrário.
- Mas seu corpo aceita com prazer mais chá, não, Severus ? Não acha interessante que o primeiro resultado do ritual do solstício seja a limpeza de seu corpo ? Apenas aceite, minha criança, apenas aceite... veja como seu corpo é sábio, e pelo menos uma vez na vida siga-o, ao invés de seu cérebro. Essa que ecoa e reverbera a cada palavra que é dita por outra pessoa, tirando-o de seu norte. Vou mandar Dobby levar mais chá a seus aposentos. Agora, perdoe-me que tenho de fazer algo urgente para o Ministério.
- Para o Ministério ?
- Bom chá, Severus.
xoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxo
- Professor Snape, um momento !
Ah, não ! Luna Lovegood, hoje, não !!!
- Achei que iria gostar de receber isso no solstício. Tenha um bom dia.
- Uma pedra de toque ?
- Porque, você já tem uma ?
- Muitas.
- Tem mesmo ? Eu não sabia. Mas essa é meu presente. Feliz Natal.
E sem outra palavra ou mesmo esperar por uma retribuição ela voltou-se e seguiu pelo corredor, cantarolando uma música indecifrável e marcando o compasso com sua varinha. Como uma regente de um coro invisível.
xoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxoxo
Menta Piperita é hortelã.
Salvador Dali fez dois quadros intitulados "O que é a verdade, afinal?" um em 1936 e outro em 1947. Sugiro procurarem, dará uma boa idéia sobre verdades pessoais... :)
Pedra de toque é aquela pedra dura, em geral escura (como jaspe ou mesmo quartzo) que os joalheiros usam para testar a pureza de metais,através do efeito produzido pelo atrito entre os dois. Figurativamente,designa qualquer prova de verdade.
